A Legislação Brasileira e a Responsabilização Civil Pela Conotação Obscena e Finalidade Sexual e Libidinosa de Vídeos Envolvendo Crianças no YouTube

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Fernanda Lemos Ferreira[1];

Sânia Maria Campos[2];

Resumo: Uma nova modalidade de pornografia infantil tem sido propagada no YouTube pelo algoritmo de recomendação, com o consentimento do provedor de conteúdo, criando uma rede de fácil acesso para pedófilos, através de vídeos publicados por crianças com conteúdo lúdico. O presente artigo objetiva o estudo e a identificação da contribuição da legislação brasileira para proteger integralmente os infantes dos males proporcionados pela exposição no YouTube, verificando se são suficientes. Para tanto, foi estruturada uma pesquisa acerca das diretrizes do Youtube, além do Marco Civil da internet (Lei 12.965/2014) no que se refere à responsabilidade do provedor de aplicações e das penalidades previstas no ECA (Estatuto da Criança e do Adolescente) (Lei 8.069/1990) no tocante à produção e divulgação de pornografia infantil. Após analisados os textos normativos, procedeu-se o levantamento de dados de ações judiciais em Minas Gerais no ano de 2019 referentes à pedofilia, bem como sua análise juntamente com os dados oficiais em âmbito nacional e estadual sobre o uso da internet pelas crianças, além dos esforços nacionais em combater a exploração sexual na internet. Pretende-se, ao final, demonstrar que a dificuldade de identificação da lascividade e consequente dificultação da denúncia acrescida da responsabilização proposta pela legislação brasileira desfavorece o princípio de proteção integral dos infantes, previsto no ECA.

Palavras-chave: Crianças e adolescentes. Pornografia infantil. Youtube. Estatuto da Criança e do Adolescente. Marco Civil da Internet.

 

Abstract: A new modality of child pornography has been propagated on YouTube by the recommendation algorithm, with the consent of the content provider, creating an easily accessible network for pedophiles, through videos published by children with playful content. This article aims to study and identify the contribution of Brazilian legislation to fully protect infants from the evils caused by exposure on YouTube, checking if they are sufficient. To this end, a survey on the YouTube guidelines was structured, in addition to the Marco Civil da internet (Law 12.965 / 2014) with regard to the responsibility of the application provider and the penalties provided for in the ECA (Statute of the Child and Adolescent) ( Law 8.069 / 1990) regarding the production and dissemination of child pornography. After analyzing the normative texts, we proceeded to collect data on lawsuits in Minas Gerais in 2019 regarding pedophilia, as well as their analysis together with official data at national and state level on the use of the internet by children, in addition to national efforts to combat sexual exploitation on the internet. In the end, it is intended to demonstrate that the difficulty in identifying lasciviousness and the consequent difficulty in denouncing the increased liability proposed by Brazilian legislation undermines the principle of full protection of infants, provided for in ECA.

Keywords: Children and adolescents. Child pornography. Youtube. Child and Adolescent Statute. Civil Framework of the Internet.

 

Sumário: Introdução. 1.Diretrizes do YouTube. 1.1.#YouTubeWakeUp. 2.O Marco Civil da Internet. 3. Proteção do ECA. 4. Levantamento de dados. Conclusão. Referências.

 

Introdução

No contexto do surgimento das chamadas “novas mídias”, criado em 2005, o YouTube é uma plataforma de compartilhamento de vídeos on-line. Sob o slogan “broadcast yourself” (“transmita-se”), o YouTube é caracterizado pelo público e conteúdo diverso, resultado de restrições pouco severas para os telespectadores e produtores midiáticos. Por exemplo, a restrição de idade para publicação de vídeos é definida por cada país, e encontram-se disponíveis em um rol nas políticas de uso do provedor. No Brasil, a idade mínima para gerenciar sua própria conta no YouTube é de 13 anos, porém, segundo pesquisa do CGI (Comitê Gestor da Internet), – Tic Kids Online Brasil em 2017, 74% das crianças de 9 a 10 anos já utilizavam a internet, e destas, 77% utilizava o YouTube. (TIC KIDS 2017, p. 134) Em 2018, 86% da população entre 9 e 17 anos era usuária de Internet no Brasil, o que equivale a 24,3 milhões de indivíduos conectados. (TIC KIDS 2018, p. 110).

A facilidade para acessar e publicar conteúdos no provedor atrai muitas crianças e adolescentes interessados em fazer parte do mundo virtual, os chamados youtubers mirins. Dada a condição peculiar de desenvolvimento da criança (pessoa de até doze anos), assim como sua vulnerabilidade, é fundamental que as crianças sejam assistidas pelos responsáveis. Porém, a realidade brasileira é a de que nem todas as crianças têm pais que também são usuários da rede, ou seja, capazes de orientá-las quanto ao uso. A pesquisa revela que, em 2017, 77% das crianças e adolescentes usuários de Internet brasileiros tinham pais ou responsáveis que também eram usuários da rede. Ademais, a depender da região, escolaridade, e renda familiar, as famílias mais vulneráveis tendem a contribuir mais significantemente para essa porcentagem. (TIC KIDS 2017, p.338). Em 2018 a pesquisa apontou que entre os usuários de 9 a 10 anos, 71% reportaram que seus pais olham o celular para ver o que estão fazendo ou com quem estão falando, proporção que é de 40% para a população de 15 a 17 anos. (TIC KIDS 2018, p.124).

