A inversão do ônus da prova em contratos celebrados antes do advento da Lei 8.078/90

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Resumo: A Constituição Federal de 1988 prevê, em seu inciso XXXVI, do artigo 5º, o Princípio da Segurança Jurídica, dispondo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, servindo de sustentáculo para a existência e manutenção do Estado Democrático de Direito. Mesmo assim, os Tribunais vêm aplicando o Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua vigência, ferindo as normas preceptivas estatuídas no sistema constitucional vigente, que deve ser respeitado por ocasião do julgamento das demandas aforadas no Poder Judiciário.


Palavras-chave: Contratos, Segurança Jurídica, Decisões Conflitantes.


Sumário: Introdução. O Princípio da Segurança Jurídica. Decisões Polêmicas proferidas pela Turma Julgadora dos Juizados Especiais Cíveis de Goiás, contrárias à jurisprudência do Supremo Tribunal Federal. Considerações Finais.  Referências Bibliográficas.


1 INTRODUÇÃO


A dificuldade na aplicação das leis no tempo por parte de alguns juristas vem sendo uma dificuldade corriqueira identificada pela má observância do Princípio da Segurança Jurídica estatuído no inciso XXXVI, do artigo 5º, da Magna Carta de 1988.


Com base em tal problemática, o objetivo deste trabalho visa esclarecer a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua vigência, mesmo que tais venham a produzir efeitos jurídicos após a vigência da Lei 8.078/90, buscando tal artigo servir como meio de informação sucinta, embora bastante preciosa para os que militam com o direito civil e comercial ou empresarial, para os que prefiram assim o chamar, pela teoria da empresa adotada pelo novo Código Civil.


Sendo assim, o conteúdo abrangido neste trabalho constitui-se num meio de informação científica, fulcrada na doutrina constitucional e consumerista, confrontando-as com alguns entendimentos conflitantes proferidos pelo Poder Judiciário.


1 O PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA


A Constituição Federal de 1988, prevê em seu inciso XXXVI, do artigo 5º, o Princípio da Segurança Jurídica, dispondo que “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”, tratando-se de uma garantia constitucional que serve de sustentáculo para a existência e manutenção do Estado Democrático de Direito.


Por intermédio de uma visão sistêmica, pode-se dizer que a Segurança Jurídica prevista na Magna Carta serve como norma determinante para a aplicabilidade da lei no tempo, sendo princípio maior a ser traçado para a sucessão de leis no tempo que, na maioria das vezes, produzem efeitos concretos.


O ato jurídico perfeito, como integrante do Princípio da Segurança Jurídica, tem sua definição regulada no artigo 6º, §1º, do Decreto nº 4.657/42 (Lei de Introdução ao Código Civil), reputando-o como sendo aquele ato “que já foi consumado segundo a lei vigente ao tempo que se efetuou”.


Acerca do ato jurídico perfeito, dispõe o festejado professor José Afonso da Silva, senão vejamos:


“A Lei de Introdução ao Código Civil, art. 6º, §1º, reputa ato jurídico perfeito o já consumado segundo a lei vigente ao tempo em que se efetuou. Essa definição dá a idéia de que ato jurídico perfeito é aquela situação consumada ou direito consumado, referido acima, como direito definitivamente exercido. Não é disso, porém, que se trata. Esse direito consumado é também inatingível pela lei nova, não por ser ato perfeito, mas por ser direito mais do que adquirido, direito esgotado. Se o simples direito adquirido (isto é, direito que já integrou o patrimônio, mas não foi ainda exercido) é protegido contra interferência da lei nova, mais ainda o é o direito adquirido já consumado” (SILVA, 2004, p. 435).


Brilhante a lição traduzida acima, pois o que o constituinte previu foi a interferência da lei revogadora nas situações originadas na lei revogada, bem como traçou parâmetros de aplicabilidade da lei no tempo, como já dito anteriormente pelo aludido professor.


