O Princípio da Dialeticidade Recursal no Processo Penal

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Jorge Romcy Auad Filho: Especialista em Ciências Criminais pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL (2008) e em Direito Constitucional pela Universidade da Amazônia – UNAMA (2009). Promotor de Justiça do Estado de Rondônia. E-mail: [email protected]

Resumo: O presente artigo trata de alguns aspectos relevantes sobre o princípio da dialeticidade recursal no âmbito do direito penal. Aborda a conceituação e natureza do referido princípio, sua aplicabilidade e constitucionalidade, em especial diante de conflito aparente com o princípio do duplo grau de jurisdição. Indica as posições doutrinárias e jurisprudenciais pertinentes, apontando os posicionamentos mais modernos a respeito do tema.

Palavras-chave: Princípio da dialeticidade recursal. Processo Penal. Aspectos relevantes. Análise de sua constitucionalidade e aplicabilidade à luz da mais moderna doutrina e jurisprudência.

 

Abstract: This article deals with some relevant aspects of the principle of appeal dialectic in the context of criminal law. It addresses the conceptualization and nature of that principle, its applicability and constitutionality, especially in the face of apparent conflict with the principle of the double degree of jurisdiction. Indicates the relevant doctrinal and jurisprudential positions, pointing out the most modern positions on the subject

Keywords: Principle of recursal dialecticality. Criminal proceedings. Relevant aspects. Analysis of its constitutionality and applicability in the light of the most modern doctrine and jurisprudence.

 

Sumário: Introdução. 1. Princípios e Recursos Penais. 2. Princípio da Dialeticidade Recursal Penal: definição e aspectos doutrinários relevantes. 3. Princípio da Dialeticidade Recursal Penal: entendimento jurisprudencial. 4. Conflito Aparente entre o Princípio da Dialeticidade Recursal e o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

O processo, como um conjunto de relações jurídicas subjacentes ao direito material, existe para decidir ou solucionar uma lide, ou seja, um conflito de interesses qualificado por uma pretensão resistida, na definição carneluttiana.

Após todo o desenrolar ou tramitação do processo, em seu sentido natural, chega-se a um deslinde de mérito, aplicando o direito material ao caso concreto, objetivando encerrar o conflito e permitir a pacificação das relações sociais.

Quando esse conflito se estabelece entre o direito de punir do estado e o direito de liberdade do indigitado autor de um crime, tem-se uma lide penal, que deflagrará um processo e uma sentença meritória (comando estatal atribuído exclusivamente ao estado, por meio da jurisdição), aplicando concretamente o direito material penal, afastando ou não a concretude do ius puniendi estatal.

Contudo, assim como em outras searas do direito, nas relações criadas por uma lide penal, nem sempre as partes se conformam com a primeira decisão prolatada, haja vista o natural inconformismo e a necessidade de uma segunda palavra a respeito de sua pretensão.

Desta forma, desde os primórdios do direito, os sistemas jurídicos se conformaram estruturalmente de forma a proporcionar a oportunidade de revisão das decisões judiciais, criando órgãos e instâncias, com o propósito de reanalisar a lide (duplo grau de jurisdição).

Aliás, em nosso país, historicamente a primeira Carta Política (Constituição Imperial de 1824), em seu artigo 158, acolheu expressamente o princípio do duplo grau de jurisdição, verbis:

 

“Para julgar as Causas em segunda, e ultima instancia haverá nas Provincias do Imperio as Relações, que forem necessarias para commodidade dos Povos”.

 

As demais Leis Fundamentais do Brasil têm admitido o duplo grau de jurisdição, que é extraído de seu contexto sistêmico.

Para instrumentalizar processualmente o duplo grau de jurisdição e o natural inconformismo do sucumbente a respeito das decisões, se instituiu e regulamentou os chamados recursos.

Etimologicamente a palavra recurso vem do latim recursus que indica rever, revisar, retroceder e voltar atrás, ou seja, um instrumento ou mecanismo posto à disposição da parte que se sentir prejudicada para obter uma outra manifestação jurisdicional, reexaminando, por outro órgão judiciário, a matéria já julgada.

Contudo, o manejo dos recursos não pode ser indiscriminado, existindo requisitos e pressupostos para seu conhecimento por parte do órgão jurisdicional revisor, previstos não apenas por regras positivadas, mas também por princípios sistêmicos que lhe norteiam.

Dentre esses pressupostos recursais, inclusive aplicável ao processo penal, se encontra o princípio da dialeticidade, admitido em nosso sistema jurídico e de aplicação cada vez mais amiúde em nossos tribunais.

Malgrado sua importância e relevância prática, o princípio da dialeticidade recursal no processo penal carece de melhor estudo doutrinário.

O presente trabalho visa justamente indicar e analisar aspectos relevantes acerca do princípio da dialeticidade recursal no processo penal, discorrendo-os em tópicos específicos, focando em sua natureza jurídica, aplicabilidade prática na jurisprudência e sua adaptabilidade com outros princípios recursais.

 

  1. Princípios e Recursos Penais

Os princípios são a base que alicerça todo o ordenamento jurídico, dando-lhe formato de sistema e permitindo uma unidade de entendimento de suas normas e regras de direito.

