Novos princípios para uma nova disciplina: o direito ambiental do trabalho

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Resumo: O presente texto elenca e discute os princípios de direito do trabalho e os de direito ambiental e a imbricação entre eles, reconhecendo o meio ambiente do trabalho como elemento integrante do meio ambiente, propondo verdadeiros princípios de direito ambiental do trabalho.


Introdução


A Constituição de 1988 garantiu ao Brasil posição de destaque no cenário internacional, ao estabelecer que todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações (art. 225).


Embora a disciplina do direito do meio ambiente seja recente (cerca de 35 anos, tendo como marco histórico a Conferência das Nações Unidas sobre o meio ambiente, realizada em Estocolmo, no ano de 1972), um de seus elementos tem origem distante e uma regulação internacional. O meio ambiente do trabalho, embora não com este nome, é matéria de estudos de mais de três séculos, marcado pela publicação, em 1700, pelo médico italiano Benardino Ramazzini, do livro De Morbis Artificum Diatriba (As doenças dos trabalhadores), onde descreve uma série de doenças típicas de mais de 50 profissões (MENDES, 2005; VIEIRA, 2005, p. 30).


No Brasil, além da incorporação de uma série de normas da Organização Internacional do Trabalho sobre o meio ambiente do trabalho, a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) dedica um capítulo inteiro (o V) à segurança e medicina do trabalho, ao qual pode ser acrescentada a Portaria 3.214/78, que aprova as denominadas Normas Regulamentadoras sobre o ambiente de trabalho, emitida pelo Ministério do Trabalho, no exercício da competência estabelecida nos artigos 155, I, e 200, ambos da CLT.


O objetivo do presente trabalho é apontar os princípios aplicáveis ao meio ambiente do trabalho, construídos a partir dos princípios específicos do direito do trabalho dos princípios do direito ambiental, com enfoque trabalhista, apresentando o da precaução no meio ambiente do trabalho, diferenciando-o da prevenção.


Inserto no conceito de meio ambiente pode-se encontrar o meio ambiente do trabalho. Por isso, necessária a análise dos princípios ambientais, destacando-se a diferença entre prevenção e precaução. Ademais, a natureza protetiva do direito do trabalho atrai a atenção, também, para os princípios trabalhistas, de modo a instrumentalizar sua utilização também no que toca ao meio ambiente do trabalho, na busca da proteção do ser humano.


1 Princípios trabalhistas e o meio ambiente do trabalho


Segundo Américo Plá Rodriguez (2000, p. 36), princípios são linhas diretrizes que informam algumas normas, que inspiram as diferentes soluções para os conflitos postos, servindo para inspirar as novas normas, orientar a interpretação das normas existentes e resolver os casos não previstos, daí suas funções informadora, interpretativa e normativa. “Os princípios do direito do trabalho constituem o fundamento do ordenamento jurídico do trabalho […]” (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 49).


Dentre as várias classificações apontadas pela doutrina trabalhista, opta-se por apresentar a classificação proposta por Américo Plá Rodriguez devido sua concisão e aceitação generalizada: princípios da proteção, irrenunciabilidade, continuidade, primazia da realidade, razoabilidade, boa-fé e outros dois, com menor destaque do autor, mas igualmente importantes, o da alienidade dos riscos e o da não discriminação, embora refira o autor (2000, p. 445), também, o da igualdade, optando por aquele no âmbito do direito do trabalho. Dentre os princípios trabalhistas relacionados, necessária a breve compreensão daqueles inerentes ao tema do presente trabalho.


O princípio da proteção é a própria razão de ser do direito do trabalho, “[…] pelo qual se compensa a inferioridade econômica do trabalhador com tratamento legal privilegiado, [e] expressa a ideologia do direito do trabalho” (CAMINO, 2003, p. 108). A idéia de um ramo do direito que proteja uma das partes vem do reconhecimento da desigualdade material encontrada entre trabalhador e empresário no âmbito maior da relação entre capital e trabalho.


No que se refere ao meio ambiente do trabalho, claro está que não só este deve ser alvo da proteção, mas a própria pessoa que labora, de modo a garantir sua integridade física, psíquica e moral, respeitando os valores da dignidade humana.


O princípio da proteção desenrola-se em três formas de aplicação (PLÁ RODRIGUEZ, 2000, p. 106): in dubio, pro operario, ou seja, entre duas interpretações para a mesma norma deve-se optar por aquela que favoreça o trabalhador; aplicação da norma mais favorável, que significa a necessária opção, entre mais de uma norma aplicável ao mesmo caso concreto, por aquela mais favorável ao trabalhador; e prevalência da condição mais benéfica, que trata do conflito de norma no tempo, devendo permanecer aquela que mantém ou melhora as condições do trabalhador. Tais regras de aplicação, por certo, são úteis na análise do direito ambiental do trabalho, fundamentando a interpretação pró trabalhador, na manutenção de um ambiente de trabalho que garanta a sadia qualidade de vida.


A irrenunciabilidade “[…] consiste em que o trabalhador não pode renunciar aos direitos a ele assegurados pela legislação do trabalho.” (LIMA, 1997, p. 88). Este princípio instrumentaliza-se no ordenamento brasileiro nos arts. 9º e 468 da CLT. Pelo primeiro, é nula toda disposição que vise impedir, desvirtuar ou fraudar a aplicação da legislação trabalhista. No que se refere ao art. 468, este inadmite qualquer alteração contratual, ainda que consensual, que resulte em prejuízo direto ou indireto ao trabalhador. O fundamento deste princípio está na presunção de que todo ato que signifique desfazimento de direitos por conta própria implica a existência de coação, ainda que consista no simples medo de perda do emprego.