Importante então observar o seguinte: Se a lei não foi recepcionada pela Constituição de 1988 ela não deve ser aplicada, em hipótese alguma, no julgamento das demandas. Todavia, se a norma anterior à Magna Carta for constitucional deve-se observar o Princípio da Segurança Jurídica, a fim de se evitar a reforma de decisões.


2 DECISÕES POLÊMICAS PROFERIDAS PELA TURMA JULGADORA DOS JUIZADOS ESPECIAIS CÍVEIS DE GOIÁS, CONTRÁRIAS À JURISPRUDÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL.


No julgamento de algumas demandas pelos Juizados Especiais Cíveis do Fórum da Comarca de Goiânia, a inversão do ônus da prova, instituto consolidado no Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90), para proteção da parte mais fraca do pólo negocial, que in casu, será sempre o consumidor em detrimento da empresa, vem sendo corriqueiramente utilizado nos contratos celebrados antes de sua vigência (autos da ação de nº 200500435841), ferindo, dessa forma, o ato jurídico perfeito abalizado na Lei de Introdução do Código Civil, bem como pela Magna Carta de 1988.


A simples menção ao Código de Defesa do Consumidor para fundamentar uma decisão que envolva um contrato celebrado antes de seu advento poderá acarretar sua nulidade ou até mesmo sua anulabilidade, tendo, neste último caso, ser reformada a sentença.


A falta de fundamentação da sentença acarreta sua nulidade de acordo com o estabelecido no artigo 93, IX, da Constituição Federal, pois se essa parte da sentença for inconstitucional, poderá ser tida pelo Tribunal ad quem como inexistente. Já a anulabilidade ou reforma da decisão ocorreria se o órgão judiciário de 2º grau entendesse que, sanando o erro e reformando a decisão emanada do juiz a quo, em conformidade com o Princípio da pas nulite sans grife, seriam aproveitados todos os atos processuais, bem como a parte da sentença, ou o capítulo da sentença não maculado pelo instituto da nulidade.


O instituto jurídico da inversão do ônus da prova encontra-se previsto no artigo 6º, inciso VIII, do Estatuto Consumerista, no qual dispõe que são direitos básicos do consumidor a facilitação da defesa de seus direitos, “inclusive com a inversão do ônus da prova”, a seu favor, no processo civil, quando, a critério do juiz, for verossímil a alegação ou quando for ele hipossuficiente, segundo as regras ordinárias de experiências.


Da mesma banda, como a simples reminiscência da Lei 8.078/90, em uma decisão jurisdicional que envolva um contrato celebrado antes de sua vigência poderá acarretar sua nulidade ou anulabilidade, a inversão do ônus da prova, nesta hipótese, também se constitui num erro crasso, pois o instituto em comento foi inserido no ordenamento jurídico brasileiro pela retromencionada lei, devendo o onus probandi, neste caso, ser provado por quem o alega na petição, em conformidade com as normas processuais contidas no Código de Processo Civil.


Dessa forma, nos contratos celebrados após a vigência da Lei 8.078/90, a inversão do ônus da prova poderá ser aplicada pelo magistrado na instrução da causa, sendo logicamente, inconstitucional, o julgamento que utilize esta assertiva em contrário.


O Supremo Tribunal Federal, em julgamento ao Recurso Extraordinário de nº 240.216-8/BA, tendo como Relatora a Ministra Ellen Gracie e como Revisores os Ministros Sydney Sanches, Sepúlveda Pertence e Ilmar Galvão, considerou como sendo inconstitucional a aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos firmados antes de sua vigência, isso, na data do dia 14 de maio de 2002.


Em momento anterior ao julgamento acima, na data do dia 24 de novembro de 1999, a Suprema Corte, no julgamento do Recurso Extraordinário 205.999, tendo como Relator o Ministro Moreira Alves, seguiu o mesmo entendimento do julgado acima, considerando a inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua edição.