O ECA atua de forma muito abrangente no estabelecimento de princípios norteadores, dentre eles, o princípio do melhor interesse e o da proteção integral, visto que a obrigação de proteção e de prevenção de violação as direitos não é somente da família, mas do Estado, ademais, por se tratar de um dever social, significa que todos devem velar pelas crianças e adolescentes. Conforme o Art.18 do ECA: “É dever de todos velar pela dignidade da criança e do adolescente, pondo-os a salvo de qualquer tratamento desumano, violento, aterrorizante, vexatório ou constrangedor.”

Assim como a internet é um lugar de todos, e ao mesmo tempo, terra de ninguém, a proteção integral da criança na rede, caracterizando-se como um dever de todos, acaba por não ser dever de ninguém. Nesse terreno fértil é onde começam a surgir vários tipos de violação, dentre elas, a divulgação e utilização lasciva de vídeos lúdicos publicados pelos youtubers mirins. Esses vídeos que fazem apologia e insinuação à prática da pedofilia, em uma análise desatenta podem passar despercebidos, porém, em uma análise um pouco mais atenciosa, é possível perceber o cunho pornográfico. São vídeos de garotas fazendo ginástica, experimentando roupas, dançando com poses sugestivas e vários outros. Na maioria das vezes, os vídeos são pequenos, intitulados de forma aleatória, geralmente com datas, porém, após poucos dias de publicação somam milhares de acessos e comentários obscenos, o que se dá pela transmissão de links através de fóruns obscuros na internet e pelo próprio mecanismo de recomendação do YouTube. Em alguns casos são canais criados por menores, mas em outros é conteúdo roubado e postado novamente de contas anônimas. Na pesquisa do CGI (TIK KIDS 2017, p.45), o acesso à conteúdo de youtubers mirins se encontra em 2º lugar no ranking de audiência. O mecanismo de recomendação funciona através de um algoritmo, selecionando o conteúdo mais relevante para cada usuário específico, ou seja, à medida que o usuário começa a assistir certo tipo de conteúdo, o algoritmo o recomendará vários vídeos de mesmo conteúdo, entrando assim num looping infinito, adentrando o telespectador cada vez mais nesse terreno obscuro do YouTube.

O que se pode observar nesses vídeos, é que grande parte tem os comentários desabilitados, o que é uma medida tomada pelo próprio provedor de conteúdo para restringir os comentários predatórios. Entretanto, ainda existem na plataforma vários vídeos ainda não identificados pelo provedor como possíveis alvos, nesses vídeos, os comentários são habilitados, e neles podemos ver explicitamente a ação dos pedófilos através de comentários abusivos pedindo por mais vídeos e a respeito do corpo das crianças, principalmente através de timestamps, que são minutagens exatas de uma parte interessante do vídeo, criando um link direto ao próprio vídeo quando deixados em forma de comentário. Nesses vídeos em particular, os timestamps sempre fazem referência ao momento em que a criança está em uma pose sugestiva ou quando deixam aparecer o decote ou outras partes do corpo.

 

  1. Diretrizes do YouTube

A política de segurança infantil no YouTube é enxuta e objetiva, proibindo expressamente o envio de vídeos “com menores envolvidos em atividades ou desafios provocantes, sexuais ou com conotação sexual, como beijos ou carícias.”, definição que compreende satisfatoriamente o conteúdo sexual subjetivamente lascivo. Ademais, proíbe também “comportamentos predatórios envolvendo comunicações com menores ou relacionadas a menores”, definindo como penalidade a remoção do vídeo ou comentário. Além disso, recomenda aos adolescentes que “Ao gravar vídeos de seus amigos, colegas de classe ou outros menores de idade, lembrem-se de que esses vídeos jamais devem apresentar conteúdo de teor sexual, violento ou perigoso”. (YOUTUBE ABOUT, 2020). O problema se concentra no fato de que a proibição e a recomendação não impedem que esses vídeos sejam publicados na plataforma, visto que não há uma análise prévia que impeça a publicação. Tal situação demanda do YouTube uma política eficaz de identificação desses vídeos assim que publicados, para que a proibição se faça valer nos casos concretos.

