Dignidade do trabalhador e exame grafológico

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1. Introdução

“Nesta folha em branco que recebeu, você deverá escolher um assunto qualquer do seu interesse, a fim de que desenvolva uma redação sobre o mesmo”.

Seguramente, quem quer que tenha se submetido a processo de seleção para ingresso em empresa já deve ter se deparado com essa espécie de exame.

E todos nós, ingenuamente, quando iniciamos a redação, seguimos firmes com a idéia de que devemos nos esmerar na qualidade do texto produzido, pois será “decisivo” para a nossa admissão na empresa.

Estamos diante do famoso exame grafológico, utilizado cada vez de modo mais crescente pelas empresas, que buscam contratar não apenas os trabalhadores mais capazes para o exercício da função, mas também aqueles que se encontram subjetivamente mais adequados ao desempenho do cargo.

Sucede que a realização do exame grafológico suscita seríssimas dúvidas quanto à sua compatibilidade com os princípios constitucionais, dentre os quais a dignidade da pessoa humana, além de possivelmente vulnerar direitos individuais dos trabalhadores, como o pertinente à intimidade.

É o propósito do presente trabalho, portanto, examinar a adequação dos denominados “exames grafológicos” à dignidade da pessoa humana, trazendo também considerações sobre o direito à intimidade dos trabalhadores.

2. Considerações sobre o exame grafológico

Para avaliar corretamente se reside na submissão ao exame grafológico efetiva transgressão ao direito à intimidade e, principalmente, à dignidade do candidato a posto de trabalho, é necessário desencobrir a natureza do exame e a que se propõe a sua realização.

Alexandre Santos, ao discorrer sobre o assunto, esclarece que “a Grafologia é a ciência que se ocupa em estudar o comportamento através da letra. Esta ciência apresenta sinais de sua existência há mais de 500 anos. (…) Resumidamente, pode-se entender a Grafologia como o estudo das características da caligrafia do indivíduo, relacionadas com as respectivas atitudes comportamentais. (…) A Grafologia é uma ciência completamente amparada pela psicologia, não cabendo a si nenhuma interpretação peculiar se não a da própria interpretação compreendida pelos padrões científicos já oficializados”.[1]  

Vê-se, então, que se funda a Grafologia em bases científicas, tudo com o propósito de auxiliar a contratação do trabalhador mais apto ao exercício da atividade na empresa.

E justifica-se a sua crescente utilização : na condição de processo destinado à inserção de novos trabalhadores na empresa, a Grafologia comparece com o espantoso percentual atinente a índice de acerto à ordem de 85 %. Significa o seguinte : os trabalhadores que realizam o exame têm desvendada a sua personalidade na esmagadora maioria das hipóteses em que se submetem a tais exames.

Todavia, a margem de acerto da metodologia utilizada em casos tais, além de contribuir para a contratação do “empregado certo para a função certa”, termina por desenvolver uma série de conseqüências ofensivas a princípios constitucionais, de modo específico ao da dignidade da pessoa humana.

3. Os Princípios Constitucionais Fundamentais e a dignidade da pessoa humana

Preceitua o art. 1º, III, da Constituição de 1988 : “A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado democrático de Direito e tem como fundamentos : I – (…); III – a dignidade da pessoa humana”.

Converte-se, na feliz síntese conceitual de Miguel Reale, no valor-fonte de todo o sistema normativo brasileiro.[2]

Deveras, não se pode pensar em interpretação constitucional ou, de resto, interpretação de qualquer dispositivo do ordenamento jurídico nacional à revelia do valor “dignidade da pessoa humana”, fundamentalmente porque se põe como inexcedível manancial teleológico a partir do qual devem ser extratadas todas as proposições do aplicador do direito.

É certo que se não conceitua “dignidade da pessoa humana”, pois representa topoi, ou ponto de partida para a solução do problema normativo-constitucional.

É o mesmo fenômeno que se sucede com relação ao termo “interesse público”. Quem se propuser a indicar uma conceituação de interesse público seguramente se envolverá em um mar de dificuldades; contudo, de modo distinto, se estiver o trabalho voltado a investigar determinado caso no qual se argüi ofensa a norma protetiva de um interesse reputado “público”, já, no particular, será muito fácil ao membro do Ministério Público ou o Juiz concluírem em tal sentido.

