Políticas Públicas. O diálogo entre o jurídico e o político

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Resumo: Interpreta-se as Políticas Públicas como um sistema, composto de vários subsistemas integrantes. O subsistema de controle social, como os institutos da participação do cidadão, precisam ser intensificados para um funcionamento equilibrado e eficaz desse sistema. O Direito Administrativo é chamado para essa missão democratizante.


Palavras-Chave: Políticas Públicas. Participação popular. Direito Administrativo. Atos administrativos. Controle social. Controle dos atos administrativos.


Abstract: One interprets the Public Policies as a system, made up of some integrant subsystems. The subsystem of social control, as the institutes for the citizen’s participation, need to be intensified for a balanced and efficient functioning of this system. The Administrative law is called for this democratic mission.  


Keywords: Public policies. Popular participation. Administrative law. Administrative acts. Social control. Control of the administrative acts.


Introdução


Os pensadores clássicos marcaram posição, no passado, acerca da necessidade de separação entre os conceitos e os institutos do mundo jurídico e os do mundo político, sob a justificativa de que as virtudes e as finalidades, em cada um deles, teriam seu próprio desiderato e componentes.


O paradigma cartesiano, válido até então, não mais continua a inspirar a ciência, pois as análises que levam em conta a fragmentação e o isolamento já não respondem à complexidade dos dias atuais. Essa realidade demanda novos métodos de compreensão dos múltiplos eventos, tanto para a construção quanto para o aperfeiçoamento do conhecimento contemporâneo.


Utiliza-se agora, como método, um conjunto de interpretações sistêmicas e multidisciplinares, que descrevem as realidades a partir de visões totalizantes e integradas. Por isso, não se compreende mais nada de modo estanque e dissociado de seu contexto maior. Não há objetos isolados, pois o que existe são relações entre elementos que formam uma grande teia sistêmica.[1]


O estudo das Políticas Públicas, importante tema do Direito Público, revela de fato um imbricamento de vários subsistemas e disciplinas, somente podendo ser levado a cabo, com êxito, se considerados todos os aspectos envolvidos, não somente os jurídicos, não somente os políticos.[2]


1  Um sistema sui generis


Um sistema é dotado de elementos, cumprindo cada qual especificações funcionais, sendo que a interligação entre suas várias partes, em razão das programações de cada uma, geram um sentido para o todo, formando o que os teóricos denominam de “sentido” desse sistema.[3] O sentido das Políticas Públicas é a criação de bem-estar para as populações destinatárias, em especial aquelas menos favorecidas financeiramente, já que um dos papéis e mesmo finalidade do Estado é o bem comum da sociedade. A sua auto-referência é a população com os seus mais legítimos anseios.


Essa sociedade, que se organiza politicamente em torno de um Estado de Direito Democrático, lança mão de mecanismos institucionais de seleção de representantes – do Executivo ou do Legislativo – com a finalidade de que esses adotem programas de governo que atendam minimamente as várias necessidades de intervenção estatal identificadas por seus componentes.


O mecanismo de eleição de partidos, com plataformas de governo devidamente respeitadas, opera para que o sistema político dê a sua primeira contribuição para o mundo jurídico, eis que o papel principal do Parlamento é o da criação de leis — aderentes aos princípios e valores mestres inscritos na Carta Fundamental — que procurem exprimir a vontade geral da maioria da sociedade ali representada.


Fruto do debate democrático entre as várias possibilidades em jogo, as leis, as leis orçamentárias, os programas de governo, as campanhas e linhas de ação setoriais, os atos normativos e os regulamentos, etc., representam o arcabouço jurídico e financeiro colocado em ação para o funcionamento desse sistema.


A partir desses parâmetros, um subsistema de controle (realimentação) precisa entrar em cena para assegurar o “equilíbrio do todo” e o cumprimento das respectivas especificações funcionais.[4] E tais parâmetros de controle não podem ser somente jurídicos, pois a sociedade é, antes de mais nada, a principal interessada no sucesso das Políticas Públicas, sendo o “político” igualmente um vetor de apreciação e valoração da ação governamental.