Celso Antônio Bandeira de Melo define princípios:

 

“Mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas, compondo-lhes o espírito e sentido, servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente por definir a lógica e a racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico”.

(MELO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 26 ed., São Paulo: Malheiros, 2009, p. 882-883)

 

Os recursos penais, como institutos jurídicos, igualmente são regidos por princípios.

A doutrina aponta como princípios recursais penais o duplo grau de jurisdição, cabimento ou autorização legal, voluntariedade, taxatividade, conversão, unirrecorribilidade ou singularidade, colegialidade, fungibilidade, vedação da reformatio in peius, bem como da dialeticidade.

Esses princípios funcionam como pressupostos intrínsecos de admissibilidade dos recursos, interagindo e influenciando-se mutuamente.

A dialeticidade recursal é o mais recente e menos estudado dos princípios recursais penais.

 

  1. Princípio da Dialeticidade Recursal Penal: definição e aspectos doutrinários relevantes

 

            Dialética, que advém do grego dialetiké, significa discussão, diálogo, embate de versões e ideias, firmando posições contrapostas que permita uma síntese conclusiva, baseada nas exposições contraditórias.

A formação dialética é própria do processo, independentemente da matéria jurídica tratada.

O autor, ao levar ao conhecimento do Estado-Juiz sua pretensão em forma de demanda, o faz em relação aos interesses de outrem, que possui igualmente a possibilidade de expor sua pretensão contrária, resistindo-a.

A solução dada ao processo pelo Estado-Juiz é a síntese das argumentações e provas apresentadas contraditoriamente pelas partes, dentro de uma atuação dialética usada na aplicação da função estatal jurisdicional.

No processo penal esse respeito ao processo silogístico ou dialético mais se reafirma e se torna imprescindível diante das garantias constitucionais do contraditório e ampla defesa, focando na possibilidade de equidistância do julgador como modelo de imparcialidade (sistema acusatório) e de paridade de armas entre acusação e defesa.

Essa mesma dialeticidade permanece mesmo quando a parte prejudicada interpõe um pedido de revisão da decisão judicial sob a forma de um recurso.

Na fase recursal, o processo penal precisa igualmente respeitar a dialeticidade, sendo pressuposto fundamental que a parte recorrente apresente suas razões com fundamentos de fato e de direito que embasem seu inconformismo com a decisão atacada.

A necessidade da apresentação concreta dos fundamentos fáticos e jurídicos na peça recursal penal se justifica em possibilitar à parte contrária a elaboração de suas contrarrazões e a fixação de limites de atuação do tribunal ad quem na apreciação do recurso.

Caso a peça recursal venha sem a apresentação de fundamentos precisos de sua insurgência fática e/ou jurídica, a parte ex adversa não poderá refutá-los, inviabilizando o exercício do contraditório.

Por outro lado, o tribunal julga o recurso adstrito à pretensão deduzida pelo recorrente, em respeito à regra do tantum devolutum quantum appelatum, sendo obrigação do sucumbente apontar os motivos de seu inconformismo para a delimitação e concretude da matéria recursal.

Ao recorrente não compete apenas apresentar um apelo genérico, sendo necessário delimitar os pontos da decisão que entende serem contrários aos seus interesses, fundamentando-os.

Nesse esteio, colaciona-se a lição de Renato Brasileiro de Lima:

 

“Por conta do princípio da dialeticidade, a petição de um recurso deve conter os fundamentos de fato e de direito que embasam o inconformismo do recorrente. O recurso deve, portanto, ser dialético, discursivo, ou seja, incumbe ao recorrente declinar os fundamentos do pedido de reexame da decisão impugnada, pois somente assim poderá a parte contrária apresentar suas contrarrazões, respeitando-se o contraditório em matéria recursal. Destarte, em virtude desse princípio, exige-se do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir: error in judicando e error in procedendo) e do pedido, que poderá ser de reforma, invalidação, integração ou esclarecimento da decisão impugnada. Por isso, há de se considerar nulo o julgamento de recurso de apelação da defesa manifestado pôr termo na hipótese em que as razões não são apesentadas, a despeito do pedido formulado para juntada destas na instância superior, nos termos do art. 600, §4º, do CPP, porquanto é inadmissível que um recurso seja apreciado pelo juízo ad quem sem que se apresentem as razões (ou contrarrazões da defesa). Dois são os fundamentos do princípio da dialeticidade: a) permitir que a parte contrária possa elaborar suas contrarrazões […]; b) fixar os limites de atuação do Tribunal na apreciação do recurso […]

(LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev. Ampl e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018, p. 1671-1672.).

 

Ainda Gustavo Henrique Badaró:

 

“O recurso deve ser dialético ou argumentativo. Essa dialeticidade é demonstrada através das razões e das contrarrazões, a sua antítese. A dialeticidade decorre da garantia constitucional do contraditório”.

(BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, 4ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo, Thompson Reuters, Revista dos Tribunais, 2016, p. 822).

 

O objetivo é estabelecer na análise do recurso penal uma discussão dos pontos controvertidos e de inconformidade, afastando aqueles cujas partes concordam e não mereçam ser conhecidos pelo tribunal.