Ainda que a evolução do direito do trabalho venha apontando pela ampliação legal e jurisprudencial das hipóteses de aceitação da renúncia, no que se refere aos direitos relacionados à segurança e saúde no trabalho, portanto, referentes ao ambiente do trabalho, a doutrina tem sido uníssona em apontar a irrenunciabilidade de direitos e da proteção alcançada pela legislação trabalhista, constitucional e infra-constitucional. Esse direito, segundo Evanna Soares (2004, p. 75), “[…] é irrenunciável e inegociável (‘in pejus’) e as medidas de saúde e segurança no trabalho não podem constar da pauta de redução de custos das empresas.”.


No mesmo sentido, Maurício Godinho Delgado (2006, p. 1401) aponta a indisponibilidade absoluta das normas de medicina e segurança do trabalho, denominando, junto a outros direitos, de “patamar civilizatório mínimo”, formado, segundo o autor, normas trabalhistas heterônomas pertencentes a três grupos:


“[…] as normas constitucionais em geral (respeitadas, é claro, as ressalvas parciais expressamente feitas pela própria Constituição: art. 7º, VI, XIII e XIV, por exemplo); as normas de tratados e convenções internacionais vigorantes no plano interno brasileiro (referidas pelo art. 5º, § 2º, CF/88, já expressando um patamar civilizatório no próprio mundo ocidental em que se integra o Brasil); as normas legais infraconstitucionais que asseguram patamares de cidadania ao indivíduo que labora (preceitos relativos à saúde e segurança no trabalho, norma concernentes a bases salariais mínimas, normas de identificação profissional, dispositivos antidiscriminatórios, etc.).”


Ressalte-se que, para Delgado (2006, p. 202), a indisponibilidade é mais ampla que a simples irrenunciabilidade, abarcando não só a invalidade da renúncia, mas também da transação.


Também Ivan Alemão (2004, p. 372) aponta que os direitos à proteção física por normas de saúde e segurança do trabalho e os de integridade física, dentre outros, “[…] são inalienáveis ou indisponíveis por tratarem de direitos inerentes à cidadania, não sendo patrimônio disponível. São negociáveis os direitos patrimoniais.”. Sergio Pinto Martins (2005, p. 79) classifica as normas que tratam de medicina e segurança do trabalho como normas de ordem pública absolutas, “[…] que não podem ser derrogadas por vontade das partes, em que prepondera um interesse público sobre o individual.”.


O que se pode concluir é que não há possibilidade de renúncia dos direitos inerentes ao meio ambiente do trabalho, até por sua natureza humana e fundamental acima referida, nem no plano individual, nem no plano coletivo. Se as normas de saúde, higiene e segurança visam reduzir os riscos inerentes ao trabalho (art. 7º, XXII, da Constituição), o sentido da norma restaria esvaziado se fosse permitida a renúncia, por parte dos empregados ou mesmo via negociação coletiva, pois permitiria que a pressão do desemprego forçasse a aceitação de níveis de proteção mais baixos do que aqueles previstos em lei.


O princípio da continuidade aponta para uma preferência para os contratos de prazo indeterminado. Nesse sentido, afirma Delgado (2006, p. 209) que “[…] é do interesse do Direito do Trabalho a permanência do vínculo empregatício, com a integração do trabalhador na estrutura e dinâmica empresariais.”. A integração do trabalhador à empresa permite-lhe, também, maior integração social, pois assegurada sua fonte de sustento. Também é vantajosa para o empregador, pois obtém do empregado maior dedicação, lealdade e experiência no exercício de suas funções.


No que se refere ao meio ambiente do trabalho, um empregado mais experiente tende a conhecer o processo produtivo e as máquinas que opera, terá passado por mais cursos de qualificação e reciclagem, o que contribuirá significativamente para a redução dos acidentes do trabalho e desenvolvimento de doenças profissionais e do trabalho.


Os princípios da primazia da realidade, razoabilidade e boa-fé, embora sua reconhecida importância, não serão objeto de maiores considerações por escolha do autor, tendo em vista seu caráter mais geral, em relação aos princípios específicos do direito do trabalho, e da sua menor relação com o tema em discussão.


O princípio da alienidade dos riscos significa, para Plá Rodriguez (2000, p. 435), que o salário é devido ao empregado independente do sucesso do empreeendimento, o que Delgado (2006, p. 707) chama de caráter forfetário do salário, assim como cabe ao empregador a direção e responsabilidade da empresa, bem como a propriedade dos produtos. É a tese adotada pelo art. 2º da CLT, ao afirmar que o empregador assume os riscos da atividade econômica, bem como dirige a prestação pessoal dos serviços.


A idéia pode ser estendida aos riscos na área do meio ambiente do trabalho. Esse é o sentido das disposições constitucionais, ao preverem, respectivamente, no art. 7º, XXII o direito dos trabalhadores à redução dos riscos, cujo dever é do empregador, assim como é sua obrigação, conforme art. 7º, XXVIII, manter seguro contra acidentes do trabalho, sem excluir a responsabilidade pela indenização em caso de culpa ou dolo. Na área desta responsabilidade, inclusive, após a promulgação do Código Civil de 2002 (Lei 10.406, de 11 de janeiro de 2002), a moderna doutrina tem afirmado a responsabilidade objetiva do empregador, quando a atividade desenvolvida pela empresa é de risco, com base no art. 927, parágrafo único, do Código Civil (BRANDÃO, 2007, p. 81).