O provedor de conteúdo oferece aos pais algumas ferramentas para controle parental, além da recomendação de visitar o canal do filho, existe também a ferramenta de sinalização do vídeo com conteúdo impróprio, que promete a análise por “especialistas na política do YouTube”. No caso de assédio e bullying virtual, a plataforma recomenda que o responsável pelo infante “peça para ele bloquear o usuário” ou utilize a plataforma de denúncia, na qual se seleciona a opção correspondente ao problema. No caso do assédio e bullying virtual, a plataforma exibe a mensagem “Lembre-se de que assédio e bullying virtual são mais do que meras críticas e diferenças de opinião. Não poderemos remover o conteúdo denunciado caso ele não corresponda às características de assédio” (YOUTUBE ABOUT, 2020). Essa postura do YouTube, além de não ser condizente com a proteção integral do ECA, mostra uma preocupação maior com a permanência do vídeo na plataforma do que com a segurança da criança e do adolescente ao publicar um vídeo.

 

1.1 #YouTubeWakeUp

Se até mesmo teoricamente as diretrizes do YouTube possuem lacunas que não propiciam a proteção integral da criança e do adolescente, na prática a aplicação dos recursos de segurança se mostram insuficientes e ineficazes. O youtuber Matt Watson publicou um vídeo em 2019 expondo uma série de críticas ao YouTube pelo fato de que identificados os vídeos de cunho pornográfico, através da denúncia, a principal ação do provedor de conteúdo é desabilitar os comentários ou restringir a idade do público telespectador, ou seja, o acesso fica restrito apenas à maiores de idade, fato que foi demonstrado com exemplos de vídeos hospedados na plataforma (MATTSWHATISIT, 2019). Além disso, outra crítica realizada pelo youtuber foi o fato de vídeos com esse conteúdo estarem sendo monetizados pelo YouTube, através do YouTube Partner Program, que veicula anúncios pela plataforma de anúncios do Google, de acordo com a escolha automática do sistema. “A plataforma compensa financeiramente e de modo automático os canais que incluem anúncios antes da reprodução de seus vídeos, o que é conhecido como pre-roll.” (EL PAÍS, 2019). O mesmo youtuber criou a hashtag #YouTubeWakeUp para denúncia desse fatos, através da qual empresas como a Doctor Oetker, Nestlé e Epic Games tomaram conhecimento e anunciaram a retirada de sua publicidade da plataforma até que o problema seja resolvido.

Segundo a revista Veja, o YouTube desenvolveu um robô para identificar os vídeos com conteúdo impróprio. O YouTube explicou que excluiu “dezenas de milhões de vídeos postados com intenções inocentes, mas colocando menores em risco” além de desativar comentários e perfis. Tais indicadores demonstram que, mesmo de grande importância, as práticas protetivas do YouTube ainda não demonstram resultados satisfatórios, visto que ainda existem vídeos de conteúdo subjetivamente pornográficos que continuam na plataforma, com comentários desativados e restrição de idade do público telespectador.

A assessoria do YouTube afirma que “a Google cumpre a legislação brasileira para fornecimento de dados, recebendo e processando as ordens de autoridades policiais e judiciais brasileiras emitidas nos termos da legislação aplicável” (VEJA, 2019). É importante observar se a legislação brasileira é realmente aplicável e suficiente para proteger integralmente os infantes dos males proporcionados por essa exposição negativa no YouTube, além de responsabilizar o provedor de conteúdo, a atitude das pessoas que se escondem atrás dos comentários predatórios, armazenam os vídeos e os publicam anonimamente na internet e até mesmo verificar se há uma situação de abandono efetivo em relação aos pais. Na mesma proporção em que se desenvolvem tecnologias sofisticadas e se utiliza cada vez mais a inteligência artificial, a atualização e a edição de legislações e documentos nos planos nacional, regional e internacional se fazem necessárias, para tratar as demandas da era digital de maneira mais específica. (TIK KIDS, 2018, p.47).

 

  1. O Marco Civil da Internet

O Marco Civil da Internet é o instrumento que regula o uso da Internet no Brasil, estabelecendo garantias, direitos e deveres para quem utiliza a rede, para tentar pôr fim à ideia de que a internet é uma terra sem lei, como também determina as diretrizes para o trabalho do Estado.

Embora se tenha comemorado sua aprovação, por supostamente as demais normas jurídicas vigentes no Brasil – como a Constituição Federal, o Código Civil e o Código Penal – não terem aplicação nas relações sociais entabuladas pela internet, essa lei apresenta poucas inovações e muitas insuficiências e deficiências de cunho jurídico. Somando-se a esse fato a impossibilidade jurídica de regulação de uma rede mundial de computadores por meio de lei de um único país, os problemas gerados pela internet continuarão a afetar a privacidade, honra e imagem das pessoas. (FILHO, 2019).

