Omissão de tentativa de conciliação prévia

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Resumo: O presente artigo é um estudo a respeito da constitucionalidade ou não da obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia junto à comissão de conciliação prévia, quando houver, como condição para a propositura de reclamação trabalhista. Para construção do nosso raciocínio, primeiramente traremos uma visão ampla do que vem a ser uma comissão de conciliação prévia, fornecendo seu conceito, apontando sua natureza jurídica, explicando sua finalidade e pormenorizando seu funcionamento. Após, trataremos do principio constitucional do acesso à justiça, para ao final apontar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito da constitucio-nalidade ou não da obrigatoriedade da referida tentativa de solução autocompositiva.


Sumário: Introdução; 1. Conceito e Natureza Jurídica das Comissões de Conciliação Prévia; 2. O Sistema do Brasil; 2.1. Finalidade das Comissões de Conciliação Prévia; 2.2. Procedimento Junto às Comissões de Conciliação Prévia; 3. A Obrigatoriedade da Tentativa de Conciliação e Principio Constitucional do Acesso Ao Judiciário; 3.1. O Princípio constitucional do Acesso ao Judiciário; 3.2. A Obrigatoriedade da Tentativa de Conciliação Prévia Como Sendo Inconstitucional; 3.3. A Obrigatoriedade da Tentativa de Conciliação Como Condição da Ação; 4. Conclusão; 5. Bibliografia.


INTRODUÇÃO


O presente artigo é um estudo a respeito da constitucionalidade ou não da obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia junto à comissão de conciliação prévia, quando houver, como condição para a propositura de reclamação trabalhista. Para construção do nosso raciocínio, primeiramente traremos uma visão ampla do que vem a ser uma comissão de conciliação prévia, fornecendo seu conceito, apontando sua natureza jurídica, explicando sua finalidade e pormenorizando seu funcionamento.  Após, trataremos do principio constitucional do acesso à justiça, para ao final apontar os posicionamentos doutrinários e jurisprudenciais a respeito da constitucionalidade ou não da obrigatoriedade da referida tentativa de solução autocompositiva.


1. Conceito e Natureza Jurídica das Comissões de Conciliação Prévia


A conciliação é uma forma autocompositiva de solução de conflitos, muito utilizada nas relações de trabalho e que permite pôr termo à disputa por meio da própria deliberação dos litigantes.


Amauri Mascaro Nascimento [1] divide a conciliação da seguinte forma: a) extrajudicial ou judicial; aquela é prévia ao ingresso da ação no Judiciário, via de regra é colegiada por meio de um órgão com atribuições para esse fim, que será sindical ou não; esta, a judicial, perante um Tribunal; b) privadas ou públicas, na conformidade da natureza do órgão ou da pessoa que as promoverá; a conciliação sindical é privada, e a conciliação judicial e a perante o Ministério do trabalho são públicas; c) prévia ou posterior à eclosão dos conflitos; nos casos de atividades essenciais há países que exigem, antes da greve, a tentativa de conciliação como na condição de legalidade da paralisação ou a arbitragem obrigatória; e, d) unipessoal ou colegiada, de acordo com a pessoa do conciliador, uma pessoa ou um colegiado ou um órgãos conciliador.


Assim, concluímos que as comissões de conciliação prévia tratam-se de órgãos de solução autocompositiva dos conflitos trabalhistas possuindo natureza extrajudicial, privada e colegiada, sendo prévia à eclosão do conflito.


Observa-se que a palavra “prévia” inserida no nome “comissão de conciliação prévia” refere-se ao conflito judicial. Entendemos que melhor nome ao instituto seria “comissão de conciliação prévia ao conflito judicial” ou simplesmente “comissão de conciliação”. Não poderia ser diferente, uma vez em que o conflito já existe mesmo antes da tentativa de conciliação prévia. Se não houvesse conflito, não haveria interesse em tentar qualquer conciliação por absoluta ausência de objeto.


2. O Sistema do Brasil


Depois de mais de dois anos de discussão no Congresso, foi promulgada a Lei nº. 9.958, de 12 de Janeiro de 2000 que instituiu as comissões de Conciliação Prévia de dissídios individuais trabalhistas, cuja proposta emanou do próprio Tribunal Superior do Trabalho.


