O art. 62 da CLT e a ofensa ao direito ao lazer do trabalhador: uma violação ao princípio da dignidade da pessoa humana

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Resumo: Os Direitos Sociais, também denominados de “Direitos de Segunda Geração” ou ainda “Direitos de Segunda Dimensão”, detêm o escopo de permitir aos indivíduos a possibilidade de inserção plena na vida em sociedade e gozar de modo efetivo da dignidade humana ao ter a possibilidade de dedicarem-se a si mesmos. O Direito do Trabalho deve posicionar-se de modo que respeite os primados insculpidos pela Constituição Federal Brasileira quando estes forem mais favoráveis ao trabalhador. Neste diapasão, revela-se que a dignidade da pessoa humana que norteia os princípios constitucionais deve ser respeitada em plenitude. Logo, o artigo 62 previsto na CLT apresenta-se com clarividente violação aos ditames Magnos, na medida em que promove ações que tolhem o trabalhador do gozo do direito ao lazer.


Abstract: The Social rights, also called “Rights of Second Generation” or “Second Dimension of Rights”, have the scope to give the people the possibility of full integration in society and have effective human dignity so as to be able to devote themselves to themselves. The Labor Law should position itself in a way that respects the rules inscribes in the Brazilian Federal Constitution when they are most favorable to the worker. Therefore, it appears that human dignity as the guiding constitutional principles must be respected in full. The article 62 provided for in CLT presents itself in violation of the dictates Magnis sighted in that it promotes actions that numb the worker’s right to enjoyment of leisure.


A doutrina é uníssona ao eleger a Primeira Guerra Mundial como marco significativo que deflagrou o Estado Social, uma vez que o quadro sócio-político da época foi dividido em duas vertentes: a primeira, pré-existente, que qualificava o Estado como único protagonista da atividade econômica, sobrepondo-se à figura dos indivíduos e da coletividade; e a segunda, que autorizava ao Estado intervir na ordem social ao controlar de modo efetivo a vida em sociedade.


Lyrio Pimenta[1] comunga com os demais doutrinadores ao explicitar que essas mudanças proporcionaram significativas substituições, tais quais, a do Estado Liberal pelo Estado Social, ou seja, passou-se de um Estado inerte para a prática de um Estado intervencionista.


Este novo modelo estatal (Welfare State) foi fundado na síntese dualista do bem-estar social e do desenvolvimento econômico.


Sarlet ao definir o Estado Social e suas diversas nomenclaturas, expõe que:


“(…) a respeito da terminologia “Estado Social de Direito”, que aqui utilizaremos ao invés de outras expressões, tais como “Estado-Providência”, “Estado de Bem-Estar Social”, “Estado Social”, “Estado Social e Democrático de Direito”, “Estado de Bem-Estar” (“Welfare State“). Todas, porém, apresentam, como pontos em comum, as noções de certo grau de intervenção estatal na atividade econômica, tendo por objetivo assegurar aos particulares um mínimo de igualdade material e liberdade real na vida em sociedade, bem como a garantia de condições materiais mínimas para uma existência digna. Neste contexto, para justificarmos a nossa opção dentre as variantes apontadas, entendemos que o assim denominado “Estado Social de Direito” constitui um Estado Social que se realiza mediante os procedimentos, a forma e os limites inerentes ao Estado de Direito, na medida em que, por outro lado, se trata de um Estado de Direito voltado à consecução da justiça social”.[2]


Ponto pacífico na doutrina é que os direitos sociais (aqui se inclui o direito ao lazer), nomeados de “Direitos de Segunda Geração” ou ainda “Direitos de Segunda Dimensão”, têm a finalidade de permitir aos indivíduos (trabalhadores ou não) a possibilidade de inserção plena na vida em sociedade e gozar de modo efetivo da dignidade humana ao ter a possibilidade de dedicarem-se a si mesmos.


A República Federativa do Brasil que constitui um Estado Democrático de Direito estabelece topograficamente em sua Constituição, através de seu artigo 1º, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do sistema constitucional, servindo de resguardo para os direitos individuais e coletivos, além de revelar-se um princípio maior para a interpretação dos demais direitos e garantias conferidos aos cidadãos.[3]


Por ser uma norma fundamental ao Estado, a dignidade da pessoa humana integra a Constituição Federal, com força de princípio de Direito. Ademais, também por isso, a Carta é denominada de Constituição Cidadã.


Neste sentido explica Rocha:


“A constitucionalização do princípio da dignidade da pessoa humana modifica, em sua raiz, toda a construção jurídica: ele impregna toda a elaboração do Direito, porque ele é o elemento fundante da ordem constitucionalizada e posta na base do sistema. Logo, a dignidade da pessoa humana é princípio havido como superprincípio constitucional, aquele no qual se fundam todas as escolhas políticas estratificadas no modelo de Direito plasmado na formulação textual da Constituição”[4].


