Novos paradigmas em arbitragem

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Os árbitros mais dogmáticos apegam-se ao texto da Lei de Arbitragem e ao princípio do devido processo legal, como se não lhes fosse facultada a possibilidade de adaptar a dinâmica ou o fluxo do procedimento arbitral, com vistas a bem atender as peculiaridades do caso e as necessidades das partes. Parece que o vetusto positivismo da escola de exegese, que confunde o texto positivado com a norma a ser aplicada concretamente, ainda se faz dominante na nossa cultura, especialmente em matéria processual. Essa cultura não absorveu o significado do princípio da adequação formal e, muito menos, da criação dialogal da norma socialmente eficaz para o caso concreto.


Um processualismo excessivamente formalista – paulatinamente flexibilizado no âmbito do poder judiciário – infiltrou-se em algumas práticas arbitrais, aqui e alhures, comprometendo as vantagens da informalidade, da oralidade, da simplicidade e da confiabilidade, no procedimento arbitral.


Ocorre que, mesmo nas arbitragens institucionais, em que os árbitros estão aplicando o regulamento da entidade, haverá a possibilidade de se amoldar o procedimento. Essa flexibilidade tem sido muito proveitosa e deve ser adotada com a participação de todos os envolvidos, sem surpresas. O tema foi objeto de recente ensaio de Carlos Alberto Carmona.[1]


Não são poucos os escritos que vêm revelando as frustrações de clientes da arbitragem com os formalismos desnecessários e desmotivadores. Parece haver um movimento internacional contra esses excessos. No entanto, não são raros os textos que parecem realimentar a cultura da litigiosidade e que proclamam ceticismo quanto às vantagens da adoção, pelo árbitro, de atitudes facilitadoras de um diálogo indutor de consensos.


É certo que devem ser evitadas as visões românticas, baseadas na ideia de que o árbitro teria a função primordial de obter o acordo entre as partes, de organizar suas relações futuras, acomodando, assim, os interesses, descuidando-se dos direitos alegados e de sua razoável concretização.


Com efeito, o árbitro é, antes de tudo, alguém que tem o poder de julgar. Poder livremente concedido pelas partes. Como especialista no tema objeto do litígio, espera-se dele um trabalho qualificado, pois disporá de tempo para estudo, para a dedicação continuada ao caso, contando, nos tribunais arbitrais, com a colaboração dos demais árbitros.


Há, porém, diferença fundamental entre aquele árbitro ingênuo, romântico, que – ao contrário do que praticam os bons mediadores de conflitos – revela ansiedade na busca de um acordo, e o árbitro que, sem descurar do seu ofício precípuo, vai criando condições facilitadoras de diálogos que possam contribuir para o desenvolvimento de consensos.


Algumas experiências em arbitragem me fizeram perceber como é importante saber distinguir e reconhecer os papéis desempenhados pelos vários protagonistas. Advogados com os respectivos clientes; árbitros de diferentes profissões e origens, em suas relações recíprocas, com as partes, com os advogados e com a matéria objeto do procedimento.


Percebe-se, inicialmente, que todos – especialmente aqueles que pela primeira vez participam de arbitragem – revelam expectativas, desejos e a esperança de que serão tratados com respeito e reconhecidos, condignamente, nos seus papéis.


Quando essas expectativas são correspondidas pela criação de ambiente amistoso ou, quando menos, sereno, algum progresso de logo se faz notar na atitude dos protagonistas.


Desde a primeira reunião, quando os árbitros, indicados pelas partes – porque, na maioria das vezes, as partes preferem adotar o colegiado de árbitros – procuram escolher o terceiro árbitro, para atuar como presidente do tribunal arbitral, já se deve fomentar a atitude dialogal. Os árbitros escolhidos sabem que irão trabalhar em equipe e que serão solidariamente responsáveis pela boa condução do procedimento arbitral.


As animosidades subjacentes, entre as partes, podem e devem ser observadas e consideradas na condução do procedimento. Situações de constrangimento podem ser evitadas pela adoção de algumas dinâmicas inovadoras, capazes de prevenir a reprodução da litigiosidade encontradiça nos foros judiciais. É preciso ter em conta que a autoridade do árbitro não se esvai com o seu bom humor e que, muito ao contrário, este é bem-vindo. Atenua tensões e maniqueísmos.


Em verdade, o árbitro será, ao final, o julgador, mas deve atuar, durante o procedimento, como um facilitador, um mediador, adiando o ofício de julgador para a ultima ratio, ou para ocasiões em que se façam necessárias medidas de urgência (Art.22, § 4º, da LA). Afinal, o poder de decidir não é privativo do árbitro. Em qualquer instante do procedimento arbitral as partes poderão decidir, mediante transação. Nesta hipótese, caberá ao árbitro apenas a verificação da conformidade daquela decisão às normas de ordem pública e reconhecer, declarar, a sua validade, mediante sentença (Art. 28 da LA).


Embora, ontologicamente, arbitragem e mediação não se confundam, deve-se reconhecer que se complementam enquanto abordagens voluntárias, de fundo contratual. Estou convencido de que um bom árbitro é ainda melhor quando sabe praticar as técnicas e artes da mediação de conflitos. A dimensão processual da arbitragem não deve ser encarada, pois, como obstáculo a um contraponto com as boas práticas da mediação de conflitos.