Nesse sentido, o ensinamento de Teresa Arruda Alvim:

 

Na verdade, o que se pretende com esse dispositivo é desestimular as partes a redigir recursos que não sejam umbilicalmente ligados à decisão impugnada. Não é incomum que a apelação seja uma repetição da inicial ou da contestação: isto é indesejável. O recurso tem que impugnar especificamente os fundamentos da decisão recorrida, embora possa, é claro, repisar alguns argumentos de fato ou de direito constantes nas peças iniciais. Ademais, recursos que não atacam especificamente os fundamentos da decisão impugnada geram uma quase impossibilidade de exercício pleno à defesa, porque dificultam sobremaneira a resposta: de duas uma, ou a parte responde ao recurso, ou sustenta que deve prevalecer a decisão impugnada.

(WAMBIER, Teresa Arruda Alvim … [et al] Coordenadores. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo [livro eletrônico]. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2016. Epub. ISBN 978-85-203-6758-2).

 

            A doutrina é uníssona em indicar que o respeito ao princípio da dialeticidade é pressuposto recursal de admissibilidade, ensejando seu descumprimento no não conhecimento do apelo, que não adentraria no meritum causae.

 

            Nessa esteira, Luiz Guilherme Marinoni:

“O relator deve inadmitir – isto é, não conhecer – o recurso quando esse não preencher os requisitos intrínsecos e/ou extrínsecos que viabilizam o seu conhecimento. Inadmissibilidade é gênero no qual se inserem as espécies recurso prejudicado e recurso sem impugnação específica – rigorosamente, portanto, bastaria alusão à inadmissibilidade. Recurso prejudicado é recurso no qual a parte já não tem mais interesse recursal, haja vista a perda de seu objeto – enquadrando-se, portanto, no caso de inadmissibilidade (ausência de requisito intrínseco de admissibilidade recursal). Recurso sem impugnação específica é aquele que não enfrenta os fundamentos invocados pela decisão recorrida (ausência de requisito extrínseco de admissibilidade recursal)”.

(MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo código de processo civil [livro eletrônico]. – São Paulo: RT, 2015. Epub. ISBN 978-85-203-6024-8).

 

Ademais, o recurso não pode ser uma genérica e desmotivada súplica de reapreciação da decisão, apenas com o propósito de protelar o cumprimento do comando judicial, sob pena de violar-se igualmente o princípio constitucional de uma prestação jurisdicional célere, segura e eficiente, inclusive na seara criminal.

 

A propósito, o magistério de Flávio Cheim Jorge:

 

“Pelo princípio da dialeticidade se deve entender que todo recurso deve ser discursivo, argumentativo, dialético. A mera insurgência contra a decisão não é suficiente. Não basta apenas manifestar a vontade de recorrer. Deverá também o recorrente demonstrar o porquê de estar recorrendo, alinhando as razões de fato e de direito pelas quais entende que a decisão está errada, bem como o pedido de nova decisão”.

(JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 4ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 206).

 

 Portanto, sendo o recurso penal absolutamente vago, sem fundamentos concretos de fato e de direito que embase seu inconformismo, falta-lhe o necessário interesse processual, e, ao mesmo, tempo viola os princípios do contraditório e ampla defesa, ensejando sua inadmissibilidade em um juízo de prelibação recursal.

 

  1. Princípio da Dialeticidade Recursal Penal: entendimento jurisprudencial

A aplicabilidade do princípio de dialeticidade como pressuposto para conhecimento recursal encontrou na processualística civil seu primeiro campo de estudo doutrinário e jurisprudencial, sendo possível encontrar vários julgados a respeito de sua incidência.

Aliás, o Código de Processo Civil – CPC, expressamente reconhece o princípio da dialeticidade recursal, conforme se observa em seus dispositivos, verbis:

 

“Art. 932. Incumbe ao relator:

(…)

            III- não conhecer de recurso inadmissível, prejudicado ou que não tenha impugnado especificamente os fundamentos da decisão recorrida”. (grifo nosso)

 

            “Art. 1.010. A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:

            (…)

            III- as razões do pedido de reforma ou de decretação de nulidade”. (grifo nosso)

 

            “Art. 1.021. Contra decisão proferida pelo relator caberá agravo de interno para o respectivo órgão colegiado, observadas, quanto ao processamento, as regras do regimento interno do tribunal.

  • Na petição de agravo interno, o recorrente impugnará especificamente os fundamentos da decisão agravada”. (grifo nosso)

 

            O Código de Processo Penal – CPP, diploma bem mais antigo que seu congênere cível, não faz previsão expressa do princípio da dialeticidade.

Em face disso, no campo penal, o princípio da dialeticidade recursal começou mais tardiamente a ser objeto de interesse pelos autores, bem como apenas recentemente passou a ser citado e aplicado mais amiúde por nossos tribunais.

A possibilidade de aplicação da dialeticidade na área penal se encontra fundamentada na sistemática geral dos recursos, com seus postulados teóricos comuns, independentemente do direito material a ser aplicado.

Ademais, o direito processual penal admite o emprego de analogia e dos princípios gerais de direito, sendo certo que os artigos do CPC que lhe forem compatíveis em situações semelhantes podem figurar como regras integradoras para as soluções de demandas penais.