O princípio da não discriminação, segundo Plá Rodriguez (2000, p. 445), depois de justificar sua admissão em detrimento do princípio da igualdade, “[…] leva a excluir todas aquelas diferenciações que põem um trabalhador numa situação de inferioridade ou mais desfavorável que o conjunto, e sem razão válida nem legítima.”. Tal princípio é de absoluta imprescindibilidade no âmbito do meio ambiente do trabalho, conquanto independente da natureza jurídica do vínculo entre trabalhador e empresa, as pessoas estão sujeitas ao mesmo ambiente de trabalho. Assim, a aplicação das normas de segurança e medicina do trabalho, os equipamentos de proteção, os cuidados com o desenvolvimento do trabalho, têm de ser os mesmos para todos os trabalhadores, independentemente se são empregados ou trabalhadores temporários, terceirizados, cooperativados, autônomos, eventuais, ou cujo vínculo tenha qualquer outra natureza.


Embora o tema seja controvertido, especialmente em sede jurisprudencial, expressiva parte da doutrina vem percebendo a necessidade de tratamento igualitário, quando se refere às condições do meio ambiente do trabalho.


Evanna Soares (2004, p. 88) aponta a necessidade de reconhecer como sujeitos do direito ao meio ambiente do trabalho todas as categorias de trabalhadores urbanos e rurais: empregados, servidores públicos civis (com fundamento constitucional: art. 39, § 3º, que faz referência ao art. 7º, XXII; e também na legislação ordinária: Lei 8.112/90, art. 185, I, “h”) e militares, trabalhadores autônomos ou independentes, profissionais liberais e do setor informal, trabalhadores em domicílio e terceirizados (SOARES, 2004, p. 89-97).


Também Celso Antonio Pacheco Fiorillo (apud FERNANDES, 2004, p. 56) vai por este caminho, ao definir o meio ambiente do trabalho, como o


“[…] local onde as pessoas desempenham suas atividades laborais, sejam remuneradas ou não, cujo equilíbrio está baseado na salubridade do meio e na ausência de agentes que comprometam a incolumidade físico-psíquica dos trabalhadores, independente da condição que ostentem (homens ou mulheres, maiores ou menores de idade, celetistas, servidores públicos, autônomos etc.)”. [grifo nosso].


Observa-se que o autor inclui até mesmo as pessoas não remuneradas como integrantes do meio ambiente de trabalho, que deverá garantir a sadia qualidade de vida, incluindo, portanto, até mesmo estagiários, sejam remunerados ou não. É dever do empregador resguardar a “[…] vida e a integridade psicossomática dos trabalhadores ativados sob sua égide, subordinados ou não.” (FELICIANO, 2006, p. 159).


Além da plena aplicação dos princípios específicos do direito do trabalho ao meio ambiente do trabalho, é de se destacar aqueles típicos do direito ambiental, necessários à efetivação do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado também no ambiente laboral.


2 Princípios ambientais constitucionais e as relações de trabalho


Vários são os princípios deduzidos dos vários documentos internacionais dedicados ao meio ambiente, especialmente da já referida Conferência de Estocolmo de 1972, e da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento (CNUCED), realizada de 3 a 14 de junho de 1992, no Rio de Janeiro (Rio-92). Para os limites deste trabalho, entretanto, serão brevemente apresentados os princípios reconhecidos pela Constituição de 1988, quais sejam, o da obrigatoriedade da intervenção estatal, da ubiqüidade, da participação, da cooperação entre os povos, da função sócio-ambiental da propriedade, do poluidor-pagador ou da responsabilização, culminando nos princípios da prevenção e precaução (com o qual será analisado o princípio da informação), que serão abordados com maior profundidade no item seguinte.


Também denominado de desenvolvimento sustentável, o princípio da obrigação da intervenção estatal está previsto no art. 225, § 1º, da Constituição, ao traçar as incumbências do Poder Público, e tem sua origem remota no art. 17 da Declaração de Estocolmo: “Deve ser confiada às instituições nacionais competentes, a tarefa de planificar, administrar e controlar a utilização dos recursos ambientais dos Estados, com o fim de melhorar a qualidade do meio ambiente.”. O princípio visa conciliar o desenvolvimento dos estados com a proteção ao meio ambiente, daí seu epíteto desenvolvimento sustentável e a tarefa destinada aos poderes públicos (como visto na Constituição brasileira) de atuar na defesa do meio ambiente e planejar sua política de crescimento tendo em vista a preservação ecológica. Nesse sentido, “[…] a defesa do meio ambiente é um dever precípuo do Estado, que só existe para prover as necessidades vitais da comunidade.” (MILARÉ, 2005, p. 160), dada natureza pública do bem ambiental. Edis Milaré (2005, p. 161) também afirma que qualquer ação ou decisão, seja ela pública (especialmente esta) ou privada, deve levar em consideração a variável ambiental (instrumentalizada, por exemplo, pelo Estudo de Impacto Ambiental), princípio expresso no art. 225, § 1º, IV, da Constituição, com origem remota no Princípio 17 da Declaração do Rio de Janeiro. Esta prática leva ao princípio da ubiqüidade, ou seja, “[…] significa a consideração do meio ambiente como fator importante para tomada de decisões políticas, atuação administrativa, criação legislativa e qualquer medida relevante à comunidade e ao ambiente.” (ALVES, 2005, p. 109-110).


No âmbito do meio ambiente do trabalho, o princípio pode ser visualizado já na Constituição, que atribui competência ao sistema único de saúde de colaborar na proteção do meio ambiente de trabalho (art. 200, VIII), mas também em inúmeras normas infraconstitucionais, especialmente atribuindo às Delegacias Regionais do Trabalho, do Ministério do Trabalho, atribuições de fiscalização, adoção de medidas e imposição de multas (art. 156 da CLT) no que se refere ao cumprimento das normas de segurança e medicina do trabalho, especialmente através da inspeção prévia (art. 160, CLT) e do embargo ou interdição (art. 161, CLT).


A idéia de ubiqüidade deve estar presente, no que se refere ao meio ambiente do trabalho, na própria escolha dos métodos de produção, bem como máquinas, matérias primas e equipamentos de proteção individual. Ademais, certas limitações, a exemplo da jornada de trabalho e férias, devem ser respeitadas para permitir aos trabalhadores a devida recuperação para o exercício do trabalho.