Pode-se então identificar alguns elementos que integram o grande sistema das Políticas Públicas: a) Político; b) Constitucional; c) Eleitoral; d) Administrativo; e) Financeiro; f) Controle externo e interno e g) Controle social.


1.1 O subsistema Político


O Estado Democrático é um instrumento criado para servir aos interesses do homem e não o contrário. Esse homem abdica de seus interesses egoístas e submete os seus interesses compartilhados, sob uma ótica generalista e universal, a um ente que será ao mesmo tempo juiz e promotor de sua realização, um garante e um mediador de esforços comuns.


Se essa é a função permanente do Estado, da complexidade de interesses e heterogeneidade de demandas exsurge a necessidade da política, como artifício necessário para compatibilizar os múltiplos interesses – por várias vezes diametralmente opostos em uma coletividade – e reduzi-los a denominadores comuns, universalizáveis e legítimos a todos, ou pelo menos, a uma maioria.


A política, conceituada como a “arte do possível”, guarda um papel de relevância para o funcionamento do sistema. É o “elo” de viabilização do diálogo entre a sociedade e o Estado e carrega, para dentro do íntimo governamental, a voz e os anseios populares. Obviamente falamos da boa política. Aquela dotada de firmes e sérios propósitos de representação legítima e autêntica de interesses de uma sociedade organizada. 


1.2 O subsistema Constitucional


Niklas LUHMANN declarou, com grande acerto, que uma Constituição nada mais é do que o elemento de ligação entre o político e o jurídico, logo, uma “estrutura jurídico-política” em uma sociedade.[5] Com isso, a Constituição representa um escrito jurídico, que assegura o estabelecimento de diretrizes aptas a regular a vida social, determinar fins e tarefas ao Estado, impor limites aos poderes públicos e, acima de tudo – notadamente nas constituições democráticas – garantir direitos fundamentais ao homem, com toda a sua dignidade existencial.


Daí que o sistema constitucional[6] representa a mais alta hierarquia de diretrizes para a Administração Pública, pois as suas imposições são resultados de escolhas do mundo político, de embates de múltiplos interesses e da conciliação de objetivos contrapostos. Afastar-se, cumprir tardiamente ou deixar de cumprir essas imposições denota um comportamento inconstitucional dos governantes.[7] A simples legalidade não mais atende ao plexo de anseios de uma sociedade democrática. Mais que isso, as ações da Administração Pública, agora, precisam estar aderentes ao sistema constitucional, precisam ser guarnecidas pelos pressupostos de juridicidade. Não uma simples juridicidade, mas uma robusta manifestação de um agir que só é jurídico se filtrado pelos princípios e pelos valores trazidos pela Lei Maior, ainda que implícitos.[8]


1.3 O subsistema Eleitoral


As instituições democráticas funcionalizam-se através de mecanismos que traduzam, de modo organizado, simplificado e como síntese, as expectativas de uma sociedade. O sistema normativo Eleitoral tem essa finalidade: assegurar a neutralidade do Estado e dos Poderes Públicos diante da pluralidade de representações, garantir isonomia de oportunidades entre as classes que tencionam disputar a preferência do eleitor para a ocupação das atribuições de governo e, acima de tudo, oferecer ao debate e escolha públicos as várias linhas de ação, as ideologias e os valores que as inspiram. Uma sociedade, madura, consciente e livre, escolhe – em maioria – o programa de governo que pretende ver adotado pelos representantes (do sistema político) que se colocam à disposição do povo para esse encargo.


