A formulação da política externa brasileira no âmbito da UNASUL: a histórica centralização na tomada de decisões

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Resumo: É analisada, neste artigo, a participação do Brasil no âmbito da Unasul, propondo-se reflexão sobre a centralização da atual formulação da política externa brasileira na organização. O objetivo é compreender o processo que leva à formulação da política externa nessa instituição buscando explanar, principalmente, a participação de grupos de interesse da sociedade civil organizada e de outros atores não estatais. Além disso, será estudada a horizontalização da tomada de decisões em política externa. A pesquisa aponta para uma acanhada descentralização na tomada de decisão, uma vez que o Presidente da República e o Itamaraty mantêm, ainda hoje, grande peso na tomada de decisões.

Palavras-chave: Centralização – política externa brasileira – Unasul – Poder Executivo – Itamaraty

Abstract: It is analyzed, in this article, the participation of Brazil in the framework of UNASUR, proposing reflection on the centralization of the current formulation of Brazilian foreign policy in the organization. Our aim is at understanding the process that leads to the formulation of foreign policy at that institution seeking to understand how it is currently the participation of interest groups in organized civil society and other non-state actors. Furthermore, the flattening of decision making in foreign policy will be studied. The research points to a slight decentralization of decision making, once the President and the Foreign Ministry maintains, even today, great weight in decision making.

Keywords: Centralization – Brazilian foreign policy – Unasur – Executive Branch – Itamaraty

Sumário: Introdução. 1. A Histórica Centralização da formulação da Política Externa Brasileira 2. A tomada de decisões na Unasul. Conclusões. Referências.

INTRODUÇÃO

Analisar a integração regional da América do Sul não é, certamente, uma tarefa simples, uma vez que se tem como objetivo examinar um processo extenso, complexo e heterogêneo. Com vistas a elucidar a questão, é interessante fazer referência ao termo utilizado de forma tão apurada por Andrés Malamud (2012, p. 125), quando afirma que a integração regional do continente poderia ser caracterizada como um verdadeiro spaghetti bowl. O autor buscou demonstrar, através dessa interessante ilustração, que o processo de integração na América do Sul se caracteriza por ser aparentemente desordenado, sem uma liderança clara e contendo inúmeras iniciativas que se entrelaçam e se complementam. Não se objetiva, de forma alguma, tornar esse “prato de espaguete” mais palatável, mas sim, estudar, de forma atenta, com tem sido a atuação brasileira nessa importante instituição que é a Unasul. Talvez, nesse sentido, o estudo possa servir para tornar a questão mais compreensível.

Deve-se ressaltar, desde início, que as políticas de integração na América do Sul não são ditadas por quaisquer interesses acima dos interesses estatais, uma vez que não há uma autoridade superior ao Estado-nação que possa impor avanços contrários ao desejado por estes. Esse fenômeno evidencia, assim, que o processo de integração da América do Sul, ao contrário do que é observado na Europa, por exemplo, caracteriza-se como uma iniciativa intergovernamental, não havendo efetiva transferência de parcelas de soberania para entidades supranacionais, qualidade essa alcançada pela União Europeia em relação aos Estados europeus que a constituem. A foram de integração empregada no subcontinente sul-americano acaba por privilegiar o status de ente soberano do Estado, que mantém intocadas as suas prerrogativas, não transferindo parcelas de sua soberania para entes supranacionais.

É importante frisar que não se considera que o processo integracional sul-americano é rudimentar ou inferior quando comparado ao processo europeu, mas sim, que apresenta as suas peculiaridades, condizentes com o que é possível e desejado na região. O processo de integração europeu não é, assim, visualizado como um processo exportável para toda e qualquer região do planeta. A integração regional é, sem dúvidas, uma iniciativa que deve partir de dentro da região, buscando o formato institucional que melhor se adapte às suas necessidades regionais.

No entanto, devido ao formato institucional existente na América do Sul, a capacidade de mover o processo de integração para frente ou para trás depende, principalmente, do cálculo de interesses nacionais e do poder relativo que pode ser mobilizado em cada questão específica. Sob nenhuma circunstância, esse processo poderia transformar a natureza de seus Estados membros. Evidencia-se, dessa forma, que o objetivo buscado pela nossa política externa e dos demais países da região, através da integração, é fortalecer os Estados nacionais e não buscar a sua fusão em uma grande instituição supranacional que enfraqueceria as suas prerrogativas soberanas. De qualquer forma, procurou-se demonstrar através dessas linhas introdutórias a percepção de que o processo de integração na América do Sul é reflexo das decisões tomadas internamente nos Estados. Compreender como essa opção pela integração é formada no seio da sociedade brasileira se demonstra relevante e será o objetivo principal deste trabalho.

Defende-se, assim, que o atual padrão observado na integração sul-americana demonstra que os Estados-nação têm buscado, por meio do processo de integração, o fortalecimento de sua soberania frente a uma economia globalizada. Assim, não se percebe a redução de suas competências executivas, legislativas e judiciárias, como poderia ser argumentado que ocorreu no caso europeu. De fato, os Estados sul-americanos se integram para fortalecer a região, mas, principalmente, para fortalecerem a si mesmos. Levando em consideração os fatores centrais da integração regional da região, percebe-se que o estudo atento da política externa dos países integrantes é fundamental para compreender os rumos da região e dos seus processos de integração.

