Da exclusão do Portador de necessidades especiais: Aspectos históricos

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Resumo: Este artigo trata das questões referentes à inclusão dos portadores de necessidades físicas, bem como expõe as contradições geradas pelo sistema capitalista fomentadoras da exclusão social desses indivíduos. Pretende uma reflexão sobre a necessidade de mudança da sociedade, no sentido de produção da alteridade, para permitir que as diversidades existentes possam ser manifestadas sem que os direitos desses indivíduos possam ser negados, sendo, assim, concretizados os ideais de democracia.

Palavras-chave: portador de necessidades físicas, exclusão social, direitos humanos, inclusão social.

Introdução

O objetivo deste trabalho é refletir sobre o processo histórico de exclusão do portador de necessidades físicas, pensando como o devir dessa construção segregadora implicou na negação dos seus direitos. Embora tais direitos estejam garantidos positivamente, não saem do campo do dever ser para constituir o fato social, uma vez que a sociedade capitalista vem promovendo a estigmatização do diferente.

A preocupação com esta temática é decorrente da grande divulgação, através dos meios de comunicação, das reivindicações efetuadas por esse segmento social na tentativa de efetivação dos seus direitos para a sua real inclusão na sociedade.   Assim, este artigo revela ainda a preocupação com a necessidade de se repensar a mudança do paradigma integracionista para um modelo que possa, de fato, superar as contradições gestadas no seio dessa sociedade que se encontra longe do ideal de cidadania plena.

1. Exclusão Social: a negação do direito do outrem

A construção da sociedade moderna enfrenta, segundo Nascimento (2000), um dos maiores obstáculos à concretização do seu ideário de igualdade, a exclusão social. O autor caracteriza tal fenômeno como a expulsão de grupos sociais do espaço da igualdade, consistindo em colocá-los à margem da sociedade com a ruptura dos vínculos sociais, sem que estes tenham contribuído, de forma direta ou indireta para sua exclusão, mas se tratando de uma condição que lhes é imputada do exterior. A própria Modernidade, como é desmistificada por Silva Filho (1996), em sua análise crítica do processo de colonização o qual terminou por firmar o discurso da “inferioridade” latino-americana, serviu, na realidade, para encobrir os processos de segregação social, impositivos da cultura ao outro, fomentando a sua anulação a partir de uma cultura eurocentrista, que privilegiava o modo de ser europeu em detrimento do outro.

Fazendo uma análise por um viés sociológico, Nascimento (2000) considera a exclusão social como o não-reconhecimento do outro, que pode se dar em três acepções. A primeira resulta da discriminação ou rejeição social, pois, em tais grupos, não são excluídos formalmente de seus direitos, porém não são aceitas as suas diferenças (negros, religiosos, homossexuais). A segunda resulta, além da discriminação, da exclusão de direitos, gerada por uma não inserção social que repercute mais no âmbito do trabalho (mendigos, biscateiros, trabalhadores informais). E, por fim, a terceira que resulta não da negação de tais direitos, mas, sim, da negação ao espaço de obtenção destes direitos, a recusa a estes grupos do direito de ter direitos (moradores de rua, índios e modernômades). Numa perspectiva dusseliana, trazida por Silva Filho (1996), tais processos correspondem a gradações do mesmo fenômeno de “ocultamento do outro”.

Para Nascimento (2000), duas esferas constituem a sociedade moderna, a esfera da igualdade jurídico-política e a esfera da desigualdade no acesso aos bens materiais e simbólicos, ambas contraditórias. Isso termina por ocasionar uma tensão entre elas, que só pode ser solucionada pelo Estado, já que possuem lógicas próprias. Foi neste intuito que foi desenvolvida a concepção do Estado Social, para amenizar os conflitos entre essas duas esferas distintas.

O autor distingue desigualdade social e pobreza de exclusão social. Considera desigualdade social como sendo a distribuição diferenciada das riquezas materiais e simbólicas produzidas pela sociedade e apropriadas pelos seus participantes, enquanto a pobreza seria um estado em que o indivíduo não dispõe de recursos suficientes para suprir suas necessidades essenciais. Pode-se inferir que a dificuldade de diferenciar tais conceitos reside no fato de que, na atual conjuntura dos países latino-americanos, eles caminham de mãos dadas, estando interligados de forma que são causas e efeitos recíprocos determinantes uns dos outros.