É o que estabelece o artigo 3º do CPP, verbis:

 

“Art. 3º. A lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito.”

 

Verifica-se amiúde a aplicação do princípio da dialeticidade recursal em feitos criminais, inclusive em julgados confirmatórios provenientes tanto do Superior Tribunal de Justiça – STJ quanto do Supremo Tribunal Federal – STF, retratando o direcionamento da jurisprudência pátria a respeito do tema.

 

Nesse diapasão, julgado paradigmático do Supremo Tribunal Federal:

 

DECISÃO: EMENTA: Processual Penal. Recurso ordinário em habeas Corpus. Aplicação do princípio da consunção. Supressão de instâncias. Jurisprudência do Supremo tribunal Federal. 1. Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, com pedido liminar, interposto contra acórdão unânime da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça, assim ementado: “HABEAS CORPUS. INDEFERIMENTO LIMINAR. IMPETRAÇÃO EM SUBSTITUIÇÃO AO RECURSO CABÍVEL. UTILIZAÇÃO INDEVIDA DO REMÉDIO CONSTITUCIONAL. VIOLAÇÃO AO SISTEMA RECURSAL. APLICAÇÃO DO PRINCÍPIO DA CONSUNÇÃO ENTRE OS DELITOS DE SUPRESSÃO DE DOCUMENTO PÚBLICO E INSERÇÃO DE DADOS FALSOS EM SISTEMA DE INFORMAÇÃO PELO DE FALSIFICAÇÃO DE ALVARÁ. MATÉRIA NÃO ANALISADA NO ACÓRDÃO IMPUGNADO. SUPRESSÃO DE INSTÂNCIA. EFEITO DEVOLUTIVO RESTRITO À FUNDAMENTAÇÃO DO RECURSO. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO NAS RAZÕES RECURSAIS. COAÇÃO ILEGAL NÃO CONFIGURADA. DESPROVIMENTO DO RECLAMO. 1. A via eleita revela-se inadequada para a insurgência contra o ato apontado como coator, pois o ordenamento jurídico prevê recurso específico para tal fim, circunstância que impede o seu formal conhecimento. 2. O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte que defende os interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do devido processo legal. 3. A almejada absorção dos delitos de supressão de documento público e de inserção de dados falsos em sistema de informação pelo de falsificação de alvará não foi alvo de deliberação pela autoridade impetrada, até mesmo porque não foi suscitada nas razões recursais. 4. A matéria deveria ter sido arguida no momento oportuno e perante o juízo competente, no seio do indispensável contraditório, circunstância que evidencia a impossibilidade de análise da impetração por este Sodalício quanto a este ponto, sob pena de supressão de instância. Precedentes. 5. Agravo regimental desprovido.” 2. Extrai-se dos autos que o paciente foi condenado às penas de 16 anos, 6 meses e 13 dias de reclusão, em regime inicial fechado, pela prática do crime previsto nos art. 305, 313-A, 293, V, e 288, todos do Código Penal, e 2 meses e 9 dias de detenção, pela prática do crime previsto no art. 321 do CP. 3. Inconformada, a defesa interpôs apelação, tendo o recurso sido parcialmente provido para absolver o réu do crime de quadrilha, bem como reduzir as penas quanto aos demais crimes. Contra esta decisão foram opostos embargos infringentes, que foram rejeitados. Na mesma oportunidade, foi extinta a punibilidade do paciente quanto ao crime do art. 321, do Código Penal, tendo em vista a ocorrência da prescrição da pretensão punitiva estatal. 4. Na sequência, foi impetrado habeas corpus no Superior Tribunal de Justiça. O Relator do HC 587.359, Min. Jorge Mussi, indeferiu liminarmente o writ. Interposto agravo regimental, o recurso foi desprovido. Opostos embargos de declaração, estes foram rejeitados. 5. Neste recurso ordinário, a defesa sustenta: (i) “falta de justa causa para a persecução criminal decorrente da absorção dos crimes de supressão de documento público (CP, art. 305) e inserção de dados falsos em sistema de informações (CP, art. 313-A), considerados crimes-meio, pelo crime de falsificação de alvará (CP, art. 293, inc. V), considerado crime-fim, mediante aplicação do princípio da consunção; (ii) “se a matéria é de ordem pública, deve ela ser conhecida espontaneamente pela autoridade apontada como coatora, não como simples faculdade, mas, sim, como dever jurídico imposto pelo ordenamento”. 6. Decido. 7. O recurso ordinário não deve ser provido. 8. Verifica-se que a alegação de falta de justa causa para a persecução criminal quanto aos crimes de supressão de documento público e inserção de dados falsos em sistema de informação em razão da aplicação do princípio da consunção não foi apreciada pelas instâncias antecedentes (TJ/SP e STJ), o que impede o imediato exame da matéria pelo Supremo Tribunal Federal, sob pena de dupla supressão de instâncias. Veja-se a seguinte passagem do voto condutor do acórdão proferido pelo STJ: “[…] (…) verifica-se que a alegada falta de justa causa para a persecução criminal quanto aos crimes de supressão de documento público e inserção de dados falsos em sistema de informação em razão da aplicação do princípio da consunção não foi alvo de deliberação pela autoridade impetrada no acórdão impugnado, até mesmo porque não foi suscitada nas razões recursais (e-STJ fls. 677/687), circunstância que impede a manifestação deste Sodalício sobre o tópico, sob pena de se configurar a prestação jurisdicional em indevida supressão de instância. Há que se ressaltar que embora o apelo interposto tenha devolvido ao Tribunal de origem o exame da matéria controvertida, a defesa não pode arguir, somente nesta Corte Superior, questões não apreciadas pelas instâncias ordinárias. Como é cediço, o efeito devolutivo da apelação encontra limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao princípio da dialeticidade que rege os recursos previstos no âmbito do processo penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do contraditório pela parte detentora dos interesses adversos, garantindo-se, assim, o respeito à clausula constitucional do devido processo legal. […] Portanto, tendo em vista que o recurso de apelação devolve para o órgão ad quem apenas o exame da matéria impugnada, que se restringe aos limites da insurgência, a Corte de origem não tratou do citado tema, que deveria, por óbvio, ter sido arguido no momento oportuno e perante o juízo competente, garantindo-se o indispensável contraditório. […]”. 9. Nessa linha, vejam-se o HC 143.709-AgR, Rel. Min. Luiz Fux; o HC 174.195, redator para o acórdão o Min. Alexandre de Moraes; e o HC 190.125-AgR, Relª. Minª. Rosa Weber. 10. E mais: a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal firmou-se no sentido de que, ainda que se trate de questão de ordem pública, é necessário o prévio debate da matéria pelas instâncias antecedentes. Vejam-se, nesse sentido: RE 567.165-AgR, Rel.ª Min.ª Ellen Gracie; AI 856.947-AgR, Rel. Min. Dias Toffoli; ARE 713.213-AgR, Rel. Min. Ricardo Lewandowski; e AI 733.846-AgR, Relª. Min.ª Cármen Lúcia; e RHC 124.192, Rel. Min. Dias Toffoli. 11. Mesmo que superado este óbice, eventual acolhimento da tese defensiva em relação à aplicabilidade do princípio da consunção demandaria o revolvimento do conjunto fático-probatório, o que é inviável na via restrita do habeas corpus. Nessa linha, veja-se o HC 156.259-AgR, Relª. Minª. Rosa Weber. 12. Nessas condições, não verifico situação de teratologia, ilegalidade flagrante ou abuso de poder que autorize o acolhimento da pretensão defensiva. 13. Diante do exposto, com base no art. 192, c/c o art. 312, ambos do RI/STF, nego provimento ao recurso ordinário em habeas corpus. Publique-se. Brasília, 02 de março de 2021. Ministro LUÍS ROBERTO BARROSO Relator.

