A majoração da alíquota de CONFINS-importação para os produtos relacionados no anexo da Lei no 12.546/2011 e o condicionamento da eficácia desta norma à regulamentação

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Resumo: A Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida na importação de bens ou serviços do exterior Cofins-Importação instituída pela Lei no 10.865/2004 teve a alíquota majorada pela Lei 12.715 de 2012. A mesma Lei que institui a norma que majorou a alíquota do tributo condicionou a produção dos efeitos desta à sua posterior regulamentação. Essa regulamentação exigida como condição de eficácia não ocorreu mas as autoridades fiscais ignorando o disposto em Lei exigem a Cofins-Importação com alíquota de 86 76 de alíquota ordinária acrescida de 1 de alíquota majorada. A cobrança de 86 de Cofins-Importação é exigência ilegal que em desatenção ao disposto da própria Lei criadora desta norma é alíquota ao contribuinte.

Sumário: 1.Considerações Iniciais. 2. Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida na importação de bens ou serviços do exterior – Cofins-Importação. 3. A majoração da alíquota em 1% e o condicionamento para a produção de efeitos 4. Da falta de regulamentação do artigo 53 da Lei no 12.715/2012- condição para a eficácia da norma 5. Conclusões.

1.Considerações Iniciais

A Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida na importação de bens ou serviços do exterior – Cofins-Importação, instituída pela Lei no 10.865/2004,  teve a alíquota majorada pela Lei 12.715, de 2012.

A mesma Lei que institui a norma que majorou a alíquota do tributo, condicionou a produção dos efeitos desta  à sua posterior regulamentação.

Essa regulamentação exigida como condição de eficácia não ocorreu, mas as autoridades fiscais, ignorando o disposto em Lei, exigem a Cofins-Importação com alíquota de 8,6% (7,6% de alíquota ordinária, acrescida de 1% de alíquota majorada).

A cobrança de 8,6% de Cofins-Importação é exigência ilegal que, em desatenção ao disposto da própria Lei criadora desta norma, é obrigatória ao contribuinte.

A seguir trataremos dos fundamentos que embasam a alegação de ilegalidade, trazendo definição de conceitos e posições doutrinárias e jurisprudencial nesse mesmo sentido.

2. Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida na importação de bens ou serviços do exteriorCofins-Importação

 A Emenda Constitucional 42/2003 inseriu no texto constitucional a possibilidade da cobrança de contribuição social do “importador de bens ou serviços do exterior, ou de quem a lei a ele equiparar”.

Sua previsão está no art.195, nos seguintes termos:

Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:

I – do empregador, da empresa e da entidade a ela equiparada na forma da lei, incidentes sobre: 

a) a folha de salários e demais rendimentos do trabalho pagos ou creditados, a qualquer título, à pessoa física que lhe preste serviço, mesmo sem vínculo empregatício;

b) a receita ou o faturamento;

c) o lucro; 

II – do trabalhador e dos demais segurados da previdência social, não incidindo contribuição sobre aposentadoria e pensão concedidas pelo regime geral de previdência social de que trata o art. 201;

III – sobre a receita de concursos de prognósticos.”

Tendo em vista a disposição constitucional, a Lei no 10.865/2004, decorrente da Medida Provisória no 164/2004, instituiu a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida na importação de bens ou serviços do exterior – COFINS-Importação, definiu seus critérios[1] e estabeleceu suas regras e exceções.

A regra instituidora do tributo está disposta no art. 1º da citada Lei, com a seguinte redação:

“Art. 1o  Ficam instituídas a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público incidente na Importação de Produtos Estrangeiros ou Serviços – PIS/PASEP-Importação e a Contribuição Social para o Financiamento da Seguridade Social devida pelo Importador de Bens Estrangeiros ou Serviços do Exterior – COFINS-Importação, com base nos arts. 149, § 2o, inciso II, e195, inciso IV, da Constituição Federal, observado o disposto no seu art. 195, § 6o.”[2]