Ao tratar da desigualdade social, ele vai pontuar que ela seria positiva na medida em que promove um grande dinamismo social e econômico, através do processo de concorrência e do desenvolvimento, permitindo uma mobilidade aberta, na qual cada indivíduo se vê responsável pelo seu status quo, podendo mudá-lo; e seria negativa, visto que o seu crescimento pode colocar em risco essa esfera de igualdade ao promover essa diferenciação entre os homens.

O individualismo presente nessa concepção de progresso faz parte do discurso da Modernidade, resultado do pensamento liberal, que, conforme considera Kassar (1999), através do enaltecimento da livre concorrência, um verdadeiro “salve-se quem puder”, e da crença na evolução natural da sociedade, buscava dar fundamentação ao capitalismo. Tal idéia de liberdade e progresso era alcançada a custa da exploração de alguns grupos sociais por outros e da negação de outros grupos sociais e, conseqüentemente, dos seus direitos, fundamentando-se em uma suposta idéia de neutralidade atribuída à ciência:

“À ciência foi atribuído o pressuposto da neutralidade, o que significa colocar o valor das suas descobertas para o progresso da humanidade acima de problemas de caráter ético ou político. Isto quer dizer, conseqüentemente, a eliminação de questões relativas aos objetivos a que ela serve, ou sobre quem será beneficiado ou prejudicado com seus resultados. Em função disso, ainda que o avanço científico possa ter conduzido ao progresso e à melhoria da qualidade de vida de parte da humanidade (talvez uma minoria), historicamente pouco se questiona acerca dos efeitos negativos que seus resultados podem acarretar, sob a forma, por exemplo, da degradação de valores éticos e morais, do acirramento do individualismo, da competição desigual, da distância entre ricos e pobres etc.” (COIMBRA, 2003, p.27)

Em sua análise da sociedade, Coimbra (2003) denomina de “monetarização social” esse processo pelo qual ela está passando, que consiste na perda do valor e da singularidade do ser humano, uma vez que o coletivo é visto em seus números:

Uma interessante contribuição trazida por Moraes (2000) acerca das implicações do positivismo no mundo social é a de que essa influência foi crucial para o acirramento do individualismo e do egoísmo, para a ganância do capitalismo, para a miopia ecológica e para a cisão entre as políticas econômica, ambiental e social. Dentro do próprio sistema econômico, os seus valores mais proeminentes estão centrados naquilo que pode ser medido, quantificado, e, principalmente, ter peso ou valor monetário (tal como na bolsa de valores). Os princípios do lucro e do aumento de renda terminam transformando-se em interesse prioritário da sociedade como um todo. (COIMBRA, 2003, p.29).

Compreendendo-se esses mecanismos de poder os quais nos revela uma ideologia que prega a igualdade como valor máximo, porém fomenta a desigualdade, verifica-se a relação cíclica entre o sistema capitalista e a exclusão social, esta sendo produzida por tal sistema, mas, ao mesmo tempo, como mola propulsora para a manutenção de todo o aparato que o compõe e como condição mestra para a sua continuidade no perpetuar da segregação, assim negando os direitos dos já excluídos em benefício do status quo da elite estabelecida.

A sociedade brasileira já foi construída a partir de um modelo segregacionista do outro, numa combinação de práticas genocidas e escravistas, que eram um esforço de negação da cultura do outro realizado pelos europeus. Silva Filho (1996) afirma que tal modelo termina por gerar vários outros excluídos que ele divide em dois blocos, o bloco social da América Latina colonial (índios, negros e mestiços) e o bloco resultado da formação dos Estados Nacionais (camponeses, operários e miseráveis). Refletindo sobre essa formação, chega a conclusão de que o povo latino-americano possui uma cultura sincrética que não se reduz aos paradigmas do eurocentrismo e é resultado desse processo de segregação social.

Recorrendo ao estudo de Zaffaroni (1991), o autor mostra a divisão do colonialismo em colonialismo mercantil, neocolonialismo e tecnocolonialismo, trazendo o papel do sistema penal em cada um deles. No primeiro tipo, não há função para o mesmo, pois o genocídio e as práticas escravistas já cumpriam seu papel. No segundo tipo, o sistema penal passa a ser a mais notável forma de controle e manutenção genocida através do seu aparato de polícia. No terceiro tipo que corresponde ao atual estágio da América Latina, ele tem como objetivo conter os 80 % da população, formado pelos excluídos, terminando por engendrar essas desigualdades que, antagônicas, perpetuam este processo iniciado pelos europeus na colonização da América Latina.