Aprovado em 2014, o Marco Civil foi oficialmente convertido na Lei n° 12.965/2014. Essa lei difere os provedores de acesso (ou conexão) dos provedores de aplicação de internet (ou conteúdo). Os primeiros representados como provedores de conexão e de telefonia móvel; e os segundos como empresa, organização ou até mesmo pessoas físicas que utilizam a rede para fins profissionais ou não fornecendo uma diversidade de utilidades, como armazenamento e disponibilização de conteúdos de texto, áudio, vídeo e sistemas de informação, podendo ser acessível à internet, sem ter necessariamente objetivos financeiros. Mudanças significativas foram trazidas com esse novo instrumento legal, como por exemplo, o registro das ações dos usuários nos provedores de acesso e conteúdo, tornando viável a identificação dos usuários. “A internet proporciona contatos interpessoais anônimos, mas, do ponto de vista técnico, toda ação realizada pela internet é passível de registro pelos provedores de acesso e de conteúdo, o que torna possível a identificação dos usuários” (FILHO, 2019).

Considerando o acesso a internet essencial ao exercício da cidadania, logo em seus artigos iniciais, precisamente o art. 7º, o legislador assegurou ao usuário da internet um rol de direitos, como a inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação. Por esse motivo, o acesso a dados pessoais para fins de reparação civil dos danos causados à vitima ou para investigação criminal somente se dará pela atuação do Poder Judiciário, nos termos do Art. 10 § 1º, que versa sobre a obrigação de disponibilizar registros de dados pessoais de conteúdo e informações que possam contribuir para a identificação do usuário ou do terminal, somente mediante ordem judicial.

Acerca da responsabilidade civil dos provedores de conexão e conteúdo, no artigo 18 o legislador não deixa dúvidas quanto ao fato do provedor de conexão à internet não ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros. Por outro lado, o legislador regulamentou a responsabilidade civil dos provedores de conteúdo nos termos do artigo 19: “Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário” (BRASIL, 2014). Ou seja, definiu a responsabilidade subsidiária do provedor de conteúdo em relação ao usuário da internet que praticou o ato ilícito civil. O provedor de conteúdo somente responde como causador do dano quando descumprir ordem judicial para que tornasse indisponível o conteúdo ofensivo.

A outra possibilidade de responsabilização subsidiária do provedor de conteúdo é na possibilidade do artigo 21: “O provedor de aplicações de internet que disponibilize conteúdo gerado por terceiros será responsabilizado subsidiariamente pela violação da intimidade decorrente da divulgação, sem autorização de seus participantes, de imagens, de vídeos ou de outros materiais contendo cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado quando, após o recebimento de notificação pelo participante ou seu representante legal, deixar de promover, de forma diligente, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço, a indisponibilização desse conteúdo” (BRASIL, 2014). Ou seja, em se tratando de imagens, vídeos ou outros materiais que contenham cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado, não se requer ordem judicial para solicitar a exclusão do conteúdo. Caso o interessado notifique, o provedor de aplicações deve dispor o acesso ao conteúdo, sob risco de responder subsidiariamente como divulgador.

Segundo o desembargador Ênio Santarelli Zuliani, o Marco Civil não foi sábio ao exigir ordem judicial para a remoção de conteúdos evidentemente ilícitos, apesar da exceção existente no artigo 21. “Ao exigir ação judicial, a lei criou essa dificuldade que pode criar um embaraço e uma impossibilidade técnica”, disse ele, visto que o “tempo” nas questões envolvendo a Internet é de vital importância para as partes em determinadas situações (ZULIANO apud ELIAS, 2014). “Se o provedor de aplicações de Internet toma conhecimento de que há uma ofensa na rede e não age com rapidez, poderá contribuir para que esse dano se perpetue ou se agrave”. (ELIAS, 2014).

Outro problema que se desenvolve a partir do artigo 21 do Marco Civil, é o fato de que a taxatividade de “cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado” não abarca os vídeos de cunho sexual subjetivo envolvendo crianças, pelo fato de que a erotização não compreende necessariamente cenas de nudez ou atos sexuais, fato que não possibilita a remoção do vídeo mediante a notificação do participante ou representante legal, gerando a necessidade de ordem judicial. Ora, no caso de conteúdo roubado e postado novamente de contas anônimas, se não há obrigatoriedade do provedor de conteúdo obedecer a uma notificação do representante legal quando há claramente uma ilicitude, não há de se alegar um exercício regular de direito, mas sim, um abuso de direito, e ao não agir, sua responsabilização, visto que entrou no nexo causal e agravou o dano ao não retirar o material. (ZULIANO apud ELIAS, 2014).