Levando esses fatores em consideração, buscar-se-á estudar, no âmbito da Unasul, qual o nível de participação na formulação da política externa brasileira da sociedade civil, de organizações não governamentais e outros grupos que, formalmente, tem capacidade de exercer pressão sobre o governo. Além desses, será avaliada a participação de entes subestatais, como estados federados, municípios e outros ministérios que, da mesma forma, podem influenciar a formulação da política externa brasileira. Assim, a proposta é ir além do discurso oficial do Ministério das Relações Exteriores, buscando avaliar a atuação de atores capazes de moldar a nossa política externa de forma mais difusa e descentralizada.

1 A CENTRALIZAÇÃO DA FORMULAÇÃO DA POLÍTICA EXTERNA BRASILEIRA

Deve ser ressaltado que a formulação e a execução da política externa brasileira não somente é centralizada no Estado brasileiro, mas centralizada principalmente no Poder Executivo e, mais especificadamente, na figura do Presidente da República. É importante observar que essa tendência à centralização do Estado-nação em formular a política externa não é uma característica exclusivamente brasileira, mas sim global, que foi moldada e aperfeiçoada com a própria construção do Estado. Segundo afirma Devin:

“É somente no final de um longo processo histórico que a formulação e liderança das relações externas têm-se concentrado nas mãos do Estado e de uma administração especializada. Até o final do século 18, muitos atores privados […] ainda eram capazes de agir como substitutos para o Estado e para competir com ele. Atores religiosos, empresas comerciais e corsários povoavam o cenário internacional. Direito comercial e marítimo, por exemplo, eram em sua maioria elaborados e moldados por atores privados e pelos interesses privados. Todos esses atores privados têm sido progressivamente submetidos a autoridades maiores e mais poderosas. Beneficiando-se deste processo de centralização em benefício do Estado, a administração das relações externas tornou-se especializada e profissionalizada, o que reforça o papel de um departamento específico de Estado/Ministério”[1]. (DEVIN, 2010, p. 62).

Percebe-se, assim, que a capacidade de se centralizar a política externa do Estado somente foi possível graças ao aumento efetivo das capacidades do Estado, inclusive da sua capacidade de tributar. Dessa forma, uma questão de tamanha importância quanto a formulação da política externa dificilmente seria descentralizada pelo próprio Estado, que tem grandes interesses de manter para si a formulação e execução dessas valorosas políticas.

Nesse sentido, é central ponderar que a competência em questões de política externa, no Brasil, é garantida privativamente ao Presidente pelo artigo 84, incisos VII e VIII da Constituição Federal de 1988. Segundo o texto constitucional:

“Art. 84. Compete privativamente ao Presidente da República:

VII – manter relações com Estados estrangeiros e acreditar seus representantes diplomáticos;

VIII – celebrar tratados, convenções e atos internacionais, sujeitos a referendo do Congresso Nacional;”

O Ministério das Relações Exteriores, constituinte também do poder executivo, tem o papel de instrumentalizar o poder que foi concedido ao presidente constitucionalmente. É notório que no Brasil a política externa é conduzida de forma muito centralizada pelo Itamaraty e, segundo Pinheiro, deve ser lembrado que esse Ministério não necessariamente está subordinado às vontades populacionais e presidenciais (PINHEIRO, 2003). Segundo o entendimento de Silva:

“De forma geral, a condução da política externa brasileira tem sido monopólio do Poder Executivo desde a primeira Constituição brasileira, em 1824, situação que não foi alterada nem mesmo pela Constituição de 1988, que marca a redemocratização no Brasil. Em seu âmbito, o MRE conquistou papel central nessa área. A dinâmica resultante desse arranjo orientou tradicionalmente o processo de tomada de decisão em política externa no Brasil.” (SILVA, 2010, p. 11).

Essa forma de condução tem a vantagem de ser capaz de manter inabalada a continuidade da política externa do país, tornando menos suscetível a variações de governo, exatamente graças a esse distanciamento. Os diplomatas podem até mesmo adotar medidas antipopulares em nome do bem comum sem o temor de serem punidos pela não recondução ao seu posto (PINHEIRO, 2003). Porém, por outro lado, num contexto de redemocratização dos governos sul-americanos, é muito difícil justificar a condução de uma política externa que é alheia aos interesses e ao controle populacional. O que falta à política externa brasileira é responsabilização pelos rumos tomados frente à população, algo impossível de acontecer enquanto a PEB for executada e formulada por técnicos especialistas e não por funcionários eleitos democraticamente. A forma como a política externa tem sido conduzida gera questionamentos como o porquê não ser a PEB compreendida como uma política pública como todas as outras.