Esta lei introduziu alterações significativas na Consolidação das Leis do Trabalho – CLT, criando os artigos 625 – A e 625 – H, além de alterar a redação dos artigos 876 e 877, estes, para permitir a execução direta na justiça do Trabalho, dos títulos extrajudiciais que mencionam.


As alterações legais, em síntese, facultam a criação das Comissões de Conciliação Prévia de dissídios trabalhistas individuais e estabelecem a obrigatoriedade da conciliação prévia como pressuposto para o ajuizamento de reclamação trabalhista. Tais modificações vêm causando acaloradas discussões na doutrina e na jurisprudência, principalmente no que tange à obrigatoriedade da conciliação prévia, como condição para o ingresso em juízo, o que é considerado por muitos como sendo inconstitucional. No entanto, vale citar que existem outros aspectos polêmicos referentes às Comissões de Conciliação Prévia, porém, que fogem ao tema do presente artigo, como por exemplo, o efeito liberatório do termo de conciliação, a estabilidade provisória dos membros eleitos pelos empregados, o âmbito de aplicação da conciliação, a cobrança de taxa pelos serviços prestados pela comissão, a participação do advogado nas sessões da comissão, entre outros.


É importante ressaltar que mesmo antes da referida reforma legal, já haviam disposições legais que estabeleciam a obrigatoriedade da tentativa de conciliação. A CLT em seu art. 613, V, dispõe sobre o conteúdo das convenções e acordos coletivos: “As convenções e os acordos deverão conter obrigatoriamente:… V – normas para a conciliação das divergências surgidas entre os convenentes por motivo de aplicação de seus dispositivos”.  O mesmo diploma dispõe sobre a conciliação judicial em seus artigos 846 e 850. A Constituição Federal em seu artigo 114 condiciona o dissídio coletivo ao esgotamento da tentativa de negociação. Dessa forma, não estamos diante de uma completa novidade jurídica.


2.1. Finalidade das Comissões de Conciliação Prévia


Reza o artigo 625 – A, in fine, da CLT, que as Comissões de Conciliação Prévia têm a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho entre patrões e empregados.


Tenta-se assim, uma solução extrajudicial dos conflitos individuais de trabalho, sem prejuízo da possibilidade de levar o conflito posteriormente à apreciação jurisdicional do Estado.


Em que pese a primordial importância da função jurisdicional na consolidação da democracia, a capacidade jurisdicional do Estado brasileiro caminha ao seu limite visto o enorme número de demandas e o número insuficiente de juízes. O estabelecimento das Comissões de Conciliação Prévia são, assim, uma forma de desafogar a Justiça do Trabalho devolvendo sua capacidade de oferecer uma prestação jurisdicional célere e eficaz.


Muito se fala na tentativa de “resgatar o verdadeiro papel de Justiça do Trabalho como órgão especializado na solução de questões trabalhistas”. Isso significa que há uma parcela a dos membros da magistratura trabalhista, insatisfeita com os casos em que são levados a sua apreciação. Em outras palavras, uma parcela dos juízes trabalhistas acha por bem que apenas sejam levadas a apreciação jurisdicional, demandas de maior importância (importância sob a perspectiva econômica e jurídica) ou em casos em que as tentativas de conciliação fracassaram.


Com efeito, atesta Raimundo Simão de Melo [2]: “Não tem mais cabimento à entrada do terceiro milênio levar-se à Justiça do Trabalho pedidos de solução de simples questões disciplinares, pagamento de horas extras, intervalos de repouso, adicionais de insalubridade, etc., cujos valores arrecadados, depois de vários anos, são em muitos casos inferiores ao que o Estado desembolsa, como têm demonstrado várias estatísticas sobre os custos do processo trabalhista. Esses dinheiro gasto indevidamente pode muito bem ser aplicado agora com equipamentos, informatização e aparelhamento da Justiça do Trabalho”.