(STF – RHC: 198271 SP 0134743-89.2020.3.00.0000, Relator: ROBERTO BARROSO, Data de Julgamento: 02/03/2021, Data de Publicação: 08/03/2021). (destaque nosso).

 

Na mesma esteira, o Superior Tribunal de Justiça:

 

PENAL E PROCESSO PENAL. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. 1. FUNDAMENTO DA DECISÃO AGRAVADA. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO ESPECÍFICA. OFENSA À DIALETICIDADE. NOVA INCIDÊNCIA DA SÚMULA N. 182/STJ. 2. PRESCRIÇÃO DA PRETENSÃO PUNITIVA ESTATAL. EXAME DE OFÍCIO. ART. 61 DO CPP. NÃO IMPLEMENTO DO PRAZO PRESCRICIONAL ENTRE OS MARCOS INTERRUPTIVOS. 3. ACÓRDÃO CONFIRMATÓRIO. MARCO INTERRUPTIVO. TESE FIRMADA PELO PLENÁRIO DO STF. HC 176.473/STF. 4. RECURSO ESPECIAL NÃO ADMITIDO. AGRAVO NÃO CONHECIDO. TRÂNSITO EM JULGADO QUE RETROAGE. ARESP 386.266/SP. 5. AGRAVO NÃO CONHECIDO. 1. A petição recursal do agravante esbarra mais uma vez no óbice do enunciado n. 182 da Súmula desta Corte, porquanto não foi impugnada sua incidência na decisão agravada. A não impugnação específica e pormenorizada dos fundamentos da decisão agravada inviabiliza o conhecimento do agravo, por violação do princípio da dialeticidade, uma vez que os fundamentos não impugnados se mantêm. Dessarte, não é suficiente a assertiva de que todos os requisitos foram preenchidos, ou a insistência no mérito da controvérsia. 2. Embora não seja possível conhecer do recurso, passo ao exame do pedido de extinção da punibilidade, com fundamento no implemento da prescrição da pretensão punitiva estatal, haja vista o disposto no art. 61 do Código de processo Penal. Compulsando os autos, verifica-se não ter se implementado o prazo prescricional de 4 anos entre os marcos interruptivos da prescrição. 3. Não obstante a Corte Especial do STJ ter firmado entendimento em sentido contrário, o Plenário do STF, no julgamento do HC n. 176.473/RR, fixou tese no sentido de que, “nos termos do inciso IV do artigo 117 do Código Penal, o acórdão condenatório sempre interrompe a prescrição, inclusive quando confirmatório da sentença de 1º grau, seja mantendo, reduzindo ou aumentando a pena anteriormente imposta”. Dessarte, com a publicação do acórdão que julgou o recurso da apelação, em 23/10/2015, houve nova interrupção do prazo prescricional. 4. Considerando que o recurso especial não foi admitido e que o agravo em recurso especial não foi sequer conhecido, tem-se que o trânsito em julgado retroage à data do término do prazo para interposição do último recurso cabível (11/4/2019), conforme entendimento firmado pela Terceira Seção desta Corte, no julgamento dos Embargos de Divergência no Agravo em Recurso Especial n. 386.266/SP. Dessarte, não há se falar em prescrição da pretensão punitiva estatal. 5. Agravo regimental não conhecido.

