“Doces poderes” – A quem cabe a função de investigar: À Polícia ou Ministério Público?

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O presente trabalho pretende estabelecer a importância do cumprimento das normas constitucionais vigentes no que se refere aos poderes de investigação de crimes em nosso País, para que o povo brasileiro possa ter segurança jurídica, acreditar na eficácia de sua Constituição, respeitar a sua Corte Suprema, como também confiar nas instituições públicas e na estrutura do Estado Democrático de Direito.

Introdução

Mais que um trabalho acadêmico, nosso objetivo é alertar a comunidade jurídica e a população em geral sobre a forma pela qual, tenta-se de maneira ilegítima atribuir-se ao Ministério Público poderes de investigação policial, subvertendo-se, desta forma, a ordem constitucional vigente estabelecida, aí sim, legitimamente pelo constituinte de 1988.

1-INVESTIGAR: Ato privativo da Polícia.

Desde o império, nossa legislação atribui à Polícia a função precípua da investigação de crimes.

A atual constituição foi mais longe e consignou em seu artigo 144 § 4º que, “Às Polícias Civis, dirigidas por delegados de polícia de carreira, incumbem ressalvada a competência da União, as funções de Polícia Judiciária e a apuração de infrações penais, exceto as militares”, como também estabeleceu em seu artigo 129, I que caberá ao Ministério Público promover, privativamente, a ação penal pública.

Está análise interpretativa das normas constitucionais ora mencionadas nos dão uma visão cristalina das funções institucionais de cada órgão do Estado.

Sustentam alguns, entretanto que ao Ministério Público poderiam ser conferidos poderes de investigação na área criminal sob o flácido argumento de que estas funções seriam perfeitamente compatíveis com aquelas elencadas no inciso VIII do artigo 129, também da Constituição.

2- PRETENSO ENGANO

Como bem nos ensina a ilustrada Professora Ada Pellegrini Grinover em brilhante trabalhado publicado pelo Ibccrin – Boletim – nº 145 de dezembro de 2004, “O Ministério Público é o destinatário das investigações, devendo essas servir exclusivamente para a formação de seu convencimento sobre acusar ou não acusar – ou seja, sobre promover ou não ação penal pública de que tem o monopólio”.

Fica evidente que ao Ministério Público cabe a função de acusar, formando seu convencimento para tanto nas investigações promovidas pela Polícia Judiciária no inquérito policial.

O já citado artigo 129, VIII estabelece que o “Ministério Público poderá requisitar diligências investigatórias e instauração de inquérito policial…”

Daí, a pergunta: O Ministério Público deverá requisitar diligências ou pedir a instauração de inquérito policial a que órgão público? A Polícia, é claro!

Este inciso normativo não pretende dar ao Ministério Público poderes de investigação policial. Esta foi, sem dúvida, a vontade constituinte.

Neste aspecto, como podem os Promotores de Justiça querer investigar, exercendo funções de Polícia Judiciária e ser órgão de acusação, isto é parte na relação jurídica processual ao mesmo tempo? O princípio constitucional da ampla defesa não seria afetado, trazendo graves prejuízos ao réu? Temos certeza que sim.

O outro argumento de que a produção probatória deve-se formar em contraditório perante o Juiz, não serve de base para atribuir ao Ministério Público os tão sonhados poderes de investigação. E digo porque. O contraditório se estabelece no processo – crime, já a partir do interrogatório do réu, após o Juiz receber a denúncia do Ministério Público, devendo-se respeitar, sob pena de nulidade, a ampla defesa. Isto não acontece na fase das investigações, visto que durante o inquérito policial não será permitido o contraditório, sendo certo que autoridade policial assegurará à competente peça de informação o sigilo necessário à elucidação do fato – artigo 20 do C.P.P. . Estamos falando, portanto, de uma relação jurídica processual, onde os Promotores de Justiça são aqueles que promovem à acusação, após receberem as informações constantes do inquérito, devendo desta forma estabelecer o contraditório, o que não ocorre, como já pudemos aferir na fase das investigações. O inquérito policial é um procedimento inquisitivo, tanto que no interrogatório do acusado não há a necessidade da presença do defensor, ao contrário do que acontece na fase do processo – crime, onde a ausência do defensor gera nulidade. É o que se depreende da análise interpretativa dos artigos 133 da C.F. como também dos artigos 6º, V , 261, 263 e 564, III, c, todos do C.P.P. Provar o alegado é um ônus da acusação, como tentar provar o contrário é um ônus da defesa.

Já as autoridades policiais têm o dever constitucional de colher todas as informações necessárias em procedimento administrativo sobre o fato criminoso, para, após suas conclusões enviar seu relatório para o Foro competente. Daí sim, em juízo, o Ministério Público poderá, como órgão de acusação, promover, se for o caso, a competente denúncia, nos termos do artigo 41 do C.P.P. Isto quer dizer que à polícia não cabe o ônus probatório mas sim, o dever de investigar.

Portanto, não teria cabimento o Promotor de Justiça oferecer em juízo, onde deve prevalecer o contraditório, as provas contra o réu que ele mesmo colheu na fase das investigações.

Sem contar que a formação do policial é voltada para investigação, tendo este que, após ser aprovado em concurso público de títulos e de provas, cursar a Academia de Polícia que possui uma carga horária especifica que permite ao Estado preparar bem seus profissionais para que possam exercer com esmero sua função de Polícia Judiciária, o que não ocorre na formação profissional dos membros do Ministério Público, que igualmente aos Delegados fazem concurso de títulos e de provas para ingresso na carreira, mas têm uma preparação profissional diferente na Escola Superior do Ministério Público. Isto quer dizer que o Promotor de Justiça se aperfeiçoa com características atinentes ao cargo, qual seja: a de órgão de acusação no processo criminal e de fiscal da lei nas demais áreas do direito.