De modo semelhante, a impossibilidade de conceituação do que vem a ser “dignidade da pessoa humana” não erige óbice ao reconhecimento da ofensa concreta consumada ao valor-fonte na situação da vida.

Assim, imagine-se circunstância em que o empregador, no exercício do propalado poder diretivo empresarial, passe a determinar que todos os empregados sejam obrigados a comunicar ao superior hierárquico a existência de relacionamentos amorosos nos quais se envolvam laboristas da empresa. Não é preciso ir muito longe em termos de disceptações jurídicas para rematar a respeito da completa impropriedade da exigência, valendo-se, para isso, não de fundamentação recolhida da legislação ordinária, mas do princípio fundamental da dignidade da pessoa humana.

Ninguém, no regular uso das faculdades mentais, poderá defender a legitimidade do comportamento empresarial, máxime se tomado como vetor interpretativo o indigitado fundamento do Estado brasileiro. Para isso não se está obrigado a delimitar o conceito de dignidade da pessoa humana. Basta apontar e provar que a atitude assumida vulnera o postulado fundamental para construir uma rede de proteção ao direito. E só … Se a situação realça o caráter de tratamento indigno conferido pelo empregador ao empregado, o princípio fundamental é mais do que suficiente para impor ao órgão jurisdicional o acolhimento do pleito destinado a estancar a insidiosa transgressão.

Eis a importância, portanto, do topoi para a interpretação constitucional : objetivar, na situação concretamente considerada, se houve ou não desrespeito ao valor inserido no sistema constitucional. Importância, por sua vez, que transcende – e em muito – as considerações de cariz meramente teórico em torno ao tema, porquanto liberta o aplicador do direito da omissão inconstitucional do legislador ordinário, provendo-o de subsídios e fonte normativa diretamente recolhidos da matriz constitucional.

E o que dizer da dignidade da pessoa humana e o exame grafológico ?

Temos por certo que as empresas vêm se utilizando de processos os mais variados para encontrar, no mercado de trabalho, os trabalhadores mais capazes para o exercício da função.

Também não poderíamos deixar de considerar legítimo o comportamento empresarial que exige a submissão  de candidatos a procedimentos prévios à inserção do laborista no estabelecimento.

Contudo, o que não parece acertado é organizar processo seletivo que implique em vulneração à dignidade dos trabalhadores, como acontece com os excessos pertinentes à realização do exame grafológico.

Em primeiro lugar, qual a razão de “esconder-se” do candidato a posto de trabalho o fato de que a redação do texto servirá não para medir a sua habilidade na escrita, mas sim a descoberta de sua própria personalidade ? Não é aviltante da condição humana do empregado subtrair-lhe o conhecimento quanto a que tipo de exame está sendo submetido ? Ou mais : sendo tão “eficaz” o exame grafológico, tal como demonstram estudos realizados por especialistas, não seria correto informar sempre o candidato sobre a natureza do exame ?

É fato notório a dificuldade com que os pretendentes a posto de trabalho se envolvem para conseguir finalmente uma colocação em empresa. E é esta dificuldade que torna o trabalhador especialmente vulnerável à ofensa de sua condição humana, visto que a recusa de realizar o exame é sinônimo de renúncia à vaga na empresa.

Outro detalhe não deve passar despercebido por quem analisa o tema : ainda que muitos candidatos não se importem com o destino a ser dado aos aludidos exames, ou que espécie de descoberta será feita a respeito de sua personalidade, sempre haverá de existir trabalhador que, se conhecimento tivesse acerca dos propósitos do exame, muitíssimo provável é que somente à custa de grande contrariedade  a ele se submeteria, ou mesmo, em situação mais extrema, não se repugnaria a hipótese de existir aquele apto a abandonar o processo seletivo em virtude da exigência.

É flagrante a ilegitimidade do comportamento empresarial ao determinar a submissão dos trabalhadores a exame grafológico, e isso por algumas razões realmente significativas.

E, aqui, a primeira delas : é ofensiva à dignidade da pessoa humana do trabalhador a exigência feita pela empresa ou quem as suas vezes estiver fazendo, a fim de submeter o candidato a posto de trabalho a exame grafológico porquanto não se lhe dá conhecimento a respeito da natureza da avaliação. Sim, porque, sem ciência da natureza da avaliação empreendida, impede-se-lhe de emitir juízo crítico sobre o exame, de sorte a colocar nos pratos da balança o peso da invasão à intimidade em face da inserção no estabelecimento. E mais : sem o conhecimento a respeito da natureza da avaliação não se opera consentimento válido do candidato acerca do exame.