Buscando elucidar a questão acima mencionada, vale ressaltar que além da grande centralização da execução e formulação da política externa nas mãos do Itamaraty e do Presidente, deve-se perceber que no Brasil há déficit em matéria de controle legislativo sobre atos internacionais, uma vez que o Executivo domina a deliberação desse tipo de acordos. Formalmente, as competências sobre a aprovação de tratados internacionais são do Poder Legislativo, segundo o texto do artigo 49 da Constituição Federal:

“Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional;”

Porém, mesmo que o texto legal conceda, formalmente, grande relevância ao Congresso Nacional na aprovação e internalização dos tratados assinados internacionalmente pelo Presidente, na prática, o Congresso tem somente a prerrogativa de apresentar ressalvas aos decretos legislativos. Ou seja, o Legislativo não tem a liberdade de participar da negociação do tratado. O texto já vem pronto e acabado, tendo o Congresso somente as opções de: fazer pequenas ressalvas, aprovar o documento sem ressalvas, ou recusá-lo. Deve-se perceber, ainda, que o estudo detalhado sobre o histórico de atuação do Legislativo sobre a aprovação de tratados evidencia que a opção de recusar a internalização do acordo firmado pelo Presidente é fato muito raro de acontecer.

O Executivo, por sua vez, tem às suas mãos um poder de ação muito mais extenso. Dentre as suas prerrogativas, poderiam ser citados o poder de controlar o tempo para deliberação dos atos internacionais nas comissões permanentes e indicar os relatores na maioria dos casos. Assim, percebe-se que os preceitos da Constituição Federal e os mecanismos de controle à disposição do poder Executivo restringem significativamente o campo de atuação do Poder Legislativo na deliberação dos acordos internacionais, principalmente no que diz respeito ao “controle legislativo”. (DINIZ, 2010).

Mesmo que o texto constitucional de 1988 tenha mantido inalterada a grande centralização das competências sobre formulação da política externa brasileira ao Poder Executivo, são perceptíveis algumas mudanças a partir da redemocratização do país, em meados da década de oitenta do século passado. Nesse sentido, Silva afirma:

“Entre o conjunto de desafios, destaca-se a percepção de um novo arranjo no processo decisório para formulação e execução da política externa brasileira, evidenciado pela “horizontalização”, ou “descentralização horizontal”, deste processo no próprio Poder Executivo, a partir do momento em que o Ministério das Relações Exteriores do Brasil (MRE), ou Itamaraty, deixa de atuar isoladamente na condução dessa política” (SILVA, 2010, p. 8)

O processo observado por Silva corrobora o argumento de que, a partir da redemocratização política do país, ocorre movimento de descentralização dentro do próprio Poder Executivo sobre a formulação da PEB. Estaria o Itamaraty, assim, perdendo algumas prerrogativas na condução da política externa em favor da participação mais presente de outros ministérios que também têm interesses em questões internacionais. Nesse sentido, o argumento de Silva é apoiado por Devin, que afirma:

“O Estado assina tratados e acordos internacionais; ele representa e envolve o país a nível bilateral e multilateral e em organizações internacionais; geralmente possui os recursos e as capacidades mais vastas e diversificadas. O Estado, através de alguns dos seus atores, portanto, continua a ser a peça central do "sistema diplomático". O Poder Executivo, em especial, e as administrações especializadas estão no coração do maquinário: reações e iniciativas se organizam em torno deles. No sistema de diplomacia por vários caminhos, o Estado detém a "faixa" principal”[2] (DEVIN, 2010, p. 73).

Assim, para Devin, o Estado teria a prevalência na condução da política externa pela sua própria situação privilegiada de capacidades materiais e de administração. É, assim, segundo o autor, uma tendência natural que o Estado monopolize grande parte das prerrogativas em formular a política externa nacional, já que ele é o ator por excelência capacitado para assim agir.

No entanto, percebem-se, atualmente, tendências mais evidentes de capacidade de influência de atores não estatais na política externa brasileira. Demonstrando a necessidade da legitimação populacional da política externa brasileira, Pinheiro afirma:

“A Democracia trouxe dificuldades à execução das PEB – Se antes o insulamento do Itamaraty lhe propiciava a necessária autonomia para agir em nome do interesse nacional, hoje “mecanismos de controle político externos à agência diplomática são imprescindíveis para a conciliação dos recursos de autoridade e de representação necessários à credibilidade da política externa junto aos interlocutores e parceiros externos. Assim, a existência de uma burocracia diplomática, profissional e insulada e, por isso mesmo, imune às injunções político-partidárias, tornou-se insuficiente para dar credibilidade aos compromissos internacionais assumidos pelo Brasil” (PINHEIRO, 2003).

Pinheiro evidencia que a redemocratização do país exigiu adequações da política externa, que era conduzida a distância do controle populacional. A grande questão é definir como esse controle da população sobre a PEB deve ser efetivado para que não prejudique os princípios que a tem guiado durantes várias décadas. A falta de propostas que unam controle popular e continuidade da política externa tem gerado opiniões contrárias a esse tipo de participação da PEB.

