As Disposições da MP 927 de 2020 Acerca de Férias Individuais e Coletivas à Luz do Ordenamento Jurídico

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The Provisions of MP 927 of 2020 About Individual and Collective Holidays in the Light of The Juridical Order

Douglas Contreras Ferraz – Juiz do Trabalho Substituto no Tribunal Regional do Trabalho da 8ª região. Pós-Graduando em Direito Internacional e Direitos Humanos pela PUCMG. Graduado em Direito pela UERJ. Membro do NTADT da FDUSP.

Juliane Cristina Silvério de Lima – Advogada. Mestranda em Direito e soluções alternativas de controvérsias empresariais pela Escola Paulista de Direito. Membro da comissão de Direito Internacional do Trabalho da AATSP.

Resumo: análise das normas constantes da MP 927 de 2020 quanto à temática de férias individuais e coletivas, fazendo uma leitura dentro do contexto de pandemia e estado de calamidade pública, mas com atenção às previsões legais e constitucionais envolvendo o direito humano e fundamental a férias remuneradas. Abordam-se pontos como a aquisição das férias, perda do direito, comunicação prévia, fracionamento, antecipação, prioridade ao grupo de risco, suspensão, prazo para pagamento, abono e direitos em caso de dispensa, arrematando-se com as disposições acerca de férias coletivas. Conclusões aplicáveis durante o período de vigência da MP 927.

Palavras-chave: direitos fundamentais – férias individuais – férias coletivas.

 

Abstract: Analysis of the rules contained in the MP 927 of 2020 regarding the theme individual and collective vacations, doing a reading within the context of the pandemic and the state of public calamity, but with attention to the legal and constitutional predictions involving the human and fundamental right of holidays with pay. It addresses issues such as the acquisition of vacations, loss of rights, prior communication, fractioning, priority to the risk group, suspension, deadline for payment, allowance and rights in case of dismissal, concluding with the provisions regarding collective vacations. Conclusions applicable during the period of validity of MP 927.

Keywords: fundamental rights – individual holidays – collective holidays

 

Sumário: Introdução. 1. Do direito humano e fundamental às férias. 2. Da Medida Provisória 927 de 2020. 3. Das férias remuneradas. 4. Do pagamento das férias. 4.1 Da postergação do pagamento do terço de férias. 5. Da dispensa do empregado. 6. Da concessão de férias coletivas. Conclusão. Referências.

 

Introdução

O presente artigo enfrenta de forma detalhada as previsões da Medida Provisória 927 de 2020 referente a temática das férias, individuais e coletivas. Atente-se que o direito às férias se consubstancia em direito fundamental e humano, pelo que, mesmo no contexto pandêmico, certas normas do chamado direito do trabalho de emergência devem sim passar pelo filtro de constitucionalidade.

São abordados pontos como a aquisição das férias, perda do direito, comunicação prévia, fracionamento, antecipação, prioridade ao grupo de risco, suspensão, prazo para pagamento, abono e direitos em caso de dispensa, arrematando-se com as disposições acerca de férias coletivas.

Registre-se que todas as conclusões são aplicáveis durante o período de vigência da MP 927, sendo certo que, em que pese não tenha sido convertida em lei, as situações jurídicas consolidadas sob a égide da MP 927, permanecerão por ela sendo regidas, pelo que sobreleva-se o debate jurídico em torno do tema.

 

  1. Do direito humano e fundamental às férias

O descanso durante o período de férias tem como objetivo evitar o cansaço excessivo e preservar a higidez física e mental do trabalhador, bem como lhe assegurar o pleno convívio social e familiar. Nesse período de descanso prolongado, não há prestação de serviços, mas há pagamento do salário, e o período de afastamento é contado para todos os efeitos. Corresponde, portanto, a uma hipótese de interrupção do contrato de trabalho, com previsão constitucional, vide art. 7º, XXVII.

Trata-se de um direito fundamental social dos trabalhadores, porque previsto na Constituição, e de um direito humano universal, porquanto consagrado na Declaração Universal de Direitos Humanos (art. XXIV), no Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (art. 7º), no Protocolo de San Salvador (art. 7º, h), bem como na Convenção 132 da OIT, ratificada pelo Brasil, que versa sobre férias remuneradas para os trabalhadores em geral, a exceção dos marítimos, alcançados pela Convenção 146, também ratificada pelo Brasil.

As férias inserem-se no rol de descansos estipulados pelo legislador para um contrato de trabalho, os quais são múltiplos e de diversas naturezas, mas todos têm o ponto em comum de atender às necessidades de higidez física e mental do trabalhador. Contudo, como bem destaca Silva (2017, n.p.):

“Embora haja um ponto em comum entre todas as pausas previstas para o contrato de trabalho, das menores até as maiores, cada qual guarda uma destinação própria e uma finalidade intransferível. Para algumas pausas, poucos minutos são suficientes, pois o propósito se concentra em algum revigoramento rápido de articulações do corpo humano; outras pausas são maiores, a fim de permitir o revigoramento e a alimentação, por exemplo; a pausa destinada ao sono requer tempo maior para o relaxamento completo do organismo; e assim por diante, até chegarmos à noção de férias. (…) Considerando que elas devem se destinar não apenas ao revigoramento momentâneo do organismo, mas procurar zerar o cansaço acumulado e, no dizer da doutrina clássica, liberar as toxinas que o organismo absorve ao longo do ano, as férias necessitam de prazos maiores”.

De maneira didática Martinez (2019, n.p.) elenca características das férias:

“a) constituem um direito social, a teor do art. 7º, XVII, da Constituição; b) são irrenunciáveis; c) correspondem a um intervalo anual de descanso e duração variável; d) são outorgadas exclusivamente aos trabalhadores exercentes de atividades por conta alheia; e) seu custeio cabe unicamente ao tomador dos serviços. Envolvem, por isso, uma situação de interrupção contratual; f) estão obrigatoriamente acompanhadas do acréscimo de um terço, pelo menos, sobre a remuneração oferecida. Esse um terço é acessório necessário, compondo, inclusive, a noção de pedido implícito. Não se pode falar em férias sem o pagamento do referido acréscimo; uma coisa está amalgamada na outra; g) constituem o único direito trabalhista que, em regra, é fruído no momento que melhor consulta aos interesses do empregador.”