O princípio da participação está explicitado no caput do art. 225 da Constituição, ao impor também à coletividade o dever de defender e preservar o meio ambiente. A Declaração do Rio de 92 identifica, em seu princípio 10, que a melhor maneira de tratar as questões ambientais é assegurar a participação de todos os cidadãos, através do acesso adequado às informações, aos mecanismos judiciais e administrativos, bem como permitindo a participação em processos de tomada de decisões.


Nas relações de trabalho, pode-se avistar o princípio tanto nas regras dos artigos 157 e 158 da CLT, que informam as atribuições de empresas e empregados no que se refere às normas de segurança e medicina do trabalho, quanto a outros mecanismos de participação, notoriamente a negociação coletiva, via sindical, e mesmo a existência das Comissões Internas de Prevenção de Acidente do Trabalho (CIPA), prevista nos artigos 163 a 165 da CLT, com representantes da empresa e dos empregados.


O princípio da cooperação entre os povos tem assento constitucional no art. 4º, afirmando que o Brasil rege-se, em suas relações internacionais, pelo princípio da “IX – cooperação entre os povos para o progresso da humanidade.”. Édis Milaré (2005, .p. 172) justifica a cooperação em relação ao meio ambiente nos seguintes termos:


“Ora, uma das áreas de interdependência entre as nações é a relacionada com a proteção do ambiente, uma vez que as agressões a ele infligidas nem sempre se circunscrevem aos limites territoriais de um único país, espraiando-se também, não raramente, a outros vizinhos […] ou ao ambiente global do planeta.”


Não por outra razão, todos os povos devem cooperar na proteção do meio ambiente, tendo em vista a “[…] dimensão transfronteiriça e global das atividades degradadoras exercidas no âmbito das jurisdições nacionais.” (ÁLVARO LUIZ VALERY MITRA apud MILARÉ, 2005, p. 172). A idéia de cooperação entre os países está presente nos princípios 9, 12, 20 e 22 da Declaração de Estocolmo (1972). De mesma forma, o princípio foi reforçado pela Declaração do Rio (1992), nos princípios 5, 7, 9, 12, 13, 14, 24 e 27, provando que os países têm, cada vez mais, compreendido que a proteção ao meio ambiente somente pode se efetivar mediante a cooperação entre todas as nações.


O direito internacional do trabalho, nascido com a criação da Organização Internacional do Trabalho em 1919, assenta-se sobre esta premissa, de cooperação entre os povos em busca da paz universal. Pelo objetivo originário da Organização, expresso no Tratado de Versalhes, no preâmbulo da Parte XIII: “Considerando que a Sociedade das Nações tem por objetivo estabelecer a paz universal e que tal paz não pode ser fundada senão sobre a base da justiça social; […]” (SÜSSEKIND, 2000, p. 101) já se pode perceber que a OIT somente poderia ter êxito com a colaboração do todos os povos. E a cooperação internacional fica evidente na Declaração da Filadélfia, que hoje faz parte da própria Constituição da OIT, aprovada na 26ª Conferência da OIT, realizada em 1944, conforme aponta Arnaldo Süssekind (2000, p. 111): “[…] essa Declaração repetiu, precisou e ampliou princípios do Tratado de Versalhes sob o influxo da idéia da cooperação internacional para a consecução da segurança social de todos os seres humanos.”.


Com o comércio internacionalizado, o país que não estabelece um patamar mínimo de direitos trabalhistas diminui seus custos de produção, aumentando a competitividade externa de forma artificial, às custas do sacrifício dos trabalhadores, o que tem sido denominado dumping social (KÜMMEL, 2001, p. 98). Para eliminar esse artifício, somente através da universalização das normas trabalhistas, o que exige a cooperação de todos os países.


A função social da propriedade é princípio que se vem desenvolvendo no âmbito do direito civil, nascedouro do direito à propriedade. As constituições, inclusive as brasileiras, reconhecem-no como direito fundamental (art. 5º, XXII, da Constituição de 88). Mas acresce, sinal dos novos tempos, que a propriedade atenderá sua função social. Dos conceitos abertos previstos no art. 5º, a função social da propriedade explicita-se no art. 182, § 2º, da Constituição, no que se refere à propriedade urbana, e no art. 186, no tocante à propriedade rural.


Quanto à propriedade urbana, convém acrescer o que dispõe o art. 1228, § 1º, do Código Civil de 2002:


“O direito de propriedade deve ser exercido em consonância com suas finalidades econômicas e sociais e de modo que sejam preservados, de conformidade com o estabelecido em lei especial, a flora, a fauna, as belezas naturais, o equilíbrio ecológico e o patrimônio histórico e artístico, bem como evitada a poluição do ar e da águas.” [grifo nosso].


O que se vê é uma nova concepção de propriedade, que permite afirmar sua função sócio-ambiental. Frente aos princípios que informam este Código (notadamente socialidade e eticidade), não pode mais ser considerado o direito de propriedade (e qualquer direito individual) sem limites. “Não há, em suma, direitos individuais absolutos, uma vez que o direito de um acaba onde o de outrem começa.” (REALE, 2003, p. 36), em conformidade com os princípios constitucionais.


Assim, a propriedade é direito fundamental, mas desde que cumpra sua função social, respeitando o meio ambiente, conforme se vê do dispositivo da legislação civil, que não possui correspondente na legislação revogada (Código Civil de 1916).


No âmbito rural, também surge uma nova concepção da propriedade à luz de sua função social. E no que se refere ao ambiente de trabalho, esta função social está explícita no art. 186 da Constituição. Além de requerer o aproveitamento racional e adequado (art. 186, I); e a utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e a preservação do meio ambiente (art. 186, II), a função social da propriedade rural será cumprida se, simultaneamente aos termos anteriores: “[…] observar as disposições que regulam as relações de trabalho;” (art. 186, III) e realizar “exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.” (art. 186, IV).


