Súmula 239 do STF e a coisa julgada no âmbito tributário

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Resumo: O presente artigo trata do controverso enunciado 239 da súmula da jurisprudência do STF. Para muitos, o verbete teria relativizado a coisa julgada na seara tributária. O objetivo do presente artigo é justamente analisar o âmbito de incidência do enunciado, explicitando sua real relação com o instituto da coisa julgada.


Palavras-chave: Súmula 239 – STF – Tributário – Coisa julgada.


Há muito o Supremo Tribunal Federal editou o enunciado 239 da súmula de sua jurisprudência, cujo texto dispõe: “decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores”.


A redação dada ao dispositivo fez com que muitos alegassem que a Corte Suprema do país teria consagrado a relativização da coisa julgada na seara tributária, atentando de forma perigosa contra a segurança jurídica, pedra angular do Estado de Direito.


Não obstante a força das vozes que carregam as críticas ao enunciado 239, uma análise detida da redação e da forma como a jurisprudência tem aplicado o verbete demonstra, sem sombra de dúvidas, que o entendimento nela carreado não importa qualquer ofensa ou mitigação da coisa julgada.


Inicialmente, cumpre esclarecer que as relações tributárias são em sua grande parte continuativas, é dizer, são obrigações que surgem periodicamente; uma cadeia periódica de fatos geradores decorrentes de uma mesma norma jurídica.


Diante dessa premissa, surgiu um grande debate sobre a abrangência do enunciado 239. Questionou-se se o contribuinte seria compelido, a cada ocorrência de um novo fato gerador relativo a um mesmo tributo, a contestar a validade da obrigação tributária tão somente quanto aquele fato específico que ensejou a cobrança do tributo.


A prevalecer esse entendimento ocorreria o absurdo de, v.g., a cada ano, um sujeito passivo de determinado imposto anual ser obrigado a promover demanda idêntica, com os mesmos fundamentos deduzidos em ano anterior, contra o mesmo imposto já declarado ilegal. Nesse caso, cada declaração de invalidade de um tributo periódico só abrangeria um fato gerador.


Por óbvio, essa não é a interpretação que a Corte Suprema, pelo enunciado 239, buscou dar em sede de discussão de tributos periódicos.


Para se chegar ao alcance do verbete, primeiro deve-se entender a natureza das relações tributárias continuativas.


Cleide Previtalli[i], citando o professor Arruda Alvim elucida a questão afirmando: “pode-se entender por continuativa a relação tributária que seja una, projetando-se, contudo, para o futuro”. Assim, a norma que fundamenta a exigência de tributos periódicos é única e apenas seus efeitos – nascimento de obrigações tributárias futuras em razão da ocorrência de novos fatos geradores – é que se projetam no futuro.


Dessa forma, a relação tributária é complexa: uma norma legal dá fundamentação para que obrigações tributárias específicas surjam com a realização das hipóteses de incidência previstas. Destarte, a obrigação tributária se apoia em dois pilares, quais sejam, a validade da norma que previu sua hipótese de incidência e a efetiva configuração do fato gerador por meio de alguma atividade do sujeito passivo que realize o fato descrito na norma.


Se o sujeito passivo, ao contestar a validade de determinado tributo, ataca a obrigação específica, contestando a efetiva realização do fato gerador, a decisão que reconhece indevida a cobrança em razão da não ocorrência da hipótese de incidência só atingirá aquela obrigação específica, não tendo quaisquer efeitos sobre obrigações futuras, pois o fundamento de validade do tributo em questão – sua norma de regência – permanece inatacado e eficaz.


É justamente essa a situação tratada pelo enunciado 239 da súmula do STF: como o sujeito passivo atacou tão somente a realização do fato gerador naquele período, e, repita-se, não a validade do tributo abstratamente considerado, não há que se cogitar a eficácia da sentença contra fatos geradores futuros.


 Por essa razão a Súmula afirma, com clareza solar, que a declaração de invalidade de imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores. A decisão apenas tratou do fato gerador do exercício em questão e em relação a este fato gerador ocorrerão normalmente os efeitos da coisa julgada. O que não acontece é a afetação de fatos geradores futuros, pois estes são fatos diversos, não abarcados pela decisão judicial.


Outra será a solução para os casos em que o sujeito passivo ataca a própria norma que fundamenta a exigência do tributo. Nessa hipótese, declarada a inconstitucionalidade ou ilegalidade da norma do tributo, não haverá a incidência do enunciado 239, pois não se atacou o fato gerador da obrigação, mas a própria norma base, que sustenta todos os fatos geradores do tributo, sejam eles futuros ou passados.


Assim, perdendo a sua sustentação legal, não há como qualquer obrigação tributária se forme e a decisão judicial que reconheça essa invalidade impedirá a exação do tributo em todos os exercícios seguintes, ensejando, inclusive, a possibilidade de restituição dos valores indevidamente recolhidos, respeitado o prazo prescricional.


A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça parece ter adotado essa diferenciação, conforme se depreende dos seguintes julgados:


PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO – EMBARGOS À EXECUÇÃO FISCAL – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – ALCANCE DA SÚMULA 239/STF – COISA JULGADA: VIOLAÇÃO – ART. 471, I DO CPC NÃO CONTRARIADO.