 

  1. Da Medida Provisória 927 de 2020

Consoante seu art. 1º, a MP 927 de 2020 dispõe sobre as medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública reconhecido pelo DL nº 6/2020 e da emergência de saúde internacional decorrente do coronavírus (covid-19), decretada pelo Ministro de Estado da Saúde, em 03.02.2020, nos termos do disposto na lei 13.979/2020.

O art. 3º, por sua vez, traz rol exemplificativo de medidas que poderão ser adotadas pelos empregadores, dentre as quais incluiu a antecipação de férias individuais e a concessão de férias coletivas, incisos II e III, respectivamente, sendo importante destacar que também o art. 3º, faz expressa referência de que tais medidas destinam-se ao enfrentamento do estado de calamidade pública e voltam-se para a preservação do emprego e da renda.

Assim, imperioso destacar que as normas da MP 927 têm como objetivos principais a) o enfrentamento dos efeitos econômicos decorrentes do estado de calamidade pública; e b) a preservação do emprego e da renda.

Nas palavras de Júnior e outros (2020, pág. 47) “há, por parte do art. 1º da MP 927/2020, uma “promessa social” no sentido de criação de “medidas trabalhistas que poderão ser adotadas pelos empregadores para preservação do emprego e da renda e para enfrentamento do estado de calamidade pública”.

Encontra-se aí a matiz axiológica e finalística a ser observada na interpretação do alcance e da aplicabilidade de suas normas, dada a indissociável natureza sistêmica da interpretação de qualquer norma inserta no ordenamento jurídico nacional.

Posta tal premissa, passa-se a análise dos dispositivos referentes às férias constantes na CLT e na MP 927 de 2020.

 

  1. Das férias remuneradas

A lei 13.467/17 veio estender ao trabalhado em regime de tempo parcial o mesmo tratamento do que possui jornada de 44 horas semanais, pois revogou o art. 130-A da CLT, que estabelecia duração diferenciada das férias do regime de tempo parcial, passando-se a aplicar o disposto no art. 130 da CLT (art. 58-A, § 7º, da CLT, acrescentado pela lei 13.467/17) (GARCIA, 2017).

Após cada período de 12 meses de vigência do contrato de trabalho, o empregado, mesmo em regime de trabalho a tempo parcial, terá direito a férias, na seguinte proporção: I – 30 (trinta) dias corridos quando não houver faltado ao serviço mais de 5 (cinco) vezes; II – 24 (vinte e quatro) dias corridos, quando houver tido de 6 (seis) a 14 (quatorze) faltas; III – 18 (dezoito) dias corridos, quando houver tido de 15 (quinze) a 23 (vinte e três) faltas; IV – 12 (doze) dias corridos, quando houver tido de 24 (vinte e quatro) a 32 (trinta e duas) faltas.

Conforme destaca Delgado (2018, pág. 1157):

“Esse critério de vinculação entre assiduidade e férias é tido como razoável, do ponto de vista sócio jurídico. Afinal, se as férias visam restaurar as energias do trabalhador e permitir sua reinserção no contexto familiar e comunitário mais amplo, evidentemente que elas tenderão a perder seu papel central caso o trabalhador já tenha se afastado da prestação de trabalho por significativos períodos ao longo do correspondente ano.”

Ademais, é vedado descontar, do período de férias, as faltas do empregado ao serviço e o período de férias será computado, para todos os efeitos, como tempo de serviço (§§ 1 e 2º, do art. 130, da CLT).

Ante o exposto, para se aferir o total de dias de férias, devem ser apuradas as faltas não justificadas ao serviço e para, tanto, importante discriminar as hipóteses de faltas justificadas, conforme disciplinado no art. 131 da CLT,

No particular, a lei 13.979, de 6 de fevereiro de 2020, ao dispor sobre medidas de enfrentamento da emergência de saúde pública de importância internacional decorrente do coronavírus, com alterações pela MP 926 de 2020, elencou rol exemplificativo de medidas que podem ser tomadas pelas autoridades, no âmbito de suas competências (art. 3º)

A referida lei 13.979/2020 traz disposição no parágrafo 3º do referido artigo no sentido de que “será considerado falta justificada ao serviço público ou à atividade laboral privada o período de ausência decorrente das medidas previstas neste artigo”. Assim, justificadas pela lei, consideram-se as faltas como ausências legais, não sendo descontadas para o cálculo do período de férias (Súm. 89, do TST).

Sobre os fatores prejudiciais à aquisição das férias, Delgado (2018, pág. 1.158), destaca que:

“A ordem jurídica estabelece alguns fatores tipificados que, ocorridos, inviabilizam a aquisição das férias pelo empregado. Tais fatores prejudiciais à aquisição das férias estão, de maneira geral, relacionados ao efetivo comparecimento do trabalhador à prestação de serviços em certo lapso temporal legalmente delimitado, sempre considerando o correspondente período aquisitivo de férias.”

O primeiro deles é a já destaca ausência injustificada ao serviço, mas, no caso, por mais de 32 dias ao longo do período aquisitivo (art. 130, IV, CLT).

Importante aqui destacar as quatro hipóteses elencadas no art. 133, da CLT, que trata da perda do direito às férias, em especial a hipótese constante de seu inciso III, dado que o contexto da pandemia pode gerar situações em que haja subsunção dos fatos às referidas normas, gerando questionamento em futuras demandas trabalhistas.

No primeiro caso, a lei elimina, para fins de férias, a accessio temporis. Caso o trabalhador peça demissão e só retorne ao trabalho após 60 dias, o período aquisitivo fica prejudicado (DELGADO, 2018).

