A real identidade indígena brasileira numa perspectiva cultural e anscestral

Resumo: A área na qual se insere a pesquisa é a das normas de convivência social indígena, Direitos Humanos. Em específico, o estudo se concentrou em bibliografias que retratam e questionam o significado de raça, a história e os mitos indígenas brasileiros atrás de informações acerca de normas indígenas. O propósito é de conhecer experiências pertencentes ao direito indígena, sem que, com isso, se incorra na ilusão de acreditar que exista somente um direito no Brasil, a partir da proposta decolonial. Ressalta-se, ainda, que o modelo europeu e moderno de direito vigente não é mais do que fruto de um processo histórico de dominação e submissão, fazendo-se fundamental que também nos reapropriemos das normas sociais com função jurídica que são próprias às nossas ascendências e história e que desempenharam um papel vital na nossa constituição social. Para tanto, a referida pesquisa contribuirá não só para o fortalecimento da identidade, o resgate e reconhecimento do saber indígena, bem como para a reflexão em torno de um modelo ou de institutos jurídicos que sejam mais tipicamente brasileiros. Assim, o estudo tem por base autores como Octavio Ianni, Eduardo Viveiros, Raquel Sparemberger, Manuela Carneiro e Néstor García Canclini, visto que buscou-se, apresentar o significado de raça, como também analisar a função e importância dos mitos na cultura e direito indígena.

Palavras-chave: Decolonialidade – Cultura – Indígenas

Resumen: La zona en la que opera la investigación es de los estándares de vida indígenas sociales. En concreto, el estudio se centró en las bibliografías que retratan y cuestionar el significado de raza, historia y mitos indígenas brasileños detrás información sobre normas indígenas. El objetivo es conocer las experiencias que pertenecen a la ley indígena, sin que incurra en la ilusión de creer que sólo hay una ley en Brasil, a partir de la propuesta colonialista. Es de destacar también que el modelo europeo y moderno de la legislación vigente no es más que el resultado de un proceso histórico de dominación y sumisión, por lo que es esencial que también en reapropriemos normas sociales con la función legal que son específicos de nuestros antepasados y la historia y jugaron un papel vital en nuestra constitución social. Por lo tanto, que la investigación no sólo contribuirá al fortalecimiento de la identidad, la redención y el reconocimiento de los conocimientos indígenas, así como la reflexión sobre un modelo o instituciones jurídicas que son más típicamente brasileña. Por lo tanto, el estudio se basa en autores como Octavio Ianni, Eduardo Viveiros, Raquel Sparemberger, Manuela Carneiro y Néstor García Canclini, como hemos tratado de presentar el significado de la raza, sino también para analizar el papel y la importancia de los mitos en la cultura y la derecha indígena.

Palabras clave: Descolonialidad – Cultura – indígena

Sumário: Introdução; 1. O significado de ser indígena na sociedade brasileira; 1.1 Considerações do fator cultural como uma fonte do direito indígena; 2. Perspectiva decolonial dos saberes indigenistas frente ao argumento de um suposto saber universal; 2.2 A decolonialidade e o reconhecimento dos saberes subjugados; Considerações finais, Referências

INTRODUÇÃO

A história nos relata que quando aqui desembarcaram os portugueses, estes se depararam com uma floresta densa e povos que aqui viviam. Esses povos nativos do território onde hoje temos nosso Estado brasileiro foram chamados de índios, visto que os portugueses acreditavam ter chego às Índias como era o esperado pelos navegadores, para assim buscarem especiarias para o Reino de Portugal, já que o mercado de especiarias era monopolizado pelos Estados que hoje compõem a Itália (WEIS, 2014).

No entanto, estes ao desembarcarem em solo brasileiro[1] se depararam com as mais diferentes tribos que aqui viviam. Esses povos nativos do território brasileiros já tinham suas culturas, mitos, línguas, tradições e costumes bem definidos, o que, posteriormente, não foram vistos com bons olhos pelos portugueses que se declararam descobridores do Novo Mundo (HALLEWELL, 1985).

Nesse viés, a cultura indígena foi gradualmente influenciada/invadida pelos novos donos da terra. Os colonizadores tentaram implantar na tradição e costume do índio nativo, a cultura europeia, com seus costumes, vestimentas, educação, religião e até mesmo seus mitos. O que acabou por acarretar um conjunto de revoltas por parte dessa comunidade tradicional, que sentiu-se violada culturalmente e como uma sociedade já estabelecida (CUNHA, 1994, p. 123-124).

As poucas tribos que sobreviveram à colonização e as epidemias[2] trazidas pelos “homens brancos”, hoje tentam se adaptar a sociedade por eles construída. Com seu povo dizimado, sem terra e, muitas vezes, sem teto e doente, o índio moderno luta por manter sua herança cultural, defender suas crenças, mitos e ideologias (WEIS, 2014).

Nesse contexto, encontrando amparo constitucional e infraconstitucional, abordar-se-á o significado de raça, as normas de convivência indígena baseadas nos fatores histórico-culturais e os mitos das comunidades tradicionais brasileiras como, também, possíveis fontes do direito indigenista.