O argumento mais forte contra a maior democratização do processo de formulação da política externa brasileira tem embasamento no argumento de que uma maior participação populacional sobre a direção da política externa prejudicaria os longos rumos que esta tem tomado, com grande autonomia das tendências ideológicas do governo que está à frente do país. Nesse sentido, Diniz afirma:

“A tese realista sobre a “ineficácia” democrática fundamenta-se, de acordo com Lima, nos seguintes pressupostos sobre as instituições democráticas: 1) elas não seriam eficientes, de uma perspectiva temporal, já que voltadas para a gratificação imediata dos eleitores. […] 2) o governante democrático viveria constantemente sob o dilema de, por ser eleito, precisar do apoio popular para continuar no poder. Por outro lado, governa para a nação e, portanto, tem que se preocupar com a realização de objetivos coletivos, relacionados ao bem-estar da comunidade. Assim, o seu problema consiste em conciliar objetivos individuais de sobrevivência político-eleitoral com os interesses coletivos da população. […] 3) o regime democrático é o “mundo das paixões”, havendo forte intromissão de opiniões particulares na política externa, e a opinião pública não é um bom guia para a política externa, porque reflete interesses particularistas de determinadas minorias com acesso aos círculos de poder; 4) as decisões na democracia não são céleres” (LIMA apud DINIZ, 2010, p. 77).

Como é possível observar, Diniz deixa claro que mesmo que haja tendência em direção da democratização da política externa, em muitos casos, o estímulo para o controle democrático acaba por reforçar a ação insulada do Itamaraty, sob o argumento de perenidade da instituição e da efemeridade das preferências individuais. Esse objetivo de retirar competências do MRE não poderia ser implementado sem colocar em cheque a continuidade da PEB, que tem se demonstrado, em certa medida, menos atrelada aos interesses políticos do que outros Ministérios (SILVA, 2010).

Mesmo que esse pareça ser o entendimento dominante sobre o aumento de atores formuladores e influenciadores da política externa, há pesquisadores que pensam de forma diferente. Para Rodrigues:

“A política externa federal e as relações externas federativas (cooperação internacional descentralizada, diplomacia federativa ou mesmo política externa federativa) não têm sido excludentes ou rivais, em que pesem o potencial de conflito e as preocupações do Itamaraty”. (RODRIGUES, 2008, p. 1030).

Observa-se, assim, que o instituto da paradiplomacia não é necessariamente conflitante com a diplomacia oficial realizada pelo Itamaraty. Rodrigues bem demonstra que é possível haver diálogo e cooperação entre as diferentes instâncias da federação. O próprio MRE tem buscado atualizar-se para suprir as necessidades dos Estados Federados em questões de negociação internacional. Essa é a chamada diplomacia federativa, que tem a competência específica para realizar a interface com os entes subnacionais da Federação, passando o MRE a oferecer apoio técnico qualificado a tais atores, além de buscar dotar suas ações de coesão e harmonia em relação às diretrizes da Política Externa Brasileira (DINIZ, 2012, p. 74).

Em resumo, percebe-se uma grande centralização da política externa brasileira na figura do presidente e do Itamaraty. Com o processo de democratização, relativizou-se consideravelmente o poder de ação do MRE, que mantinha para si as competências majoritárias na formulação da PEB. Essas mudanças na política nacional, com a subida ao poder de governos eleitos democraticamente, fizeram com que o Itamaraty se adequasse às novas demandas populacionais, buscando fazer-se presente em outros ministérios que começaram a ter influência sobre a política externa. Da mesma forma, fica evidente que a redemocratização gerou maior interesse e capacidade de participação de atores não governamentais, como lobbys empresariais e a sociedade civil organizada.

Esse estudo introdutório sobre os contornos históricos da formulação da política externa brasileira reforça a hipótese que se estabeleceu neste estudo de que, ainda que se possa perceber maior atuação de atores societais na formulação da PEB, é perceptível que ainda se mantem a lógica histórica de centralização institucional no Poder Executivo, nas figuras do Presidente e do MRE, da formulação da política externa do Brasil. No próximo capítulo, avalia-se se a Unasul tem sido capaz de propor soluções inteligentes e eficazes para possibilitar maior participação da sociedade na política externa dos países da região.

2 A TOMADA DE DECISÕES NA UNASUL

Compreender o processo de tomada de decisões dentro de uma instituição tão complexa quanto a Unasul exige estudo prévio do funcionamento e das características principais que a constituem. Ao analisar a tomada de decisões do governo brasileiro na Unasul não se pretende supor que os demais onze países membros ajam da mesma forma na condução de suas políticas externas dentro instituição. O escopo do trabalho gravita sobre a atuação brasileira e suas especificidades, tarefa essa já de grande complexidade. Inicialmente, busca-se apresentar os objetivos declarados e não declarados da Unasul. Posteriormente, será avaliado o formato institucional que caracteriza a Unasul. Por último, serão apresentados os contornos atuais da tomada de decisão brasileira na instituição.