Ao enfrentar o disposto nos incisos II (licença remunerada) e III do art. 133 da CLT (paralisação total ou parcial dos serviços da empresa), Silva (2017, n.p.) destaca que:

“(…) sob aparente simplicidade, escondem duas grandes armadilhas: a) dizer que ficar em casa no aguardo de ordens por parte do empregador seja o mesmo que desfrutar férias; e b) dizer que a remuneração de um mês de salário seja o mesmo que a remuneração das férias. Ambas as afirmações são falsas, como se vê à distância.”

Imperioso destacar que, quanto à paralisação das atividades, condiciona-se, desde março de 1995, a uma formalidade, que é a necessária comunicação, pela empresa, à Superintendência Regional do Trabalho e sindicatos obreiros, 15 dias antes, das data de início e término da paralisação, afixando aviso nos locais de trabalho (§ 3º do art. 133 da CLT – conforme lei 9.016/95) (DELGADO, 2018).

Para Silva (2017, n.p.):

“(…) o art. 133 dá inclusive a entender que, caso a empresa descumpra a obrigação de comunicar, a paralisação não terá efeito de perda do direito de férias, permanecendo no campo da ausência abonada pelo empregador, aduza-se.”

Nessa toada, em princípio, a hipótese excepcional e imprevisível da pandemia decorrente do COVID-19 não se enquadra propriamente nos moldes em que aplicável a perda das férias, pois está requer a comunicação prévia ao Sindicato e ao Ministério da Economia, bem como afixação de avisos no local de trabalho, com antecedência mínima de 15 dias.

Os próprios objetivos e valores da MP 927/2020, em especial, o da preservação da renda, não permitem legitimar a extensão de uma medida que meramente restringe direito trabalhista fundamental, em desprestígio a inúmeras outras medidas de enfrentamento da pandemia, constantes da própria MP 927, bem como da MP 936.

Postas tais considerações, as quais nos afiliamos, há quem entenda que o legislador interino pudesse ter realizado a invocação do disposto no art. 133, III, da CLT, entendendo que seria norma apta a resguardar a empresa em situações críticas como a que se vive durante a pandemia do coronavírus, mas que teria sido totalmente ignorada na MP (JÚNIOR, GASPAR, COELHO e MIZIARA, 2020).

O último dos fatores é a circunstância de o empregado receber da Previdência Social, por mais de 6 meses, embora descontínuos, prestação de acidente de trabalho ou auxílio doença. Evidentemente que este fator somente produz seu efeito elisivo caso os afastamentos tenham se verificado ao longo do correspondente período aquisitivo (DELGADO, 2018).

O contexto pandêmico torna factível que, nos casos de empregados que já tenham tido afastamento médico por longo período, o afastamento médico decorrente da contaminação por coronavírus faça-o completar mais de seis meses dentro do período aquisitivo.

Dizer que a licença médica prolongada neutraliza o direito às férias mescla institutos diferentes, havendo pouco sentido nesta associação, sendo que, da forma como concebido, o art. 133, IV, constitui-se na mais rigorosa das hipóteses, pelo que a jurisprudência formulou critérios básicos de intepretação restritiva para suavizar seu rigor, como fazer parte do mesmo período aquisitivo e acentuar que o 15 primeiros dias de afastamento não se confundem com o pagamento das prestações previdenciárias, pelo que não são computáveis para fins de perda do direito às férias (SILVA, 2017).

Ademais, importante o apontamento de que apenas no inciso IV consta a expressão embora descontínuos, pelo que do ponto de vista da hermenêutica, as demais hipóteses devem ser contínuas. Desse modo, caso o empregador passe por duas calamidades, cada qual de 20 dias, ainda assim não poderá tolher as férias do empregado (SILVA, 2017).

Quanto à definição do período de gozo das férias, o art. 136 da CLT dispõe que “a época da concessão das férias será a que melhor consulte aos interesses do empregador”.

Ao tratar do tema, Silva (2017, n.p.) destaca alguns fundamentos para tal dicção legal:

“a) poder diretivo do empregador para escolher o momento em que pode e em que não pode prescindir da presença do empregado em sua produção; b) respeito ao fluxo de caixa, porque nem sempre o empregador terá dinheiro para pagar as férias, sempre de forma antecipada e com o acréscimo de um terço previsto pela Constituição Federal de 1988, de várias pessoas ao mesmo tempo; c) prioridade dos empregados mais antigos em relação aos novatos, porque enquanto alguns estão apenas iniciando seus períodos aquisitivos outros encerram seus períodos concessivos.”

Contudo, vale ressaltar que a Convenção 132 da OIT, no seu art. 10, faz referência a determinação pelo empregador, mas isso após consulta ao trabalhador, indicando no item 2 do referido artigo que para fixar o período “serão levadas em conta as necessidades do trabalho e as possibilidade de repouso e diversão ao alcance da pessoa empregada”.

Como bem lembra Carvalho (2018, pág. 317):

“São duas as situações em que o empregador não pode consultar apenas o próprio interesse ao fixar os dias de fruição das férias: a) os membros de uma família, que trabalhem no mesmo estabelecimento, ou empresa, terão direito a gozar férias no mesmo período, se assim o desejarem e se disso não resultar prejuízo para o serviço; b) o empregado estudante, menor, de dezoito anos, terá direito de fazer coincidir suas férias com as férias escolares.”

Ainda no que se refere ao período de goza das férias, estas, via de regra, são concedidas em um só período (art. 134, CLT), mas, “desde que haja concordância do empregado, poderão ser usufruídas em até três períodos. Para a nova regra, um desses períodos não poderá ser inferior a 14 dias corridos e os demais não poderão ser inferiores a 5 dias corridos (art. 134, §1º, da CLT) (GODINHO, 2018).