O método de pesquisa usado para tanto será o analítico-dedutivo, pois trará vários autores acerca dessa temática, como por exemplo: Octavio Ianni, Raquel Sparemberger, Eduardo Viveiros Castro, Manuela Carneiro Cunha, assim como demais doutrinadores que trabalham com essa temática no Brasil e no mundo.

1. O SIGNIFICADO DE SER INDÍGENA NA SOCIEDADE BRASILEIRA

O indígena ainda é visto como um obstáculo, ao governo federal, latifundiários, grileiros, fazendeiros e empresários. Esses indivíduos veem no índio a imagem de um homem sem interesses e sem direitos, como se ele não existisse.

Esses mesmos indivíduos movidos por interesses econômicos, desrespeitam essa sociedade tradicional indígena[3], a qual já está (e estava) como dona dessa terra muito antes da exploração econômica nessa localidade. Em virtude disso, foi criada a FUNAI (Fundação Nacional do índio), a qual substituiu o SPI (Serviço de Proteção ao índio), com o objetivo de intensificar a proteção aos direitos e aos interesses indígenas, e buscando tratar esse grupo com a devida atenção as suas diferenças, de acordo com suas necessidades. A FUNAI, tem garantido não apenas o respeito a cultura indígena, como também a posse permanente das terras indígenas, o usufruto exclusivo dos recursos naturais, a preservação do equilíbrio biológico e cultural do índio no seu contato com a sociedade nacional. No entanto:

“Afinal, quem é o brasileiro? O modo pelo qual define o índio acaba por transformá-lo em “outro”, especial, à parte, diferente, estranho, estrangeiro. Pode tanto ser um fato da natureza como um estranho estranhado, estrangeiro. Se não é, pode ser; potencialmente. A sua língua, a sua cultura espiritual e material, os seus deuses, tudo acaba servir de base para que a FUNAI e o Estatuto do Índio estabeleçam uma política indigenista que se funda, de modo explícito ou por implicação, na ideia de que o “índio” se distingue e se contrapõe ao “nacional”. O que é indiscutível é que essa política não o reconhece como nacional, nem brasileiro. É o “índio”, ou “silvícola”, visto como outro, diferente, estranho, estrangeiro na sua terra” (IANNI, 2004).

Com base na citação acima, é que grande parte da ocupação da Amazônia tem sido realizada. Nesse sentido, não se pode pregar que o índio é visto como “parte de outro mundo, da natureza não conquistada ou da sociedade não conquistada” (parafraseando IANNI, 2004), pois essa reflexão linear vem de um sistema de controle e subordinação inspirado em ideologias de dominação racial.

“Toda cultura material e espiritual do índio se produz e reproduz no modo pelo qual ele produz e reproduz a sua vida, a sua sociabilidade. A maneira pela qual ele se apropria da natureza – a terra, a mata, o fruto da terra, o fruto da mata, o rio, o peixe, o animal, a ave – diz respeito ao modo como produz e reproduz a sua vida, a sua sociabilidade, a sua cultura maternal e espiritual, Por isso, a ação da sociedade brasileira contra o índio começa e termina com a expropriação da sua terra. A terra é seu principal, às vezes quase único, meio e objeto de produção. Transformar a propriedade tribal em propriedade ocupada, grilada, latifundiária, fazenda, empresa, é sempre o primeiro e último passo para transformar o “índio” em “nacional” (IANNI, 2004).

Como reflexo dessa “invasão nacional” na cultura indígena, é que muitas de suas tradições desapareceram e outras acabaram por sofrer consequências do contato com a sociedade nacional. Esses fatores invasivos interferem na identidade indígena e influenciam na vida dentro da comunidade indígena, assim como seus valores simbólicos, religiosos e culturais, fazendo com que essas tribos percam boa parte de sua autossuficiência.

1.1 CONSIDERAÇÕES DO FATOR CULTURAL COMO UMA FONTE DO DIREITO INDÍGENA

O Estado brasileiro, a partir da Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988 (também chamada de Constituição Cidadã de 1988, devido ao rompimento com o momento histórico anterior, em que o Brasil vivia, caracterizado pela outorga/imposições constitucionais, a Ditadura Militar), se preocupou, já no parágrafo único do artigo 4º, em garantir o exercício dos direitos culturais dos agrupamentos sociais e proteger a manifestação de suas culturas, tendo em vista a multiculturalidade (também indígena) e a interculturalidade da América- Latina, como bem lembra Néstor García Canclini[4], em se tratando de relações internacionais:

“Parágrafo único. A República Federativa do Brasil buscará a integração econômica, política, social e cultural dos povos da América Latina, visando à formação de uma comunidade latino-americana de nações.”

Ainda, no panorama interno, procurou garantir, através da educação, que essas mais diferentes culturas não fossem esquecidas, bem como a plena manifestação dos seus valores:

“Art. 210. Serão fixados conteúdos mínimos para o ensino fundamental, de maneira a assegurar formação básica comum e respeito aos valores culturais e artísticos, nacionais e regionais. […]

Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.”