As instituições políticas e democráticas são uma opção, no dizer de Niklas LUHMANN, para a expressão das insatisfações sem riscos de ruptura para a estrutura de expectativas criadas pelo Estado de Direito.[9]  Os programas político-partidários e as diretrizes, nos termos do artigo 17, § 1º e IV, da Constituição Federal e dos artigos 24 e 26, da Lei 9.095/95, se cumpridos pelos representantes eleitos pelo povo, são uma garantia de que as escolhas serão respeitadas. Daí que as Políticas Públicas, quando derivadas desses programas e diretrizes, já nascem com uma legitimidade advinda das urnas e, com isso, trazem um impulso maior em sua implementação, pela ampla adesão social.[10]  A legitimidade também se conquista através da coerência entre o discurso e a ação.


1.4 O subsistema Administrativo


A Administração Pública, como dito anteriormente, deve assumir um papel de coordenação e de otimização de todos os subsistemas que compõem o grande sistema Políticas Públicas.


De fato, não há mais espaço para uma Administração hermética, passiva, burocrática e ineficiente. O desafio que se coloca, agora mais que nunca diante da importância do tema para os Gestores Públicos e Agentes Políticos, é o de uma Administração impulsionada pelos ditames da justiça social e da juridicidade ampliada, atuando em permanente diálogo com o cidadão.


O Direito Administrativo, no passado travestido de Direito do Estado e subjugando os particulares pela relação de administração, pelas prerrogativas da Administração diante dos cidadãos e pela supremacia do interesse público, hoje renova-se com as evoluídas visões dos mais variados autores e pensadores.[11] 


A releitura dos seus institutos, tanto pelos intérpretes jurisdicionais como pela ampla doutrina, fornece novos parâmetros de atuação e de cumprimento dos fins do Estado pelos agentes públicos. Esses novos valores, que resguardam e tutelam os princípios fundamentais de uma nação democrática, dirigem o agir administrativo e “humanizam” a relação entre o Estado e o cidadão.


Respeitam-se, agora de modo mais espontâneo, os direitos e garantias fundamentais do homem, não mais em cumprimento a meras disposições de lei, mas por assimilação natural da condição de uma Administração Pública a serviço da sociedade.


Por isso, o papel coordenador do Direito Administrativo – que já reclama um novo regime jurídico personalizado (ou pessoalizado)[12] – em que o bem-estar do homem passa a ser o seu objetivo; e o Estado não mais um senhor absoluto, antes um instrumento a serviço da humanidade.    


1.5 O subsistema Financeiro


A positivação do princípio constitucional da eficiência[13] — art. 37 da Magna Carta — trouxe grandes repercussões quanto à forma de arrecadar, administrar e aplicar os recursos públicos. A economicidade também passa a ser um dos parâmetros de aferição de juridicidade nas fiscalizações dos vários órgãos de controle, tanto interno como externo.


Para dar cabo do cumprimento da tarefa de gerar o bem-estar, com eficiência e economia, novos institutos fizeram-se presentes para viabilizar um Estado ao mesmo tempo mais presente e mais ágil, contudo necessariamente mais leve.  Neste contexto, as parcerias público-privadas, os termos de cooperação com organizações de interesse social, os consórcios públicos, as concessões e as delegações administrativas, entre tantos outros instrumentos, são mecanismos que procuram otimizar a aplicação dos recursos públicos, arrecadados da sociedade através dos vários tributos e contribuições diretos ou indiretos.


Arrecada-se com mais velocidade e aplica-se com mais responsabilidade fiscal, em mira os amplos e variados interesses sociais e as disparidades regionais. O aparato de arrecadação e fiscalização do Estado se moderniza e a sociedade, organizada politicamente, multifacetada, começa a participar dos colegiados públicos, das audiências públicas e dos planejamentos orçamentários itinerantes, em busca do consenso social local.[14]


As práticas de planejamento financeiro e orçamentação pública, aperfeiçoadas pelo resultado de investimentos em pesquisa e aquisição de conhecimentos especializados, possibilitam que o Estado (no passado um agente passivo e inerte, a espera do tributo espontâneo), se transforme num “Estado empresário”, cujo negócio é o de apurar, cobrar, fiscalizar e executar débitos tributários, com eficiência e agilidade.