A consulta ao site da organização é eficiente em apresentar os objetivos declarados da Unasul: “[…] construir un espacio de integración en lo cultural, económico, social y político, respetando la realidad de cada nación” (UNASUR, s/d). A forma genérica a qual se propõem abordar a organização tem pouca utilizada a esta pesquisa. Assim, torna-se mais interessante avaliar os objetivos não declarados na Unasul. Dentre eles, pode ser citado o seu interesse de aumentar a independência política da América do Sul frente a outras instituições regionais, como a OEA, que tem ampla influência Norte Americana (OLIVEIRA; ONUKI, 2000, p. 121). Vislumbra-se, assim que a criação da Unasul visou alcançar soluções negociadas aos problemas regionais dentro da própria região, sem que houvesse a necessidade de haver influências externas para mediar os eventuais conflitos que emergem no continente sul-americano.

Deve ser observado que a criação da Unasul é fruto maturado de um longo processo iniciado ainda da realização da primeira Cúpula Sul-Americana de Presidentes, que ocorreu em Brasília no ano 2000. A partir desse momento, lança-se o projeto para se criar a Comunidade Sul-Americana de Nações (Casa), em 2004, que em 2008 se converteria na Unasul. Associando-se esse histórico à grande guinada da América do Sul para esquerda, observada no início do século XXI, percebe-se que o advento da subida ao poder de partidos de esquerda na região teve grande influência nessa virada da integração regional para um formato mais autônomo frente às grandes potências, não liberalizante, desenvolvimentista e preocupado com a solução dos problemas da região.

Mesmo que se tenham alcançado grandes avanços no aprofundamento da integração regional, são observado entraves de alguns países da região para o avanço desse audacioso projeto. Para Cervo:

“[…] existem duas Américas do Sul econômicas, uma liberal e primária, que busca o acordo de livre-comércio com os Estados Unidos, outra industrial e desenvolvimentista, que se volta ao aprofundamento da integração entre os vizinhos. Chile, Colômbia e Equador de um lado, Argentina, Brasil e Venezuela de outro” (CERVO, 2008, p. 203).

Levando-se em consideração esses fatores, é perceptível que o Brasil tem esbarrado em limitações, criadas pelos próprios países da própria região, em avançar o seu projeto de integração de uma América do Sul una e integrada economicamente. Mesmo assim, pode-se falar em sucesso da Unasul, mesmo que não seja este um objetivo declarado da instituição, quando o assunto é expandir o poder brasileiro frente à América do Sul. Nesse sentido, Cervo afirma:

“A considerar sua estrutura operacional e seus fins, dir-se-ia que a Unasul não exerce apenas o papel de mediador entre interesses brasileiros e objetivos globais da política exterior. O polo de poder recém-criado, o ente América do Sul, ao adquirir operacionalidade, realiza diretamente interesses brasileiros” (CERVO, 2011, p. 551).

Uma característica marcante da criação da Unasul é, sem dúvida, a preferência por iniciar o processo de integração através da política e geopolítica e não da economia, que era o padrão até então vigente na América do Sul. Há, dessa forma, uma maior preocupação com a integração de infraestrutura e de coordenação de políticas para a região. De qualquer forma, grandes obstáculos como o intergovernamentalismo e o temor do imperialismo brasileiro ainda se fazem presentes também nessa iniciativa.

Apresentados os objetivos centrais da Unasul, passamos a estudar a sua estrutura institucional e a divisão de competências internamente à instituição. Essa análise se faz fundamental para entender quais fatores sociais e estatais são relevantes na tomada de decisões no âmbito da Unasul.

Segundo consta no Tratado Constitutivo da Unasul, são considerados órgãos da estrutura institucional da UNASUL: a) Conselho de Chefes de Estado e de Governo; b) Conselho de Ministros das Relações Exteriores; c) Conselho de Delegados; e d) Secretaria Geral. Está prevista ainda a constituição de Conselhos de nível Ministerial e Grupos de Trabalho, porém, até hoje esses órgãos não foram criados.

Além dos órgãos mencionados, a instituição é composta por conselhos setoriais, que se dividem em: a) Energia; b) Saúde; c) Defesa; d) Infraestrutura e Planejamento; e) Desenvolvimento Social; f) Problema Mundial das Drogas; g) Educação; h) Cultura; i) Ciência, Tecnologia e Inovação; j) Economia e Finanças; l) Segurança cidadã, justiça e coordenação contra a delinquência organizada transnacional; m) eleitoral. 

É evidente que a negociação nesses conselhos ocorre no nível ministerial, cabendo, assim, ao poder executivo de cada estado-membro conduzir as negociações da política externa nacional. É importante perceber que os doze diferentes conselhos são precedidos por ministros especializados nas questões e não pelo chanceler de cada um dos países membros. Esse formato institucional demonstra a adequação da Unasul à diplomacia horizontalizada e mais difusa pelos diferentes ramos do poder executivo. De qualquer forma, não há espaço para o poder legislativo, que ainda carece de representação na instituição.