O Brasil é considerado um dos países mais multirracial e multicultural do mundo, formado das mais diferentes culturas, com as mais variadas ideologias, costumes, dogmas, tradições. Nesse sentido de complexidade cultural, cabe citar o conceito de cultura, segundo Néstor García Canclini:

“O que é, então, a cultura? Não podemos retornar à velha definição antropológica que a identificava com a totalidade da vida social. Nas teorias sociossemióticas, fala-se de imbricação complexa e intensa entre o cultural e o social. Dito de outra maneira, todas as práticas sociais contêm uma dimensão cultural, mas nestas práticas sociais nem tudo é cultura. Se vamos a um posto de gasolina e abastecemos nosso carro, este ato material, econômico, está repleto de significação, já que vamos com um automóvel de certo design, modelo, cor, e atuamos com certo comportamento gestual. Toda conduta significa algo, participa, de modo distinto, das interações sociais. Qualquer prática social, no trabalho e no consumo, contém uma dimensão significante que lhe dá seu sentido, que a constitui e constitui nossa interação na sociedade. Então, quando dizemos que cultura é parte de todas as práticas sociais, mas não é equivalente à totalidade da sociedade, estamos distinguindo cultura e sociedade sem colocar uma barreira que as separe, que as oponha inteiramente. Afirmamos seu entrelaçamento, um vaivém constante entre ambas as dimensões, e só por um artifício metodológico-analítico podemos distinguir o cultural daquilo que não o é” (CANCLINI, 2009, p. 45).

O termo “cultura” vem do latim colere e significa cultivar. Nesse viés, “cultura” é uma expressão bastante complexa e abrangente, pois abarca uma infinidade de aptidões, habilidades e conhecimentos, das mais variadas modalidades e dos mais variados aspectos (LAROUSSE, 2001, p. 262). Eduardo Viveiros de Castro, faz uma observação quando aos termos “natureza e cultura”, propondo suas diferenças, em se tratando de um ambiente multicultural[5]:

“Natureza” e “Cultura”: universal e particular, objetivo e subjetivo, físico e moral, fato e valor, dado e construído, necessidade e espontaneidade, imanência e transcendência, corpo e espírito, animalidade e humanidade, e outros tantos (CASTRO, 2006, p.348).

Cabe lembrar que a “natureza”, traduzida pela nossa atual Constituição Federal de 1988 no seu artigo 225, como “meio ambiente”, é um bem difuso, coletivo, de 3ª geração (ou dimensão – para alguns autores), bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida. Como elucida o professor José Afonso da Silva:

“O ambiente integra-se, realmente, de um conjunto de elementos naturais e culturais, cuja interação constitui e condiciona o meio em que vive. Daí por que a expressão “meio ambiente” se manifesta mais rica de sentido (como conexão de valores) do que a simples palavra “ambiente”. Esta exprime o conjunto de elementos. O conceito de meio ambiente há de ser, pois globalizante, abrangente de toda a natureza original e artificial, bem como os bens culturais correlatos, compreendendo, portanto, o solo, a água, o ar, a flora, as belezas naturais, o patrimônio histórico, artístico, turístico, paisagístico e arqueológico” (SILVA, 2002, p.20).

A América-Latina foi assim definida pelos antropólogos, devido a suas raízes culturais indígenas, os múltiplos e duradouros movimentos de resistência e rebeldia dos povos tradicionais que aqui predominavam (CANCLINI, 2009, p. 166). Nesse viés, vale lembrar que a comunidade indígena têm importante papel no processo de integração e formação da nação brasileira, são eles titulares de uma cultura que lhes é própria, assim como acontece com tantos outros grupos sociais que aqui habitam, também os indígenas têm o direito, e mais do que isso, o direito natural a usufruir, desenvolver e promover os seus valores culturais, suas crenças e tradições, conforme o que dita a atual Constituição Brasileira de 1988, o Estatuto do Índio, assim como demais acordos sobre a temática indigenista a qual o Brasil faça parte[6].

Na sociedade indígena, a cultura é frequentemente traduzida nos mitos[7] passados de geração para geração através dos séculos. Esses se inserem no contexto de objeto merecedor de proteção do ordenamento jurídico brasileiro, afinal, são os mitos e as reverências aos Deuses que explicam boa parte dos fenômenos naturais e sociais e é através deles que são criadas as normas de convívio dentro da sociedade indígena. Com efeito, são dos mitos que vem as referências jurídicas e legais dentro da cultura indígena.

Ao falarmos de mitos indígenas, esses estão intimamente relacionados a cultura dessa comunidade. Como explica Castro, o indígena tem uma concepção de mundo diferenciada, baseada no seu subjetivismo, seus mitos e valores, o que para muitos de nós pode ser anormal, para a cultura tradicional indígena é de extrema normalidade:

“[…] na etnografia amazônica, a uma concepção indígena segundo a qual o modo como os seres humanos veem os animais e outras subjetividades que povoam o universo — deuses, espíritos, mortos, habitantes de outros níveis cósmicos, plantas, fenômenos meteorológicos, acidentes geográficos, objetos e artefatos — é profundamente diferente do modo como esses seres veem os humanos e se veem a si mesmos. Tipicamente, os humanos, em condições normais, veem os humanos como humanos e os animais como animais; quanto aos espíritos, ver estes seres usualmente invisíveis é um signo seguro de que as ‘condições’ não são normais” (CASTRO, 2006, p.349).