Diante desse cenário, é fácil deduzir que não há falta de recursos para lastrear as decisões sobre “onde, quando e como” investir em Políticas Públicas, bastando – como sempre – “vontade política” dos governantes e pressão da sociedade, considerando tratar-se de uma nítida disputa de interesses controvertidos.[15]


l.6 O subsistema de controle externo e interno


Desde as valiosas contribuições de Montesquieu, Locke, Edward Coke –mais tarde reforçadas por Karl Lowenstein – o controle eficaz é aquele exercido de fora da relação objeto de fiscalização. Ou seja, o controle eficiente deve ser exercido de modo neutro e livre, sem as amarras que o poder possa lhe impingir, quer diante da possibilidade de seu abuso, quer diante das fraquezas da natureza humana. Os checks and balances, na prática, somente funcionam quando exercidos de modo profissional.[16]


Daí a importância das carreiras técnicas e independentes de Estado, de instituições como as controladorias, tribunais de contas, ministério público, corregedorias, ouvidorias e a magistratura.


O controle interno, funcionando de modo isento, livre, profissional e dinâmico, é um sistema de extrema importância para a eficiência do Estado e uma ótima aplicação de recursos em Políticas Públicas. Esse controle tem na lei o seu parâmetro guia, o seu ponto de luz.


Já o controle externo – como hoje é instrumentalizado – carece de uma maior cautela em sua análise. Os Parlamentares, embora dotados de amplo poder de fiscalização e autoridade (CF, arts. 70 e 71), na prática – em face dos sistemas político e eleitoral – não dispõem de “autonomia” funcional, pois – lamentavelmente – a sua lógica parece ser a de servir ao Poder Executivo, em vez de cobrar dele transparência, eficiência e coerência na gestão e aplicação dos recursos públicos. De outro lado, as comissões permanentes ou provisórias de fiscalização, a exemplo das CPIs, não esmiúçam como deveriam os fatos, transformando-se, quase sempre, em palco de disputas mesquinhas de espaços políticos, antes de dar contas à sociedade das ilegalidades que deveriam apurar para punir. [17]


Neste ponto, cabe uma reflexão sobre o chamado controle judicial das Políticas Públicas, ainda no âmbito do controle externo. Ainda é bastante controvertido o entendimento jurisprudencial e doutrinário acerca desse tipo de controle, considerando a invasão do mérito administrativo, por alguns julgados ou medidas de urgência adotadas pelo Poder Judiciário, principalmente quando a parte beneficiária é menor, idoso, deficiente ou doente. Os que defendem a juridicidade desse “ativismo judiciário” o fazem sob o argumento de que um dos papéis do judiciário é exatamente o de conferir eficácia aos princípios constitucionais, sendo o guardião último da lei e do regime constitucionalista adotado pelo nosso ordenamento. Nesse sentido, invadir o mérito, flexibilizando o princípio da separação de poderes, é obrigação atrelada à garantia de justicialidade e de cumprimento da garantia maior da inafastabilidade do controle e apreciação judicial de quaisquer atos ou omissões do poder público.[18]


1.7 O subsistema de controle social


Aqui, notadamente nas últimas duas décadas, a sociedade brasileira tem evoluído sobremaneira. Mercê de legislações avançadas, introduzidas em decorrência da melhor Constituição que já tivemos – que ora completa 20 anos –, os vários mecanismos de consulta popular, de veiculação da opinião pública, a implantação de uma imprensa livre e, do mesmo modo, a vivência na plenitude das garantias e liberdades de manifestação do pensamento, conquistas todas advindas da nova Constituição cidadã, são fatores que colocam a sociedade mais perto e “de olho” nos governantes.