Em se tratando dos produtos importados sujeitos à incidência da contribuição, são considerados estrangeiros os bens nacionais ou nacionalizados exportados, que retornem ao país, inclusive os equipamentos, as máquinas, os veículos, os aparelhos e os instrumentos, bem como as partes, as peças, os acessórios e os componentes, de fabricação nacional, adquiridos no mercado interno pelas empresas nacionais de engenharia e exportados para a execução de obras contratadas no exterior. Excetuam-se a essa regra os bens: a) enviados em consignação e não vendidos no prazo autorizado; b) devolvidos por motivo de defeito técnico para reparo ou para substituição; c) devolvidos por motivo de modificações na sistemática de importação por parte do país importador; d) devolvidos por motivo de guerra ou de calamidade pública; ou e) devolvidos por outros fatores alheios à vontade do exportador.[3]

O art.2º da Lei 10.865/2004 relaciona os casos em que não há incidência da contribuição social sobre a importação e, mais adiante, no art.3º, especifica o fato jurídico tributário, qual seja: a entrada de bens estrangeiros no território nacional

A Lei 10.865/2004 também define a pessoa considerada o contribuinte do COFINS-Importação: o importador – pessoa física ou jurídica que promova a entrada dos produtos estrangeiros no território nacional. É o importador que, ao promover a entrada do produto no território nacional, deve proceder ao recolhimento do COFINS-Importação, sob pena de não ter liberada a entrada de seu produto.

Por fim a Lei trata do valor devido à título de Cofins-Importação. Prevê a Lei 10.865/2004 que o cálculo do valor que deve ser recolhido é feito, via de regra, aplicando-se a alíquota de 7,6% sobre a base de cálculo.  A base de cálculo corresponde ao valor aduaneiro, assim entendido como o valor que servir de base de cálculo para o Imposto de Importação, acrescido do valor do ICMS-importação e das próprias contribuição sociais.

A alíquota de 7,6% acima citada, incidente como regra geral, está prevista no art. 8º, inciso II, da Lei 10.865/2004:

“Art. 8o As contribuições serão calculadas mediante aplicação, sobre a base de cálculo de que trata o art. 7o desta Lei, das alíquotas de:

I – 1,65% (um inteiro e sessenta e cinco centésimos por cento), para o PIS/PASEP-Importação; e

II – 7,6% (sete inteiros e seis décimos por cento), para a COFINS-Importação.”

Essa alíquota de 7,6%, ainda que regra geral, não é aplicada para todos os casos.  No §21º deste mesmo artigo, a Lei prevê a majoração dessa alíquota para os casos de importação dos bens classificados relacionados no Anexo I da Lei nº 12.546, de 2011.

Esse §21º sofreu diversas alterações, inclusive pela Lei nº 12.715, de 2012 (Conversão da Medida provisória nº 563, de 2012),  até sua atual redação  vigente nos termos da Lei nº 12.844, de 2013:

“§ 21.  As alíquotas da Cofins-Importação de que trata este artigo ficam acrescidas de um ponto percentual na hipótese de importação dos bens classificados na Tipi, aprovada pelo Decreto no 7.660, de 23 de dezembro de 2011, relacionados no Anexo I da Lei nº 12.546, de 14 de dezembro de 2011.”

Percebe-se que, ainda que com as diversas alterações, a previsão de majoração da alíquota para determinados casos permanece e assim é exigida pelo Fisco.

Essa majoração, no entanto, ao nosso ver, não pode ser cobrada e trata-se de uma ilegalidade exigida pelo Fisco.

A Lei 12.715/2012, citada acima, de fato manteve a alíquota majorada em 1% – o que numa primeira análise conferiria legalidade à alíquota de 8,6%. Ocorre que, ao mesmo tempo, em artigo subsequente (art.78, § 2º), condicionou a produção dos efeitos desta norma à regulamentação subsequente. Em outras palavras, a Lei, ainda que tenha trazido norma majoradora da alíquota do Cofins-Importação para alguns casos, condicionou a eficácia desta norma à posterior regulamentação. 