Milhões de desempregados são submetidos a diversos processos seletivos, mas sequer têm qualquer inclinação ou gosto pela atividade posta à disposição pela unidade empresarial, quer porque a função não é atraente, quer porque não o é o salário oferecido; pouco importa, fazem os exames apenas porque os ditames da sobrevivência os impelem a tanto. Pergunta : se soubessem que o exame grafológico que fizeram promoverá o desnudamento de sua personalidade, consentiriam, ainda assim, com a manipulação dos resultados pela empresa ou pelos consultores de recursos humanos que o aplicaram ?

E é também com lastro na dignidade da pessoa humana que estendemos a proteção para todo e qualquer exame a ser feito pelos trabalhadores. Ou seja : trate-se de exame grafológico ou qualquer outra avaliação psicotécnica, impõe-se, em primeiro plano, cientificar os trabalhadores a respeito da natureza do teste que vão fazer, tornando-se impositivo que tais esclarecimentos venham por escrito e em linguagem leiga e clara no corpo da prova, a fim de possibilitar o perfeito entendimento pelos candidatos.

4. O direito à intimidade do empregado e o exame grafológico

Faz-se referência, com bastante  habitualidade, ao fato de a Constituição de 1988 ter promovido considerável alargamento dos direitos individuais, bem assim de ter fornecido aos cidadãos os instrumentos mediante os quais tais direitos podem ser fruídos concretamente. Recebeu, por tal motivo, a alcunha de “Constituição cidadã”.

E o plexo dos direitos individuais não deixa espaço para dúvidas quanto à preocupação do legislador constituinte originário a respeito da efetivo cumprimento da “vontade de constituição”, tanto que, a par dos inúmeros direitos consagrados nas dezenas de incisos do art. 5º, igualmente foram contempladas as garantias individuais, como o mandado de segurança, individual e coletivo, o mandado de injunção, o habeas corpus, o habeas data e a ação popular.

E o direito à intimidade ? Qual a sua base constitucional ? É o art. 5º, X, segundo o qual “são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material e moral decorrente de sua violação”.

O dispositivo constitucional protegeu o direito à intimidade juntamente com a vida privada, a honra e a imagem.

Conquanto possa ser referido como direito individual, na medida em que se localiza topograficamente no Capítulo I (Título II), cuja epígrafe é, precisamente, “Dos Direitos e Deveres Individuais e Coletivos”, é conveniente a referência ao tratamento que fora dispensado à intimidade pelo Novo Código Civil Brasileiro.

Incluindo-o no contexto dos direitos da personalidade, acentua o art. 11 do NCC que “com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo o seu exercício sofrer limitação voluntária”.

Significa dizer que o direito à intimidade, assim como os demais direitos da personalidade, salvo as hipóteses taxativamente previstas na legislação[3], estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de contrato.

O direito à intimidade tem conteúdo próprio. A sua proteção se identifica à tutela da porção mais recôndita do indivíduo. Vícios, hábitos, aventuras amorosas, tudo isso se insere na salvaguarda à intimidade.

E o que dizer da personalidade do trabalhador ? Não seria francamente ofensivo ao direito à intimidade exigir-lhe que realize exame grafológico para, em seguida, com tais subsídios, efetivar a empresa o esquadrinhamento da sua personalidade ? Os signos “intransmissibilidade” e “irrenunciabilidade”, que denotam a natureza do direito à intimidade, não são suficientes para impedir-se a proliferação dos exames não consentidos pelo candidato ?

Indiscutivelmente, pugnar pela legitimidade dos exames grafológicos, mesmo que à revelia do conhecimento do candidato sobre o caráter da avaliação, é desconhecer que a Constituição de 1988 resguarda, em seu interior, o direito à intimidade, concitando à sua concretização em todos os domínios da existência humana, não escapando, por óbvio, o contexto das relações de trabalho.

Por outro lado, cuida examinar se a submissão do trabalhador ao exame – decorrente de deliberada e espontânea manifestação de vontade – consistiria transgressão ao caráter irrenunciável do direito da personalidade em questão.