Verifica-se, nesse momento, que os excluídos, os quais o capitalismo gerou e dos quais se servia para continuar existindo, são agora incômodos para este sistema. É nesse contexto contraditório que se deve buscar a inserção social do portador de necessidades especiais, por isso a importância da reflexão sobre como esta sociedade moderna foi estruturada para que se possa perceber as dificuldades que obstam estas tentativas de inclusão.

2. Dos Leitos de Procrusto

Para que a sociedade mantenha o seu caráter coesivo, conforme explica Tomasini (1998) em seu estudo sobre a segregação da diferença, tomando por esteio o pensamento  durkheimniano , é estabelecido um padrão de normalidade que a norteia e é devido a isto que aqueles que não se encaixam em seus parâmetros são diferenciados e, portanto, segregados . Essa exclusão corresponde a um processo de negação :

“Canguilhen (1990) nos diz que, a princípio, o anormal é posterior à definição do normal, é a negação lógica deste. No entanto, o que provoca a intenção normativa é exatamente a possibilidade de sua transgressão. Segundo ele, do ponto de vista do fato, há uma relação de exclusão entre o normal e o anormal. Essa exclusão, porém, está subordinada à operação de negação, à correção reclamada pela anormalidade.” (TOMASINI, 1998,p.113).

A segregação do diferente ocorre, visto que, por apresentar um atributo que os demais não possuem, passa a ser encarado como um fator de negação de todo o sistema social, tornando-se, dessa forma, objeto de processos que visam corrigir essa diferença. Tomasini (1998) alerta para o fato de que essa oposição às normas vigentes na sociedade pode ocasionar uma ruptura entre este indivíduo e a sociedade da qual é integrante:

“A designação da diferença, o estatuto que é conferido aos seus portadores, seja por mecanismos reconhecidos como científicos, seja no nível do senso comum, vão desencadear o processo de discriminação social dele, o “outro”, o diferente, desviante dos processos normais de um determinado tipo de sociedade um indivíduo não-normal, não-normativo. Segundo Foucault, para esses casos a sociedade reserva a expatriação, situando-os à margem da vida social.” (TOMASINI, 1998, p.116).

A autora pontua que o indivíduo, resultante dessa negação, tem a sua identidade social reduzida àquele atributo que o faz diferente, ficando, pois, estigmatizado, o que torna muito difícil a sua convivência social. A sua imagem é elaborada pela construção com base nos conceitos e interesses de outras pessoas, perdendo-se as suas singularidades. É considerado pela sociedade como incapaz do cumprimento dessas normas e, além desse agravante, não tem o direito do livre exercício de suas diferenças.

Ceccin (1997), analisando o mesmo fato e fundamentando-se nas idéias de Omote (1994), observa que essas diferenças, que fazem parte da diversidade humana, por si só, não são positivas ou negativas, só passam a ser a partir das atribuições ou injunções pertinentes às relações sociais que trava o indivíduo. “São as inúmeras exigências sociais que colocam alguns cidadãos em condição de desvantagem e, não, propriamente, suas características diferenciadas.” (CARVALHO, 1998, p.20). Tais avaliações ocorrem a partir do estranhamento que decorre do encontro com o diferente:

“Exclui-se a alteridade para não acolher a diferença-em-nós que esse encontro produz. Chamamos ao outro de diferente; assim, somos normais. Para continuarmos normais não podemos abrir contatos que engendrem estados inéditos, novidade ou transmutações em nossa envergadura moral.” (CECCIN, 1997, p.25).

A sociedade tem se comportado como Procrusto no estabelecimento deste padrão de normalidade e na efetiva exclusão do indivíduo quando há uma divergência ao medir-se por este paradigma. Na mitologia grega, Procrusto se fixava no caminho entre Mégara e Atenas, e nele estendia todos os viajantes que conseguia pegar, os quais eram medidos em seus dois leitos de ferro. Os que não preenchiam o leito maior tinham as suas pernas distendidas e aqueles que passavam do leito menor tinham suas pernas amputadas, tudo isto para manutenção do padrão, que se dava pelo comprimento dos leitos (BIANCHETTI, 1998). Esta é a prática da sociedade hodierna, uma prática segregativa da não-aceitação do outro, que se reflete na marginalização daqueles que não correspondem ao modelo estabelecido. Referindo-se ao pensamento de Foucault, Ceccin (1997) relata que, através destes processos, há uma tentativa de se forjar um corpo social homogêneo, uma vez que visam o “[…] ajustamento/ adestramento dos desvios e a produção da realidade pela fabricação da individualidade como fixação aposta sobre as singularidades de cada um […]” (CECCIN, 1997, p.24).