Percebe-se, da mesma forma, que há pouco espaço para a sociedade civil organizada ter voz ativa na tomada de decisões no âmbito da organização regional. Porém, é importante perceber que em 2012 aconteceu em Lima, Peru, a sexta reunião ordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo da Unasul. O encontro terminou com a aprovação de nove Declarações, dentre elas, a principal, a "Declaração da VI Reunião Ordinária do Conselho de Chefes de Estado e de Governo da Unasul", previu a criação de um Foro de Participação Cidadã da Unasul, um espaço específico próprio para a participação da sociedade civil nas discussões do bloco (REBRIP, 2012). Nesse sentido, é interessante trazer o texto do parágrafo quinze da Declaração:

“15. Que a participação dos agentes sociais é um aspecto substancial do processo de integração sul-americana e fundamento de sua Decisão de criar um Fórum de Participação Cidadã da UNASUL como espaço específico e próprio e encorajam os Conselhos Setoriais, Grupos de Trabalho e demais instancias da UNASUR a estabelecer, segundo a sua própria especificidade e fim, mecanismos de difusão de suas atividades e de recepção de sugestões e iniciativas” (ITAMARATY, 2012).

A criação de um espaço participativo para a sociedade civil tem sido uma demanda das organizações, redes e movimentos sociais do Brasil e da região. Porém, o que se propôs no parágrafo quinze é um dispositivo formal, de encorajamento aos diferentes grupos de trabalho da Unasul e que, por isso, depende de efetivação prática, o que não tem sido observado. Assim, o que se deve buscar é uma participação mais aberta e transparente da sociedade civil organizada na efetivação desse dispositivo, algo que até o momento da publicação deste artigo, não havia sido visualizado.

É interessante observar essa preocupação da Unasul em abranger a participação da sociedade civil e de outros setores dos governos nacionais, além dos ministérios de relações exteriores. Mesmo que não se tenha efetivado de fato essa participação, a instituição se demonstra, teoricamente, aberta a agregar outros atores capazes de influenciar as suas políticas. O mais corriqueiro é que as instituições regionais presumam que a representatividade dos governantes nas suas tomadas de decisões em órgãos regionais é garantida pelo sistema democrático de eleições nacionais. Não haveria, assim, necessidade de a sociedade civil ter voz ativa na organização, já que o representante nacional foi eleito democraticamente, representando os interesses da população.

Outro fator dificultador da participação de atores não estatais na Unasul é a temática da organização. Mesmo que se possa afirmar que a Unasul se caracteriza como uma instituição guarda-chuva para os demais processos integracionais da região, é evidente que questões comerciais, por exemplo, são mais bem exploradas em outros processo integracionais, como o Mercosul e Comunidade Andina. O trabalho de Milani e Oliveira evidencia que a temática na qual os lobbys empresariais são capazes de exercer maior influência é exatamente na questão comercial, ao contrário dos da sociedade civil, que tem participação menor sobre esse tema. Segundo os autores:

“A análise dos resultados dos estudos citados indica que a maioria dos mecanismos de consultas à sociedade, tanto formais quanto informais, surgiu ao longo de processo de negociação de acordos regionais e não de negociações multilaterais e privilegia atores empresariais, mais organizados e com melhores recursos e capacidade de participação, em detrimento de atores da sociedade civil organizada. Identifica-se também que os países em desenvolvimento são menos transparentes quanto a informações sobre política comercial do que os países desenvolvidos, o que inibe a participação e o engajamento de atores não estatais.” (OLIVEIRA; MILANI, 2012, p. 375)

Uma vez que a capacidade de influenciar se concentra no poder Legislativo, a participação efetiva da sociedade nas negociações é muito baixa, visto que, como foi demonstrado no capítulo anterior, o Congresso tem pouquíssimo poder sobre os rumos que são tomados em política externa. Somente há a prerrogativa de vetar, mas não de negociar as decisões tomadas pelo executivo. Assim, conclui-se que na Unasul, da mesma forma, tanto o Congresso, quanto a sociedade civil e os lobbys empresariais, exercem baixa influência sobre a tomada de decisões.

A questão que deve ser avaliada com mais atenção é a forma como a sociedade civil organizada e os lobbys empresariais são capazes de influenciar os ministérios. Sobre a influência do empresariado em questões comerciais, é interessante trazer o entendimento de Oliveira e Onuki:

“[…] a baixa assertividade do setor privado junto ao Legislativo decorre do diagnóstico de que o Executivo tem, de jure, mas principalmente de facto, o controle da agenda em matéria de política comercial. Neste sentido, ainda que haja desejo do setor privado em usar instrumentos que contrabalancem a atuação do Executivo, o diagnóstico mais corrente é de que a arena legislativa é de baixa eficácia do ponto de vista de influência ou determinação da política comercial” (OLIVEIRA; ONUKI, 2007, p. 3).

Observa-se, assim, que a arena política a qual o empresariado está mais acostumado a exercer influência, que é no Poder Legislativo, não possui influência determinante sobre os rumos da política externa. Como apresentamos na introdução e no primeiro capítulo deste artigo, os poderes do Legislativo, em questão da PEB, são extremamente reduzidos, uma vez que há grande preponderância da participação do Poder Executivo, principalmente através do Presidente da República.