Vejamos o posicionamento do Ministro do TST Vieira de Mello Filho


“RR – 1753/2003-039-02-00 Relator – GMVMF DJ – 13/06/2008 RECURSO DE REVISTA SUBMISSÃO DA DEMANDA À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA – EXIGIBILIDADE. A previsão constante do art. 652-D da CLT tem por escopo facilitar a conciliação extrajudicial dos conflitos, tendo em vista aliviar a sobrecarga do Judiciário Trabalhista, que em muito tem contribuído para impactar negativamente a celeridade na entrega da prestação jurisdicional. Todavia, em contexto do qual emerge, incontroversa, a manifestação de recusa patronal à proposta conciliatória formulada em primeiro grau, milita contra os princípios informadores do processo do trabalho, notadamente os da economia e celeridade processuais, a decretação de extinção do processo já em sede extraordinária. Extinguir-se o feito em condições tais implicaria desconsiderar absolutamente referidos princípios, bem como olvidar-se dos enormes prejuízos advindos de tal retrocesso, tanto para a parte autora, como para a Administração Pública, ante o desperdício de recursos materiais e humanos já despendidos na tramitação da causa.” 


Outra finalidade paralela das Comissões de Conciliação Prévia é que, diminuindo-se o número de ações individuais, propicie-se a concreção do procedimento sumaríssimo, pois este, embora razoavelmente estruturado pela Lei 9.957/2000, só terá eficácia quando se tiver um número menor de reclamações.


Observa-se que a demora na Justiça do Trabalho é um trunfo para o empregador que pode arrastar por anos o pagamento de seu débito para com o ex-empregado, forçando-o a aceitar acordos judiciais irrisórios pela preemente necessidade de sobrevivência.


As comissões também têm a função de estimular o diálogo entre empregadores e empregados e esclarecer ambas as partes sobre os seus direitos e obrigações. Assim sendo, as comissões funcionariam como órgãos de representatividade direta dos empregados junto aos empregadores substituindo os já desacreditados sindicatos, que oferecem uma representatividade à distancia, posto que não conhecem os problemas do dia-a-dia da empresa. Com a representatividade direta, é de se prever um aumento das negociações bilaterais e conseqüente diminuição dos conflitos.


Assim, a intenção da lei é “estabelecer uma cultura educativa negocial e criar uma verdadeira parceria entre patrão e empregado, sepultados a filosofia do conflito, que tem dominado a nossa cultura e leva a esses atores sociais ao enfrentamento muitas vezes como verdadeiros inimigos, quando na verdade, embora cada um tenha interesses próprios e inerentes aos seus papéis, devem encarar-se como parceiros num processo de produção cada vez mais complexo e competitivo” [3].


2.2. O Procedimento Junto às Comissões de Conciliação Prévia


Para estudar o instituto da Comissão de Conciliação Prévia é salutar um breve esboço de seu funcionamento, composição e atribuições, todas definidas em lei, para uma melhor compreensão do tema. Para tanto, utilizaremos as lições de Amauri Mascaro Nascimento[4]:


“Qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à comissão de conciliação prévia se, na localidade da prestação de serviços houver sido instituída.


A demanda será formulada por escrito ou reduzida a termo por qualquer dos membros da comissão, sendo entregue cópia datada e assinada pelo membro ou interessados. Não prosperando a conciliação, será fornecida ao empregado e ao empregador uma declaração da tentativa conciliatória frustrada, com a descrição de seu objeto, firmada pelos membros da comissão, que deverá ser juntada à eventual reclamação trabalhista.


Lembre-se, de início, que para a empresa a criação de comissões é facultativa. Mas podem ser instituídas em nível de empresas, grupos de empresas e nos sindicatos, com a atribuição de tentar conciliar os conflitos individuais de trabalho (CLT, art. 625-A). Pode a empresa não se Ter interessado em criar sua comissão, mas, se existir a do sindicato da sua categoria, por acordo intersindical com o sindicato dos trabalhadores, a comissão sindical fará as vezes daquela que a empresa não montou.


A comissão instituída no âmbito do sindicato terá a sua constituição e normas de funcionamento definidas em convenção ou acordo coletivo. Desse modo, a empresa deverá ter uma cópia da convenção coletiva para seguir as cláusulas desta.


A montagem as comissão intersindical não trará para a empresa problemas quanto a sua criação, uma vez que tudo ficará a cargo dos sindicatos pactuantes, que, entre si, tomarão todas as providências, segundo a convenção coletiva estipulada. Mas a empresa, como terá de comparecer a essas comissões no caso de perante elas o empregado demandar a conciliação, deverá estar preparada para isso.