Para o desembargador, há abuso de direito (art. 187, do Código Civil) e colisão de direitos valiosos e iguais. Se de um lado o provedor de aplicações de Internet conta com a Lei 12.965/2014, a vítima possui, também, proteção constitucional (art. 5º, incisos V e X, da Constituição Federal) e da garantia de que serviços autorizados não causem danos (proteção de segurança) tal como previsto no art. 14 da Lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor). ”Ora, o confronto deverá ser solucionado pelo critério que priorize a eliminação ou atenuação dos prejuízos. Caso se legalize a omissão do provedor, a ordem jurídica estaria emitindo licença para perpetuar o dano e converter sua negligente atuação em prejuízo a ser injustamente suportado pelo interessado.” E, se ficar constatado que o provedor de aplicações de Internet deveria agir e não o fez, responderá. (ELIAS, 2014)

Em se tratando de crianças e adolescentes, o legislador através do Marco Civil da internet regulamenta o exercício do controle parental de conteúdo entendido como impróprio através de programas de computadores, nos termos do artigo 29. Outrossim, no parágrafo único do mesmo artigo se assume a responsabilidade do poder público, dos provedores de conexão e conteúdo e da sociedade civil em promover a educação para a definição de boas práticas para a inclusão digital de crianças e adolescentes. Os escassos compromissos com a tutela de crianças e adolescentes refletem em como os mesmos utilizam a rede, porque não há que se falar em inclusão digital se essa inclusão ocorrer de maneira errada. A educação para definição de boas práticas nas redes é importante e exige a atenção do poder público.

 

  1. Proteção do ECA

O Estatuto da Criança e do Adolescente, Lei Federal nº 8.069, de 13 de julho de 1990, é o instrumento normativo responsável por regular os direitos das crianças e dos adolescentes, encarregado de detalhar e estabelecer normas que torne possível a concretização da doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, estabelecida na Constituição Federal promulgada em 1988, no artigo 227, que estabelece o dever da “família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão”. Essa doutrina reconheceu crianças e adolescentes como sujeitos de direitos, e não mais meros objetos da intervenção estatal, o que traz uma importante inovação em relação à sistemática anterior ao ECA (DIGIÁCOMO; DIGIÁCOMO, 2017, p.5).

Além do princípio da proteção integral, que é a base primordial do ECA, há também o princípio do melhor interesse, que justifica um tratamento jurídico especial conferido à população infanto-juvenil. Esse princípio está correlacionado com a condição peculiar de pessoas em desenvolvimento que versa sobre o fato da criança e do adolescente se encontrarem em formação nos aspectos físicos, emocionais e intelectuais, não conhecendo totalmente os seus direitos e devendo contar com a tutela do Estado, da família e da sociedade como um todo para que se reúnam os elementos necessários para o seu desenvolvimento integral.

Assim, na análise do caso concreto, acima de todas as circunstâncias fáticas e jurídicas, deve pairar o princípio do melhor interesse, como garantidor do respeito aos direitos fundamentais titularizados por crianças e jovens. Ou seja, atenderá o princípio do melhor interesse toda e qualquer decisão que primar pelo resguardo amplo dos direitos fundamentais, sem subjetivismos do intérprete. Melhor interesse não é o que o Julgador entende que é melhor para a criança, mas sim o que objetivamente atende à sua dignidade como criança, aos seus direitos fundamentais em maior grau possível. (MACIEL, 2014, p.69)

Com o objetivo de acompanhar os novos desafios da tecnologia e da modernidade, os conciliando com os princípios da prioridade absoluta e do melhor interesse, a Lei n° 11.829 de 2008 alterou os artigos 240 e 241 do ECA, incluindo novos tipos penais e ampliando a sua abrangência. Segundo o preâmbulo a alteração foi realizada “para aprimorar o combate à produção, venda e distribuição de pornografia infantil, bem como criminalizar a aquisição e a posse de tal material e outras condutas relacionadas à pedofilia na internet.” (BRASIL, 2008).

Entre as principais alterações trazidas com a lei 11.829/2008, está a inclusão dos verbos “reproduzir, fotografar, filmar e registrar” no artigo 240:

Art. 240.  Produzir, reproduzir, dirigir, fotografar, filmar ou registrar, por qualquer meio, cena de sexo explícito ou pornográfica, envolvendo criança ou adolescente:

Pena – reclusão, de 4 (quatro) a 8 (oito) anos, e multa.

O artigo 241 teve sua redação alterada e foram acrescentados os artigos 241-A, 241-B, 241-C, 241-D e 241-E. No artigo 241 se retirou os verbos “apresentar, produzir, fornecer, divulgar e publicar”, e se manteve o “vender” acrescido do ”expor à venda”, aumentando a pena de reclusão de dois a seis anos e multa para reclusão de quatro a oito anos e multa. Quanto ao objeto do tipo penal, não houve uma alteração para maior abrangência, visto que foi alterado de “fotografias ou imagens com pornografia ou cenas de sexo explícito envolvendo crianças ou adolescentes” para “cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”. De qualquer maneira, o tipo penal não inclui a conotação obscena e finalidade sexual ou libidinosa.

O artigo 241-A estabelece a sanção referente à publicação de “cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”. Incorre nas mesmas penas quem assegura os meios para tal, com a ressalva de que só haverá punibilidade quando o responsável legal pela prestação do serviço, oficialmente notificado, deixa de desabilitar o acesso ao conteúdo ilícito de que trata o artigo (§ 2o), tal qual é exposto no Marco Civil da Internet.