A alegação de ilegalidade trazida neste trabalho está fundamentada no fato dessa regulamentação, exigida pela própria lei majoradora da alíquota, nunca ter ocorrido. Em total desatenção ao disposto na lei, que condiciona a produção dos efeitos da norma à regulamentação, as autoridades fiscais exigem o pagamento da Cofins-Importação com alíquota de 8,6% – majorada em 1%.

Tem-se, com isso, uma norma de majoração de alíquota válida, vigente, no entanto, sem eficácia – e exigida pelas autoridades fiscais.

3. A majoração da alíquota em 1% e o condicionamento para a produção de efeitos

Como dito acima, sobre o valor das importações dos produtos relacionados no Anexo da Lei no12.546/2011, nos termos do art. 53, §21º, da Lei no 12.715/2012,  ratificada pela Lei nº 12.844, de 2013, incide a COFINS-Importação sob alíquota de 7,6% acrescida de 1%.

Dispõe a Lei:

“Art. 53.  Os arts. 8o e 28 da Lei no 10.865, de 30 de abril de 2004, passam a vigorar com as seguintes alterações: Vigência e produção de efeito

"Art. 8o  (…)

§ 21.  A alíquota de que trata o inciso II do caput é acrescida de um ponto percentual, na hipótese de importação dos bens classificados na Tipi, aprovada pelo Decreto no 7.660, de 23 de dezembro de 2011, relacionados no Anexo da Lei no 12.546, de 14 de dezembro de 2011.)”

Ao se observar o disposto no art. 53, §21º, da Lei no 12.715/2012, considera-se, num primeiro momento, que a alíquota de COFINS-Importação para determinados produtos de fato foi majorada e, assim, passível de ser exigida por parte das autoridades responsáveis – tanto isso ocorre que a Receita Federal do Brasil programou o Sistema Integrado de Comércio Exterior (SISCOMEX)[4] para que a alíquota de 8,6% esteja pré-estabelecida no sistema.

Ocorre que a Lei 12.715/2012 não se limita a esse artigo majorador. Ao contrário, dispõe em artigo subsequente – art.78, § 2º – que a exigência desta majoração fica condicionada a regulamentação posterior.

Dispõe o art.78, § 2º, da Lei 12.715/2012:

Art. 78.  Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo efeitos: 

I – em relação aos arts. 15

 a 23, a partir de sua regulamentação, até 31 de dezembro de 2015; e 

II – em relação aos arts. 40

 a 44 e 62, a partir de sua regulamentação. 

§ 1o  Os arts. 48

 e 50 entram em vigor em 1o de janeiro de 2013. 

§ 2o  Os arts. 53

 56 entram em vigor no 1o (primeiro) dia do 4o (quarto) mês subsequente à data de publicação da Medida Provisória no 563, de 3 de abril de 2012, produzindo efeitos a partir de sua regulamentação, à exceção.”

Observa-se que o próprio caput do art. 78 prevê expressamente que a referida lei entra em vigor a partir de sua publicação e elenca nos incisos I e II e nos §§ 1o e 2o o momento em que casos específicos produzirão efeitos.

Dentre esses casos está o previsto no art.53 (transcrito acima), que teve sua eficácia condicionado à regulamentação pelo §2º do artigo 78.  Esse artigo, destaca-se, refere-se ao §21, do art.8º, da Lei 10.865/2004, que trata da majoração da alíquota da COFINS-Importação para os produtos relacionados no Anexo da Lei no12.546/2011.

Assim, pode-se concluir que, para que haja de fato a cobrança do tributo com alíquota em 8,6%, é mandatório que haja regulamentação nesse sentido.

A regulamentação obrigatória prevista na lei nunca ocorreu. A norma que majora a alíquota da COFINS-Importação, ainda que prevista em lei vigente, teve a produção de seus efeitos condicionada à edição de nova norma que até o momento não foi editada. Trata-se, portanto, de uma exigência sem eficácia e, por isso, carente de legalidade.

O equívoco pode ser reconhecido com a simples leitura da legislação. Basta se considerar que o direito deve ser interpretado sistematicamente, como um todo. Um mero artigo isolado não pode ser considerado a regra, sem que haja análise das demais disposições da Lei, sob pena de direcionar à interpretação equivocada da vontade do legislador.