Nossa sociedade brasileira atual, como um todo, é baseada na Civil Law, o direito Romano-Germânico, herança cultural europeia com o Código de Napoleão. É essa imposição legalista que entra em choque quando falamos de um modelo ou um instituto jurídico que seja mais tipicamente brasileiro, baseado nos mitos indigenistas. Pois de um lado temos os mitos indígenas, baseados em sua cultura ancestral, e do outro um modelo legalista, baseado em paradigmas europeus, alguns até mesmo anteriores ao Código de Napoleão.

A narrativa histórica[8] nos relata que quando os portugueses desembarcaram em solo brasileiro se depararam com uma floresta densa e povos que aqui já viviam e cultivavam seu estilo de vida (diferente do estilo europeu). Esses povos nativos do território brasileiros já tinham suas culturas, mitos, línguas e costumes bem definidos, o que não foi vistos com bons olhos pelos portugueses que se declararam descobridores do “Novo Mundo”[9]. Assim, todos os aspectos da cultura indígena foram gradualmente influenciados pelos novos donos da terra, que tentaram implantar no nativo o estilo de vida europeu (HALLEWELL, 1985). O que acabou sendo fonte para várias revoltas por parte da comunidade aborígene:

“Após o primeiro contato, os grupos que conseguem sobreviver iniciam uma recuperação demográfica: assim foi com a América como um todo, que perdera grande parte de sua população aborígene entre 1492 e 1650, provavelmente uma das maiores catástrofes demográficas da humanidade. Cada avanço das fronteiras econômicas no país dá origem a um ciclo semelhante. Muitos grupos indígenas foram contatados no início dos anos 70, durante o período chamado de milagre brasileiro, e estão agora iniciando esse processo de recuperação demográfica” (CUNHA, 1994, 124).

Ainda, cabe analisar que com o amadurecimento das gerações e a atual modernidade urgente em que vivemos (PINTO, 2008, p. 21):

“As lutas dos indígenas por reconhecimento de sua identidade cultural geraram uma legislação importante sobre os direitos dos povos no âmbito do Estado e no âmbito internacional. A reflexão sobre modelos e regimes autônomos e novas formas de representação indígena levou à aprovação da Convenção 169 da Organização Internacional do Trabalho sobre Povos Indígenas e Tribais em Países Independentes, em 1989”.

Face necessário considerar o papel dos mitos, como fontes importantes de direito e de reconhecimento de novos direitos para essas comunidades tradicionais, como elucida o professor René David. O direito indigenista se refere como instrumento que inclui o estudo detalhado da cultura e dos mitos indígenas, sendo essa herança cultural um bem, um patrimônio brasileiro de organização social, dos costumes, das línguas, das crenças, a fim de enriquecer a manutenção da própria cultura e história do Brasil como uma nação originalmente indígena (DAVID, 2002, p. 119).

O estudo dos mitos como função jurídica e, por sua vez, como fonte do direito, busca uma melhor interpretação e, de certa forma, uma aproximação entre os direitos, sejam eles das Comunidades Tradicionais ou da Civil Law. Mas vale ressaltar que não podemos esquecer que na atualidade se torna inconcebível ao Estado moderno ter como entrave um direito conformado apenas por essa cultura tradicional, visto, ainda, que nosso direito brasileiro não é costumeiro, como por exemplo: o direito Norte-Americano.

Todavia, também não podemos esquecer, da diversidade cultural[10] e mitológica presente nas comunidades tradicionais, a qual lança um novo olhar sobre a identidade nacional que pressupõe a formação de um Estado-Nação na modernidade (LOBATO, 2007, p. 13). Esse novo direito à diversidade cultural anuncia mudanças nas políticas governamentais em relação a grupos sociais diferentes, no âmbito da identidade nacional. O que se procura aqui, de fato, é superar as políticas de assimilação cultural que no passado não muito distante institucionalizaram a violência no Brasil, na América e no mundo, com relação a essas diferenças culturais.

2. PERSPECTIVA DECOLONIAL DOS SABERES INDIGENISTAS FRENTE AO ARGUMENTO DE UM SUPOSTO SABER UNIVERSAL

O estudo dos mitos das sociedades tradicionais indígenas apresenta-se, antes de mais nada, como reflexo da crítica decolonial e da proposta de resgate das epistemologias do sul. É a perspectiva decolonial a responsável pela tomada de consciência de que inúmeros saberes e práticas foram eliminados sob o argumento da existência de um saber universal e totalizante, que, portanto, deveria subrogar os demais.