Continua vigente a obrigação de homologar, perante o sindicato ou a DRT, os pagamentos na rescisão do contrato de trabalho do empregado com mais de um ano de casa, nos mesmos termos previstos pala CLT, no art. 477. Portanto, se a empresa reconhece que despediu sem justa causa, deverá fazer a homologação como sempre fez. O que não for pago (por exemplo, horas extras) porque é controvertido é que passará para a comissão nos mesmos moldes existentes.


Se a empresa (ou grupo de empresas) criar a sua comissão:


a) definirá a sua composição; a comissão será composta por representantes dos empregados e dos empregadores; no âmbito de empresa, terá, no mínimo, dois e, no máximo, dez membros, metade indicada pelo empregador e a outra metade eleita pelos empregados, em escrutínio secreto, fiscalizado pelo sindicato da categoria profissional; haverá tantos suplentes quantos forem os representantes titulares. O mandato dos seus membros é de um ano, permitida uma recondução. É vedada a dispensa dos representantes de empregados, membros da comissão, titulares e suplentes, até um ano após o final do mandato, salvo se cometerem falta grave. O representante dos empregados desenvolverá o seu trabalho normal, na empresa, afastando-se de suas atividades apenas quando convocado para atuar como conciliador, sendo computado soco tempo de trabalho efetivo o despendido nessa atividade;


b) o sindicato terá o direito de fiscalizar as eleições dos representantes dos trabalhadores, e, para esse fim, convém enviar uma comunicação a ele, por fax ou outro meio; note-se que não será uma convocação ou um convite, mas mera comunicação, cabendo ao sindicato comparecer ou não; a eleição poderá ou não, nesse caso, ser realizada, a critério dos empregados da empresa;


c) preparará os seus conciliadores; para esse fim convém que façam um treinamento especializado, na empresa ou fora dela, para verem como funciona a comissão, em sua atividade normal;


d) escolherá o perfil dos seus conciliadores (convém que sejam pessoas ligadas ao setor de recursos humanos, departamento pessoal ou jurídico).


Caso existam, na mesma localidade e para a mesma categoria, comissão de empresa e comissão sindical, o interessado optará por uma delas para submeter sua demanda, sendo competente aquela que primeiro conhecer do pedido.


A comissão poderá ser instituída por estabelecimento.


Cabe à empresa fornecer local adequado (uma sala) para o funcionamento da comissão. Aos membros desta, em reunião prévia, competirá distribuir, entre si, as suas funções. Com toda certeza, um deles terá de redigir termos de conciliação e declarações de tentativas de conciliação não efetivadas, e para tanto convém que a empresa disponha de modelos próprios para esse fim.


Aceita a conciliação, será lavrado termo assinado pelo empregado, pelo empregador ou seu preposto e pelos membros da comissão, fornecendo-se cópia às partes. O termo de conciliação é executivo extrajudicial, e terá eficácia liberatória geral, exceto quanto às partes expressamente ressalvadas.


Nesse sentido, ressaltamos o entendimento do Ministro do TST Walmir Oliveira da Costa:


“RR – 242/2005-195-05-00 Relator – GMWOC DJ – 13/06/2008 RECURSO DE REVISTA. COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. ACORDO FIRMADO SEM RESSALVAS. EFEITOS. Ao contrário da quitação passada pelo empregado com a assistência sindical de sua categoria, a conciliação firmada perante as comissões de conciliação prévia pressupõem concessões mútuas, restando os seus efeitos disciplinados pelo art. 625-E da CLT. Dessa forma, conforme entendimento desta Corte Superior, a ausência de ressalvas no termo de conciliação firmado perante à Comissão de Conciliação Prévia confere eficácia liberatória geral ao empregador, restando indevida a postulação, perante a Justiça do Trabalho, de parcelas não ressalvadas naquela oportunidade. Recurso de revista conhecido e provido.” 


As comissões terão o prazo de dez dias para a realização da sessão de tentativa de conciliação a partir da provocação do interessado. Esgotado o prazo sem a realização da sessão, será fornecida, no último dia do prazo, a declaração para efeito de ingresso com a reclamação perante a Justiça do Trabalho.