Trata-se exatamente do caso tratado neste artigo. Ao se limitar a análise ao art.53, pode-se concluir equivocadamente que a majoração é uma norma válida, vigente e eficaz. No entanto, ao continuar a análise até o art.78 da mesma lei, percebe-se que, na verdade, o legislador pretendeu que a norma de majoração da alíquota fosse regulamentada posteriormente para então produzir efeitos. 

Nesse sentido, a Lei Complementar no 95/98 – diploma de hierarquia superior que estabelece regras de produção legislativa – expressamente estrutura a lei em três partes:

“Art. 3º A lei será estruturada em três partes básicas:

I – parte preliminar, compreendendo a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas;

II – parte normativa, compreendendo o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada;

III -parte final, compreendendo as disposições pertinentes às medidas necessárias à implementação das normas de conteúdo substantivo, às disposições transitórias, se for o caso, a cláusula de vigência e a cláusula de revogação, quando couber.”

Fica claro que a pretensão do legislador é de que um mero dispositivo não seja interpretado isoladamente. Bem pelo contrário, deve-se analisar a lei como um todo, considerando todas as normas que a compõe.

Justamente por esta razão, quis o legislador que a produção de uma norma geral e abstrata fosse seguida de uma segunda regra necessária à sua eficácia concreta, nas hipóteses em que o próprio produtor da regra geral julgasse, pela natureza da regra, a necessidade de normas inferiores de caráter substantivo.

É exatamente o que ocorreu com a Lei em discussão, em que o legislador expressamente condicionou a produção de efeitos à edição de normas substantivas.

4. Da falta de regulamentação do artigo 53 da Lei no 12.715/2012- condição para a eficácia da norma

A permissão concedida pelo art. 53 e a condição imposta pelo art. 78, ambos da Lei n.º 12.715/12, trazem para a prática conceitos básicos da Teoria Geral do Direito e deixam clara a diferenciação feita pela doutrina e, no caso prático, utilizada pelo legislador, dos conceitos de validade, vigência e eficácia de uma norma. 

Nobres doutrinadores como PAULO DE BARROS CARVALHO e TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR entendem que esses conceitos não se confundem. A norma pode ser válida e não estar vigente nem gerando efeitos. Ou, ainda, a norma pode ser válida e vigente, mas não gerar efeitos.

O fato é que para que uma norma cumpra a sua função social, ou seja, para que exerça o papel para o qual foi criada e alcance seu fim, há que ser válida, vigente e eficaz.  Portanto, para que a norma esteja passível de obrigatoriedade por parte do órgão competente, não basta ser válida e/ou vigente, tem ser eficaz.

A ausência de eficácia é que torna a norma que majorou a alíquota da Cofins-Importação não passível de cobrança. A norma que autoriza a majoração da alíquota de COFINS-Importação, ainda que válida e vigente, não tem eficácia, pois a produção de seus efeitos está condicionada a regulamentação. Isso nos demonstra que a autoridade fiscal não pode exigir o cumprimento dessa uma norma cuja regulamentação nunca ocorreu.

Acerca dos conceitos de validade, vigência e eficácia, abaixo algumas definição para melhor entendimento do fundamento da ilegalidade alegada.

i.  Validade da norma jurídica

Para PAULO DE BARROS CARVALHO, o conceito de validade de norma jurídica está diretamente relacionado a sua própria existência. Toda norma é válida, basta existir. Ao existir enquanto norma, esta já se enquadra no conceito de validade.