Podemos concluir então que a formação profissional dos policiais é uma e a dos Promotores outra. Então, perguntamos: Que formação tem o Ministério Público para investigar? Nenhuma! Como também não têm os Delegados para acusar o réu em juízo.

Isto quer dizer que, apesar dos membros das duas carreiras pertencerem às carreiras jurídicas, cada uma delas têm funções constitucionais muito bem definidas: Cabe à Polícia investigar e ao Ministério Público acusar.

É imperioso ressaltar que é muito importante para a manutenção do Estado Democrático de Direito o equilíbrio entre as funções, a fim de se evitar injustiças e arbitrariedades.

3-O PROBLEMA DA CORRUPÇÃO

Alguns, também pretendendo reverter e subverter a ordem jurídica constitucional, desejando atribuir ao Ministério Público poderes de investigação, argumentam que na polícia existe muita corrupção e que os inquéritos são mal feitos ou mal elaborados.

Os desvios de conduta acontecem em qualquer atividade, seja no setor público ou privado. Cabe, em especial na Polícia, às Corregedorias punir os maus policiais. E, tenham certeza, que este órgão de fiscalização tem punido severamente aqueles que usam do cargo para se locupletar.

Portanto a solução não é transferir a responsabilidade de investigar ao Ministério Público. Mas sim exigir dos governantes que comandam as polícias medidas efetivas para que a instituição possa efetivamente cumprir sua função constitucional e seus membros possam exercer esta atividade de investigar, de alta responsabilidade, com dignidade. Para isso o Estado deve prestigiar os bons policiais, os idealistas, os vocacionados, pagando justos salários aos integrantes das carreiras, podendo-se, desta forma selecionar melhor o elemento humano para seu efetivo. Melhorar a estrutura de trabalho é necessário e providencial, principalmente nas delegacias onde a precariedade predomina. A realidade é que os delegados, tanto os titulares quanto os plantonistas dos distritos policiais perdem todo tempo disponível “cuidando” da população carcerária, o que prejudica sensivelmente os atos de Policia Judiciária. Agora, para melhorar, basta ter vontade política para fazer. Uma Polícia eficiente e proba é o “espelho” do Estado. Cumpre ao Estado, então, motiva-la, moralizando-a.

4- A QUESTÃO DO CONTROLE EXTERNO

A nossa Carta Magna trata do controle externo da atividade policial como princípio.

Deve-se entender que este controle deverá ser exercido pelo Ministério Público como órgão fiscalizador da atividade policial para evitar o corporativismo das Corregedorias que como já dissemos é muito severa com os maus policiais. No caso, “quem não deve, não temerá nunca”! Aliás a Polícia é fiscalizada a todo instante, seja pela imprensa e pela própria população. A Polícia sempre foi e sempre será vidraça. O importante é o policial ser competente, honesto, e ter coragem para enfrentar as adversidades da carreira.

5- O DEBATE NO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL

Julgamos oportuno destacar a ilegitimidade do S.T.F. em pretender estabelecer a melhor medida no que se refere aos poderes de investigação de crimes.

Daí perguntar-se: Será o S.T.F. o foro competente para alterar dispositivos constitucionais? Nos parece que não. Competente, no caso, é o Poder Legislativo.

A nossa Corte Suprema tem a nobre missão de proteger a Constituição. E protegê-la significa preservar a vontade constituinte soberana, até que o Congresso Nacional constituído delibere o contrário, através da apresentação de emendas constitucionais, atentando-se sempre para as cláusulas pétreas.

O poder legiferante pertence ao Congresso Nacional e não ao S.T.F.

Nesse caso, pretender que o S.T.F. “legisle”, seria impor a vontade de alguns sobre a vontade da maioria do povo brasileiro, representado por seus Deputados e Senadores, sendo certo que qualquer decisão do S.T.F. que seja contrária a Constituição, haverá de ser considerada inconstitucional e ilegítima, ferindo frontalmente o princípio da separação dos poderes idealizado por Montesquieu.

CONCLUSÃO

“Doces Poderes” nasceu nas salas de aula durante os debates sempre acalorados com meus alunos da FAAP. Nunca fora desejado impor a eles teses apaixonadas e sem fundamento jurídico. Pretendemos, com certeza, sempre expor nossa opinião à luz da ordem constitucional vigente, fazendo-os entender a importância da lei escrita, fortalecendo a idéia de que o Brasil é um Estado Democrático de Direito e que qualquer alteração constitucional deverá ser discutida na casa do povo, que é o Congresso Nacional e jamais nos “tapetões”.

Na verdade o que a sociedade realmente deseja é a eficiência de seus órgãos públicos. Cabe a cada um de seus membros, seja do Executivo, do Legislativo e do Judiciário cumprir suas funções constitucionais com afinco, com amor pela Pátria, com espírito público, com honestidade de propósitos e com muita determinação para poder enfrentar os problemas sociais que são imensos.

O que seria da nossa Democracia, conquistada a “duras penas”, com o sangue do cidadão brasileiro frente às ambições desenfreadas daqueles que pretendem a qualquer custo usurpar o Poder, e desestabilizar as instituições democráticas com o objetivo apenas de saciar seus apetites famélicos?

Manter a chama viva da Democracia, preservando, desta forma a essência do Estado Democrático de Direito, é nossa mais fiel obrigação, para que esta geração de jovens tenham orgulho de ser brasileiros.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Ricardo Farabulini

 

Mestre em Direito do Estado – PUC / SP.
Professor da Faculdade de Direito da FAAP – SP

 


 

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