Com efeito, ainda que o direito à intimidade deva ser objeto de tutela específica nas relações de trabalho, nada impede que o trabalhador, desde que ciente da natureza do exame e da destinação que se dará ao respectivo resultado, opte pela sua realização, sem que o comportamento possa induzir à existência de renúncia.

Algo bastante distinto de o empregado, por exemplo, celebrar contrato de trabalho no qual consta, implícita ou explicitamente, autorização para o empregador promover devassa à sua intimidade, filmando-o (a) ou monitorando-o(a) constantemente, é aceitar o exame como condição de ingresso na empresa, impondo-se registrar, nesse passo, que a manifestação volitiva do empregado quanto à submissão ao exame deve ser formal, isto é, não se poderá admitir a aplicação da análise grafotécnica à revelia de prévia e expressa autorização do trabalhador.

5. A solução do problema à luz da técnica da ponderação de interesses

Interessante técnica de interpretação forjada no contexto da nova hermenêutica constitucional é a ponderação de interesses, de inconteste utilidade para a solução de problemas como o aqui aventado.

Deveras, não raro persistem direitos individuais que se encontram em colisão, tornando-se juridicamente necessário ponderá-los.

Se o direito à intimidade deve ser protegido, impedindo-se que o trabalhador seja, à revelia de sua vontade, obrigado a escrever uma redação para a descoberta de sua personalidade, também deve ser considerado o fato de que diversas atividades empresariais carecem de exames mais densos para promover a admissão de empregados. E, registre-se que, muitas vezes, coincide o interesse empresarial com o interesse público quanto à seleção rigorosa do trabalhador, como acontece na situação de empresa de vigilância que contrata empregados para tais serviços, posto que, nos termos do art. 19, II, da Lei nº 7.102/83, têm direito a porte de arma quando em serviço.

E não por outro motivo mas por esse, o art. 16, V, da Lei nº 7.102/83 estabelece como um dos requisitos obrigatórios para ingressar na empresa de vigilância como vigilante a aprovação em exame de saúde física, mental e psicotécnico.

O propósito é claro : impedir que trabalhador  com nível de agressividade acima do normal seja admitido para execução de trabalho de vigilância ostensiva na medida em que se reserva àquele o direito ao porte de arma em serviço.

Surge, então, a ponderação de interesses. Para Daniel Sarmento, “o julgador deve buscar um ponto de equilíbrio entre os interesses em jogo, que atenda aos seguintes imperativos : a) a restrição a cada um dos interesses deve ser idônea para garantir a sobrevivência do outro; b) tal restrição deve ser a menor possível para a proteção do interesse contraposto e c) o benefício logrado com a restrição a um interesse tem de compensar o grau de sacrifício imposto ao interesse antagônico. Além disso, a ponderação deve sempre se orientar no sentido da proteção e promoção da dignidade da pessoa humana, que condensa e sintetiza os valores fundamentais que esteiam a ordem constitucional vigente”.[4]

Na contraposição entre a intimidade e o poder diretivo empresarial – aqui também reforçado pelo interesse da coletividade tendente a fazer com que o empregador só admita empregados psicologicamente preparados para o exercício de determinadas funções – , reduz-se, em intensidade mínima possível, o direito da personalidade em favor da realização do exame grafológico e demais provas psicotécnicas, ponderando-se que é o interesse de todos que deve prevalecer e não de um trabalhador singularmente considerado.

O benefício advindo com a restrição à intimidade compensa o sacrifício, em parte, do direito individual ? Não temos dúvida em responder afirmativamente.

A contratação criteriosa é sinônimo de reverência e respeito ao interesse público, porque motoristas, vigilantes, aeronautas – apenas para exemplificar algumas categorias profissionais cujo processo de seleção poderia contemplar tais exames – exercem atividade na qual são depositadas em suas mãos a vida de centenas ou milhares de seres humanos.

6. Competência da Justiça do Trabalho para julgamento da questão

É inelutável a competência da Justiça do Trabalho para o julgamento de qualquer ação cujo objeto esteja relacionado à exigência acerca de realização de exame grafológico.