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, seguindo a mesma tendência, com algumas especificações, na sua “Publicação Científica” do dia 23 de agosto de 2011, descreve de maneira elucidante o conceito de validade:

“Temos para nós, primeiramente, que validade é uma qualidade contra-fática, isto é, o valer de uma norma não depende da existência real e concreta das condutas que ela prescreve: mesmo descumprida, a norma vale. Em segundo lugar, admitindo-se que toda norma prescreve uma conduta – conteúdo ou relato da norma – e, simultaneamente, instaura, entre quem prescreve e para quem é prescrita, uma relação de autoridade/sujeito – relação ou cometimento da norma – afirmamos que a validade diz respeito, primariamente, à relação ou cometimento: norma válida é aquela cuja autoridade, ainda que o conteúdo venha a ser descumprido, é respeitada sendo tecnicamente imune a qualquer descrédito. Assim, a norma, por exemplo, cuja autoridade legisladora é tecnicamente competente e agiu conforme as regras da sua competência legislativa, será válida. Do mesmo modo, por exemplo, a norma, cuja autoridade legisladora agiu dentro dos fins estabelecidos pelo ordenamento, também será válida. No primeiro caso, temos uma validade condicional ou pela condição. No segundo, uma validade finalística ou pelo fim. Em ambos, como se vê, é preciso que a norma esteja integrada no ordenamento, isto é, sua validade decorre de outras normas que condicionam a competência e/ou determinam os fins.”[5]

Pode-se, de forma sintética, seguindo os citados doutrinadores, entender que, estando a norma criada por órgão competente e inserida no nosso ordenamento, ela é válida.

Ao relacionar esta teoria com o presente caso, pode-se concluir que a norma de majoração da alíquota da COFINS-Importação, criada pelo art.53 é válida. É uma norma existente, que compõe nosso ordenamento.

A validade, no entanto, não é sinônimo de vigência nem de eficácia, e não é condição única para uma norma ser obrigatória. Em outras palavras, o fato da norma existir não é suficiente para as autoridades competentes possam exigir seu cumprimento. Deve-se observar sua vigência e, ainda, sua eficácia.   

ii. Vigência da norma jurídica

Como dito, a mera criação da norma não é suficiente para que esta produza efeitos e seja passível de exigência.

Após a criação, a norma é promulgada e publicada, para então se tornar vigente.  A norma estando vigente, pode (“pode” no sentido de ser possível) ser invocada para produzir efeitos.

PAULO DE BARROS CARVALHO[6] leciona:

“A norma jurídica se diz vigente quando está apta para qualificar fatos e determinar o surgimento de efeitos de direito, dentro dos limites que a ordem positiva estabelece, no que concerne ao espaço e no que consulta ao tempo” (destaque nosso)

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR[7] conceitua vigência como “uma qualidade da norma que diz respeito ao tempo em que ela atua, podendo ser invocada para produzir efeitos”.

Assim, estando vigente, é possível a provocação da lei para que esta produza efeitos.  A norma de majoração da alíquota do COFINS-Importação é, assim, válida e está vigente.

Isso, no entanto, não autoriza por completo sua obrigatoriedade, pois vigência não pode ser confundida com eficácia. A eficácia se refere à adequação da norma em vista da produção concreta de efeitos, e será analisada a seguir.

iii. Eficácia da norma jurídica

A eficácia jurídica trata diretamente da produção de efeitos por parte da norma jurídica válida e vigente no caso concreto.

TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR, na mesma publicação citada acima, define o conceito de eficácia jurídica de forma magistral:

A eficácia tem a ver com a produção de efeitos. Diz-se eficaz a norma a)que tem condições fáticas de atuar, posto que ela é adequada em relação à realidade; b) que tem condições técnicas de atuar, posto que estão presentes os elementos normativos para adequá-la à produção de efeitos concretos. A contrário sensu, ineficaz e a norma, nos dois sentidos, inadequada. Estes dois sentidos podem existir simultaneamente ou não. Assim, quando uma lei determina que entrará em vigor, imediatamente, havendo necessidade de sua regulamentação, enquanto não for decretada, a lei será ineficaz no sentido (b). Decretada a regulamentação, pode ocorrer, no entanto, que a lei permaneça inadequada à realidade que ela pretende disciplinar, por razões fáticas. Por exemplo, a lei determina a obrigatoriedade do uso de determinado aparelho para a proteção do trabalhador no exercício do seu trabalho, mas o aparelho não existe no mercado nem há previsão de sua produção adequada,  para dar condições à sua utilização. Para efeito de diferença terminológica chamaremos o sentido (a) de eficácia semântica e o sentido (b) de eficácia sintática.  Ora, aqui, também pode haver – e há em regra – simultaneidade entre validade, vigência, vigor e eficácia. Mas pode não haver. Assim, nada obsta que uma norma válida, vigente e em vigor tenha sua eficácia sintática suspensa – então ele não produzirá efeitos em face da realidade concreta –  ou não tenha eficácia semântica, caso em que se aplica o princípio ad impossibilita nemotene-tur.”