No caso do presente artigo, os saberes e práticas eliminados são os indígenas, contudo, inúmeros outros são os exemplos. Já os saberes e práticas supostamente universais e totalizantes, o único legítimo a se perpetuar, seriam aqueles decorrentes da cultura ocidental, branca e colonizadora.

Nesse viés, durante muito tempo e para muitos autores os mitos nada mais seriam do que um meio precário de comunicação e informação. A linguagem científica e racional do ocidente seria a evolução da linguagem fantasiosa dos mitos, que, por isso, não mereceria mais qualquer atenção, uma vez superada.

Contudo, para outros, os mitos são uma linguagem tão legítima como a racional e científica que busca informar, orientar e permitir a comunicação entre os homens. Neste sentido, os mitos teriam função inclusive educativa e jurídica.

2.1. A DECOLONIALIDADE E O RECONHECIMENTO DOS SABERES SUBJUGADOS

A colonialidade é decorrência do fenômeno colonial do século XVI, mas que o excede e ultrapassa. Mignolo (apud Colaço, Damázio, 2012, p.130) apresenta a diferença entre colonialismo e colonialidade quando afirma que:

“[…]o colonialismo refere-se a períodos históricos específicos e a lugares de domínio imperial (português, espanhol, britânico e desde o início do século XX, estadunidense). O termo colonialidade diz respeito a uma estrutura lógica de domínio colonial (independente de sua manifestação histórica, por exemplo, o colonialismo espanhol, português) que impõe o controle, a dominação e a exploração e produz certa classificação racial da humanidade”.

A origem da colonialidade está no mesmo século do colonialismo, século XVI, “no início da colonização da América, principalmente no debate de Valladolid, no qual participaram Las Casas e Sepúlveda, bem como nas reflexões de Francisco de Vitória sobre o “direito das gentes” (Colaço, Damázio, 2012, p.24).

Francisco de Vitória e Las Casas defendiam que os índios encontrados nas terras conquistadas integravam a humanidade assim com os homens brancos. Contudo, esta condição de igualdade entre homens brancos e indígenas não era absoluta: “os índios eram infantis e necessitavam da orientação e da proteção dos espanhóis” (Colaço, Damázio, 2012, p.28). Já Sepúlveda entendia que os índios eram inferiores aos homens brancos, escravos por natureza, sequer pertencendo, junto a estes últimos, à humanidade (Colaço, Damázio, 2012).

Com o passar do tempo, a colonialidade, que se perpetua até hoje, foi sofrendo os reflexos das mudanças sociais e das novas relações de poder. Com a modernidade, a exclusão decorrente da colonialidade não mais é marcada pelas relações entre metrópole e colônia, mas entre pertencentes ao Estado-nação e os estrangeiros (Colaço, Damázio, 2012). Aliás, é na modernidade que é forjada a trilogia Grécia-Roma-Europa (Colaço, Damázio, 2012), como que demarcando e atestando a suposta superioridade deste povo – europeu –, onde teria surgido a filosofia, a democracia e a ciência do Direito, resultando no êxito da Europa dos séculos XV em diante.

A construção de uma tal versão da história, de aceitação largamente majoritária, porém, não apenas afetou a condição de todos nós (latino-americanos e outros), conformados com o nosso papel subalterno, como também implicou na ocultação e/ou discriminação de saberes.

Sendo assim, ao contrário da imagem positiva das luzes da racionalidade e potencialidades humanas, a modernidade é associada a um período de colonialidade, em que a relação hierárquica, desta vez, não se manifesta apenas de um povo sobre outros, mas de uma epistemologia, a racional, sobre todas as outras. “Deste modo, fica evidente como modernidade e colonialidade estão necessariamente relacionadas uma com a outra. Não é com os pressupostos da modernidade que a colonialidade será superada, pois é precisamente a modernidade que necessita e produz a colonialidade” (Colaço, Damázio, 2012, p.139).

Decolonialidade é a crítica à colonialidade. Ela tem por escopo duas tarefas: a tomada de consciência acerca da colonialidade e a tentativa de reparação dos danos causados às suas “vítimas”. Boaventura de Sousa Santos e Maria Paula Meneses (2010, p. 19) defendem tarefas similares sob o título de Epistemologias do Sul: “As epistemologias do Sul são o conjunto de intervenções epistemológicas que denunciam essa supressão (“supressão de muitas formas de saber próprias dos povos e/ou nações colonizados”), valorizam os saberes que resistiram com êxito e investigam as condições de um diálogo horizontal entre conhecimentos.”

A dificuldade dos projetos decoloniais e das Epistemologias do Sul, porém, é bastante grande. Isto porque pretendem se realizar num contexto caracterizado pelo pensamento abissal. Segundo Santos (2010), o pensamento abissal é aquele que desconsidera todo um lado da realidade, se é que podemos falar em realidade. No caso, considera-se como existente apenas a descrição da realidade pautada na dicotomia regulação/emancipação, que é o que caracteriza a sociedade moderna ocidental de influência europeia. É ignorada toda a realidade que se caracteriza pela distinção entre sociedades metropolitanas e territórios coloniais, forjada na dicotomia apropriação/violência.