3. O diferente: o portador de necessidade  física

Nas sociedades primitivas, uma das características predominantes era o nomadismo, uma vez que, dependendo do que lhes era fornecido pela natureza, os homens tinham que se deslocar constantemente em busca de alimentos e lugares em que se abrigar, portanto indispensável que cada integrante do grupo fosse responsável por si mesmo, além de contribuir com ele. Bianchetti (1998) comenta que, para essa sociedade, o portador de necessidades físicas era um peso  na sua luta pela sobrevivência, portanto era abandonado, constituindo-se, desse modo, uma espécie de seleção natural.

Ceccin (1997), ao mencionar a sociedade espartana, diz que, nela, tais indivíduos eram eliminados ainda crianças, por serem considerados sub-humanos. Explicando o porquê de tal ato, Bianchetti (1998) mostra que eles, em suas diferenças, contrariavam os objetivos de perfeição estética, valorização da força e da beleza, padrão referencial da sociedade bélica espartana, o que, para essa sociedade, justificava essa prática eugênica .

Somente na Idade Média é que estes indivíduos ganham o status de pessoas, já que passam a ter o direito à vida, mas ainda são estigmatizados pelo cristianismo que considera essa diferença resultado do pecado:

“Com a hegemonia da noção de pecado, a teologia da culpa e as correntes do cristianismo ortodoxo, as pessoas com deficiência se tornam culpadas da sua própria deficiência, justo castigo dos céus pelos seus pecados ou de seus ascendentes. Possuídos pelo demônio, justifica-se o exorcismo e as flagelações e torturas.” (CECCIN, 1997, p.27).

Essa idéia, consoante Bianchetti (1998), não se revela apenas nos relatos dos milagres de Jesus Cristo relatados no Novo Testamento, mas também é herança da cultura grega, bem representada no mito do Minotauro que, assim nasce, em virtude da “perversidade” da sua mãe. É pela crença nesse  raciocínio que se justificava a Inquisição pelas atrocidades cometidas com estas pessoas, visto que se prestava a purificação de suas almas.

Outra forma utilizada para a explicação da existência dessas pessoas, pela Igreja Católica, era a afirmação de que elas “[…] eram instrumentos de Deus para alertar os homens e as mulheres sobre comportamentos adequados ou para lhe proporcionar a oportunidade de fazer caridade.” (BIANCHETTI, 1998, p.33). Como o pensamento da Igreja tem como um de seus dogmas a caridade, é a partir deste momento, no final da Idade Média, como é demonstrado por Ceccin (1997), que se dá o surgimento das instituições de abordagem assistencialista-caritativa, casas de recolhimento dessas pessoas ao modelo dos leprosários e hospícios.

Com a crise do modelo feudal e o advento do capitalismo, a sociedade passa a sofrer mudanças profundas em todos os seus aspectos, resultantes da ascensão da burguesia ao poder, que justificará a sua hegemonia com todo um aparato teórico liberal. O valor que norteia a nova sociedade é o capital e, portanto, há uma extrema importância da produção. Bianchetti (1998) mostra que, devido a esse contexto, profundamente influenciado pela visão mecanicista e com a produção em série, houve uma mudança no modo de pensar a diferença pela sociedade, a diferença passa a ser associada, agora, à disfuncionalidade, já que, nos moldes desse sistema capitalista, o papel do indivíduo nela inserido é ser produtivo.

Kassar (1999) relata, ao abordar este período, que o inatismo passa a exercer uma grande influência na ciência, o que concorrerá para uma intensificação dos fatores biológicos e o entender o desenvolvimento humano como uma coisa inata ao homem, criando teorias segregacionistas discriminatórias, tanto a da evolução das raças, classificando-as em graus de desenvolvimento, quanto teorias da degenerescência humana, que se fizeram presentes até o século XX :

“As teorias eugenistas produziram cultura, seu regime de verdade ganhou o senso comum e sua  ressonância ante o doente, o deformado e toda a sorte de pessoas com deficiência, principalmente aquelas com DM, de absoluta rejeição, como medo, segregação e asco.” (CECCIN, 1997, p.34).