O prazo prescricional fica suspenso a partir da provocação da comissão, recomeçando a fluir, pelo que lhe resta, a partir da tentativa frustrada de conciliação ou do esgotamento do prazo previsto.


Se surgirem questões jurídicas das quais dependerá ou não o desfecho da conciliação, a comissão não terá poderes legais para decidi-las, uma vez que sua função é apenas conciliatória; não poderá determinar às partes a apresentação de provas e documentos, mas nada impedirá de consultá-las sobre se dispõem destes e se querem apresentá-los para facilitar a compreensão do caso. A comissão não votará pela conciliação ou não. Logo, não se trata de órgão julgador, mas simplesmente conciliador. Conciliar significa persuadir as partes a chegar a um acordo, mostrando os aspectos favoráveis e desfavoráveis para cada uma delas.


A comissão poderá interromper a sessão e continuar em outro dia, desde que não exceda o prazo legal, para, no caso de questões jurídicas ou contábeis, orientar-se com os respectivos advogados e contadores. Não é possível impedir as partes de comparecerem acompanhadas de advogado.


O termo de conciliação não terá de especificar os títulos e valores discriminadamente, mas dele deverá constar quais foram os direitos pleiteados, para que se saiba que o valor global que está sendo pago os incluirá.


O empregado tem o direito de pedir que conste uma ressalva no termo de conciliação, caso em que, sobre os itens ressalvados, poderá ingressar na Justiça do Trabalho”.


3. A OBRIGATORIEDADE DA TENTATIVA DE CONCILIAÇÃO E O PRINCÍPIO CONSTITUCIONAL DO ACESSO AO PODER JUDICIÁRIO


Entre os diversos temas polêmicos suscitados pela Comissão de Conciliação Prévia merece particular destaque as discussões a respeitos da sua própria constitucionalidade.


A Constituição Federal Brasileira prevê em seu art. 5º o princípio do direito ao acesso ao Poder Judiciário que no entendimento de alguns é afrontado com a obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia para pleitear eventuais direitos junto a Justiça Laboreira. Outra parcela da doutrina e da jurisprudência entende que a obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia trata-se de mera condição da ação, não colidindo com o principio constitucional supra citado.


3.1. O Princípio Constitucional do Acesso ao Poder Judiciário


A Constituição Federal traz seu corpo um rol de direitos e garantias fundamentais que consistem em medidas cuja finalidade é limitar o poder delegado ao Estado pelo povo e proteger os cidadãos contra eventuais atos ilegais e abusivos perpetrados pelo Estado ou por um cidadão qualquer.


Nas palavras de Canotilho citadas por Alexandre de Moraes[5] “a função de direitos de defesa dos cidadãos tem uma dupla perspectiva: (1) constituem, num plano jurídico-objetivo, normas de competência negativa para os poderes públicos, proibindo fundamentalmente as ingerências destes na esfera jurídica individual; (2) implicam, num plano jurídico-subjetivo, o poder de exercer positivamente direitos fundamentais (liberdade positiva) e de exigir omissões dos poderes públicos, de forma a evitar agressões lesivas por parte dos mesmos (liberdade negativa)”.


Estabelece o art. 5º, inciso XXXV que é defeso aos cidadãos defenderem-se de lesão ou ameaça de direito junto ao Poder Judiciário assegurando-se assim o acesso à Justiça:


“Art. 5º – (…)


XXXV – A lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça de direito.”


Nas palavras de Vicente Greco Filho[6] “a determinação constitucional dirigi-se diretamente ao legislador ordinário e, consequentemente, a todos os atos, normativos ou não, que possam impedir o exercício do direito de ação. Nesse dispositivo acha-se garantida a faculdade de pedir ao Judiciário a reparação da lesão de direito, praticada por particulares ou pelos próprios agentes do poder público, de tal forma que nem mesmo as leis processuais poderão estabelecer hipóteses que impeçam o exercício desse direito”.