Invisíveis aos olhos da maioria, os “conhecimentos populares, leigos, plebeus, camponeses, ou indígenas” não têm lugar na sociedade moderna. No que se refere ao âmbito do Direito, o Direito moderno, demarcado pela lógica do legal ou ilegal, deixa de fora “todo um território social onde ela, lógica do legal ou ilegal, seria impensável como princípio organizador, isto é, o território sem lei, fora da lei, o território do a-legal, ou mesmo do legal e ilegal de acordo com direitos não oficialmente reconhecidos” (Santos, 2010, p.34).

Como prova disso, cumpre constatar que hoje os sistemas jurídicos nacionais do ocidente e muitos do oriente, como é o caso da Índia, China, Japão e vários países da África (David, 2002), obedecem a praticamente os mesmos princípios basilares, oriundos do Direito consolidado a partir da trilogia Grécia-Roma-Europa. Sem falar no direito vigente nas Américas. Em todos os países da América a influência do direito moderno europeu, seja do continente europeu, seja da Grã-Bretanha, é manifesta. Na maioria, inclusive, o direito anterior à colonização, ou seja, o direito dos povos originários desapareceu quase que por completo, como é o caso do Brasil, em nome de uma padronização jurídica europeia.

Para falar de tais semelhanças, pode-se começar pela uniformização do entendimento da indispensabilidade do Direito, que seria a condição para, junto da formação do Estado, a constituição da sociedade civil em abandono ao estado de natureza:

“Sendo assim, a imposição do “direito ocidental” e das instituições jurídicas e políticas ocidentais nos contextos coloniais não só foi vista como uma necessidade governamental, mas também foi considerada como um meio para obter o abandono da selvageria e a construção da civilização. O estado de natureza deveria ser transcendido para o estado civil por meio de aparelhos ou instituições ocidentais” (Colaço, Damázio, 2012, p.48-9).

O direito consolidado com a modernidade, além de ter-se tornado indispensável, também figura como uma estrutura burocrática cujo elemento principal é a lei do Estado e onde o saber se manifesta de forma “lógico-analítica e normativa ignorando as conexões entre o jurídico, o ético e o político, não só de um ponto de vista externo ao direito, mas também em seu interior” (Rubio apud Colaço, Damázio, 2012, p.50). Além do mais, sobre esse direito:

“Separa também o jurídico do político, das relações de poder e do ético, silenciando as estruturas relacionais assimétricas e desiguais entre os seres humanos. Separa a prática e a teoria em matéria de direitos humanos e a dimensão pré-violatória da pós-violatória dos mesmos, só preocupando-se com esta última. Finalmente, abstrai o mundo jurídico do contexto sócio-cultural no qual se encontra e que o condiciona. Nesta dinâmica há um esvaziamento e uma substituição do humano corporal, composto por sujeitos com nomes e sobrenomes, com necessidades e produtores de realidades, para seres sem atributos, fora da contingência e subordinados a suas próprias produções sócio-históricas, como são o mercado, o estado, o capital e o próprio direito. Abstrai a tais níveis que os juristas acreditam que nossas próprias ideias, categorias, conceitos e teorias são as que geram os fatos” (Rubio apud Colaço, Damázio, 2012, p.50).

Tendo em conta a origem e as subseqüentes manifestações da colonialidade, pode-se concluir que ela está fundada na crença e defesa de um discurso e uma prática ideais, razão pela qual são considerados universais. Em nome deste discurso e prática ideais, todos os demais discursos são excluídos ou discriminados e, sempre que possível, substituídos pelo ideal.

A colonialidade mascara ou oculta, conforme Colaço e Damázio (2012), a subjetividade, o tempo e o lugar do discurso e prática supostamente ideais, fazendo supor que a autoria dos mesmos não é de nenhum sujeito e que são oriundos de nenhum tempo e lugar. O motivo desta suposta neutralidade está na própria defesa da universalidade do discurso e prática, como se fossem naturais ao homem, que, uma vez evoluído ou civilizado, os alcançaria e exerceria.

Exemplos de colonialidade discursiva ou epistemológica são as concepções ocidentais de igualdade, democracia, Estado-nação, direitos humanos, moral, bons costumes, dentre tantas outras, relativas à vida privada ou pública dos indivíduos. Aliás, a própria noção de indivíduo e de direitos subjetivos é exemplo da colonialidade que se impôs aos grupos sociais. Todos estes exemplos e ainda muitos outros, alguns atualmente vigentes e outros já sufragados pela onda colonializante, foram submetidos, uns mais outros menos, em nome de um padrão e através do poder/saber que os considerou como bárbaros, selvagens, primitivos, não racionais, não ocidentais etc.

Com efeito, a decolonialidade visa dar visibilidade à ação colonizante que sufragou saberes e práticas, bem como resgatar estes como alternativa ao modelo europeu.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Inúmeros saberes e práticas foram ocultados no decorrer da história da humanidade. Inúmeros saberes e práticas seguem sendo ocultados. A ocultação de saberes e práticas normalmente se dá em nome de um discurso totalizante ou absolutista e, consequentemente, exclusivista daqueles saberes e práticas que se pretendem hegemônicos.