Percebe-se que no caso da majoração da alíquota ocorre exatamente o descrito acima. Há ausência de condição técnica para sua atuação: sua regulamentação – e por isso não pode produzir efeitos em face da realidade concreta.

Em discussão muito análoga ao caso da norma majoradora da alíquota da Confins-Importação,   o Colendo Superior Tribunal de Justiça debruçou-se sobre a necessidade de regulamentação do art. 3º, §2º, inciso III da Lei n.º 9.718/98, que excluía da base de cálculo do PIS/COFINS  “os valores que, computados como receita, tenham sido transferidos para outra pessoa jurídica, observadas normas regulamentadoras expedidas pelo Poder Executivo”.

Naquele debate, a jurisprudência uníssona do STJ – desta vez contrária aos interesses dos contribuintes – pacificou-se no sentido de que, não obstante em vigência, a citada norma carecia de eficácia pela falta de regulamentação infralegal editada pelo Poder Executivo.

Nesse sentido é muito esclarecedor o julgado abaixo transcrito:

“PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. RECURSO ESPECIAL. PIS/COFINS. COMPENSAÇÃO. TRIBUTO SUJEITO À LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. PRESCRIÇÃO. TERMO INICIAL. ARTIGO 4º DA LC 118/2005. DETERMINAÇÃO DE APLICAÇÃO RETROATIVA. DECLARAÇÃO DE INCONSTITUCIONALIDADE. CONTROLE DIFUSO. CORTE ESPECIAL. RESERVA DE PLENÁRIO. (RECURSO REPETITIVO – RESP 1.002.932-SP). PIS E COFINS. INCIDÊNCIA SOBRE RECEITAS TRANSFERIDAS PARA OUTRAS PESSOAS JURÍDICAS. LEI N.º 9.718/91, ART. 3º, § 2º, III. NORMA DE EFICÁCIA LIMITADA. AUSÊNCIA DE REGULAMENTAÇÃO.

1. As normas jurídico-tributárias admitem a dicotomia entre as cognominadas leis de eficácia limitada ou condicionada. Consoante a doutrina do tema, "as normas de eficácia limitada são de aplicabilidade indireta, mediata e reduzida, porque somente incidem totalmente sobre esses interesses após uma normatividade ulterior que lhes desenvolva a eficácia.". Isto porque, "não revestem dos meios de ação essenciais ao seu exercício os direitos, que outorgam, ou os encargos, que impõem: estabelecem competências, atribuições, poderes, cujo uso tem de aguardar que a Legislatura, segundo o seu critério, os habilite a se exercerem".

2. A lei 9.718/91, art. 3º, § 2º, III, optou por delegar ao Poder Executivo a missão de regulamentar a aplicabilidade desta norma. Destarte, o Poder Executivo, competente para a expedição do respectivo decreto, quedou-se inerte, sendo certo que, exercendo sua atividade legislativa constitucional, houve por bem retirar a referida disposição do universo jurídico, através da Medida Provisória 1991-18/2000, numa manifestação inequívoca de aferição de sua inconveniência tributária.

3. Conquanto o art. 3º, § 2º, III, da Lei supracitada tenha ostentado vigência, careceu de eficácia, ante a ausência de sua imprescindível regulamentação. Assim, é cediço na Turma que "se o comando legal inserto no artigo 3º, § 2º, III, da Lei  n.º 9718/98 previa que a exclusão de crédito tributário ali prevista dependia de normas regulamentares a serem expedidas pelo  Executivo, é certo que, embora vigente, não teve eficácia no mundo jurídico, já que não editado o decreto regulamentador, a citada norma foi expressamente revogada com a edição de MP 1991-18/2000".