Quanto aos lobbys empresariais, é interessante trazer as conclusões obtidas por Oliveira sobre esse tipo de influência:

“[…] a Rebrip apresentou posição defensiva e negativa quanto aos acordos regionais negociados pelo Brasil com países de fora da América do Sul e também em relação às negociações de acordos multilaterais na Rodada Doha, considerados prejudiciais à economia, ao desenvolvimento social e à proteção dos interesses do meio ambiente nos planos nacional e regional. Apenas no que concerne à integração regional encontram-se aspectos de avaliação positiva da Rede, mas ainda assim com ressalvas, em relação às estratégias de política comercial adotadas pelo Brasil, particularmente no período entre 2003 e 2010”. (OLIVEIRA, 2012, p. 396).

Assim, emerge o questionamento de que até que ponto é benéfico ao Brasil e a sua política externa a participação democrática dos mais variados grupos interesses. O exemplo das associações empresariais, como a Rebrip, demonstra que o protecionismo e o negativismo frente a novos processos de integração é uma marca característica do empresariado brasileiro. Mesmo que se questione a validade desse tipo de participação, percebe-se a tendência por maior interesse na participação de atores societais e subestatais em negociações na Unasul. Essa tendência não é exclusivamente brasileira, mas também regional, visto o projeto regional de criação do Foro de participação cidadã da Unasul. Esse foro é um grande exemplo do reconhecimento da Unasul e dos Estados que a constituem de que a sociedade sul-americana deveria se fazer mais presente nas negociações da instituição. Essa iniciativa, ainda que incipiente, representa um importante passo da sociedade civil organizada rumo a sua maior participação na formulação de políticas regionais.

CONCLUSÕES

Mesmo que sejam perceptíveis influências de atores que não apenas do poder executivo na formulação da Política Externa brasileira no âmbito da Unasul, é evidente que a prevalência deste último ainda é central na execução da PEB. Como foi apresentado no início deste artigo, a Constituição Federal concede grande autonomia e amplas prerrogativas ao Poder Executivo e, principalmente, ao Presidente da República na condução da política externa nacional. Outros atores são também importantes, porém, a prevalência do Itamaraty e do presidente continuam ditando os grandes rumos da PEB.

Com o advento da redemocratização, porém, em meados da década de 80, é dado início ao processo de horizontalização da tomada de decisões e consecutiva redução de competências do Itamaraty em conduzir a PEB. Esse fenômeno é perceptível pela maior capacidade de influência de atores societais e pela expansão, para outros órgãos estatais, de capacidade de exercer maior influência sobre questões externas. Essa tendência foi garantida, inclusive, com a participação direta de outros ministérios em negociações no âmbito da Unasul, nos seus doze conselhos setoriais.

Em resposta a esse processo de expansão da competência em política externa para diferentes ministérios, houve a tentativa do Itamaraty em expandir o seu campo de atuação para outros ministérios, buscando retomar as competências perdidas. Nesse sentido, Silva afirma que:

“[…] ao contrário da tese tradicional de que o Itamaraty concentra em suas mãos a formulação da política externa, há competências relativas não apenas à implementação, mas também à formulação da política externa, quando não a ambas, distribuídas por toda a estrutura do Poder Executivo federal e não apenas no MRE”. (SILVA, 2010, p. 33)

Silva demonstra que a tendência é que as competências em política externa realmente se espalhem por toda a estrutura do Poder Executivo, tornando a tomada de decisões cada vez mais horizontal. A tentativa do MRE de atualizar-se ao processo tem se demonstrado bem sucedida, já que o número de funcionários do Itamaraty em outros ministérios aumentou muito nas últimas décadas. Porém, não há como negar o fenômeno de desconcentração de competência do Itamaraty em benefício de outras estruturas do Poder Executivo federal e subnacional.

A análise da questão dos lobbys empresariais é mais delicada. A partir do momento que se possibilita a influência de empresários na PEB, deve-se ter em mente que eles defenderão os seus próprios interesses e não o dos demais empresários ou da população como um todo. A política externa deve sempre focar nos interesses do Estado-nação, algo que é difícil de observar no caso de empresários estarem à frente da PEB. Entendemos que o papel do empresariado deveria ser restrito ao de influenciar a política externa, e não formulá-la, uma vez que esse tipo de participação comprometeria a prevalência dos interesses nacionais sobre os particulares.

O posicionamento de Oliveira bem demonstra o quanto particularistas são os interesses empresariais em participar da formulação da PEB. Segundo o autor “[…] o que se tem percebido é um perfil eminentemente protecionista dos interesses empresariais nas principais negociações de acordos regionais e multilaterais em que o Brasil esteve envolvido no período em análise”. (OLIVEIRA, 2012, p. 395).