Como destaca Martinez (2019, n.p.), “não mais são imunes a possibilidade do ora analisado fracionamento os menores de dezoito anos e os maiores de cinquenta anos de idade. A lei 13.467/17 revogou o §2º do art. 134 da CLT e pôs fim ao tratamento diferenciado”.

Noutro giro, quanto ao prazo mínimo de cinco dias, destaco o posicionamento de Vólia Bonfim Cassar[1] ao qual faço fileira no sentido de o período mínimo de 5 dias ser prejudicial ao trabalhador que trabalha 6 dias na semana, por exemplo, de segunda-feira a sábado, pois não terá o período de completo de descanso, devendo, ao final do 5º dia, retornar ao trabalho. O ideal, portanto, seria a previsão mínima de 6 dias de descanso (2016, apud CORREIA E MIESSA, 2018).

Quanto a temática do fracionamento, a MP 927 limita-se a dispor, no § 1º do art. 6º, que as férias “não poderão ser gozadas em períodos inferiores a cinco dias”.

Assim sendo, no silêncio da MP, o natural seria a aplicação da regra geral celetista, podendo o empregador conceder as férias em três períodos e desde que um deles não seja inferior a 14 dias, conforme §1º do art. 134 da CLT.

Contudo, diante da omissão por parte do legislador da MP, deve o intérprete partir de uma intepretação sistêmica, atento aos vetores finalísticos da norma, que apontam para um regime excepcional para enfrentamento do estado de calamidade pública e preservação do emprego e da renda. Nesse sentido, faço fileira ao posicionamento de que a interpretação que mais se adequa aos fins da norma é permitir que o empregador, excepcionalmente, possa antecipar as férias individuais do empregado por mais de três vezes, como forma de ir avaliando, paulatinamente, a manutenção da sua atividade empresarial (JÚNIOR, GASPAR, COELHO E MIZIARA, 2020).

No particular, o art. 6º da MP 927[2], visando o atendimento ao cenário de urgência decorrente do estado de calamidade pública, em caráter excepcional, reduziu o prazo para 48 horas, podendo tal comunicação se dar por escrito ou por meio eletrônico, o que há de incluir qualquer meio eletrônico idôneo, como o caso de e-mail e whatsapp.

Há que se destacar que, consoante entendimento do C. TST, a não observância da antecedência mínima para comunicação das férias não implica pagamento em dobro, desde que observados os prazos para sua concessão e pagamento. O descumprimento do prazo de comunicação prévia constitui-se em mera infração administrativa. Nesse sentido, diversos precedentes do C. Tribunal Superior do Trabalho:

“B) RECURSO DE REVISTA. PROCESSO SOB A ÉGIDE DA LEI 13.015/2014 E ANTERIOR À LEI N. 13.467/2017.FÉRIAS. AUSÊNCIA DE COMUNICAÇÃO PRÉVIA AO EMPREGADO COM ANTECEDÊNCIA MINÍMA DE 30 DIAS. CONCESSÃO E PAGAMENTO DENTRO DO PRAZO LEGAL. PAGAMENTO EM DOBRO INDEVIDO. (TST – 3ª Turma – RR 0003087-43.2015.5.12.0045. Relator: Mauricio Godinho Delgado. – 20.11.2019 – Publicação: 22.11.2019).”

No que tange o início das férias, a lei 13.467/17 acrescentou ao art. 134 o § 3º e, nele, o direito de o empregado não iniciar o gozo de suas férias “no período de dois dias que antecede feriado ou dia de repouso semanal remunerado”. Ao menos nos casos em que frações pequenas de férias coincidirem com feriados prolongados, essa nova regra será proveitosa para o trabalhador.

A MP 927 não fez qualquer referência a observância da regra do art. 134, § 3º, pelo que, não tendo lhe afastado, há de se aplicar a regra geral vigente, devendo o empregador atentar para tal quando da concessão das férias, sejam as individuais ou coletivas.

Aqui não é o caso de se aplicarem os argumentos suso referidos de que as férias serão gozadas em casa ou com as restrições inerentes às medidas de enfrentamento da pandemia, eis que o início sem a observância dos dias feriados implica no término precoce das férias, sujeitando o emprego à possíveis medidas alternativas, como a redução dos salários e a suspensão contratual previstas na Medida Provisória 936.

Ademais, a antecipação de feriados é medida prevista na própria MP 927, bem como consta de projeto de lei[3]. A previsão é de que a regra também poderá ser aplicada a outras calamidades e situações de emergência, que tragam risco à saúde coletiva, à segurança pública, e tenham impacto relevante na rotina econômica. Apenas o Natal e o Ano novo não poderão ser antecipados ou cancelados.

Ante o exposto, no momento da concessão das férias individuais ou coletivas, deve o empregador atentar para os dias feriados e de repouso semanal remunerado, bem como para eventuais dias feriados antecipados, na forma que vier a ser estabelecida pelo governo.

Observe-se, por fim, que na forma dos arts. 3º, IV, e 13, da MP 927, o aproveitamento e antecipação de feriados insere-se entre as medidas passíveis de adoção para enfrentamento do estado de calamidade pública, o que pode ser feito pelo empregador mediante notificação por escrito ou meio eletrônico, com antecedência de, no mínimo, 48 horas, mediante indicação expressa dos feriados aproveitados.

Atenta ao quadro de tutela da saúde e segurança dos trabalhadores, a MP 927 trouxe, no § 3º, do art. 6º, a previsão de que “Os trabalhadores que pertençam ao grupo de risco do coronavírus (covid-19) serão priorizados para o gozo de férias, individuais ou coletivas, nos termos do disposto neste Capítulo IV.

Aqui, registre-se que cabe ao empregador instruir os empregados, através de ordens de serviço, quanto às precauções a tomar no sentido de evitar acidentes de trabalho ou doenças ocupacionais (art. 157, II, da CLT), o que incluiu a informação quanto à existência dos grupos de risco ao coronavírus, tudo em observância também às Convenções 155 e 161 da OIT.