Por seu turno, Piovesan corrobora:


“A dignidade da pessoa humana, (…) está erigida como princípio matriz da Constituição, imprimindo-lhe unidade de sentido, condicionando a interpretação das suas normas e revelando-se, ao lado dos Direitos e Garantias Fundamentais, como cânone constitucional que incorpora “as exigências de justiça e dos valores éticos, conferindo suporte axiológico a todo o sistema jurídico brasileiro”.”[5]


Para Kant[6], o homem é um fim em si mesmo e possui um valor absoluto. Este valor inerente à pessoa humana apresenta-se com a dignidade. Vê-se que o homem é considerado agente de valor e por isso não pode ser considerado um mero instrumento laboral..


Sarlet[7] ratifica a tese imediatamente supra ao expor que a dignidade da pessoa humana está vinculada à idéia de que não é possível a submissão do homem à condição de mero objeto do Estado e de terceiros. Neste interstício, inclui-se a idéia de que o ser humano não pode estar conectado ao trabalho 24 horas por dia (como o artigo 62 , CLT implicitamente dispõe), e sim “eight hours to work, eight hours to play, eight hours to sleep, eight shillings a Day”, consoante os trabalhadores ingleses quando do trabalho nas fábricas, reivindicavam, além de melhor pagamento, jornada fixada em oito horas, de modo que com tal horário ficasse garantido o repouso e o lazer.[8]


Canotilho teoriza o ser humano como fundamento da República o que deflagra um limite maior ao exercício dos poderes políticos, e ressalta a importância da dignidade da pessoa humana:


“(…) perante as experiências históricas de aniquilação do ser humano (inquisição, escravatura, nazismo, stalinismo, polpotismo, genocídios étnicos) a dignidade da pessoa humana como base da República significa, sem transcendências ou metafísicas, o reconhecimento do homo noumenon, ou seja, do indivíduo como limite e fundamento do domínio político da República”.[9]


Logo, o referido princípio, é, por conseguinte, a “fonte jurídico-positiva dos direitos fundamentais”[10]. É este valor (advindo da dignidade) que atrai a realização dos direitos fundamentais[11], e compõe elemento de habilitação do sistema positivo de direito de uma sociedade que tenha a pessoa humana como fundamento máximo.[12]


Deste modo, impõe-se a garantia da identidade e integridade física e espiritual do trabalhador através do livre aprimoramento da personalidade; a libertação da “angústia da existência” da pessoa por meio de mecanismos de sociabilidade, dentre os quais se incluem a viabilização concreta do lazer além de outras garantias de condições existenciais mínimas.[13]


O art. 7º, inciso XIII da Constituição Federal, determina que para todo e qualquer trabalhador brasileiro a jornada de trabalho será de oito horas, com exceção dos casos de redução e compensação.


Com fulcro nos princípios da isonomia de jornada dos trabalhadores e da dignidade da pessoa humana que norteiam a Lei Máxima, resta evidente que compete uma (re)análise do artigo 62 insculpido no texto Celetista, uma vez que está eivado de inconstitucionalidade na medida em que priva uma classe de trabalhador de gozar do direito ao lazer que está elevado como um direito fundamental da pessoa humana.


 


Notas:

[1] PIMENTA, Paulo Lyrio. Eficácia e aplicabilidade das normas constitucionais programáticas. São Paulo: Max Limonad, 1999, p. 134.

[2] SARLET, Ingo Wofgang. Os direitos fundamentais sociais na Constituição de 1.998. Disponível em <www.direitopublico.com.br> Acesso em 08/04/2009.

[3] NUNES, Rizzatto. O princípio constitucional da dignidade da pessoa humana: doutrina e jurisprudência. São Paulo: Saraiva, 2002. p. 45.

[4] ROCHA, Cármen Lúcia Antunes. O princípio da dignidade da pessoa humana e a exclusão social. Revista de Interesse Público, Porto Alegre, n. 4, p. 23-47, 1999.

[5] PIOVESAN, Flávia. Direitos humanos e o direito constitucional internacional. 4ed. São Paulo: Max Limonad, 2000, p. 54 et seq.

[6] PASCAL, Georges. O pensamento de Kant. 3ª ed. Petrópolis: Vozes, 1977, p. 26.

[7] SARLET, Ingo Wolfgang. A Eficácia dos Direitos Fundamentais, 5ª ed. Livraria do Advogado: 2003, p. 59.

[8] CENDRON, Guilherme. Inconstitucionalidade do artigo 62 da CLT. Disponível em <http://www.iuspedia.com.br> Acesso em 08 abril 2009.

[9] CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e Teoria da Constituição, 7ª ed. Coimbra: Almedina. p. 221.

[10] Idem, p. 59.

[11] SILVA, José Afonso da – Anais da XV Conferência Nacional da OAB, p. 549.

[12] COMPARATO, Fábio Konder. A afirmação histórica dos direitos humanos. São Paulo: Saraiva, 1999. p.30.

[13] CANOTILHO, op. cit., p. 363.


Informações Sobre o Autor

Alvaro dos Santos Maciel

Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Estadual do Norte do Paraná, possui especialização em Direito Civil e Processual Civil pela Universidade Estadual de Londrina e graduação pela Universidade Norte do Paraná. Advogado e Docente.


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