4. Deveras, é lícito ao legislador, ao outorgar qualquer benefício tributário, condicionar o seu gozo. Tendo o legislador optado por delegar ao Poder Executivo a tarefa de estabelecer os contornos da isenção concedida, também essa decisão encontra amparo na sua autonomia legislativa.

 (…)” (AgRg no REsp 1132743 / RS, Min. Luix Fux, j. 10/12/10, DJU 21/02/11).

Observa-se, assim, amparados pela doutrina e pela decisão (em caso análogo) do STJ, que a cobrança de Confins-Importação sob alíquota de 8,6% é ilegal. Trata-se de uma norma válida, vigente, no entanto, sem eficácia – considerando que a produção de seus efeitos está expressamente vinculada à regulamentação.

A cobrança de 1%, além da alíquota ordinária de 7,6%, é indevida, ilegal e deve ser assim considerada por contribuintes e pelas autoridades fiscais.

5. Conclusões

Conclui-se, por fim, que: i) a Lei que institui a alíquota de 8,6% de Cofins-Importação para os  produtos relacionados no Anexo da Lei no12.546/2011 condicionou a produção de seus efeitos à regulamentação; ii) a regulamentação exigida jamais ocorreu; iii) trata-se, portanto, de norma válida, vigente, mas sem eficácia; iv) as autoridades fiscais, ignorando a ineficácia da norma, e em total descumprimento a preceito legal, exigem do contribuinte Cofins-Importação sob alíquota de 8,6%; iv)  a cobrança da Cofins-Importação com alíquota majorada é exigência ilegal e deve ser combatida pelo judiciário.

Notas:
[1] Adeptos à teoria do professor Paulo de Barros Carvalho, entendemos que a norma (inclusive a instituidora do Cofins-Importação) é formada pelos critérios material, espacial, temporal, pessoal e quantitativo.

[2] A lei institui a cobrança do COFINS-Importação e do PIS/PASEP-Importação na importação de bens e serviços estrangeiros. Para fins deste estudo, trataremos apenas do COFINS-Importação sobre a importação de produtos.

[3] Lei 10.865/2004 – Lei que dispões sobre a Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público e a Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social incidentes sobre a importação de bens e serviços e dá outras providências.

[4] O Siscomex o sistema único utilizado para o controle do comércio exterior, que por um fluxo central, registra atividades, acompanha e controla as referidas operações. É o sistema através do qual se dá a entrada de mercadoria estrangeira em território nacional. A importação no Siscomex é processada em diversas etapas a serem executadas pelo importador, pelo depositário, pela fiscalização aduaneira e pelo transportador.  Em suma, i) cabe ao depositário informar à Receita Federal do Brasil – RFB, de forma imediata, sobre a disponibilidade da carga recolhida sob sua custódia; ii) cabe ao importador o registro da declaração de importação no sistema e, iii) cabe à fiscalização aduaneira a conferência aduaneira e o desembaraço. Ocorre que, ainda que sendo responsabilidade do importador o registro das informações da declaração de importação, conforme o próprio site da Receita Federal do Brasil informa, o Sistema Integrado de Comércio Exterior possui determinadas informações pré-fixadas no próprio sistema. Dentre essas informações, estão as alíquotas dos tributos incidentes no desembaraço aduaneiro.  (Informações retiradas do sítio da Receita Federal do Brasil – http://www.receita.fazenda.gov.br/aduana/procaduexpimp/despaduimport.htm

[6] Direito Tributário, Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2009, 3ª edição, p.445

[7]TERCIO SAMPAIO FERRAZ JUNIOR diferencia vigência de vigor. Essa diferenciação, no entanto, ainda que suma importância doutrinariamente, para o presente caso, é irrelevante.


Informações Sobre o Autor

Mariana Paludo Magarinos Bernardi

Mestranda em Direito Tributário pela PUC/SP. Advogada


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