Os institutos como a Ação Civil Pública, Ação Popular, Termos de Ajustamento de Conduta, Tutelas inibitórias e reparatórias, Antecipações de Tutelas, Mandados de Segurança Coletivos, Mandados de Injunção, Referendos e Plebiscitos, Consultas Populares obrigatórias, Direito de Reclamação de Usuários do Serviço Público, Ombudsmann, Conselho Nacional de Justiça, Conselho Nacional do Ministério Público, Argüição de Descumprimento de Preceitos Fundamentais, entre tantos outros, contribuem para dinamizar o controle da sociedade organizada sobre os agentes públicos.


O que ainda hoje se lamenta é o inexistente controle social dos eleitores sobre os seus representantes eleitos, cuja falta de cultura política, ainda, é motivadora de apatia e descrédito dos brasileiros na democracia representativa. Quiçá uma democracia direta seria o modo mais eficiente de “politizarmos” a discussão e a seleção de opções administrativas para as Políticas Públicas, em vez de deixar sob a discricionária e insulada atuação dos agentes políticos e públicos a sua concepção e implementação.  


2 A nova missão do Direito Administrativo de Participação


A doutrina sempre se debateu com a concepção fragmentária (cartesiana) de ato político versus ato administrativo; agente político versus agente público, na esteira da separação entre “política” e “direito”, ou entre “vontade política” e “vontade administrativa”. Essa análise, a partir de novos referenciais científicos e de releitura feita pela jurisprudência contemporânea não mais prospera. Pelo menos essa dicotomia tem sido abrandada, em nome da unidade de um sistema de Direito Público calcado e informado por princípios constitucionais.[19]


Ora, os agentes políticos são, também, agentes públicos lato sensu, pois cumprem papéis direta ou indiretamente a mando da sociedade, em atendimento aos vetores inscritos na Lei Máxima. Se mesmo o Poder Constituinte derivado, reformador, limita-se pelas cláusulas pétreas que preservam um núcleo essencial do Estado de Direito Democrático, quanto mais os “Poderes Constituídos”, que têm na Constituição o seu guia de ação e de limitações, sendo o STF o guardião maior da constitucionalidade, aqui entendida como fruto de um pacto da sociedade sobre a organização jurídico-política vigente.


Todo ato político é também um fato jurídico, gera efeitos no mundo da vida. Logo, é ato jurídico concreto. Se emanado dos agentes públicos lato sensu – mesmo os categorizados como “agentes políticos” — é um ato administrativo, pois todo ato político que cumpre diretrizes constitucionais ou as concretizem em vista os seus fins político-jurídicos – aí as Políticas Públicas – está sujeito ao mesmo controle de juridicidade, principalmente quando ilegais ou omissivos. Os agentes políticos também são administradores do interesse público, estejam nas funções legislativas, nas funções executivas ou judiciais.[20] 


Logo, a participação do cidadão seja na formulação ou auxílio à definição de prioridades públicas, seja no controle social dos órgãos públicos e das atuações dos agentes públicos, é imprescindível para a “estabilização do sistema”, pois o cidadão também é um dos intérpretes da Constituição, não somente o legislador, não somente o juiz, não somente o Administrador Público.[21] Avançando na idéia, talvez o intérprete mais “autêntico” do que seja interesse público seja o cidadão.


O Direito Administrativo, renovado, tendo a pessoa humana com sua irrenunciável dignidade como seu foco, deve contribuir para a democratização da democracia, como reclama Canotilho. Sob o ponto de vista da dogmática administrativista, o “direito de participação do cidadão” há que ser alargado – fundamentado no princípio democrático contido no artigo 1º e parágrafo único de nosso Texto Maior –, pois segundo Odete Medauar, com base em Roberto Dromi, o “direito administrativo é também o direito processual da constituição”.[22] Assim, incumbe aos administrativistas olhar para o instituto da participação popular como mais uma das nobres missões do Direito Administrativo.


Conclusão


Os pensadores clássicos sempre marcaram posição acerca da separação dos conceitos e institutos do mundo jurídico e os do mundo político, calcados num paradigma de análise cartesiano, que não mais se justifica nos dias atuais. O novo método científico reclama uma análise sistêmica e multidisciplinar, que descreva e interprete as realidades a partir de visões totalizantes e integradas.