A teoria e política decolonial busca denunciar exatamente o saber e prática europeu, branco, colonizador e moderno que segue provocando o desaparecimento e a desvalorização de inúmeras culturas naquilo que Boaventura de Sousa Santos chama de sul mundial. Um exemplo nítido desta secular experiência opressora está nos saberes ancestrais e culturais indígena.

A cultura e os saberes indígenas ancestrais não podem ser considerados uma linguagem inferior ou ilegítima para explicar e ordenar o mundo, mas sim ordenas e desenvolver essas comunidades.

A atenção dada pelo Estado brasileiro às comunidades indígenas, porém, ainda é muito pequena se comparada à importância da cultura indígena para a integração e formação da nação brasileira. Assim como acontece com tantos outros grupos sociais que aqui habitam, também os indígenas são titulares de uma cultura que lhes é própria e, consequentemente, têm o direito, e mais do que isso, o direito natural a usufruir, desenvolver e promover os seus valores culturais, suas crenças e tradições.

 

Referências
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COLAÇO, Thais Luzia; DAMÁZIO, Eloise da Silveira Petter. Novas Perspectivas para a Antropologia Jurídica na América Latina: o Direito e o Pensamento Decolonial. Florianópolis: Fundação Boiteux, 2012.
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LOBATO, Anderson Orestes Cavalcante. BECKEHAUSEN, Marcelo. Constituição e Cultura: o direito dos índios. In: Anuário/2002. Porto Alegre: UNISINOS. 2002.
PINTO, Simone Rodrigues. Reflexões sobre Pluralismo Jurídico e Direitos Indígenas na América do Sul. In: Revista Sociologia Jurídica. Acessado em mai. 2014. Disponível em: <http://www.sociologiajuridica.net.br/numero-6/253-reflexoes-sobre-pluralismo-juridico-e-direitos-indigenas-na-america-do-sul-simone-rodrigues-pinto>
SANTOS, Boaventura de Souza; MENESES, Maria Paula. Introdução. In: ______. Epistemologias do Sul. São Paulo: Cortez, 2010.
SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional 4. ed. São Paulo/SP: Malheiros Editores LTDA. 2002.
SPAREMBERGER, Raquel Fabiana Lopes. KRETZMANN, Carolina Giordani. Antropologia, multiculturalismo e direito: O reconhecimento da identidade das comunidades tradicionais no Brasil. In. COLAÇO, Thais Luzia. Elementos de antropologia jurídica. São Paulo: Conceito Editorial, 2011.
WEIS, Bruna Moraes da Costa. Indígenas, sustentabilidade e meio ambiente. In: Âmbito Jurídico, Rio Grande, XVII, n. 126, jul 2014. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=15034&revista_caderno=5>.
 
Notas:
[1] Descobrimento do Brasil – História do Brasil – História do Brasil colônia, a história do descobrimento do Brasil, os primeiros contatos entre portugueses e índios, o escambo, a exploração do pau-brasil: Disponível em: <http://www.historiadobrasil.net/descobrimento/>
Nota explicativa: Em 22 de abril de 1500 chegava ao Brasil 13 caravelas portuguesas lideradas por Pedro Álvares Cabral. A primeira vista, eles acreditavam tratar-se de um grande monte, e chamaram-no de Monte Pascoal. No dia 26 de abril, foi celebrada a primeira missa no Brasil. Após deixarem o local em direção à Índia, Cabral, na incerteza se a terra descoberta tratava-se de um continente ou de uma grande ilha, alterou o nome para Ilha de Vera Cruz. Após exploração realizada por outras expedições portuguesas, foi descoberto tratar-se realmente de um continente, e novamente o nome foi alterado. A nova terra passou a ser chamada de Terra de Santa Cruz. Somente depois da descoberta do pau-brasil, ocorrida no ano de 1511, nosso país passou a ser chamado pelo nome que conhecemos hoje: Brasil.”

[2] Nota explicativa: Sabe-se que o primeiro contato de populações indígenas com outras populações ocasiona imensa mortalidade, por ser a barreira imunológica desfavorável aos índios (ao contrário do que ocorre na África, em que a barreira favorecia os africanos em detrimento dos europeus). Essa mortalidade, no entanto, contrariamente ao que se quer crer, não tem causas unicamente naturais: entre outras coisas, ela pode ser evitada com vacinação, atendimento médico e assistência geral. Estudos de casos recentes mostram que, nessas epidemias, os índios morrem sobretudo de fome e até de sede: como toda população é cometida pela doença ao mesmo tempo, não há quem socorra e alimente os doentes. Foi o que aconteceu entre 1562 e 1564, quando ficaram dizimadas as aldeias jesuíticas da Bahia, onde se haviam reunido milhares de índios, o que facilitou o contágio. Os sobreviventes, movidos pela fome, vendiam-se a si mesmos em escravidão (CUNHA, 1994, 124).