Verifica-se que o cumprimento da legislação trabalhista e o bem bem-estar dos trabalhadores passam a ser verdadeiros critérios de cumprimento da função social da propriedade rural, que, em conjunto com a preservação do meio ambiente, formam o princípio ora em comento.


O direito fundamental à propriedade deve expressar-se no âmbito das relações de trabalho como um todo. Se a Constituição reconhece a propriedade (art. 5º, XXII; 170, II) e a livre iniciativa (art. 170, caput), também reconhece sua função social (art. 5º, XXIII; 170, III) e o valor do trabalho (art. 170, caput), e nesse sentido: “A função social da propriedade é instrumento que deve ser utilizado para o alcance da justiça social e também do desenvolvimento nacional.” (MARINA MARIANI DE MACEDO RABAHIE apud LIMA, 1996, p. 163).


Francisco Gérson Marques de Lima (1996, p. 163) atribui ao Estado importante função na conciliação dos valores aparentemente opostos, em cumprimento ao princípio acima exposto da obrigatoriedade da intervenção estatal:


“Se, por um lado, o Estado assegura o livre exercício da indústria, do comércio e dos serviços, por outro, a ele incumbe a obrigação de exigir a função social da atividade econômica. O direito de livre iniciativa privada não é assegurado apenas em benefício do empreendedor, mas sobremodo em benefício da coletividade, a começar pelo obreiros, que multiplicam o capital, dando vida à matéria-prima bruta, animando o inanimado.”


Não por acaso, portanto, que o constituinte, quando confrontou trabalho humano e livre iniciativa, engendrou a valorização daquele, na busca da existência digna de todos, conforme os ditames da justiça social.


Pode-se afirmar ainda, com Eros Roberto Grau (2004, p. 222), “[…] o princípio da função social da propriedade impõe ao proprietário – ou a quem detém o poder de controle, na empresa – o dever de exercê-lo em benefício de outrem e não, apenas, de não o exercer em prejuízo de outrem.”, o que autoriza a imposição de comportamentos positivos para o detentor do direito, não se podendo justificar qualquer abuso sobre o trabalhador com força no direito de propriedade da empresa, bem como comprova a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, acima referida.


Em relação ao princípio do poluidor-pagador, a ordenação gramatical já bem assegura sua interpretação. Não significa que após pagamento poderá o agente poluir, mas sim aquele que poluiu fica responsável por compensar os danos, daí ser denominado, também, princípio da responsabilidade (MILARÉ, 2005, p. 164). Entretanto, a responsabilização é apenas uma de suas facetas.


O conteúdo do princípio do poluidor-pagador vai mais longe. Abrange, necessariamente, a atuação estatal. O princípio está definido em nível nacional no art. 225, § 3º, da Constituição, quando atribui aos infratores sanções penais e administrativas, pelo comportamento lesivo ao meio ambiente, “[…] independentemente da obrigação de reparar os danos causados.”.


A reparação dos danos tem causa direta na responsabilidade civil, independente de culpa (art. 14, § 1º, Lei 6938, de 31 de agosto de 1981), baseada na teoria do risco integral (ALVES, 2005, p. 114-115). O princípio do poluidor-pagador, porém, está vinculado mais propriamente à idéia de quem polui deve arcar com os ônus estatais para diminuição da degradação ambiental, adotando-se os tributos verdes, como são conhecidos na Europa (ALVES, 2005, p. 112). José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala (2004, p. 97) esclarecem “[…] que seu conteúdo é essencialmente cautelar e preventivo, importando necessariamente na transferência dos custos e ônus geralmente suportados pela sociedade na forma de emissões de poluentes ou resíduos sólidos, para que seja suportado primeiro pelo poluidor.”.


A Declaração do Rio de Janeiro, de 1992, bem reconheceu o conteúdo abordado, em seu princípio 16, incentivando as autoridades nacionais a promover a internalização dos custos ambientais, atribuindo ao poluidor os custos decorrentes da poluição, sem, entretanto, distorcer o comércio e os investimentos internacionais.


O princípio tem melhor expressão quando se obtém um tal equilíbrio de maneira que evitar a poluição seja mais econômico do que poluir, de forma que o poluidor, ao escolher entre poluir e pagar ou pagar para não poluir, escolha a segunda alternativa, “[…] investindo em processo produtivos ou matérias primas menos poluentes, ou em investigação de novas técnicas e produtos alternativos.” (ARAGÃO, 2007, p. 49). Por isso, afirma Alexandra Aragão (2007, p. 48), “Quanto ao montante dos pagamentos a impor aos poluidores, ele deve ser proporcional aos custos de precaução e prevenção e não proporcional aos danos causados.”, de modo a fazer com que o poluidor invista para não poluir.


De certa forma, o princípio pode ser aplicado às relações de trabalho no que tange à regulação do trabalho insalubre, mas também com o cuidado de não interpretá-lo com o sentido de que, uma vez pago o respectivo adicional, o empregador desobriga-se de tomar qualquer medida de proteção à saúde do trabalhador.


As disposições constitucionais acerca do tema confirmam a tese. O art. 7º, XXII, assegura o direito à redução dos riscos inerentes ao trabalho. Somente depois o art. 7º assegura, em seu inciso XXIII, adicional de remuneração para as atividades penosas (direito este nunca regulamentado), insalubres ou perigosas. A interpretação de que o inciso XXII sobrepõe-se ao inciso XXIII é a que mais se coaduna com o fundamento da dignidade da pessoa humana (art. 1º, III, da Constituição).