Com o avanço da ciência, essas teorias eugenistas  se desvaneceram, porém, ainda hoje, segundo Ceccin (1997), baseando-se no pensamento de Omote (1994), a segregação está presente na sociedade moderna e se dá por meios que visavam a inclusão desse portador de necessidades especiais, os serviços especializados para o atendimento dessas pessoas, uma vez que, ao separá-las da sociedade, terminam por segregá-las nesse processo. Tal processo se revela, assim, deveras contraditório, uma inclusão exclusiva.

Uma forma de percepção de como essa segregação esteve presente na história do portador de necessidades físicas é a verificação da evolução dos conceitos referentes a sua pessoa. Dessa questão, Miranda (1999) trata muito bem ao avaliar a condição atual desses indivíduos:

“Durante a maior parte da História da humanidade, o portador de deficiência foi vítima de segregação, pois a ênfase tem sido na sua incapacidade, na anormalidade. Hoje, após longo percurso de erros, de preconceitos e concepções pseudocientíficas, tem-se uma visão mais concreta do portador de deficiência, acentuando-se o caráter dinâmico da excepcionalidade, acreditando-se no seu potencial, tentando-se garantir o espaço para seu pleno desenvolvimento como pessoa e abrindo-se, por fim, as portas da sociedade para o movimento de integração.”

“No Brasil, para tentar minimizar a prática da segregação, da exclusão, a Educação Especial implementou determinados mecanismos para categorizar o portador de deficiência, o que não escapou de rotulações. Inicialmente, falava-se em excepcionais, depois em deficientes, mais adiante em portadores de deficiência, e, depois, em portadores de necessidades especiais, chegando-se hoje, com a política Nacional de Educação Especial (1993), a portadores de necessidades educativas especiais.” (MIRANDA, 1999, p.79).

Cada um daqueles conceitos retrata a postura da sociedade com relação a estas pessoas. Carvalho (1998), comentando estas conceituações, afirma que elas constituem um verdadeiro problema para elas, pois tais acepções terminam por influenciar o imaginário coletivo, o qual passa a discriminar e rejeitar socialmente estas pessoas, o que implica em sua exclusão do espaço de igualdade mencionado por Nascimento (2000) e, além desse efeito, traz conseqüências para a própria auto-estima do portador de necessidades físicas que passa a se ver de forma negativa, sentindo-se incapaz em face das exigências da sociedade. Alerta para o cuidado que se deve ter ao empregar determinadas palavras, tanto se devendo observar o seu sentido denotativo, quanto o seu sentido conotativo, para que, ao categorizar o outro, isso não implique na sua negação.

4. Os direitos humanos, a inclusão social e os desafios presentes

Os direitos humanos foram um grande passo para a afirmação do homem, embora  há que se considerar que o estado utópico, referido neles e previsto nas legislações que os positivaram, não tenha sido efetivamente alcançado. Hoje, os homens são mais desiguais do que nunca, uma vez que o direito de alguns é respeitado, enquanto o de outros é negado constantemente.

Bobbio (1992), tratando da problemática dos direitos humanos e das etapas de sua construção, faz uma abordagem do processo de especificação desses direitos, que corresponde à  passagem  do homem genérico para o homem específico, ou seja, o homem considerado em suas diferenças referentes ao sexo, a idade e as condições físicas. É desse processo que resultará a Declaração dos Direitos dos Deficientes Físicos de 1975. Apesar de reconhecida pela legislação brasileira, pode-se notar que tais direitos se encontram apenas previstos nos documentos jurídicos, pois não se verifica a sua efetividade na realidade social brasileira.  Tal problema não é resolvido apenas na elaboração de leis, pois serem garantidos tais normas pelo ordenamento jurídico não é condição para que realmente sejam efetivas. É nessa perspectiva que o autor trará  o caráter ideal do ordenamento jurídico, explicitando que tais direitos nesses ordenamentos revelam-se mais promessas de direito do que direitos efetivos. Para que se tornassem realmente efetivos, deveriam passar do campo do dever ser para o ser, na medida em que tais direitos realmente seriam reconhecidos e protegidos, não mais no campo formal das discussões teóricas, mas, sim, na realidade social onde devem ser realizáveis.