O artigo 241-B estabelece a sanção referente ao ato de adquirir e armazenar registros que contenham “cena de sexo explícito ou pornográfica envolvendo criança ou adolescente”. O artigo 241-C estabelece a sanção referente à simulação da participação de criança ou adolescente em “cena de sexo explícito ou pornográfica” por meio de adulteração, montagem ou modificação de fotografia, vídeo ou qualquer outra forma de representação visual.

Nesse prisma, a Lei passou a alcançar não só as situações reais como também aquelas que envolvem pseudo-imagens, cartoons, desenhos animados, pinturas. As pseudo-imagens são aquelas criadas artificialmente (mediante a utilização de recursos computacionais gráficos ou qualquer outro método), que aparentam ser a reprodução fotográfica de uma criança real em situação de exploração sexual, dificultando a distinção de cenas reais. (REINALDO FILHO, 2008, p.7).

O artigo 241-D estabelece a sanção referente aos crimes de aliciar, assediar, instigar ou constranger, no qual se enquadram os comentários predatórios através do inciso II. O referido inciso inova ao trazer a possibilidade da criança se exibir de forma pornográfica, porém não inclui essa conduta como pornografia infantil.

Art. 241-D  Aliciar, assediar, instigar ou constranger, por qualquer meio de comunicação, criança, com o fim de com ela praticar ato libidinoso:

Pena – reclusão, de 1 (um) a 3 (três) anos, e multa.

Parágrafo único.  Nas mesmas penas incorre quem:

I – facilita ou induz o acesso à criança de material contendo cena de sexo explícito ou pornográfica com o fim de com ela praticar ato libidinoso;

II – pratica as condutas descritas no caput deste artigo com o fim de induzir criança a se exibir de forma pornográfica ou sexualmente explícita.

A norma contida no artigo 241-E é uma norma explicativa que esclarece a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica”, definindo expressamente o que deve ser entendido por essa expressão. O objetivo do legislador é evitar possíveis dúvidas quanto ao alcance da norma proibitiva, que deve ser o mais abrangente possível, em observância do disposto nos arts. 1º, 5º, 6º e 100, par. único, inciso II, do ECA.

Art. 241-E Para efeito dos crimes previstos nesta Lei, a expressão “cena de sexo explícito ou pornográfica” compreende qualquer situação que envolva criança ou adolescente em atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais.

De acordo com Nucci (2009), a definição dada pelo legislador não foi bem colocada, isto porque houve uma redução do contexto da pornografia, não tendo a norma do art. 241-E abarcado as atividades sexuais implícitas e poses sensuais, sem a expressa mostra dos órgãos genitais, além da exibição de forma pornográfica, que constituem situações igualmente inadequadas. O texto do ECA se mostra pouco abrangente quanto à exposição de conteúdo sexual sem sexo explícito ou conteúdo de teor pornográfico. Ao restringir a abrangência, o aparelho legal deixa de levar em conta essa nova realidade de conteúdo no YouTube, não considerando os vídeos de teor pedófilo como pornografia infantil.

Um recente entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de Santa Catarina (STJ/SC) decidiu que não há necessidade de existir a plena exposição dos órgãos genitais em um conteúdo para que ele seja caracterizado como pornografia infantil. Esse entendimento trata-se de um precedente e não possui efeito vinculante, tendo aplicação somente para as partes diretamente envolvidas no processo.

A definição legal de pornografia infantil apresentada pelo artigo 241-E do Estatuto da Criança e do Adolescente não é completa e deve ser interpretada com vistas à proteção da criança e do adolescente em condição peculiar de pessoas em desenvolvimento (art. 6º do ECA), tratando-se de norma penal explicativa que contribui para a interpretação dos tipos penais abertos criados pela Lei nº 11.829/2008, sem contudo restringir-lhes o alcance. (RECURSO ESPECIAL Nº 1.543.267 – SC (2015/0169043-1)

Entretanto, os comentários nos vídeos em questão de pessoas facilitando a ação de pedófilos através de timestamps, instigando a criança à postar mais vídeos desse teor, e constrangendo através de elogios descabidos, encontram uma correspondência exata no ECA. Mesmo a lei mostrando uma preocupação em abranger tais atos de assédio e constrangimento, segundo a pesquisa do CGI sobre os incômodos sentidos por crianças e adolescentes na internet, acima até mesmo do risco de contato, essa continua sendo a maior preocupação dos pais e infantes, aumentando com o passar dos tempos. (TIC KIDS 2017, p.83)

O princípio da prioridade absoluta eleva crianças e adolescentes à condição prioritária das autoridades públicas. Segundo o artigo 4° do ECA, essa prioridade inclui a primazia de receber proteção e socorro em quaisquer circunstâncias, preferência na formulação e na execução das políticas sociais públicas e a destinação privilegiada de recursos públicos nas áreas relacionadas com a proteção à infância e à juventude. Segundo Varalda (2008), o desrespeito começa na falta de vontade das autoridades públicas não só na destinação de recursos orçamentários, mas também em executá-los corretamente.