Mesmo a legislação infraconstitucional, ainda que preveja expressamente os adicionais correspondentes (art. 192, da CLT, para o trabalho insalubre, e 193, § 1º, para atividades perigosas, bem como o art. 1º, da Lei 7.369, de 20 de setembro de 1985, para a atividade perigosa de eletricitário), prevê toda sorte de medidas a serem tomadas pelo empresário, visando eliminar ou neutralizar a insalubridade. Esta é a finalidade teleológica de toda a extensa disciplina da Norma Regulamentadora 15, sobre Atividades e Operações Insalubres, da Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, do Ministério do Trabalho. Seus 14 anexos tratam muito mais de expor os limites de tolerância e métodos de trabalho menos nocivos à saúde, do que tratar do pagamento de adicionais.


O conjunto da regulamentação sobre insalubridade permite afirmar que, eliminada a insalubridade, ou retirado o trabalhador de tal atividade, acarreta a inexigibilidade do adicional. Esta é a posição do Tribunal Superior do Trabalho, conforme se extrai da análise sistemática das Súmulas 80, 249 e 289.


Importante passo nesse sentido também foi estabelecido pelo Poder Executivo, ao aprovar o Decreto 4.032, de 26 de novembro de 2001, que alterou os parágrafos do art. 68 do Decreto 3.048, de 6 de maio de 1999 (Regulamento da Previdência Social), para instituir o Perfil Profissiográfico Previdenciário (PPP), que, em resumo, obriga ao estudo das funções exercidas pelo trabalhador, visando apurar a efetiva exposição do trabalhador aos agentes nocivos à saúde, configurando-se documento histórico-laboral do trabalhador, que, entre outras informações, deve conter registros ambientais e as condições em que desenvolvido o trabalho. Verifica-se que se o empregador toma as medidas coletivas necessárias para manter o local de trabalho nos limites de tolerância de exposição, bem como fornece os equipamentos de proteção individual adequados, pode até eximir-se de pagar o respectivo adicional de insalubridade. Assim, aplica-se aqui o princípio do poluidor-pagador, no sentido de investir para evitar a exposição dos trabalhadores aos riscos, deslocando-se o gasto da compensação pelo contato com o agente insalubre para a prevenção dos danos à saúde.


3 Diferença entre os princípios da prevenção e precaução no âmbito das relações de trabalho


Dentre os princípios ambientais apresentados, merecem destaque os da prevenção e precaução, pois expressam o sentido da disciplina do meio ambiente, ao se perceber que a simples indenização pelo dano causado não tem eficácia na limitação às agressões ambientais, bem como na recuperação do bem ambiental. Assim necessária sua diferenciação. De outro lado, sua aplicação somente pode ser eficiente se for garantido o direito de informação, do qual os dois princípios são verdadeiros corolários.


Embora muitas vezes os conceitos sejam confundidos, talvez por seu objetivo comum de proteção ao meio ambiente, prevenção e precaução expressam conteúdo diferenciado.


A precaução foi reconhecida no princípio 15 da Declaração do Rio, que aduz:


“De modo a proteger o meio ambiente, o princípio da precaução deve ser amplamente observado pelos Estados, de acordo com suas capacidades. Quando houver ameaça de danos sérios ou irreversíveis, a ausência de absoluta certeza científica não deve ser utilizada como razão para postergar medidas eficazes e economicamente viáveis para prevenir a degradação ambiental.”


Do conceito podem ser extraídas duas premissas caracterizadoras da precaução: 1) existência de ameaça de danos sérios e irreversíveis (portanto não é necessária a certeza desses danos); 2) a ausência de certeza científica dos danos não pode servir de escusa para a não adoção de medidas eficazes para evitar a degradação ambiental.


Para Kourilsky e Viney, citados por Wagner Antônio Alves (2005, p. 43), “[…] o princípio da precaução consagra a exigência social de um reforço da proteção ao meio ambiente e uma aplicação inédita de instrumentos aptos a gerir riscos potencialmente graves e irreversíveis, mas cujas probabilidades de realização são pouco conhecidas.”. Dessa forma, a precaução não exige a certeza do dano, significando que “[…] as pessoas e o seu ambiente devem ter em seu favor o benefício da dúvida quando haja incerteza sobre se uma dada acção [sic] os vai prejudicar.” (ARAGÃO, 2007, p. 41). A mesma autora (2007, p. 41) afirma que o princípio da precaução funciona como uma espécie de “in dubio pro ambiente”, o que, em relação ao meio ambiente de trabalho, cuja proteção reflete-se na qualidade de vida e segurança dos trabalhadores, desvela o princípio da proteção, alicerçado no “in dúbio pro operário”.


Como se vê, o sentido do princípio da precaução está em não realizar determinada atividade se a ciência ainda não identificou os riscos degradantes do ambiente, decorrente desta atividade. Este sentido exclui a idéia de que ainda não provado qualquer risco, é permitido que a atividade potencialmente degradadora possa ser exercida.


O princípio da precaução exige o uso da melhor tecnologia e das melhores práticas disponíveis (WOLFRUM, 2004, p. 21), de modo a evitar a degradação ambiental por meio de processos superados. Isto força o próprio desenvolvimento da tecnologia, mas com o objetivo de obter tecnologia limpa, não poluidora, e não de simples redução de custos e maximização de eficiência, paradigma da modernidade.


No âmbito constitucional brasileiro, não se pode afirmar que o princípio está explicitado no art. 225. Entretanto, vários autores entrevêem sua presença, decorrente da interpretação sistemática da proteção ambiental conferida pela Constituição. Nesse sentido é a afirmação de Solange Teles da Silva (2004, p. 90): “O princípio da precaução aflora do artigo 225 do texto constitucional de 1988 e constitui um princípio geral do direito ambiental que define uma nova dimensão da gestão do meio ambiente, na busca do desenvolvimento sustentável e da minimização dos riscos.”. Da mesma forma José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala (2004, p. 83), embora não identifiquem definição constitucional expressa, afirmam que “[…] é possível identificar as manifestações de medidas de conteúdo eminentemente precaucional que permitem reconhecer sua função normativa.”, apontando-as nos incisos II a V, do § 1º, do art. 225.