É interessante notar que o autor também percebe que no que se trata de integração econômica com a América do Sul, os empresários brasileiros apresentam uma visão progressista, de aprofundamento das iniciativas de integração. Isso ocorre exatamente porque o Brasil é o país mais competitivo industrialmente. Uma vez que o processo de integração facilita as trocas comerciais na região, não haveria por que o empresariado ser contrário a uma maior integração. Deve ser observado, porém, que mesmo nesse caso os lobbys empresariais defendem interesses particularistas e não nacionais. A lógica capitalista não pode ser dissociada da influência desse grupo de interesse na política externa.

É importante observar que o que se sugere é que os atores estatais influenciem a PEB e não a formulem. Segundo Oliveira, a crescente participação de atores não estatais na arena de formulação da política externa no Brasil não os coloca como definidores em última instância das ações de política externa a serem implementadas. Os atores não estatais, sejam as organizações empresariais, sejam os movimentos e redes de ativismo político, não podem ser considerados tomadores de decisão em política externa, muito embora tenham capacidade de articulação de interesses e de influência, ou seja, são dotados de forte poder de agência. (OLIVEIRA, 2012, p. 368).

Esse poder de agência é cada vez mais possibilitado até mesmo em organismos internacionais, como a Unasul e a sua criação do Foro de participação cidadã. A criação desse instituto não tem como objetivo que atores não-estatais formulem políticas públicas em nome de seus estados-nação. O objetivo é muito mais limitado, no sentido de se buscar que a voz da população seja ouvida e se sinta verdadeiramente representada em processo de integração tão importantes quanto a Unasul. Mesmo quanto à esse objetivo, como demonstramos, há ainda grandes limitações práticas. O foro foi criado, mas dificilmente se pode falar em incentivos reais para que o que foi proposto na VI Declaração seja de fato implementado no respeito a participação de grupos sociais na instituição.

De qualquer forma, fica evidente que os conteúdos e métodos diplomáticos não pertencem mais exclusivamente ao Itamaraty. Essa tendência é muito improvável que venha a ser revertida. A competição intragovernamental por influência em política externa, assim como a participação de atores não-estatais forçam a administração a buscar a colaboração e adaptação com esses novos atores formuladores da política externa.

Mesmo que não possamos falar em revolução na condução da política externa brasileira para a América do Sul, é possível visualizar mudanças significativas nos atores capazes de influenciar e formular as políticas regionais brasileiras. Nesse sentido, ainda que não haja previsão na Constituição Federal que garanta essa forma de participação, tem se observado, em alguns casos, atuação pujante de atores societais e subestatais na paradiplomacia (RODRIGUES, 2008, p. 1030). Essas mudanças ocorrem tanto em setores internos ao governo nacional, com a horizontalização da política externa brasileira, como nas próprias organizações regionais, que buscam abarcar a participação de atores societais. Como resultado dessas novas tendências, internamente ao Estado, a diplomacia tem se aberto e diversificado para abrigar novas demandas e modernizar a forma de se conduzir a política externa do país. Regionalmente, embasado no exemplo da Unasul e na criação do seu Foro de participação cidadã, é possível observar o interesse da organização em criar um sistema de participação social que ainda é muito limitado e incipiente, porém, que apresenta capacidade de se expandir.

Conclui-se, assim, que ainda são incipientes as iniciativas regionais de ampliar a participação da sociedade civil na formulação de políticas regionais. O Foro de participação cidadã da Unasul ainda é muito recente e carece de efetivação prática. Assim, é difícil ainda conjecturar quais os ganhos que podem ser obtidos através dele. No caso brasileiro, pode-se afirmar que as grandes alterações ocorreram internamente ao Estado, com a redistribuição de competências, principalmente pela horizontalização ocorrida dentro do próprio Poder Executivo. O Poder Legislativo, de qualquer forma, ainda permanece como ator subordinado e marginalizado quanto a sua participação na política externa brasileira. Esse papel de ator secundário dificulta a maior influência de atores societais e empresariais na política externa, já que esse é o locus governamental onde a sociedade civil e os lobbys empresariais exercem maior peso sobre os rumos das políticas do Estado.

 

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Notas:
[1] Tradução minha: “It is only at the end of a long historical process that the formulation and leadership of foreign relations have been concentrated in the hands of the State and of a specialized administration. Until the end of the 18th century, many private […] were still able to act as substitutes for the State and to compete with it. Religious actors, business companies and corsairs populated the international scene. Commercial and maritime law, for instance, were mostly drafted and shaped by private actors and private interests. All these private actors have progressively been submitted to greater and more powerful authorities. Benefiting from this process of centralization to the benefit of the State, the administration of foreign relations became specialized and professionalized, thus reinforcing the role of a specific Department of State/Ministry.”

[2] The State signs international treaties and agreements; it represents and engages the country at the bilateral and multilateral levels and in international organizations; it usually possesses the vastest and most diversified resources and capacities. The State, through some of its actors, therefore remains the centrepiece of the “diplomatic system”. The executive branch, notably, and the specialized administrations are at the heart of the machinery: reactions and initiatives are to organize themselves around them. In the multitrack diplomacy system, the state holds the main “track”.


Informações Sobre o Autor

Heitor Pergher

Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina (2012) e Mestrando em Relações Internacionais pela Universidade Federal de Santa Catarina


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