(AgRg no AResp 1647449/SP, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 05.05.2020). (destaque nosso)

 

“(…) 1. O efeito devolutivo do recurso de apelação criminal encontra
limites nas razões expostas pelo recorrente, em respeito ao
princípio da dialeticidade que rege os recursos no âmbito
processual penal pátrio, por meio do qual se permite o exercício do
contraditório pela parte que defende os interesses adversos,
garantindo-se, assim, o respeito à cláusula constitucional do
devido processo legal. (…)”

(HC 191568/SP, 5ª Turma, STJ, Rel. Min. Jorge Mussi, julgado em 07.02.2013).

 

AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. PROCESSUAL PENAL. APELO RARO. INADMISSÃO. FUNDAMENTOS. IMPUGNAÇÃO. AUSÊNCIA. RECURSO INTERNO. COMPLEMENTAÇÃO. DESCABIMENTO. PRECLUSÃO CONSUMATIVA. QUESTÕES DE MÉRITO. ANÁLISE. INVIABILIDADE. AGRAVO REGIMENTAL DESPROVIDO.

  1. O princípio da dialeticidade, positivado no art. 932, inciso III, do Código de Processo Civil, aplicável por força do art. 3.º do Código deProcesso Penal, impõe ao recorrente o ônus de demonstrar o desacerto da decisão agravada, impugnando todos os fundamentos nela lançados para obstar sua pretensão. Não feito isso, tem incidência a Súmula n.º 182 do STJ.
  2. No caso concreto, as razões do agravo em recurso especial não impugnaram as afirmações do Tribunal de origem de que a análise do recurso especial estaria inviabilizada pela incidência das Súmulas ns. 7 e 83 do Superior Tribunal de Justiça.
  3. Pela ocorrência de preclusão consumativa, mostra-se inviável buscar, no agravo regimental, suprir as deficiências existentes na fundamentação das razões do agravo em recurso especial.
  4. Não ultrapassado o juízo de admissibilidade do agravo em recurso especial, mostra-se inviável proceder à análise da viabilidade das alegações suscitadas no apelo raro.
  5. Agravo regimental desprovido.

(AgRg no AREsp 1496039/MG, Rel. Ministra LAURITA VAZ, SEXTA

TURMA, julgado em 15/08/2019, DJe 03/09/2019). (grifo nosso)

 

Ainda em relação ao STF e STJ, os seguintes julgados confirmando a incidência do princípio da dialeticidade aos recursos criminais:

 

AgInt no REsp 1248617/RS, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em10/04/2018, DJe 20/04/2018 e AgInt no AgInt no AREsp 1125405/GO, Rel. Ministra REGINAHELENA COSTA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 20/03/2018, DJe 06/04/2018.

 

AR 2340 AgR, Relator(a): Min. GILMAR MENDES, Tribunal Pleno, julgado em 12/04/2018, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-080 DIVULG 24-04-2018 PUBLIC 25-04-2018.

 

            Deve ser acrescentada a presença do princípio da dialeticidade no direito sumular, plenamente aplicável nas insurgências no âmbito criminal:

 

Súmula no 287 do STF: “Nega-se provimento ao agravo, quando a deficiência em sua fundamentação, ou no do recurso extraordinário, não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

 

Súmula no 284 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário, quando a deficiência na sua fundamentação não permitir a exata compreensão da controvérsia”.

 

Súmula no 282 do STF: “É inadmissível o recurso extraordinário quando não ventilada, na decisão recorrida, a questão federal suscitada”.

 

Súmula no 126 do STJ: “É inadmissível o recurso especial, quando o acordão recorrido assenta em fundamentos constitucional e infraconstitucional, qualquer deles suficiente, por si só, para mantê-lo, e a parte vencida não manifesta recurso extraordinário”.

 

Súmula no 182 do STJ: “É inviável o agravo do art. 545 do CPC que deixa de atacar especificamente os fundamentos da decisão agravada”.