No âmbito trabalhista a precaução é instrumento necessário para garantir o meio ambiente laboral. As medidas de inspeção prévia e embargo ou interdição (arts. 160 e 161 da CLT) consubstanciam o que os autores acima apresentam. A NR-2, sobre Inspeção Prévia, aprovada pela Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, dispõe textualmente, em seu item 2.6, que um estabelecimento que não se tenha realizado a inspeção prévia (item 2.1 da NR-2) e obtido o Certificado de Aprovação de Instalações (itens 2.2 e 2.3 da NR-2), de modo a assegurar que o novo estabelecimento inicie suas atividades livre de riscos de acidentes e/ou doenças do trabalho, fica sujeito ao impedimento de seu funcionamento, o que, de certa forma, abriga o princípio da precaução.


Também o item 9.6.3, da NR-9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais) estabelece que o empregador deverá garantir que na ocorrência de riscos ambientais que coloquem em situação de grave e iminente risco, os trabalhadores poderão interromper de imediato suas atividades. Na NR-12 (Máquinas e Equipamentos), é proibida a fabricação, importação, venda, locação e uso de máquinas e equipamentos (item 12.5.1), que não atendam às normas de segurança e proteção de máquinas e equipamentos nela previstas, podendo a autoridade do Ministério do Trabalho interditar a máquina ou equipamento que desatenda este comando.


Notável é a aplicação integral do princípio da precaução na consideração da atividade que submete trabalhadores a radiações ionizantes ou substâncias radioativas como perigosa, pela Portaria n. 3.393, de 17 de dezembro de 1987, republicada pela Portaria 518, do Ministério do Trabalho e Emprego, de 4 de abril de 2003, que gerou a inclusão de mais um anexo à NR-16 (Atividades e Operações Perigosas). Seus dois considerandos apontam as duas premissas caracterizadoras da precaução (existência de ameaça de danos sérios e irreversíveis e ausência de certeza científica dos danos), acima expostas.


CONSIDERANDO que qualquer exposição do trabalhador a radiações ionizantes ou substâncias radioativas é potencialmente prejudicial à sua saúde;


CONSIDERANDO, ainda, que o presente estado da tecnologia nuclear não permite evitar ou eliminar o risco em potencial oriundo de tais atividades […]


Embora a normativa não proíba o trabalho com radiações ionizantes ou substâncias radioativas, incluí-las dentre as atividades perigosas sujeita os trabalhadores à proteção estabelecida pela NR-16.


Estes, dentre outros, são exemplos da aplicabilidade do princípio às relações de trabalho. Embora específicos às situações mencionadas, seu espírito pode ser estendido a outras em que a comprovação científica ainda não reconhece o risco das atividades.


O princípio da prevenção abrange a certeza de que determinada conduta ou atividade é degradadora do meio ambiente. Já se sabe que determinada atividade é nociva, e busca-se impedir, por meio da prevenção, seus efeitos deletérios ao meio ambiente. Conforme Wagner Antônio Alves (2005, p. 72), “O âmago do princípio da prevenção ambiental está na vedação de repetir atividade que já se mostrou perigosa. […] O princípio da prevenção tem aplicabilidade para impedir que haja lesão numa atividade que já se tem ciência de ser perigosa e nociva.”.


Ao contrário da precaução, a prevenção trabalha com juízo de certeza, aplicando-se às reconhecidas cientificamente como prejudiciais ao meio ambiente.


Para Édis Milaré (2005, p. 166), depois de afirmar, com Ramon Martin Mateo, que o direito ambiental tem objetivos preventivos, informa em relação ao princípio da prevenção que: “Sua atenção está voltada para momento anterior à da consumação do dano – o do mero risco. Ou seja, diante da pouca valia da simples reparação, sempre incerta e, quando possível, excessivamente onerosa, a prevenção é a melhor, quando não a única, solução.”.


A afirmação de José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala (2004, p. 71) resume as posições acima esboçadas: “O objetivo fundamental perseguido na atividade de aplicação do princípio da prevenção, é, fundamentalmente, a proibição da repetição da atividade que já se sabe perigosa.”.


O uso de equipamentos individuais em determinadas atividades (art. 166, CLT), a limitação de jornada para determinadas profissões, como o bancário (art. 224) e o jornalista (art. 303, CLT), o intervalo de 10 minutos de descanso a cada 50 minutos de trabalho para o digitador (item 17.6.4, da NR-17 – Ergonomia – aprovada pela Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978), bem como vários outros direitos trabalhistas (como férias, descanso semanal remunerado, limitação às horas extras), são exemplos de aplicação do princípio da prevenção nas relações de trabalho, tendo como objetivo a preservação das condições físicas e psíquicas dos trabalhadores.


Parcela da doutrina considera os princípios da prevenção e precaução sinônimos. É o que apresenta, por exemplo, Kourilsky e Viney, citados por Wagner Antônio Alves (2005, p. 43), e Edis Milaré (2005, p. 165-166). Entretanto, como se viu acima, prevenção e precaução não são sinônimos, embora objetivem a preservação do meio ambiente.


A prevenção atua em situações onde se conhece o risco, de modo a evitar a degradação ambiental. Na precaução, o risco não é conhecido, mas apenas provável. A falta de comprovação científica de eventuais danos, entretanto, não autoriza a que se realize a atividade potencialmente degradadora, mas, ao contrário, recomenda o maior cuidado tendo em vista a falta de informação.