Assim, por expressa previsão da MP, munido das informações dos trabalhadores, deve o empregador, caso opte pela concessão de férias ou coletivas, observar a prioridade do grupo de risco, atentando inclusive para a atualidade do conceito, ante às pesquisas científicas que vem sendo feitas quanto ao vírus, eis que se trata de tema inerente ao meio ambiente do trabalho, ao qual se aplica o princípio da precaução.

Sobre a antecipação das férias, como medida excepcional, o inciso II do §1º do art. 6º da MP previu a possibilidade de o empregador antecipar as férias ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido.

A Medida Provisória vai além ao dispor, no § 2º, que o empregado e empregador poderão negociar, mediante acordo individual escrito, a concessão de férias de períodos aquisitivos fu­turos, ou seja, períodos aquisitivos que sequer se iniciaram.

“§ 1º As férias:

II – poderão ser concedidas por ato do empregador, ainda que o período aquisitivo a elas relativo não tenha transcorrido.

  • 2º Adicionalmente, empregado e empregador poderão negociar a antecipação de períodos futuros de férias, mediante acordo individual escrito.”

É certo que o período de gozo de férias é aquele melhor atenda aos interesses do empregador, com a ressalva da recomendável consulta ao empregado, na forma da Convenção 132 da OIT.

Nesta ponderação, insere-se a gravidade da situação vivenciada no país, a qual faz plenamente pender a balança para a adoção de medidas excepcionais, que visem a manutenção do emprego e preservação da atividade econômica, pelo que se mostra plenamente razoável a antecipação do período aquisitivo em curso.

Registre-se aqui a ponderação de JÚNIOR, GASPAR, COELHO E MIZIARA (2020, pág. 72) em torno da aplicação analógica da regulamentação das férias coletivas:

“(…) nada impede também que o empregador, mes­mo para concessão das férias individuais, utilize a regulamentação das férias coletivas, por analogia. No exemplo acima, se o empregado havia trabalhado 6 meses no período con­cessivo, seria possível a concessão emergencial de 15 dias de férias, ou seja, cum­priu a metade do período aquisitivo, terá férias equivalente à proporção do que adquiriu. Em tal hipótese, será iniciada a contagem de novo período a partir do iní­cio da fruição das férias precoces, por aplicação analógica do disposto no artigo 140.”

A perspectiva muda um pouco de figura quando se trata de antecipar períodos de férias futuras. A Nota Técnica do MPT sobre a MP 927 bem destaca que:

“Não é razoável, porém, a ausência de qualquer limitação à possibilidade de antecipação de férias de períodos futuros mediante acordo individual escrito, conforme §2º do art. 6º da MP, já que a periodicidade anual está intrinsicamente ligada a esse direito, permitindo que cumpra suas finalidades. Desse modo, entende-se, com base em juízo de proporcionalidade, que deve ser admissível a antecipação de férias, considerando-se o reconhecimento do estado de calamidade pública até 31 de dezembro de 2020, mas com limites que também preservem a necessidade de gozo anual de férias para os períodos futuros.”

Quanto ao ponto, a liminar proferida pelo Min. Marco Aurélio na ADI 6344, limitou-se a destacar a excepcionalidade da medida, sem enfrentar a questão da ausência de limites para tal antecipação[4].

Assim, na linha de razoabilidade preconizada pelo MPT e, considerando a prática do E. TST, bem como a situação excepcional a qual se aplica a MP, entende-se pela possibilidade de antecipação de, no máximo, um período de férias futuras, a fim de se minimizar os danos efetivos de se deixar o trabalhador sem o usufruto de férias anuais por longo período, esvaziando toda a finalidade do direito, o que se sobreleva ainda mais, na medida em que tal antecipação se daria para que o trabalhador “goze” suas férias confinado em sua residência, presumindo-se aí a obediência às orientações de isolamento social.

Registre-se, ainda, que, em relação aos profissionais da área da saúde ou aqueles que desempenhem funções essenciais, a MP 927/2020[5] trouxe instrumentos que podem ser utilizados pelos empregadores para determinar o imediato retorno destes profissionais às suas atividades, caso estejam em período de gozo de férias ou de licenças não remuneradas, o que se dá por mera comunicação formal da decisão, por escrito ou por meio eletrônico.

Para área de saúde a medida se mostra, à primeira vista, inquestionável, dado o contexto da pandemia e a previsão em torno do possível colapso do sistema de saúde implicaram. Destaque-se, no particular, medidas como a Ação Estratégica “O Brasil Conta Comigo – Profissionais da Saúde”, instituída pela Portaria 639 de 2020 do Ministério da Saúde, que incluiu diversas categorias profissionais dentro de um cadastro amplo de “profissionais da área da saúde”.

Quanto às atividades essenciais, a questão apresenta outras variáveis, como a própria definição de atividades essenciais. Na falta de uma previsão normativa específica, a primeira referência normativa seria o art. 10 da Lei 7.783/89 (Lei de Greve), contudo, por meio do Decreto 10.282/2020, a Presidência da República veio regulamentar a lei 13.979/2020, e definiu serviços públicos e atividades essenciais em rol significativamente mais amplo que a lei de férias, sendo que tal rol foi ampliado pelo Decreto 10.292/2020, que incluiu atividades como as unidades lotéricas e as atividades religiosas, estas desde que “obedecidas as determinações do Ministério da Saúde”.

Por derradeiro, a fruição futura das férias canceladas ou parcialmente adiadas deve observar o período concessivo, sob pena de dobra (CLT, arts. 134 e 137).

 

  1. Do pagamento das férias

O art. 8º da MP 927/2020[6], como forma de viabilizar a saúde financeira dos empregadores, na linha da finalidade de preservação dos empregos, per­mite que o pagamento do terço constitucional seja postergado. No particular, JÚNIOR, GASPAR, COELHO E MIZIARA (2020, pág. 78), explicam que:

“Assim, em vez de ser obrigado a efetuar o pagamento do terço constitucio­nal das férias “até 2 (dois) dias antes do início do respectivo período” (art. 145 da CLT), o empregador poderá optar por efetuar o referido pagamento após sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina prevista no art. 1º da Lei nº 4.749, de 12 de agosto de 1965, ou seja, até o dia 20/12/2020.”