[3] Nota explicativa: “As comunidades tradicionais caracterizam-se pela dependência em relação aos recursos naturais com os quais constroem seu modo de vida; pelo reconhecimento aprofundado que possuem da natureza, que é transmitido de geração a geração oralmente; pela noção de território e espaço onde o grupo se reproduz social e economicamente; pela ocupação do mesmo território por várias gerações; pela importância das atividades de subsistência, mesmo que em algumas comunidades a produção de mercadorias esteja mais ou menos desenvolvida; pela importância dos símbolos, dos mitos e rituais associados as suas atividades; pela utilização de tecnologias simples, com impacto limitado sobre o meio; pela auto identificação ou pela identificação por outros de pertencer a uma cultura diferenciada, entre outras (SPAREMBERGER, 2011).”

[4] Nota explicativa: “De um mundo multicultural – justaposição de etnias ou grupos em uma cidade ou nação – passamos a outro, intercultural e globalizado. Sob concepções multiculturais, admite-se a diversidade de culturas, sublinhando sua diferença e propondo políticas relativas de respeito, que frequentemente reforçam a segregação. Em contrapartida, a interculturalidade remete à confrontação e ao entrelaçamento, àquilo que sucede quando os grupos entram em relações de trocas. Ambos os termos implicam dois modos de produção social: multiculturalidade supõe aceitação do heterogêneo; interculturalidade implica que os diferentes são o que são, em relações de negociação, conflito e empréstimos recíprocos (CANCLINI, 2009, p. 17)”.

[5] […] o termo “multinaturalismo” para assinalar um dos traços contrastivos do pensamento ameríndio em relação às cosmologias ‘multi-culturalistas’ modernas. Enquanto estas se apoiam na implicação mútua entre unicidade da natureza e multiplicidade das culturas — a primeira garantida pela universalidade objetiva dos corpos e da substância, a segunda gerada pela particularidade subjetiva dos espíritos e do significado, a concepção ameríndia suporia, ao contrário, uma unidade do espírito e uma diversidade dos corpos. A cultura ou o sujeito seriam aqui a forma do universal, a natureza ou o objeto a forma do particular (CASTRO, 2006, p.348)

[6] Nota de esclarecimento: Os direitos dos povos indígenas estão expressos: Na Constituição da República Federativa do Brasil, sob o título VIII, "Da Ordem Social", capítulo VIII, "Dos Índios". No Estatuto do índio. Na Convenção OIT sobre Povos Indígenas e Tribais em países independentes nº. 169. Na Declaração da ONU sobre o Direito dos Povos Indígenas.

[7] As narrativas míticas são povoadas de seres cuja forma, nome e comportamento misturam inextricavelmente atributos humanos e não-humanos, em um contexto comum de intercomunicabilidade idêntico ao que define o mundo intra-humano atual. O perspectivismo ameríndio conhece então no mito um lugar, geométrico por assim dizer, onde a diferença entre os pontos de vista é ao mesmo tempo anulada e exacerbada. Nesse discurso absoluto, cada espécie de ser aparece aos outros seres como aparece para si mesma — como humana —, e entretanto age como se já manifestando sua natureza distintiva e definitiva de animal, planta ou espírito. De certa forma, todos os personagens que povoam a mitologia são xamãs, o que, aliás, é afirmado por algumas culturas amazônicas (CASTRO, 2006, p.359).

[8] A primeira observação é que, desde os anos 80, a previsão do desaparecimento dos povos indígenas cedeu lugar à constatação de uma retomada demográfica geral. Ou seja, os índios estão no Brasil para ficar (CUNHA, 1994, p.123).

[9] Segundo os Doutores Anderson Orestes Cavalcante Lobato e Marcelo Beckehausen, em seu artigo intitulado Constituição e Cultura: os direitos dos índios (2002): “No momento em que Cabral chegou a Salvador, Bahia, em 1500, a população autóctone de Pindorama (nome do país em tupi-guarani) estava dividida em mais de 1000 agrupamentos sociais, ou seja, aproximadamente 5 000 000 pessoas. Hoje, os índios do Brasil não são mais do que 350 000 pessoas divididas em 218 agrupamentos sociais, aos quais deve-se adicionar 55 agrupamentos que vivem ainda em situação isolada”.

[10] Uma das implicações da ontologia anímico-perspectiva ameríndia, com efeito, é a de que não existem fatos naturais autônomos, pois a ‘natureza’ de uns é a ‘cultura’ de outros (CASTRO, 2006, p. 386).


Informações Sobre os Autores

Bruna Moraes da Costa Weis

Mestre em Direito e Justiça Social pelo Programa de Pós-Graduação da Universidade de Rio Grande FURG possui especialização em Ciências Penais e Direito Constitucional ambas pela Universidade Anhanguera UNIDERP especialista em Metodologia do Ensino na Educação Superior e em Sustentabilidade e Políticas Públicas ambas pela Faculdade Internacional de Curitiba FACINTER. Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito de Santa Maria FADISMA

Carolina Elisa Suptitz

Mestre em Direito pela Universidade do Vale dos Sinos UNISINOS Especialista em Processo Civil pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul UFRGS. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Maria UFSM


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