Nesse sentido, são esclarecedoras as palavras de José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala (2004, p. 71): “[…] o princípio da prevenção se dá em relação ao perigo concreto, enquanto, em se tratando do princípio da precaução, a prevenção é dirigida ao perigo abstrato.”. Também Alexandra Aragão (2007, p. 42-43) aponta a diferença aqui defendida:


“O princípio da precaução distingue-se, portanto, do da prevenção, por exigir uma protecção [sic] antecipatória do ambiente ainda num momento anterior àquele em que o princípio da prevenção impõe uma actuação [sic] preventiva, ou, como expressivamente refere David Frestone, “enquanto a prevenção requer que os perigos comprovados sejam eliminados, o princípio da precaução determina que a acção [sic] para eliminar possíveis impactes danosos no ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com uma evidência científica absoluta”.”


Apontada a diferença, embora a comunhão de objetivos, precaução e prevenção somente poderão ter eficiência em seu desiderato se acompanhados do princípio da informação.


A utilização da prevenção quando já se conhece os riscos da atividade, ou da precaução, quando, a despeito do potencial risco de degradação, este ainda não está cientificamente comprovado, exige a compreensão dos riscos reais e potenciais, inerente ao direito à informação, tanto das pessoas eventualmente prejudicadas, direta ou indiretamente, como dos reais e potenciais poluidores. Nesse sentido, afirma Wagner Antônio Alves (2005, p. 104): “Conceber a impossibilidade de acesso de informações ambientais seria prejudicar a implementação das medidas protetivas estatais impostas pelos princípios da precaução e da prevenção.”. Da mesma forma afirmam José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala (2004, p. 331), “Não há como se prevenir dos riscos dos danos que uma determinada atividade pode vir a causar se não se sabe que a mesma está sendo desenvolvida.”. O art. 225, § 1º, IV, da Constituição atende esta expectativa.


O direito à informação aparece explícito na Declaração do Rio, em seu Princípio 10: “[…] No nível nacional, cada indivíduo deve ter acesso adequado a informações relativas ao meio ambiente de que disponham as autoridades públicas, inclusive informações sobre materiais e atividades perigosas em suas comunidades […]”. A norma internacional assegura a participação da população na questão ambiental. E somente por meio da informação terá a capacidade de escolher o modo de atuação, de forma a acionar os mecanismos adequados de proteção ao meio ambiente, direito fundamental.


A Constituição brasileira em seu art. 5º, nos incisos XIV e XXIII, assegura a todos o direito à informação, inclusive contra o Estado. A legislação infraconstitucional brasileira é exemplar ao garantir este direito, conforme mostram José Rubens Morato Leite e Patryck de Araújo Ayala (2004, p. 332-334), culminando na Lei 10.650, de 16 de abril de 2003, que dispõe sobre o acesso público aos dados e informações existentes nos órgãos e entidades integrantes do Sisnama (Sistema Nacional de Informações sobre o Meio ambiente, criado pela Lei 6.938/81).


No âmbito trabalhista, o princípio da informação também está presente. Segundo Guilherme Guimarães Feliciano (2006, p. 163)


“É também patrimônio inalienável dos trabalhadores, no meio ambiente do trabalho, o direito à informação. Ao trabalhador não se pode negar o direito de conhecer os riscos de sua atividade, sob pena de aliená-lo e privá-lo de qualquer possibilidade de participação, com ofensa ao princípio democrático.”


Pode-se observar este princípio na Convenção 161 da OIT, promulgada pelo Decreto 127, de 22 de maio de 1991, que em seu artigo 13 prevê: “Todos os trabalhadores devem ser informados dos riscos para a saúde inerentes a seu trabalho.”.


Da mesma forma, a NR-9 (Programa de Prevenção de Riscos Ambientais), que integra a Portaria 3.214, de 8 de junho de 1978, em seu item 9.5.2, determina que “Os empregadores deverão informar os trabalhadores de maneira apropriada e suficiente sobre os riscos ambientais que possam originar-se nos locais de trabalho e sobre os meios disponíveis para prevenir ou limitar tais riscos e para proteger-se dos mesmos.”. E a legislação previdenciária, quando define acidente do trabalho, também prevê o direito à informação, como um dever da empresa, como se pode observar do art. 19, § 3º, da Lei 8.213, de 24 de julho de 1991: “É dever da empresa prestar informações pormenorizadas sobre os riscos da operação a executar e do produto a manipular.”.


Pode-se concluir, portanto, além de que a informação é um direito fundamental da pessoa, inclusive dos trabalhadores, com importante aparato constitucional e legal para sua efetivação, que o princípio da informação é instrumento sem o qual prevenção e precaução não podem atingir seu objetivo comum: a proteção do meio ambiente, nele incluído o meio ambiente do trabalho.


Considerações finais


O meio ambiente do trabalho integra o meio ambiente, sendo considerado aquele, como este, verdadeiro direito fundamental. Mesmo os direitos trabalhistas podem ser considerados direitos humanos e fundamentais.


Os princípios específicos do direito do trabalho, bem como os princípios constitucionais ambientais, são plenamente aplicáveis ao meio ambiente do trabalho, inclusive o da prevenção e o da precaução, cuja diferença se procurou demonstrar.


Tais princípios iluminam a construção de um meio ambiente do trabalho saudável, capaz de assegurar a dignidade da pessoa em todos os momentos de sua vida.


 


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Informações Sobre o Autor

Marcelo Barroso Kümmel

Mestre em Integração Latino-americana (UFSM) e Especialista em Direito do Trabalho (UNISINOS). Professor de Direito do Trabalho do Curso de Direito do Centro Universitário Franciscano (UNIFRA) de Santa Maria. Integrante do Grupo de Pesquisa Teoria Jurídica no Novo Milênio, do Curso de Direito da UNIFRA. Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região.


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