Com efeito, há quem pondere como ficaria a situação do pagamento do 1/3 férias em função da previsão do art. 2º da lei 4.749/65, que prevê o pagamento de adiantamento da gratificação entre os meses de fevereiro e novembro, com pagamento ao ensejo das férias sempre que o empregado requerer no mês de janeiro do correspondente ano.

No particular, entende-se que a solução parte da interpretação teleológica da MP 927 de 2020, que se volta a preservação do emprego e da renda. No caso, a postergação do 1/3 de férias é medida que visa desafogar o empregador em situação de dificuldades financeiras, pelo que cindir a obrigação na forma do que dispõe o art. 2º implicaria em diminuição da concreção finalística da referida norma exceptiva, que apenas fez uso do marco de 20/12/2020 como data limite para pagamento do terço de férias.

Por derradeiro, registre-se a decisão do Min. Marco Aurélio de indeferimento da Cautelar na ADI 6344 MC/DF:

“Diante de situação excepcional verificada no País, não se afastou o direito às férias, tampouco o gozo destas de forma remunerada e com o adicional. Apenas houve, com o intuito de equilibrar o setor econômico-financeiro, projeção do pagamento do adicional, mesmo assim impondo-se limite – a data da satisfação da gratificação natalina.”

O empregado perceberá, durante as férias, a remuneração que lhe for devida na data da sua concessão, tudo na forma do art. 142 e seus parágrafos, da CLT, sendo que o pagamento da remuneração e, se for o caso, do abono do art. 143, serão efetuados até 2 dois dias antes do início do respectivo período (art. 145, da CLT).

A finalidade da norma é na linha da que prevê o pagamento do terço constitucional, sendo devida antes do início do respectivo período, a fim de viabilizar o atendimento das despesas com a fruição das férias, seja em viagens, ou em outros planejamentos estabelecidos pelo trabalhador.

O prazo para pagamento da remuneração das férias também foi alcançado pelas regras exceptivas da MP 927/2020[7], que prevê o pagamento até o 5º dia útil do mês subsequente ao gozo das férias, afastando expressamente o art. 145 da CLT.

Conforme explicam JÚNIOR, GASPAR, COELHO E MIZIARA (2020, pág. 79):

“(…) quanto à remuneração das férias, o pagamento poderá ser efetuado até o quinto dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias, o que sig­nifica dizer, por exemplo, que, caso o empregador conceda férias ao empregado com início em 20 de abril de 2020, por exemplo, o empregador terá até o quinto dia útil do mês de maio de 2020 para pagar a remuneração das férias (…) Na prática, o empregador poderá administrar a concessão de férias emer­genciais para proceder o respectivo pagamento como se fosse salário, prevendo o vencimento coincidente com o prazo do art. 459, § 1º, da CLT – quinto dia útil do mês subsequente ao trabalhado.”

No que se refere ao abono, consoante posicionamento de Leite (2019, n.p.): “o abono de férias é, a rigor, um direito potestativo do emprego, porque não está sujeito à aceitação do empregador, desde que requerido até 15 dias antes do início do período de férias”, o que ocorre também no caso dos domésticos (art. 17, § 3º, da LC 150/2015).

Nas palavras de Martinez (2019, n.p.): “se, porém, o requerimento for formulado fora do prazo fixado no § 1º do art. 143, da CLT, o empregador atenderá o pleito se quiser”.

A MP 927/2020, no particular, veio condicionar a “venda” do terço de férias a concordância do empregador, sendo que o pagamento deve se dar até 20/12/2020 (art. 8º, parágrafo único, da MP 927).

A norma visa afastar o direito potestativo dos empregados que tenham requerido a conversão do terço de férias em abono pecuniário até 15 dias antes do início das férias. Considerando que uma das medidas de enfrentamento do estado de calamidade pública é exatamente a antecipação de férias, até mesmo futuras, com vistas a aumentar o tempo sem atividade laboral, permitir que o empregado “venda” férias independentemente da vontade do empregador, iria na contramão da estratégia consignada na própria MP 927/2020.

Por fim, registre-se ser possível a venda parcial das férias, pois, embora o texto legal não seja expresso, não há nenhum obstáculo jurídico oposto à conversão de menos de 1/3 do período de férias. Cabe notar que “1/3 (um terço)” do período de férias aparece no art. 143 da CLT como um limite. Os ajustes feitos aquém desse limite não violam a regra disposta no art. 444 da CLT, pois dão mais proteção ao trabalhador na medida em que ele poderá efetivamente descansar mais tempo (MARTINEZ, 2019).

 

  1. Da dispensa do empregado

A MP 927/2020 prevê, em seu art. 10, que, na hipótese da dispensa do empregado, o empregador pagará juntamente com o pagamento dos haveres rescisórios, os valores ainda não adimplidos relativos às férias.

Via de regra, salvo na hipótese de dispensado empregado por justa causa, a extinção do contrato de trabalho sujeita o empregador ao pagamento da remuneração das férias proporcionais (art. 146, parágrafo único, da CLT e Súm. 171, do TST), regra igualmente aplicável aos domésticos por força do art. 17, § 1º, da LC 150/2015.

Assim, em caso de dispensa do trabalhador, não atingido o fim de manutenção do emprego, deverão ser pagas eventuais férias em dobro, simples e proporcionais, mas também todos os pagamentos postergados na forma do art. 8º e 9º, que devem ser ultimados até o décimo dia seguinte à comunicação da dispensa do empregado (art. 477, § 6º, da CLT).