Poder-se-ia, entretanto, objetar que, em se tratando de suposta ofensa perpetrada no momento pré-admissional, não seria técnico cogitar de competência dos órgãos jurisdicionais trabalhistas, porquanto ainda não há contrato de trabalho, e o balizamento de sua competência  material surgiria da existência de um contrato.

Constitui-se erro vitando concluir que a Justiça do Trabalho somente portaria competência para julgar dissídios individuais que têm por causa de pedir uma relação contratual de trabalho.

Após a ocorrência das lesões massivas, que impuseram um repensar em toda teoria processual no que concerne a limites subjetivos da coisa julgada, litispendência, competência territorial et caterva – institutos sacrossantos urdidos no altiplano  do direito processual privatístico – , o direito processual do trabalho não poderia se posicionar à margem da saudável tendência iniciada por Cappelletti na década de 70 na Itália.

Sendo assim, diversas práticas que se operam antes mesmo da inserção do trabalhador na empresa, por vinculadas a uma possível relação contratual de trabalho, devem ser examinadas pela Justiça do Trabalho.

Discriminação – materializada sob as suas mais diversas formas (racial, portador de deficiência, sexual) –; exigências excessivas; questionários invasivos à intimidade e vida privada do trabalhador, todas essas práticas devem ser banidas da relação de emprego. Para que tal propósito seja alcançado, impõe-se o reconhecimento da Justiça do Trabalho como órgão com competência material para solver controvérsias da ordem.

7. Conclusões

A Grafologia é a ciência que estuda as características da caligrafia do indivíduo, relacionadas com as respectivas atitudes comportamentais;

A realização do exame grafológico suscita seríssimas dúvidas quanto à sua compatibilidade com os princípios constitucionais, dentre os quais a dignidade da pessoa humana;

Não se pode pensar em interpretação constitucional ou, de resto, interpretação de qualquer dispositivo do ordenamento jurídico nacional à revelia do valor “dignidade da pessoa humana”;

É ofensiva à dignidade da pessoa humana do trabalhador a exigência feita pela empresa, ou quem as suas vezes estiver fazendo, a fim de submeter o candidato a posto de trabalho a exame grafológico sem que lhe dê conhecimento a respeito da natureza da avaliação;

Trate-se de exame grafológico ou qualquer outra avaliação psicotécnica, impõe-se, de logo, tornar cientes os trabalhadores a respeito da natureza do teste, sendo imprescindível que tais esclarecimentos venham por escrito e em linguagem leiga e clara no corpo da prova, a fim de possibilitar o perfeito entendimento pelos candidatos;

Ainda que o direito à intimidade deva ser objeto de tutela específica nas relações de trabalho, nada impede que o trabalhador, desde que ciente da natureza do exame e da destinação que se dará ao respectivo resultado, opte pela sua realização, sem que o comportamento possa induzir à existência de renúncia;

Interessante técnica de interpretação criada pela nova hermenêutica constitucional é a ponderação de interesses, cuja utilidade é incontestável para resolver problemas como a colisão entre intimidade e exame grafológico;

A contratação de trabalhadores consumada de modo criterioso é instrumento à consecução do interesse público, porque motoristas, vigilantes e aeronautas, por exemplo, exercem atividade na qual são depositadas em suas mãos a vida de centenas ou milhares de seres humanos;

Diversas práticas – mesmo as que se operam antes da inserção do trabalhador na empresa –, quando vinculadas a uma possível relação contratual de trabalho, devem ser examinadas pela Justiça do Trabalho.

 

Notas:
[1] Disponível em http://www.viaterapias.com.br/grafologia/grafologia.htm
[2] Cf. O Estado Democrático de Direito e o Conflito de Ideologias, p. 3.
[3] Como ocorre com o atleta profissional de futebol, visto que a Lei nº 9.615/98 permite a celebração de contrato de licença de uso da imagem do atleta por parte da agremiação esportiva.
[4] Cf.  A ponderação de interesses na Constituição Federal, pp. 144/145.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Manoel Jorge e Silva Neto

 

Procurador do Ministério Público do Trabalho (BA). Professor-Adjunto de Direito Constitucional da Universidade Federal da Bahia (UFBa). Mestre e Doutor em Direito Constitucional pela PUC-SP. Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho (ANDT) – Cadeira nº 64. Ex-Presidente da Associação Nacional dos Procuradores do Trabalho (ANPT).

 


 

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