Situemo-nos, empiricamente, numa ambiência arbitral, a partir do seu início. Os advogados estão ensimesmados em suas retóricas. Atentos, postam-se à espera do momento de defender ou de atacar. Com mais de três décadas de advocacia, vivenciei, inúmeras vezes, esses sentimentos.


Como poderiam os árbitros atuar no sentido da atenuação desse clima?  Como evitar a perda de tempo com longas exibições de talento, que provocam polêmicas e ressentimentos, ampliando o anátema?


A partir da compreensão de que a concretização do direito não é fruto de mera operação lógico-interpretativa de subsunção de um fato a um texto legal – mas, acima de tudo, do conhecimento e trato adequado da dimensão empírica do fato abstratamente previsto em lei, e, portanto, da avaliação do fato conflituoso, incluindo, aí, as crenças, sentimentos, interesses, argumentos e expectativas de comprovação e acolhimento – deve o árbitro adotar o texto legal como um padrão abstrato, uma porta de entrada, quando muito uma moldura, uma referência, cabendo-lhe contribuir para o diálogo legitimador da norma concretizadora do bom direito: a decisão legitimada.


Friedrich Muller, em sua metódica estruturante do direito, proclama a incompletude do texto positivado. Seu pós-positivismo ultrapassa o normativismo Kelseneano.  Embora acolha o texto positivado como um necessário a priori hermenêutico, que ainda não é uma norma jurídica, Muller vai além ao entender que a norma jurídica surgirá da inter-relação entre texto e realidade, consoante a atividade criativa dos que podem decidir, admitindo discrepâncias. [2]


Com efeito, nessa perspectiva, a interpretação, em direito, não se dá pela mera subsunção do fato ao texto positivado, como em Kelsen, mas num processo de interpretação criativa, a partir da inter-relação entre o fato e o texto, contextualizadamente, numa arte orientada pela justiça, com vistas à eficácia social.


Consciente da flexibilidade com que deve conduzir a arbitragem, o árbitro, em sintonia com os princípios do contraditório, da igualdade das partes, da imparcialidade e do seu livre convencimento (Art.21, § 2º, da LA), deverá criar as condições adequadas ao desempenho pleno dos papéis esperados de todos os protagonistas do procedimento.


Após as razões iniciais devidamente postas na mesa, verbal e/ou oralmente, com a presença de todos os participantes, recomenda-se que os árbitros se reúnam para avaliar a estratégia dialogal. A experiência me fez perceber que, em arbitragens complexas, a realização de reuniões em separado, dos árbitros com cada uma das partes e respectivos advogados, equitativa e alternadamente, enseja a verbalização de aspectos que dificilmente seriam revelados em reuniões conjuntas. Essas revelações e diálogos possibilitam aos árbitros a formulação de perguntas para esclarecimento ou contextualização, com maior pertinência e acuidade, naquela ou em reunião posterior.


Essas conduções em separado, realizadas de modo equitativo e alternado, são extremamente produtivas e criam maior confiança entre as partes e os árbitros, ensejando a identificação dos aspectos efetivamente relevantes e contribuindo, significativamente, para a objetividade e a autenticidade nas reuniões conjuntas.


Nessas reuniões em separado os árbitros ficam mais à vontade nos questionamentos de aspectos aparentemente inconsistentes das alegações de cada parte, sem o risco de gerar os constrangimentos que poderiam ocorrer na presença de representantes da outra parte. As resistências dos advogados ficam substancialmente reduzidas quando eles não são compelidos a sustentar determinadas questões, na presença da parte adversa.


Em verdade, os árbitros devem evitar constrangimentos, pois, na pacificação de conflitos, a elevação da auto-estima dos protagonistas, incluindo advogados, é um dos requisitos para a compreensão contextualizada do problema e o reconhecimento da eventual legitimidade de interesses contrapostos.


Assim, a retórica teatral do processo vai sendo substituída por uma moderna dialógica, em busca de soluções razoáveis. Quando necessária a perícia, tem sido comum que as partes diretamente contratem e remunerem o perito.


Estes novos paradigmas na condução da arbitragem contribuem para a maior celeridade, fluidez e simplicidade documental do procedimento, e, portanto, para o primado dialogal, agregando satisfação às partes, advogados e árbitros e constituindo provável contribuição brasileira ao desenvolvimento do instituto da arbitragem.





Notas: 
[1] CARMONA, Carlos Alberto. Flexibilização do Procedimento Arbitral. Revista Brasileira de Arbitragem, nº 24. Curitiba: IOB – CBAr, 2009, p. 7-21.

[2] ADEODATO, João Maurício. Ética e Retórica: para uma teoria da dogmática jurídica. 4ª ed. São Paulo: Saraiva, 2009, p. 238-263.


Informações Sobre o Autor

Carlos Eduardo de Vasconcelos

Mestre em Direito das Relações Sociais pela PUC/SP, membro da Comissão de Mediação, Conciliação e Arbitragem do Conselho Federal da OAB, presidente da Comissão de Conciliação, Mediação e Arbitragem da OAB/PE, Coordenador Pedagógico das Práticas Jurídicas e Restaurativas da Faculdade dos Guararapes/PE, Diretor de Pesquisa e Estatística do Conselho Nacional das Instituições de Mediação e Arbitragem – CONIMA, integrante do quadro de arbitralistas do Centro de Mediação e Arbitragem de Pernambuco – CEMAPE, professor, articulista e palestrante, autor do livro Mediação de Conflitos e Práticas Restaurativas.


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