 

Acatando a orientação do STF e STJ, os tribunais estaduais igualmente passaram a aplicar nos recursos penais o princípio da dialeticidade:

 

Apelação criminal. Posse ilegal de arma de fogo de uso permitido. Argumentos pontuais para reforma da sentença. Ausência. Princípio da dialeticidade. Violação. Configuração. Recurso não conhecido. O princípio da dialeticidade recursal preceitua que a parte, ao recorrer, não deve apenas manifestar sua inconformidade com o ato judicial impugnado, mas, necessariamente indicar os motivos de fato e de direito pelos quais requer o novo julgamento da questão nele cogitada, sem o que não se conhece o recurso. (Apelação, Processo nº 0001565-96.2013.822.0020, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Criminal, Relator(a) do Acórdão: Des. José Jorge R. da Luz, Data de julgamento: 05/10/2017). (destaque nosso)

 

Embargos de declaração. Acórdão. Fundamentos. Princípio da dialeticidade. Inobservância. Pelo princípio da dialeticidade, deve o recurso demonstrar e atacar o desacerto da decisão fustigada, sua falta de conformidade com o sistema jurídico, de forma a ser removido o obstáculo criado à satisfação da pretensão do recorrente. Não deve ser conhecido o recurso, cujas razões reportaram na íntegra os termos do recurso oposto anteriormente e preservam intactos os fundamentos que serviram de suporte à conclusão exposta no dispositivo do acórdão.

(Embargos de Declaração, Processo nº 0001963-73.2013.822.0010, Tribunal de Justiça do Estado de Rondônia, 1ª Câmara Cível, Relator(a) do Acórdão: Des. Raduan Miguel Filho, Data de julgamento: 05/12/2018). (destaque nosso).

 

  1. Conflito Aparente entre o Princípio da Dialeticidade Recursal e o Princípio do Duplo Grau de Jurisdição.

            Surgiu no meio acadêmico alguma dúvida sobre a constitucionalidade da aplicação do princípio da dialeticidade e seu aparente conflito com a garantia do duplo grau de jurisdição.

Não resta dúvida que o princípio do duplo grau de jurisdição possui previsão constitucional implícita, figurando como garantia fundamental, encontrando embasamento interpretativo nos artigos 5º, inciso LV e 102, incisos II e II da Constituição Federal. Portanto, precisa ser respeitado pelas normas infraconstitucionais.

Como visto, o princípio da dialeticidade recursal, a par de decorrer de uma sistemática lógica da processualística, ligada ao interesse de agir (recorrer) da parte, possui previsão em normas infraconstitucionais, tais como o CPC e regimentos internos dos tribunais, com aplicabilidade analógica às lides criminais, conforme o artigo 3º do CPP.

Aparentemente a exigência do legislador infraconstitucional da exposição fundamentada de fato e de direito nas razões de recurso, pode aparentemente parecer violar o duplo grau de jurisdição, o que tornaria o pressuposto de admissibilidade recursal da dialeticidade inconstitucional.

É assente que não há direito ou princípio constitucional absoluto. Assim também o é em relação ao duplo grau de jurisdição, que pode ser regulamentado com o propósito de ser corretamente aplicado.

Não se pode alargar a garantia do duplo grau de jurisdição a ponto de violar outros direitos fundamentais, como o contraditório, ampla defesa e prestação jurisdicional célere.

Na verdade, o princípio da dialeticidade, antes que violar ou afastar o duplo grau de jurisdição, o reafirma, pois permite, com seu regramento, a possibilidade concreta do exercício da atividade recursal (submissão do caso à reexame por outra instância), respeitando o contraditório e a ampla defesa, harmonizando, portanto, o sistema processual aos ditames constitucionais.

O princípio da dialeticidade figura como um mecanismo racionalizador para o exercício efetivo do duplo grau de jurisdição, afastando, mediante um filtro normativo concretizado pelo julgador, as situações teratológicas de pedidos revisionais desprovidos de qualquer interesse recursal.

Nesse sentido, Jorge Augusto da Conceição Moreira:

 

“O recurso é composto por dois elementos: “volitivo” (referente à vontade da parte em recorrer) e o “descritivo” (consubstanciado nos fundamentos e pedido constante do recurso). O princípio da dialeticidade diz respeito ao segundo elemento, exigindo do recorrente a exposição da fundamentação recursal (causa de pedir: error in iudicando e error in procedendo) e do pedido (que poderá ser anulação, reforma, esclarecimento ou integração)”.

(MOREIRA, Jorge Augusto da Conceição. Conflito aparente entre o princípio do duplo grau de jurisdição e o princípio da dialeticidade recursal no Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito processual civil/conflito aparente entre o princípio do duplo grau de jurisdição e o princípio da dialeticidade recursal no Código de Processo civil de 2015/ Acesso em 16.02.2022).

 

Ainda, Fernanda Ribeiro Uchôa Teixeira Sales:

 

Verifica-se, portanto, que os princípios constitucionais e infraconstitucionais funcionam de forma harmônica e não estanques, portanto, não são absolutos. O princípio da dialeticidade não tem como função precípua limitar o duplo grau de jurisdição, somente o faz quando o recurso é desfundamentado ou mero repetidor de petição anterior, causando prejuízos à parte contrária para o exercício da ampla defesa e contraditório, bem como inviabiliza o correto julgamento pelo Tribunal.”

(SALES, Fernanda Ribeiro Uchôa Teixeira, Questões e reflexões sobre a constitucionalidade do princípio da dialeticidade frente ao princípio do duplo grau de jurisdição. Disponível em: https://uerjlabuta.com/2021/11/16/questoes-e-reflexoes-sobre-a-constitucionalidade-do-principio-da-dialeticidade-frente-ao-principio-do-duplo-grau-de-jurisdicao/Acesso em 16.02.2022).