No particular, JÚNIOR, GASPAR, COELHO e MIZIARA (2020, pág. 80) complementam que:

“Assim, impede-se eventual manobra para simplesmente retardar o pagamento das férias no caso de o empregado em seguida vir a ser despedido. Ou seja, o parcelamento e mudança do calendário de pagamento das férias não permite o fracionamento das verbas rescisórias, deixando a indenização das férias de fora. Conduta com tal conteúdo redundará na exigibilidade das multas do art. 477, § 8º, da CLT.”

Registre-se aqui o entendimento defendido por JÚNIOR, GASPAR, COELHO e MIZIARA (2020, pág. 73), no sentido de que:

“Caso o empregador antecipe férias de períodos aquisitivos futuros e venha a dispensar o empregado antes do alcance do respectivo período, não poderá, na ocasião da cessação do contrato, compensar, no valor devido a título de verbas rescisórias, os valores pagos a título das férias antecipadas. É que o ato de concessão das férias deu-se por vontade do empregador, ainda que haja a anuência do empregado, razão pela qual o empregado não é responsável pelo prejuízo do patrão. No caso, a situação resolve-se pela alteridade, que é a característica da relação de emprego pela qual o empregador assume os riscos da atividade econômica.”

Dada a devida vênia, a hipótese de antecipação de períodos futuros insere-se no contexto excepcional de enfrentamento da calamidade pública e de esforço para manutenção do emprego e da renda, pelo que não se trata de medida meramente inserta na concepção de alteridade ou de risco do negócio, mas sim de medidas sugeridas pelo próprio Poder Público por meio da Medida Provisória 927, num esforço conjunto pela manutenção dos empregos.

Assim, a fim de evitar o enriquecimento indevido e considerando a natureza exceptiva das medidas, considerar-se-á o referido período de férias como verdadeira “licença remunerada”, assegurando-se ao empregador a possibilidade de compensação proporcional dos terços de férias pagos em excesso, limitada a compensação ao valor equivalente a um mês de remuneração do empregado, na forma do art. 477, § 5º, da CLT.

Destaque-se, por fim, que o aviso-prévio, mesmo indenizado (e também a parcela proporcional: Lei n. 12.506/2011) integra o período aquisitivo de férias, uma vez que é parte do tempo de serviço obreiro para todos os fins (art. 487, § 1º, in fine, CLT) (DELGADO, 2018).

 

  1. Da concessão de férias coletivas

As férias são coletivas à medida que envolvem, em um único ato, uma comunidade de trabalhadores. Podem elas abranger toda a empresa ou apenas todo o estabelecimento ou setores, sendo que o título jurídico concessor será o ato unilateral do empregador (art. 139, CLT) ou o instrumento negocial coletivo determinador do gozo de férias – acordo coletivo (art. 143, §2º, CLT). (DELGADO, 2018).

O instituto possui alguns regramentos próprios que o distingue das férias individuais e que foram relativizados pela MP 927/2020.

A regra geral é a afixação de aviso nos locais de trabalho com o mínimo de 15 dias de antecedência, mas, com base no art. 11 da MP 927[8], a antecedência mínima é de 48h, o que em razão da situação excepcional. A MP fala apenas em se “notificar o conjunto de empregados afetados”, não dispondo acerca do meio cabível, pelo que se mostra aplicável, numa interpretação integrativa, a disposição do art. 6º da própria MP, que ato tratar da comunicação das férias individuais fala em escrito ou por meio eletrônico.

A regra exceptiva da MP traz a possibilidade de concessão de mais do que dois períodos de fracionamento por ano, afastando ainda o limite mínimo de dez dias corridos previsto na CLT.

A fim de estabelecer um esvaziamento completo da finalidade das férias e por regra de coerência ao que a própria MP dispõe sobre as férias individuais, parece-nos, contudo, que deve ser concedido período de, no mínimo 5 dias, consoante disposição da MP 927 sobre as férias individuais (art. 6º, §1º) (DORSTER e DONEGA, 2020).

Quanto à forma de pagamento, o silêncio normativo dá margem a controvérsias. De um lado, entende-se ser um silêncio eloquente do ato normativo, que optou por não prever prazos diferenciados para pagamento na hipótese de concessão de férias coletivas, pelo que deve ser observado o prazo do art. 145 da CLT, com pagamento até 2 dias antes do início do respectivo período (JÚNIOR, GASPAR, COELHO E MIZIARA, 2020).

Ademais, como bem destaca Fabiano Coelho, a CLT não possui regra específica para o prazo de pagamento das férias coletivas, pelo que o regime especial de pagamento das férias individuais seria plenamente aplicável às férias coletivas.

Apesar do silêncio, por interpretação sistêmica, pode-se observar as regras aplicáveis às férias individuais, ou seja, pagamento da remuneração até o 5º dia útil do mês seguinte ao início e, ficando o pagamento do terço até o dia 20/12. Tal interpretação se coaduna com a finalidade da Medida Provisória de desafogar os empregadores, especialmente ao se considerar o impacto do pagamento imediato para uma coletividade de trabalhadores, sendo que já há emenda aditiva[9] à MP prevendo expressamente que os parágrafos 1º, 2º e 3º do art. 6º aplicam-se também para as férias coletivas.

Por fim, quanto ao abono, as férias coletivas elidem o direito potestativo obreiro de conversão de 1/3 das férias em “abono pecuniário”. Esta conversão passará a depender exclusivamente de acordo coletivo, na forma do art. 143, §2º, da CLT (GODINHO, 2018).

Importante salientar que o art. 12, da MP 927, dispensa, para a concessão das férias coletivas, a comunicação prévia ao órgão local do Ministério da Economia e a comunicação aos sindicatos representativos da categoria profissional.

Aqui é natural que não seja exigível a comunicação prévia com antecedência de 15 dias do art. 139, § 2º, mas é um tanto questionável que não se ressalve a comunicação a posteriori, seja após a concessão, seja após o período de calamidade pública. Com efeito, a ausência da referida comunicação tende a ser considerada mera irregularidade administrativa, não servindo de óbice à validade das férias coletivas, desde que observados os demais requisitos[10].