1. A Súmula 239/STF, segundo a qual “decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício, não faz coisa julgada em relação aos posteriores“, aplica-se tão-somente no plano do direito tributário formal porque são independentes os lançamentos em cada exercício financeiro. Não se aplica, entretanto, se a decisão tratou da relação de direito material, declarando a inexistência de relação jurídico-tributária.


2. A coisa julgada afastando a cobrança do tributo produz efeitos até que sobrevenha legislação a estabelecer nova relação jurídico-tributária.


3. Hipótese dos autos em que a decisão transitada em julgado afastou a cobrança da contribuição social das Leis 7.689/88 e 7.787/89 por inconstitucionalidade (ofensa aos arts. 146, III, 154, I, 165, § 5º, III, 195, §§ 4º e 6º, todos da CF/88).


4. As Leis 7.856/89 e 8.034/90, a LC 70/91 e as Leis 8.383/91 e 8.541/92 apenas modificaram a alíquota e a base de cálculo da contribuição instituída pela Lei 7.689/88, ou dispuseram sobre a forma de pagamento, alterações que não criaram nova relação jurídico-tributária. Por isso, está impedido o Fisco cobrar a exação relativamente aos exercícios de 1991 e 1992 em respeito à coisa julgada material.


5. Violação ao art. 471, I do CPC que se afasta.


6. Recurso especial improvido.” (REsp 731.250/PE, Rel. Ministra  ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/04/2007, DJ 30/04/2007 p. 301) (grifou-se)


AGRAVO REGIMENTAL EM EMBARGOS DE DIVERGÊNCIA. TRIBUTÁRIO. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. CSLL. INCONSTITUCIONALIDADE MATERIAL. LEGISLAÇÃO SUPERVENIENTE QUE NÃO CRIA NOVA RELAÇÃO JURÍDICO-TRIBUTÁRIA. ALCANCE DA COISA JULGADA.


1. Afirmada a inconstitucionalidade material da cobrança da CSLL, não tem aplicação o enunciado nº 239 da Súmula do Supremo Tribunal Federal, segundo o qual a “Decisão que declara indevida a cobrança do imposto em determinado exercício não faz coisa julgada em relação aos posteriores.” 2. A lei posterior que se limita a modificar as alíquotas e a base de cálculo de tributo declarado inconstitucional viola a coisa julgada.


3. Precedente (EREsp nº 731.250/PE, Relator Ministro José Delgado, in DJe 16/6/2008).


4. Agravo regimental improvido.” (AgRg no AgRg nos EREsp 885.763/GO, Rel. Ministro  HAMILTON CARVALHIDO, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 10/02/2010, DJe 24/02/2010) (grifou-se)


Portanto, não há diferenças entre a coisa julgada aplicável aos demais ramos do direito e aquela formada em relação à matéria tributária. E nem poderia haver, pois a coisa julgada tributária apenas dá nome a um mesmo fenômeno jurídico, ocorrido no âmbito tributário.


A coisa julgada sempre se formará, mesmo em relação a tributos periódicos, variando seus efeitos de acordo com a causa de pedir e pedido da demanda: se o sujeito passivo requereu o reconhecimento da invalidade ou não ocorrência do fato gerador de um determinado exercício, a decisão que acolhe este pedido só cobrirá com o manto da coisa julgada a inexigibilidade daquele fato gerador específico (enunciado 239 da súmula do STF); se, de outro lado, o pedido se dirigiu para a declaração de invalidade da norma instituidora do tributo, os efeitos da coisa julgada da decisão que o julga procedente abrangerão todos os fatos geradores futuros decorrentes dessa norma.


Como bem assentou a sempre festejada Ada Pellegrine Grinover: “A questão da coisa julgada no âmbito tributário, como dito, deve reger-se pelos mesmos princípios e pelas mesmas regras gerais aplicáveis às demais controvérsias. Dessa forma, os limites objetivos da coisa julgada, como também já realçado, devem ser fixados a partir do objeto do processo e do objeto da resposta do órgão judicial à demanda”[ii].


Destarte, o enunciado em questão não traz qualquer hipótese excepcional de relativização da coisa julgada, aplicável restritamente no âmbito tributário. A formação da coisa julgada tributária se dará nos mesmos moldes dos outros ramos do Direito, sendo que apenas situações excepcionalíssimas justificam sua relativização.


 


Referências

CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário – 5. ed. Ver., ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v.22 – coordenação Arruda Alvim).

GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000, páginas 310-337. Material da 2ª aula da Disciplina Processo Tributário: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Tributário – UNISUL – REDE LFG.

 

Notas:

[i] CAIS, Cleide Previtalli. O processo tributário – 5. ed. Ver., ampl. e atual. – São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2007. – (Coleção estudos de direito de processo Enrico Tullio Liebman; v.22 – coordenação Arruda Alvim) p. 360. 

[ii] GRINOVER, Ada Pellegrini. A Marcha do Processo. Rio de Janeiro, Editora Forense, 2000, páginas 310-337. Material da 2ª aula da Disciplina Processo Tributário: Grandes Transformações, ministrada no Curso de Especialização Telepresencial e Virtual em Direito Tributário – UNISUL – REDE LFG


Informações Sobre o Autor

João Paulo Giordano Fontes

Especialista em Direito Processual pela Universidade do Sul de Santa Catarina (UNISUL). Procurador da Fazenda Nacional lotado em Varginha/MG. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Estado de Minas Gerais (UFMG).


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