Alexandre de Moraes assevera que “o Poder Judiciário, desde que haja plausibilidade da ameaça ao direito, é obrigado a efetivar o pedido de prestação judicial requerido pela parte de forma regular, pois a indeclinabilidade da prestação judicial é princípio básico que rege a jurisdição, uma vez que toda violação de um direito responde uma ação correlativa, independentemente de lei especial que a outorgue”. (idem supra)


Para Nelson Nery Júnior [7] “o direito de ação é um direito cívico e abstrato, vale dizer, é um direito subjetivo à sentença tout court, seja essa de acolhimento ou de rejeição da pretensão, desde que preenchidas as condições da ação”.


Assim temos que o livre acesso ao judiciário é elemento fundamental do Estado Democrático de Direito; ferramenta basilar para a defesa dos demais direitos estabelecidos do Texto Constitucional e demais leis extravagantes.


3.2. A Obrigatoriedade da Tentativa de Conciliação Prévia como sendo Inconstitucional


Como já asseveramos, parte da doutrina e da jurisprudência considera que a obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia fere o principio constitucional do acesso à justiça. Nesse sentido, temos o entendimento do Emérito Ministro do TST José Simpliciano Fontes de F. Fernandes que já se manifestou da seguinte forma em sede de Recurso de Revista:


“RR – 2372/2003-011-02-00 Relator – GMJSF DJ – 13/06/2008 COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. SUBMISSÃO. INEXISTÊNCIA DE OBRIGATORIEDADE. O art. 23 da Lei 8.630/1993 não prevê sanção alguma para as hipóteses em que o Empregado não se submete à comissão de conciliação prévia. Logo, o comparecimento do Obreiro à Comissão Paritária é facultativo, ou seja, não constitui uma condição da ação, até porque o direito de ação é uma garantia fundamental prevista no art. 5º, XXXV, da Constituição Federal. Recurso de Revista conhecido e não provido.”


O Egrégio TRT da 2ª Região já consolidou seu entendimento no sentido da não obrigatoriedade de tentativa de conciliação prévia junto às comissões. Para esta corte, a tentativa de conciliação é mera faculdade do obreiro conforme os termos de sua Súmula nº 2:


“COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA. EXTINÇÃO DE PROCESSO. (RA nº. 08/2002; DJE 12/11/02, 19/11/2002, 10/12/2002 e 13/12/2002) O comparecimento perante a Comissão de Conciliação Prévia é uma faculdade assegurada ao obreiro, objetivando a obtenção de um título executivo extrajudicial, conforme previsto pelo artigo 625-E, parágrafo único da CLT, mas não constitui condição da ação, nem tampouco pressuposto processual na reclamatória trabalhista, diante do comando emergente do artigo 5º, XXXV, da Constituição Federal.”


3.3. A Obrigatoriedade da Tentativa de Conciliação Prévia Como Condição da Ação


Amauri Mascaro Nascimento posiciona-se junto Aos que defendem a não inconstitucionalidade da tentativa de conciliação nos seguintes termos: “As comissões de conciliação prévia não constituem óbice ao acesso ao Judiciário, assegurado pelo art. 5º da Constituição Federal, na medida em que são instâncias prévias conciliatórias, e a comissão deve dar resposta à demanda em 10 dias, o que de forma alguma representa impedimento de ingressar com a ação no Judiciário. Quanto à obrigatoriedade de tentativa prévia de conciliação e ao acesso a jurisdição, é o sistema da Espanha – país no qual não se pode ingressar com uma ação trabalhista, salvo exceções, sem antes tentar a conciliação, sob pena de carência da ação – da Argentina, do Uruguai e, atualmente, também da Itália, matéria regida mais por convenções coletivas, embora exista uma lei processual”. (idem supra)


Sergio Pinto Martins segue o mesmo raciocínio ao analisar os artigos da CLT pertinentes[8]:


“Prevê o art. 625-D da CLT que qualquer demanda de natureza trabalhista será submetida à comissão de conciliação prévia, caso essa tenha sido criada na empresa ou em negociação coletiva com o sindicato. O §2º do mesmo artigo declara que o empregado ‘deverá’ juntar à eventual reclamação trabalhista cópia da declaração fornecida pela comissão da tentativa de conciliação frustrada.