 

No processo penal mais adequada se torna a previsão da dialeticidade recursal, visto ser imperativo constitucional o respeito ao contraditório, ampla defesa, lealdade e boa-fé processual e a paridade de armas, possibilitando a parte ex adversa conhecer e argumentar contrariamente aos fundamentos apresentados no recurso, não podendo ser ele vago e genérico.

Portanto, não há conflito entre o duplo grau de jurisdição e o princípio da dialeticidade recursal, que convivem harmonicamente sob o manto da constitucionalidade material.

 

CONCLUSÃO

O processo penal é essencialmente dialético, devendo os argumentos apresentados pelas partes serem expostos com clareza e concretude, possibilitando o exercício silogístico do magistrado ao prolatar sua decisão.

Na fase recursal, igualmente é necessário que o recorrente exponha e delimite sua insurgência, possibilitando a parte contrária exercer seu direito ao contraditório e ampla defesa, primados constitucionais.

A moderna doutrina processual penal adota o princípio da dialeticidade recursal como pressuposto de conhecimento para as impugnações de decisões proferidas, com pedido de reexame a superior instância. A jurisprudência também albergou citado princípio.

Nesse cenário, o princípio da dialeticidade recursal penal se configura em instituto jurídico importante e fundamental na sistemática processual, que exigirá da doutrina e jurisprudência profundo estudo de temas relevantes oriundos de sua aplicabilidade prática, sempre observando que a finalidade é a harmonia entre um direito criminal mais célere e racional com o respeito aos predicamentos dos direitos humanos básicos do cidadão.

 

REFERÊNCIAS

AVENA, Norberto. Processo penal: esquematizado. 3ª edição. São Paulo: Método, 2011.

 

BADARÓ, Gustavo Henrique. Processo penal, 4ª edição revista, atualizada e ampliada. São Paulo, Thompson Reuters, Revista dos Tribunais, 2016.

 

GARCIA, Leonardo. Entendimentos criminais do STF e STJ / Coordenadores Leonardo Garcia e Roberval Rocha – 3ª edição rev., atual. e ampl. Salvador: Editora JusPodvim, 2021.

 

GRINOVER, Ada Pelegrini; FERNANDES, Antônio Scarance; GOMES FILHO, Antônio Magalhães. As nulidades no processo penal. 8. ed. rev. atual. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2004.

 

JORGE, Flávio Cheim. Teoria Geral dos Recursos Cíveis. 4ª ed. São Paulo: RT, 2009, p. 206.

 

LIMA, Renato Brasileiro de. Código de Processo Penal Comentado. Salvador: Juspodivm, 2016.

 

LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 6 ed. rev. Ampl e atual. Salvador: Ed. JusPodivm, 2018.

 

MARINONI, Luiz Guilherme; ARENHART, Sérgio Cruz; MITIDIERO, Daniel. O novo código de processo civil [livro eletrônico]. – São Paulo: RT, 2015.

 

MASSON, Cléber. Código Penal Comentado. 2ª edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.

 

MELO, Celso Antônio Bandeira, Curso de Direito Administrativo, 26 ed., São Paulo: Malheiros, 2009.

 

MOREIRA, Jorge Augusto da Conceição. Conflito aparente entre o princípio do duplo grau de jurisdição e o princípio da dialeticidade recursal no Código de Processo Civil de 2015. Disponível em: https://ambitojuridico.com.br/cadernos/direito processual civil/conflito aparente entre o princípio do duplo grau de jurisdição e o princípio da dialeticidade recursal no Código de Processo civil de 2015/ Acesso em 16.02.2022.

 

PIEDADE, Antônio Sergio Cordeiro; AIDAR, Ana Carolina Dal Ponte. Resumo de Direito Processual Penal. São Paulo: JH MIZUNO, 2020.

 

SALES, Fernanda Ribeiro Uchôa Teixeira, Questões e reflexões sobre a constitucionalidade do princípio da dialeticidade frente ao princípio do duplo grau de jurisdição. Disponível em: https://uerjlabuta.com/2021/11/16/questoes-e-reflexoes-sobre-a-constitucionalidade-do-principio-da-dialeticidade-frente-ao-principio-do-duplo-grau-de-jurisdicao/Acesso em 16.02.2022.

 

TOURINHO FILHO, Fernando da Costa. Processo Penal. 32ª ed. São Paulo: Saraiva 2010.

 

WAMBIER, Teresa Arruda Alvim … [et al] Coordenadores. Primeiros comentários ao novo Código de Processo Civil: artigo por artigo [livro eletrônico]. 2ª Ed. São Paulo: RT, 2016.

 

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One Reply to “O Princípio da Dialeticidade Recursal no Processo Penal”

  1. Excelente artigo. Tambem sou de opinião que um RECURSO não deve conter apenas os argumentos da petição inicial (autor que sucumbiu) ou da DEFESA, que contestou e não teve, total ou parcial. O Recurso há de enfrentar sobretudo as razões adotadas pelo juiz na sentença recorrida vis-à vis as razões do recurso. Claro, pode haver o aproveitamento de argumentos já deduzidos em outras peças do processo (petição inicial, contestação, alegações finais, conforme o caso).

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