 

  1. Levantamento de dados

Para realização desta pesquisa utilizamos dados extraídos do Armazém SIDS/REDS (Sistema Integrado de Defesa Social/Registro de Eventos de Defesa Social) no dia 30/10/2019, cujas informações foram baseadas na natureza dada ao registro no momento de sua lavratura. Por se tratar de um Sistema integrado, os dados tratados contemplam as ocorrências elaboradas pela Policia Militar, Polícia Civil, Corpo de Bombeiros Militar e Sistema Prisional, sendo selecionados os seguintes campos: número do REDS, natureza da ocorrência, data do fato (mês e ano), município do fato, relação vítima/autor, idade e sexo dos envolvidos. Foi utilizado como filtro o período de janeiro de 2019 a 28 de outubro de 2019 e as naturezas relacionadas à pedofilia em sentido amplo, não só na internet.

Quanto ao perfil da vítima de pedofilia nessas ocorrências policiais no estado de Minas Gerais, a faixa etária mais atingida é a de 10 – 14 anos, somando 1.604 ocorrências, contrastando com a faixa etária de 6 – 9 anos, que soma 628 ocorrências. Em comparação à pesquisa Tic Kids Brasil 2017 do CGI, é possível observar o crescimento de uso da internet à medida que se aumenta a faixa etária. A pesquisa do CGI utilizou como parâmetro mínimo a faixa etária de 9-10 anos, somando 74% de acesso, já a faixa etária de 11-14 anos soma 84,5% de acesso. Nessas duas faixas etárias, é possível observar que o perfil mais afetado quanto ao sexo, é o feminino, somando 1.800 ocorrências, enquanto o sexo masculino soma 295 ocorrências.

Quanto ao sexo, a pesquisa do CGI identificou que não há muito variação entre meninas e meninas quanto ao uso da internet, sendo o uso da internet comum à 86% das meninas e 85% dos meninos. Porém, é possível identificar como uma tendência pedófila a escolha de meninas, o que é confirmado na pesquisa do CGI no tocante à preocupação com risco de contato de estranhos na internet relatados pelas crianças, que desde 2013 cresce entre as meninas e diminui entre os meninos usuários da internet.

Em Belo Horizonte o quantitativo de ocorrências policias de pedofilia, não só no ambiente virtual, foi o maior em Minas Gerais (361), seguido de Contagem (115) e Betim (75). O relatório do CGI identificou maior uso da internet na região Sudeste do Brasil constando que 93% das crianças e adolescentes dessa região utilizam a internet, o que pode contribuir em alguma medida para o total de 3117 ocorrências de pedofilia registradas em Minas Gerais, visto que das crianças e adolescentes usuárias da internet, em 2017, 42% tiveram contato com desconhecidos na internet, 22% encontraram pessoalmente alguém que conheceu na internet e 4% se sentiram incomodadas com esse encontro, em todo o território nacional, segundo o relatório do CGI. A autoria dos crimes referente à pedófilos não ligados à vítima por relação amorosa ou de parentesco constam em 1.008 ocorrências. Quanto à natureza do crime de pedofilia, as ocorrências policiais analisadas constam que a aquisição, divulgação e publicação de pornografia além de constrangimento como meio para praticar atos libidinosos constam 263 ocorrências em Minas Gerais, ou seja, aproximadamente 8% do total.

Em paralelo aos dados do Armazém SIDS/REDS, também foram mapeadas as ações da megaoperação Luz na infância, que visa coibir exploração sexual infantil na internet. Segundo a Secretaria Nacional de Segurança Pública (SENASP), esta é uma das maiores ações mundiais contra a pedofilia. Essa operação teve início em outubro de 2017, quando foram cumpridos 157 mandados e presos 112 abusadores (Agência Brasil, 2017).

Os investigadores mapearam a ação dos pedófilos na internet – ambiente que, segundo a SENASP, facilita a conduta criminosa de adultos que buscam atrair crianças e adolescentes. “O complexo ambiente da internet e a ausência de fronteiras no mundo virtual são elementos que propiciam terreno fértil à atuação desses criminosos”, informa a SENASP, em nota. (RODRIGUES, 2017)

A 6º fase está em andamento e no dia 18 de Fevereiro de 2020, toda a operação demonstra um esforço nacional e internacional, sendo realizada em todo território nacional e em 6 países, somando até então 1.329 mandados de busca e apreensão de computadores e arquivos digitais com conteúdo relacionado aos crimes de exploração sexual praticados contra crianças e adolescentes e 638 prisões. (Ministério da Justiça e Segurança Pública, 2020). Até então a operação é omissa em relação aos vídeos de conotação obscena, tendo seu foco em situações mais gravosas de exploração sexual infantil.