Um sistema é dotado de elementos que se relacionam e juntos formam um sentido. Assim, o “sentido” do sistema Políticas Públicas é o bem comum da sociedade. O Estado Democrático utiliza mecanismos de seleção de representantes, via Eleitoral, para que estes adotem os programas de ação que foram postos em seleção pelo cidadão-eleitor. 


Um subsistema de controle social (de realimentação) faz-se necessário para assegurar o “equilíbrio do todo”, através da verificação do atendimento ou não às especificações funcionais, por cada elemento integrante do grande sistema. Integram o sistema Políticas Públicas os seguintes subsistemas: a) Político; b) Constitucional; c) Eleitoral; d) Administrativo; e) Financeiro; f) Controle externo e interno; e g) Controle social.


 A política é o “elo” de viabilização do diálogo entre a sociedade e o Estado e tem um relevante papel para o funcionamento ótimo do sistema. A Constituição é uma “estrutura jurídico-política” em uma sociedade, um escrito jurídico de diretrizes que regulam a vida social, determinam os fins e as tarefas do Estado, impõem limites aos poderes públicos e garantem direitos fundamentais ao homem, com toda a sua dignidade existencial.


Os institutos eleitorais asseguram um mecanismo de comunicação de interesses e de expressão de insatisfações, sem riscos de ruptura no sistema, necessário para a estabilização das expectativas da sociedade. Por isso, as diretrizes partidárias e os programas político-partidários devem ser cumpridos e respeitados, para legitimar a democracia representativa e garantir a confiança do eleitor na instituição política.


Com isso, a Administração Pública assume um papel de coordenação e de otimização de anseios e expectativas, cujos Gestores e Agentes Públicos devem agir sob o impulso da justiça social e de uma juridicidade ampliada, sempre em permanente diálogo com o cidadão, já que a relação entre o Estado e o indivíduo deve ser humanizada.


Sob as balizas dos princípios da eficiência e da economicidade, sem perder de vista os fins do Estado, o agir administrativo deve ser ao mesmo tempo onipresente e ágil, valendo-se de institutos que deixem o Estado mais leve e eficaz.  Sua ação, agora, deve levar obrigatoriamente em conta os imperativos de participação ativa da cidadania na definição e no controle das políticas sociais.


Deduz-se que não faltam recursos em nosso País para investimento em Políticas Públicas, bastando “vontade política” dos governantes e uma pressão mais intensa das várias partes interessadas, já que se trata de disputa por interesses controvertidos. O sistema de controle externo, a cargo do Parlamento, é fraco e comprometido, não atuando em representação legítima dos interesses sociais, pelo menos como deveria ou seria esperado diante do processo político-eleitoral.


Com isso, o controle judicial assume a função de colmatar essa “lacuna”, de modo provisório, porém a legitimidade final do sistema democrático, no âmbito de um controle social mais efetivo, seria possível somente com a presença mais intensa do cidadão na discussão, na implementação e no controle das ações governamentais atreladas às Políticas Públicas. Urge, pois, uma nova missão ao Direito Administrativo. A viabilização de um diálogo permanente seja no âmbito administrativo, seja no âmbito jurisdicional, entre o cidadão e o Estado-Administrador, abrindo a pavimentação para uma democracia direta.


As Políticas Públicas, em sua maioria, são materializadas por atos administrativos (atos concretos), cuja sindicabilidade se dá como nos demais atos administrativos. Logo, podem ser controladas diretamente pela sociedade e pelos indivíduos interessados, com base no amplo espeque de instrumentos vigentes no Direito Administrativo de Participação.


O cidadão também é um dos intérpretes da Constituição, não somente o legislador, não somente o juiz, não somente o Administrador Público. Talvez o intérprete mais “autêntico” do interesse público, e pode exercer o seu poder democrático diretamente, como prevê o artigo 1º, parágrafo único, da Magna Carta.