 

Conclusão

A Medida Provisória 927 está inserida entre as diversas normas de um verdadeiro microssistema de direito do trabalho emergencial. Inúmeras são as matérias por ela tratadas, razão pela qual fica o lamento em razão de que o Legislativo tenha a deixado caducar. NO presente artigo foram analisadas, de forma detalhada, as disposições referente ao direito de férias, um direito fundamental social dos trabalhadores, consagrado na Constituição Federal de 1988 e em diversos outros normativos constitucionais.

Conforme se pode observar ao longo do texto, a Medida Provisória traz tanto dispositivos elogiáveis, quanto dispositivos reprováveis. Alguns temas ficaram sem o devido esclarecimentos e possibilidades novas, como a antecipação de períodos de férias, pode sim dar margem à verdadeiras situações teratológicas, com situações de prejuízo, que, aos olhos do Direito do Trabalho e da Constituição, não podem simplesmente descambar para o polo mais fraco da relação jurídica.

Devem os operadores jurídicos e empregadores atentarem para uma leitura da Medida Provisória com os olhos da Constituição, primando sempre pelo diálogo, o qual, preferencialmente, deve se dar com a participação do ente sindical, procedimento este que, sem sombra dúvida, lança maior segurança jurídica sobre os atos praticados. No mais, faz-se referência ao termos constantes do artigo, nos tópicos próprios.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ARAÚJO, E. N. D. Curso de Direito Administrativo (livro digital)8. ed. São Paulo: Saraiva, 2018. Não paginado.

 

ARAUJO, André Eduardo Dorster e DONEGÁ, Priscilla Carrieri. Covid-19 e as relações de trabalho – Análise da MP 927/20. Disponível em https://www.migalhas.com.br/depeso/322709/covid-19-e-as-relacoes-de-trabalho-analise-da-mp-927-20. Acesso em: 13.04.2020

 

CARVALHO, Augusto César Leite de. Direito do Trabalho: curso e discurso / Augusto César Leite de Carvalho. – 2. ed. – São Paulo: LTr, 2018.

 

CORREIA, Henrique e MIESSA, Elisson. Súmulas e OJs do TST comentadas e organizadas por assunto. 8a ed. – São Paulo: JusPODIVM, 2018.

 

DELGADO, Mauricio Godinho. Curso de direito do trabalho / Maurício Godinho Delgado – 17ª. ed. rev. atual. e ampl. – São Paulo: LTr, 2018.

 

GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Reforma Trabalhista / Gustavo Filipe Barbosa Garcia – 5a ed., rev., amp e atual. – Salvador: Ed. JusPODIVM, 2019.

 

JÚNIOR, Antonio Umberto de Souza, GASPAR, Danilo Gonçalves, COELHO, Fabiano e MIZIARA, Raphael. Medida provisória 927/2020 comentada artigo por artigo (White paper gratuito). São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2020.

 

LEITE, C. H. B. Curso de direito do trabalho (livro eletrônico). 11. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. Não paginado.

 

MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho (livro digital). 10. ed. São Paulo: Saraiva, 2019. Não paginado.

SARLET, Ingo Wolfgang. Curso de direito constitucional / Ingo Wolfgang Sarlet, Luiz Guilherme Marinoni e Daniel Mitidiero. – 8 ed. – São Paulo: Saraiva Educação, 2019.

 

SILVA, Homero Batista Mateus da. Curso de direito do trabalho aplicado (livro eletrônico): jornadas e pausas / Homero Batista Mateus da Silva. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017. – (Coleção Curso de direito do trabalho aplicado; v. 2). Não paginado.

 

SOUTO MAIOR, Jorge Luiz. Do direito à desconexão do trabalho. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, Campinas, SP, n. 23, p. 296-313, jul./dez. 2003.

 

[1] CASSAR, Vólia Bonfim. Reforma Trabalhista. – Comentários ao substitutivo do Projeto de Lei 6.7872016. Di

[2] Art. 6º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador informará ao empregado sobre a antecipação de suas férias com antecedência de, no mínimo, 48h, por escrito ou por meio, com a indicação do período a ser gozado pelo empregado.

[3] https://www.camara.leg.br/noticias/648972-projeto-autoriza-antecipar-feriados-por-quarentena-de-coronavirus/

[4] ADI 6344 MC/DF. Decisão Monocrática. Rel. Marco Aurélio. DJE 01/04/2020.

[5] Art. 7º Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá suspender as férias ou licenças não remuneradas dos profissionais da área de saúde ou daqueles que desempenhem funções essenciais, mediante comunicação formal da decisão ao trabalhador, por escrito ou por meio eletrônico, preferencialmente com antecedência de 48h.

[6] Art. 8º Para as férias concedidas durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá optar por efetuar o pagamento do adicional de um terço de férias após sua concessão, até a data em que é devida a gratificação natalina prevista no art. 1º da Lei nº 4.749/65. (ou seja, dia 20/12)

 

Art. 9º O pagamento da remuneração das férias concedidas em razão do estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º poderá ser efetuado até o 5º dia útil do mês subsequente ao início do gozo das férias, não aplicável o disposto no art. 145 da Consolidação das Leis do Trabalho, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1943.

[8] Art. 11. Durante o estado de calamidade pública a que se refere o art. 1º, o empregador poderá, a seu critério, conceder férias coletivas e deverá notificar o conjunto de empregados afetados com antecedência de, no mínimo, 48h, não aplicáveis o limite máximo de períodos anuais e o limite mínimo de dias corridos previstos na CLT.

[9] Emenda aditiva 81, de autoria do Deputado Cezinha de Madureira.

[10] TRT-24 00006921320115240004, Relator: AMAURY RODRIGUES PINTO JUNIOR, Data de Julgamento: 10/04/2012, 1ª TURMA

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