No decorrer das investigações, Alessandro Barreto, coordenador do Laboratório de Inteligência Cibernética do Ministério da Justiça e Segurança Pública, declarou que há várias dificuldades na investigação dos crimes cibernéticos, como os dados escassos oferecidos pelos provedores de conexão a internet. Além disso, o próprio Barreto acredita que os legisladores brasileiros precisam aprovar penas mais severas para quem comete os crimes cibernéticos contra crianças e adolescentes. Por fim, ele assume a importância da prevenção.

O mais importante é a prevenção. A repressão tem que ser adequada para que tenhamos um ambiente cibernético mais seguro e para que todos possam navegar com tranquilidade. Mas a prevenção deve começar dentro de casa. Os responsáveis legais pelas crianças têm que estar atentos ao que seus filhos estão fazendo on-line, pois a internet é um terreno fértil para o cometimento de vários crimes e onde há milhares de predadores à solta. (RODRIGUES, 2019)

Pode-se apreender dessa pesquisa que as naturezas do crime de pedofilia ligadas à conotação obscena e finalidade sexual e libidinosa, compreendendo a publicação, comentários e omissão por parte do provedor de conteúdo de vídeos envolvendo crianças no YouTube integram em mínima quantidade o total de ocorrências policias de pedofilia em Minas Gerais, e não são observadas nas investigações nacionais de combate à exploração infantil. Isso se dá devido à falta de responsabilização do provedor de conteúdo pelo Marco Civil da internet e também devido à falta de previsão legal do ECA no tocante à essa nova modalidade de pornografia de conteúdo subjetivo e da pedofilia consequente que se propaga pela internet, o que dificulta e quase impossibilita a denúncia, impedindo que esse problema seja enfrentado pelas autoridades públicas, sobre os olhos tapados da justiça e dos princípios de proteção integral das crianças que acessam a rede.

 

Conclusão

Diante do exposto é possível apreender que no mundo globalizado surgem novos desafios todos os dias, um desses desafios é criar um equilíbrio entre o acesso das crianças à internet e a manutenção de sua proteção integral no meio cibernético. Analisadas as contribuições da legislação brasileira pra proteger os infantes, é possível identificar diversas falhas e lacunas, principalmente quanto à abrangência restrita dos termos utilizados para definir a pornografia infantil.

Em primeiro lugar, no Marco Civil da Internet, o provedor de aplicações não pode ser responsabilizado, visto que só haveria responsabilização, se houvesse descumprimento de ordem judicial. A ressalva para responsabilização no caso do provedor não indisponibilizar o conteúdo de “cenas de nudez ou de atos sexuais de caráter privado” mediante notificação do interessado, ou seja, dispensando ordem judicial, poderia também abranger os vídeos de conotação obscena envolvendo crianças e adolescentes.

Ademais, segundo art. 241E do Estatuto da Criança e do Adolescente, se não há “atividades sexuais explícitas, reais ou simuladas, ou exibição dos órgãos genitais de uma criança ou adolescente para fins primordialmente sexuais” o conteúdo não pode ser considerado pornográfico. Ou seja, se houvesse uma abrangência maior quanto ao termo, o YouTube poderia tomar medidas mais pontuais e a responsabilização criminal seria efetiva. É necessário que essa nova realidade cibernética seja levada em conta para suprir as lacunas de um Estatuto da Criança e do Adolescente que quando criado, não poderia prever esses desafios, mas que agora não pode mais ignorá-los.

É necessário articular a sociedade como um todo, além dos órgãos governamentais para que numa ação conjunta possam desenvolver políticas públicas, tanto básicas quanto assistenciais, reconhecendo as políticas de proteção especial para crianças e adolescentes em situação de risco social e pessoal e políticas de garantia e defesa de direitos, nas quais os Conselhos Tutelares, o Ministério Público e as Promotorias são atores importantes. Por exemplo, é possível identificar quem são e onde se encontram os pais e responsáveis que tem dificuldade em acessar a internet, como demonstrado na pesquisa TIC KIDS 2017. Essas pessoas são geralmente da área rural, de baixa escolaridade, baixa renda e etc. Os conselhos tutelares podem analisar essa situação dentro das diversas regiões das cidades e contribuir para que as famílias nessa situação sejam assistidas.

A superação das desigualdades e vulnerabilidade pode acontecer, a partir dos territórios/locais vividos, com a implementação das diversas políticas sociais de garantias dos direitos. O ECA preconiza uma proteção social ampla e integral para todas as crianças e adolescentes, que é necessária e urgente. Pressupõe-se a consolidação de políticas públicas universais e de qualidade e a integração do SUAS, do SUS, do SGDCA e do Sistema Educacional. (ICA, 2010)

 

Referências

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[1] Acadêmico de Direito na Universidade Federal de Minas Gerais. Contato: [email protected]

[2] Mestra em Educação pela Universidade Federal de Minas Gerais. Graduada em Economia pela Universidade Federal de Minas Gerais. Foi Professora Assistente III na Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Foi Membro do Conselho Técnico do Instituto da Criança e do Adolescente (ICA). Contato: [email protected]

 

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