Emprega o art. 625-D da CLT o verbo ‘será’, no imperativo. Isso indica que o empregado terá de submeter sua reivindicação à comissão antes de ajuizar a ação na Justiça do Trabalho. O § 2º do mesmo artigo também usa o verbo dever no imperativo para efeito de juntar com a petição inicial da reclamação trabalhista a declaração frustrada da tentativa de conciliação.


Em caso de motivo relevante, será indicado por que não foi utilizada a comissão para solucionar as questões trabalhistas (§3º do art. 625-D da CLT)”.


Após, o mesmo autor arremata a questão da seguinte forma: “O procedimento criado pelo art. 625-D da CLT não é inconstitucional, pois as condições da ação devem ser estabelecidas em lei e não se está privando o empregado de ajuizar a ação, desde que tente a conciliação”. (idem supra, p. 55)


Dessa forma, a tentativa de conciliação prévia constitui verdadeira condição da ação sendo que sua inobservância acarretará a extinção do processo sem julgamento de mérito nos parâmetros do art. 267, VI, do CPC.


Ainda de acordo com Sergio Pinto Martins “a reivindicação só poderá ser feita diretamente à Justiça do Trabalho caso na empresa não exista a comissão nem tenha sido ela instituída no âmbito do sindicato da categoria, porque não haveria como se passar por comissão conciliatória”. (idem supra)


Este também é o entendimento do Ministro do TST Ives Gandra Martins Filho que já teve oportunidade de manifestar-se nos seguintes termos em sede de Recurso de Revista:


“RR – 4464/2004-008-09-00 Relator – GMIGM DJ – 13/06/2008 OBRIGATORIEDADE DE SUBMISSÃO DA DEMANDA À COMISSÃO DE CONCILIAÇÃO PRÉVIA ART. 625-D DA CLT PRESSUPOSTO PROCESSUAL NEGATIVO IMPOSIÇÃO LEGAL. O art. 625-D da CLT, que prevê a submissão de qual quer demanda trabalhista às Comissões de Conciliação Prévia (CCP) antes do ajuizamento da reclamação trabalhista, constitui pressuposto processual negativo da ação laboral (a dicção do preceito legal é imperativa será submetida e não facultativa poderá ser submetida). Outrossim, o dispositivo em tela não atenta contra o acesso ao Judiciário, garantido pelo art. 5º, II, XXXV e XXXVI, da CF, uma vez que a passagem pela CCP é curta (CLT, art. 625-F), de apenas 10 dias, e a parte pode esgrimir eventual motivo justificador do não-recurso à CCP (CLT, art. 625-D, § 4º). Nesse contexto, a ausência injustificada da submissão da d e manda à comissão em comento importa na extinção do processo sem julgamento do mérito, com base no art. 267, IV, do CPC. Recurso de revista provido.”


4. CONCLUSÃO


Ao analisar uma lei qualquer, o jurista deve atentar-se a dois aspectos, a saber: (1) o aspecto processual positivo, e, (2) o aspecto jus-filosófico da norma.


Ao nosso entendimento, a obrigatoriedade da tentativa de conciliação prévia não é inconstitucional, tratando-se de mera condição da ação. Tal imposição legal não fere o princípio constitucional do acesso à justiça, quer por seu prazo exíguo, quer pela plena possibilidade de o trabalhador comparecer a conciliação e não aceitar nenhuma proposta emanada de seu patrão.


A exigência legal limita-se a obrigatoriedade de o trabalhador juntar o termo de tentativa de conciliação, quando houver comissão, cabendo ressaltar que quando não houver comissão, por óbvio, o trabalhador estará liberado de juntar este documento. Ressalte-se, que, a seu critério, o juiz trabalhista, observando a ausência do termo de tentativa de conciliação, poderá determinar a abertura de prazo para a sua juntada, sanando o defeito e assim, dando prosseguimento normal à reclamação.


Merece ainda a ressalva de que mesmo os direitos fundamentais esculpidos na Constituição não são revestidos de caráter absoluto, podendo ser relativizados, desde que seja preservado seu “núcleo fundamental”. Nesse sentido, as sempre valiosas lições de Canotilho[9]: “É preciso não perder de vista, porém, que tais restrições são limitadas. Cogita-se aqui dos chamados limites imanentes ou ‘limite dos limites’, que balizam a ação do legislador quando restringe direitos fundamentais. Esses limites, que decorrem da própria Constituição, referem-se à necessidade de proteção de um núcleo essencial do direito fundamental, quanto à clareza, determinação, generalidade e proporcionalidade das restrições impostas”.