 


Referências

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TRINDADE, André Fernando dos Reis. Para entender LUHMANN e o direito como sistema autopoiético. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008.

 

Notas:

[1] Para aprofundar o entendimento desses conceitos, v. CAPRA, Fritjof. A teia da vida. Uma nova compreensão científica dos sistemas vivos. São Paulo: Cultrix, 1996; CAPRA, Fritjof. O Tao da Física. Tradução José Fernandes Dias. 18 ed. rev. e amp. São Paulo: Cultrix, 1998.

[2] Importa aqui recomendar o excelente trabalho de compilação de BUCCI, Maria Paula Dallari. (Org.). Políticas Públicas. Reflexões sobre o conceito jurídico.  São Paulo: Saraiva, 2006.

[3]  CAPRA, Fritjof. O Tao.., p. 170; CAPRA, Fritjof. A Teia…, p.159-165.

[4]  CAPRA, Fritjof. A Teia…, p. 59.

[5] TRINDADE, André Fernando dos Reis. Para entender LUHMANN e o direito como sistema autopoiético. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2008, p.89-90. 

[6] A Constituição passa a ser entendida não mais como uma simples folha de papel (crítica de Konrad HESSE), mas sim como um sistema vivo e atuante (CANARIS, ALEXY, CANOTILHO, Paulo BONAVIDES, entre tantos), composto de elementos que se interligam com a finalidade de assegurar o bem comum das pessoas, garantir a justiça e a paz social e um mínimo existencial próprio da dignidade humana.

[7] Consideramos superado o debate sobre a imperatividade ou não das chamadas normas programáticas. Toda norma inscrita em uma constituição tem caráter vinculante, obrigando o Legislador e o Administrador Público, notadamente quando pretenda garantir a dignidade das pessoas. 

[8] Ver, a propósito, SCHIER, Paulo Ricardo. Filtragem Constitucional. Construindo uma nova dogmática juridica. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 1999, especialmente Cap. 3, p. 101 e ss.

[9] ROCHA, Maria Elizabeth G. Teixeira. Limitação dos Mandatos Legislativos. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2002, p. 247.

[10] Ver Informativo nº 482, STF, que noticia decisão da Suprema Corte ratificando o entendimento do TSE, manifestado na Consulta 1.398/DF, quando da apreciação do MS 26.603-DF, Rel. Min. Celso de Mello, em 03 e 04.10.2007, cujo trecho, no mesmo sentido deste ensaio, destacamos: “… a vinculação entre candidato e partido político prolonga-se depois da eleição, considerou-se que o ato de infidelidade, seja ao partido político, seja ao próprio cidadão-eleitor, mais do que um desvio ético-político, representa, quando não precedido de uma justa razão, uma inadmissível ofensa ao princípio democrático e ao exercício legítimo do poder, na medida em que migrações inesperadas não apenas causam surpresa ao próprio corpo eleitoral e as agremiações partidárias de origem, privando-as da representatividade por elas conquistada nas urnas, mas acabam por acarretar um arbitrário desequilíbrio de forças no Parlamento, vindo, em fraude à vontade popular e afronta ao próprio sistema eleitoral proporcional, a tolher, em razão da súbita redução numérica, o exercício pleno da oposição política”.

[11]Pode-se citar, entre tantos, Odete MEDAUAR, Diogo de Figueiredo MOREIRA NETO, Juarez FREITAS, Carlos Ari SUNDFELD, Marçal JUSTEN FILHO, Carmen Lúcia Antunes ROCHA, Roberto DROMI, Luciano PAREJO ALFONSO, GARCÍA DE ENTERRÍA, cujas obras desafiam o lugar comum da dogmática tradicional.

[12] Refere-se à corrente conhecida como “personalização do direito administrativo”, decorrente da concretização, em todos os segmentos, do princípio de proteção da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III), nas relações impositivas Estado-Administrado ou Estado-Servidor.

[13] Recomenda-se a vasta obra de GABARDO, Emerson. Princípio constitucional da eficiência. São Paulo: Dialética, 2002.