Estudando a questão da deficiência, Bianchetti (1998) enumera algumas barreiras que, como se pode depreender,embora solucionadas utopicamente no ordenamento jurídico, continuam a promover a segregação do portador de necessidades físicas: o posicionamento de que a educação dessas pessoas tem que ser feita para ocupar determinados postos de trabalho específico, não dando margem às singularidades dos indivíduos;  a visão do lucro como fim imediato, que impossibilita o investimento em tecnologias para melhorar as condições de vida dessas pessoas; o culto ao corpo, que discrimina aqueles que são diferentes do padrão estabelecido pela sociedade; e um dos fatores principais, o comércio da saúde que necessita de que esse segmento continue da mesma forma para continuar obtendo lucro a partir da exploração do seu estado de miséria.

Coimbra (2003), grande estudiosa da inclusão social do portador de necessidades visuais, afirma que, hoje, para superação desse modelo segregacionista, propõe-se um modelo de inclusão social para o portador de necessidades físicas, diferentemente do modelo integracionista. A integração consistiria na inserção desse indivíduo na sociedade, capacitando-o para a superação das barreiras existentes, portanto não correspondendo ao pleno exercício de seus direitos de cidadania, mas a um esforço unilateral por parte do portador no sentido de se adequar à sociedade, que se manteria em certo nível inalterada. Tal ação manteria o processo de negação do outro. Diferentemente desse modelo, a inclusão social pretende um processo de bilateralidade entre a sociedade e o portador de necessidade física, havendo a conscientização, por parte da sociedade, de que há uma necessidade de mudança em seu sistema para atender aos direitos desse segmento social que também faz parte da sociedade, superando, dessa forma, a ótica individualista e capitalista que permeia essa sociedade.

Considerações finais

Observando os problemas e dificuldades que obstam uma real inclusão social do portador de necessidades físicas, depreende-se que a efetivação de tais direitos e desse modelo inclusivo não tem a sua problemática situada no Ordenamento Jurídico que, como aparato técnico, possui no seu interior  todos os conceitos necessários para a realização desse processo. A problemática é fazer que esse modelo de pensamento abstrato desça do seu pedestal, saia do plano ideal de palavras bem postas e mostre a sua concretude no mundo do ser, o que seria, deveras, a sua função.

O que se faz de suma importância, na verdade, para fazer cessar discursos vagos presentes em nosso íntimo, é a compreensão de que a sociedade deve mudar a sua forma de pensar a diferença. Com fins de começar este processo de mudança de paradigma, faz-se fundamental  a problematização do que seria essa sociedade que exclui e segrega. Para pensar a sociedade, deve-se fugir da abstração desse ente de existência ideal e perceber que  a sociedade é formada por cada um de nós e é no nosso interior que o padrão de normalização está presente, somos nós que enquadramos o outro que é singular em suas diferenças, mas que não se reduz a elas. Portanto, para que esse modelo de inclusão possa ser efetivado, a mudança deve partir de cada indivíduo, atingindo, assim, a sociedade como um todo, fomentando que tais ideais de democracia presentes em nossos códigos venham se fazer presentes materialmente no nosso dia a dia, na produção da alteridade.

 

Referências bibliográficas
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CECCIN, Ricardo Burg. Exclusão da alteridade: de uma nota de imprensa a uma nota sobre a deficiência mental. IN: SKLIAR, Carlos (org). Educação & exclusão: abordagens sócio-antropológicas em educação especial. Porto Alegre: Mediação, 1997. p.21 a 49.
COIMBRA, Ivanê Dantas. A inclusão do portador de Deficiência Visual na escola regular. Salvador: EDUFBA, 2003. p.23 a 65.
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TOMASINI, Maria Elisabete Archer. Expatriação social e a segregação institucional da diferença: reflexões. IN: BIANCHETTI, Lucídio, FREIRE, Ida Mara. Um olhar sobre a diferença: interação, trabalho e cidadania. São Paulo: Papirus, 1998. p. 111 a 133.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Moisés Ramos Marins Junior

 

Oficial de Justiça do Tribunal de Justiça da Bahia Acadêmico de Direito das Faculdades Jorge Amado

 


 

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