Dessa forma, o principio do acesso à justiça, não é absoluto, devendo a pessoa atender aos requisitos denominados condições da ação, definidos em lei ordinária, além dos pressupostos da ação.


Concluímos que a quando houver comissão de conciliação prévia para a categoria e na localidade em que o serviço foi prestado, a omissão da tentativa de conciliação autocompositiva deverá levar à extinção do processo sem resolução do mérito por absoluta falta de interesse de agir.


Não obstante, sob o aspecto jus filosófico e sociológico, questionamos tal exigência legal que, como exposto acima, tem a finalidade de estimular a solução extrajudicial de litigiosos, para desafogar a Justiça do Trabalho.


A nosso ver, não é criando empecilhos de ordem processual, ou reformas processuais de toda sorte, que teremos um Judiciário mais ágil. Com efeito, apenas teremos um Judiciário eficiente no momento em que houverem juizes suficientes para julgar. A contratação de juizes pelo Estado não acompanhou o crescimento da litigiosidade no país. Temos cada vez mais advogados e a cada dia a população está mais ciente de seus direitos e, assim, busca o Judiciário para efetivá-los. 


Sem investimento na contratação de juízes e servidores e sem a modernização da Justiça, com o uso do processo informatizado, de nada adiantarão leis como esta que criou a obrigatoriedade de tentativa de solução extrajudicial do conflito.


 


Bibliografia

CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional, Coimbra, 1994.

CARRION, Valentin. “Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho”. São Paulo: Saraiva, 2003, 28ª edição.

GRECO F., Vicente. “Direito Processual Civil Brasileiro”. São Paulo: Saraiva, 2003.

MARTINS, Sergio Pinto. “Direito Processual do Trabalho”. São Paulo: Atlas, 2005, 25ª Edição.

MELO, Raimundo Simão de Melo. “As Comissões de Conciliação Prévia Como Novo Paradigma Para o Direito do Trabalho”. Brasília: Rev. TST, vol. 66, nº 3, jul/set 2000.

MORAES, Alexandre de. “Direito Constitucional”. 22ª Edição: Atlas, São Paulo, 2007.

NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Saraiva, 20ª ed., 2005.

NERY JR. Nelson. “Princípios do Processo Civil na Constituição Federal”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994.

 

Notas:

[1] NASCIMENTO, Amauri Mascaro, Curso de Direito do Trabalho. São Paulo: Ed. Saraiva, 20ª ed., 2005, p. 1174.

[2] MELO, Raimundo Simão de Melo. “As Comissões de Conciliação Prévia Como Novo Paradigma Para o Direito do Trabalho”. Brasília: Rev. TST, vol. 66, nº 3, jul/set 2000.

[3] MELO, Raimundo Simão de Melo. “As Comissões de Conciliação Prévia Como Novo Paradigma Para o Direito do Trabalho”. Brasília: Rev. TST, vol. 66, nº 3, jul/set 2000.

[4] NASCIMENTO, Amauri Mascaro. “Curso de Direito do Trabalho”. São Paulo: Ed. Saraiva, 20ª ed., 2005, p. 1175 à 1177.

[5] CANOTILHO, J. J. Gomes. “Direito Constitucional” in MORAES, Alexandre de. “Direito Constitucional”. 22ª Edição: Atlas, São Paulo, 2007, p.25.

[6] GRECO F. Vicente. “Direito Processual Civil Brasileiro”. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 41.

[7] NERY JR. Nelson. “Princípios do Processo Civil na Constituição Federal”. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1994, p. 91.

[8] Martins, Sergio Pinto. “Direito Processual do Trabalho”. São Paulo: Atlas, 2005, 25ª Edição, p. 54.

[9] CANOTILHO, J.J. Direito Constitucional, Coimbra, 1994, p. 622.


Informações Sobre o Autor

André Soares Ramos

Acadêmico de Direito da Universidade Presbiteriana Mackenzie


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