[14] Vide como exemplo, o art. 48 da LRF, o Estatuto das Cidades, o art. 29, XII, CF, no âmbito do orçamento municipal, os Conselhos municipais e estaduais de Saúde, os Conselhos Tutelares de jovens e adolescentes, etc.

[15] Essa nossa posição contrasta-se com a invocação, não raro, da teoria da “reserva do possível” pela Administração Pública, como argumento para deixar de cumprir determinações judiciais para a implementação de políticas públicas, ocasião em que se alega o caráter programático de alguns dispositivos constitucionais, os princípios da eficiência e da economicidade, e, ainda, a impossibilidade de invasão do mérito administrativo pelo Poder Judiciário, em decorrência de uma visão isolada do princípio da separação dos poderes. Nessa linha de argumentação, as decisões sobre a conveniência e oportunidade são decisões administrativas, mais afeitas à política e não ao jurídico. O juiz, por isso, não pode ser um administrador ou legislador positivo. A corrente de interpretação que adotamos, entretanto, é a de Juarez FREITAS e de Ingo Wolfgang SARLET, visto que o “direito de acesso à justiça” é um direito prestacional e uma garantia fundamental do regime democrático constitucional. A lei não poderá excluir da apreciação judicial qualquer lesão ou ameaça a direito. Cabe aqui anotar, de outro modo, que o artigo 4º, § 3º, da LRF (LC 101/2000) e o artigo 41, da Lei 4.320/64, contemplam a previsão e execução orçamentária de despesas imprevistas e provisionamento de reservas para contingências.

[16]  LOWENSTEIN, Karl. Teoría de la Constitución, p.50 e p.149 apud PEDRA, Anderson Sant’Ana. O controle da proporcionalidade dos atos legislativos. Belo Horizonte: Del Rey, 2006, p.80 e nota 106.

[17]  Vide, a propósito, o artigo de TOLEDO, Roberto Pompeu de. Senado para quê? Revista Veja, São Paulo, ed. 2.026, a. 40, nº 37, 19.9.2007.

[18] É bom que se registre, a propósito, que o judiciário somente age por provocação e convencido da plausibilidade dos fatos e da perecibilidade do direito, notadamente quando envolvida a vida humana. Agindo desse modo, supre uma lacuna verificada no controle, principalmente no controle político e no controle social, já que a democracia pressupõe uma participação mais efetiva do povo na discussão e na fiscalização dos atos governamentais. 

[19]  Ver: DROMI, Roberto. Sistema Jurídico e Valores Administrativos. Porto Alegre: Sérgio Fabris, 2007, p. 84-85; FREITAS, Juarez. O Controle dos Atos Administrativos e os princípios fundamentais. 3 ed. rev. e amp. São Paulo: Malheiros, 2004.

[20] Ver, a propósito, BANDEIRA DE MELLO, Celso Antonio. Curso de direito administrativo. 21 ed. revista e atualizada até a EC 52. São Paulo: Malheiros, 2006, p. 365-368; OLIVEIRA, Regis Fernandes de. Ato administrativo. 5 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: RT, 2007, p. 21, 26, 158-163 e 171.

[21] MEDAUAR, Odete. O Direito Administrativo em Evolução, 2 ed. rev. atual. ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003, p.193. Peter HÄBERLE, como lembra Anderson Sant’Ana PEDRA, posiciona-se sobre a inexistência de numerus clausus no processo de interpretação constitucional: todos os cidadãos e grupos estão potencialmente vinculados, fenômeno que CANOTILHO designou por “pluralismo de intérpretes”. PEDRA, Anderson Sant’Ana. Op. cit., p. 71.

[22]  MEDAUAR, Odete. Op. cit., p.157.


Informações Sobre o Autor

Julio Herman Faria

Bacharel em Direito pela PUC PR. Especialista em Direito Administrativo pelo Instituto de Direito Romeu Felipe Bacellar


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