Diante disso, o Supremo Tribunal Federal não tem um entendimento isolado acerca do assunto, mas sim uma jurisprudência consolidada, todavia não sendo a matéria objeto de súmula.


Logo, não há que se falar em inversão do ônus da prova em contratos celebrados antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, cabendo ao Poder Judiciário a aplicação única e estrita das normas constantes do Código de Processo Civil, estatuídas no artigo 282, VI, que prevê que a petição inicial indicará as provas com que o autor pretende demonstrar a verdade dos fatos alegados, bem como no artigo 333, do Código de Processo Civil que prevê que o ônus da prova incumbe ao autor, quanto ao fato constitutivo do seu direito e ao réu, quanto à existência de fato impeditivo, modificativo ou extintivo do direito do autor.


A nova doutrina processualística, que vem defendendo o Princípio da Verdade Real no Processo Civil, não prospera para justificar a inversão do ônus da prova aos contratos celebrados antes da vigência do Código de Defesa do Consumidor, pois caberia ao juiz, nesse caso, requisitar qualquer prova que reputasse necessária ao deslinde da demanda e não à parte mais forte da relação jurídica a obrigação de apresentação de todas as provas que contraditem o alegado, como se verifica no já mencionado artigo 6º, VIII, do Código de Defesa do Consumidor. Sendo assim, ficou caracterizada a não aplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor, mormente do instituto da inversão do ônus da prova nos contratos celebrados antes de sua vigência, preservando-se, assim, o ato jurídico perfeito arraigado na Constituição Federal de 1988.


3 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Por intermédio deste artigo foi apresentado todo o conteúdo, de forma sucinta, pertinente ao tema proposto, quais sejam, os aspectos gerais e polêmicos da ação monitória no ordenamento jurídico brasileiro.


Conforme exposto no corpo do trabalho, percebeu-se que o tema “Segurança Jurídica”, como quase todos os institutos jurídicos adotados no Brasil, goza de várias divergências jurisprudenciais, tendo o Supremo Tribunal Federal já se pronunciado por diversas vezes acerca da inaplicabilidade do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua vigência.


É bem certo que o Código de Defesa do Consumidor veio para proteger o próprio “consumidor”. Logo, o princípio da hierarquia das normas deve ser observado, não podendo utilizar interpretações contrárias ao sistema constitucional vigente, principalmente no que tange ao inciso XXXVI, do artigo 5º, da Constituição Federal, que é garantia do Estado Democrático de Direito.


Sendo assim, fica caracterizado o não cabimento do Código de Defesa do Consumidor aos contratos celebrados antes de sua vigência. 


 


Referências bibliográficas

NBR- 10.520 – Informação e documentação – Apresentação de citações em documentos. Rio de Janeiro, 2002.

NBR- 14.724 – Informação e documentação – Trabalhos acadêmicos – Apresentação. Rio de Janeiro, 2002.

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.

BRASIL. Código de Processo Civil. Lei n.º 5.869, de 11 de janeiro de 1973. Brasília, DF: Senado, 1973.

BRASIL. Código de Defesa do Consumidor. Lei n.º 8.078, de 11 de setembro de 1990. Brasília, DF: Senado, 1990.

DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. São Paulo: Atlas, 13 ed., 2001.

GARCIA, Leonardo de Medeiros. Código Comentado de Direito do Consumidor. Rio de Janeiro: Impetus, 2 ed., 2006.

MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. São Paulo: Malheiros, 14 ed., 2002.

NÉRY JÚNIOR, Nelson. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor Comentado pelos Autores do Anteprojeto. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 6 ed., 2000.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. São Paulo: Malheiros, 24 ed., 2004.

 TEMER, Michel. Elementos de Direito Constitucional. São Paulo: Malheiros, 17 ed., 2001.


Informações Sobre o Autor

André Luiz Maranhão

Advogado Especialista em Direito Processual e Professor Universitário da Faculdade Unida de Campinas – FacUnicamps


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