Embate Hart-Dworkin: a concepção de direito e obrigação jurídica

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Resumo: O debate Hart-Dworkin é organizado em torno de uma das questões mais profundas na filosofia do direito, ou seja, a relação entre legalidade e moralidade, bem como a implicação desta na interpretação do direito e da existência, ou não, da discricionariedade judicial. O presente texto ainda perfila alguma das condições para a aplicação do poder discricionário, acenando com uma perspectiva crítica acerca da evolução conceitual e peculiaridades de aplicação dos princípios, com ênfase no seu papel de racionalização da argumentação e hermenêutica jurídicas.[1]

Palavras-chave: hart; dworkin; discricionariedade

Abstract: The Hart-Dworkin debate is organized around one of the deepest questions in philosophy of law,  the relationship between legality and morality as well as the implication of this interpretation of the law and whether or not the discretion court. This text also profiles some of the conditions for the application of discretion, waving a critical perspective on the conceptual evolution and peculiarities of application of the principles, with emphasis on its role of rational argumentation and legal hermeneutics.

Keywords: hart, dworkin; discretion

Sumário: 1.A concepção de Hart; 2.A concepção de Dworkin; 3.  Conflito e Conclusão; Referências.

A CONCEPÇÃO DE HART

Ainda que confirme a impossibilidade de formular uma teoria que descreva todas as nuances do Direito, Hart se esforça em abarcar a inteireza do fenômeno jurídico, com o fito de preencher algumas lacunas de certas teorias jurídicas já que o problema de definições anteriores é que elas abrangem apenas alguns aspectos jurídicos, olvidando de outros  importantes.

Hart lança questões que estão presentes em todos os ordenamentos jurídicos existentes, quais sejam: Como o direito pode se diferenciar de ordens baseadas em ameaças e como se relaciona com essas?  Como se estabelece a tenuidade entre a obrigação jurídica e a moral? Em que condição uma conduta pode ser considerada como obrigatória ou facultativa? O direito pode ser considerado como uma união de regras? O que elas são e como surgem? (HART, 1986, p.10-18).

Hart afirma, contrariando a teoria que identifica o direito com ordens coercitivas, que não se pode impor ordens se não se dispõe de direito legítimo para tanto. Com efeito, o comando se baseia no respeito à obediência hierárquica existente nas relações interpessoais. Neste passo, a imposição de condutas por funcionários não é o método padrão do direito, daí existirem leis gerais e abstratas que dão conta das condutas sociais.

Primeiramente, para configurar uma regra, deve-se eleger determinada conduta como um padrão. As regras são concebidas e referidas como impondo obrigações quando a procura geral de conformidade com elas é insistente e a pressão social é grande sobre aqueles que se desviam delas.

 Em seguida, o autor expõe sua teoria da combinação de regras primárias de obrigação e secundárias de reconhecimento (HART, 1986, p. 89). A regra primária, que se define como aquela que estatui deveres e direitos e a secundária, que possibilita que sejam criadas as segundas, ao atribuir poderes.  Desta forma, para se chegar ao que seria direito, há de se efetivar a junção destas regras (HART, 1986, p. 103).

Para que um hábito seja considerado uma regra, demandará tempo e o inverso também é verdadeiro. Um processo de enfraquecimento desta regra demandará um tempo enorme, tornando certos hábitos estáticos. E o terceiro e último problema é o da eficácia. Trata-se da necessidade de impor os castigos às violações às regras, impostas por órgãos autorizados para dar real efetividade às regras.

Para que se resolvam esses problemas, e determinar o aspecto jurídico das regras, é necessário que se incorporem as regras secundárias às primárias (HART, 1986, p. 102). Para a crise de incerteza, se acoplam às regras primárias, as regras secundárias de reconhecimento. Este reconhecimento, além de dirimir a incerteza, agrega o fato da validade das regras (HART, 1986, p. 104). Para o problema da estática, cria-se o regime das regras de alteração. Que determina que algumas regras sejam destinadas a alguns indivíduos para que insiram ou alterem as regras primárias (HART, 1986, p. 105).

Cumpre agora explicitar de que modo a concepção de Hart implica na interpretação das regras por ele propostas. Hart argumenta que as regras gerais é que devem ser o principal instrumento de controle social, uma vez que são importantes a abstração e generalidade das regras jurídicas como forma de padronização das condutas sociais. A textura aberta das regras advém, por sua vez, dos termos gerais aplicados para prescrever as condutas. Nesse passo, como modelos de comunicação de tais padrões de condutas, temos as leis e os precedentes. Todavia, afirma: Mesmo quando são usadas regras gerais formuladas verbalmente, podem, em casos particulares concretos, surgir incertezas quanto á forma de comportamento exigido por elas.

Portanto os limites de aplicação do âmbito da regra são de linguagem. Esta não pode enunciar todos os casos em que pode ser aplicada, nem os fatos podem ser rotulados previamente como sendo subsumidos à regra. Hart conclui que, como não há uma convenção acerca das possibilidades de significados que um termo pode ter, o intérprete deve fazer uma escolha entre qual significado aplicar (1986, p.140). Nesse sentido, podemos observar que o autor prega um poder discricionário aberto pelos limites apresentados pela linguagem.

Neste passo, Hart atesta a função criadora dos tribunais, pois estes criam o direito na mesma medida em que os funcionários da administração o fazem com sua competência de editar atos administrativos para dar concreção a uma determinada lei. Todavia, os juízes devem manter os padrões estabelecidos pela regras de reconhecimento, sendo impossível a criação de diretrizes padronizadas pelo próprio judiciário. Os limites de sua interpretação discricionária estariam, portanto, nas leis. Estas limitam a discricionariedade, mas não a exclui, afirma Hart (1986, p. 155-161).

A CONCEPÇÃO DE DWORKIN

Como ponto de partida, o filósofo estabelece uma premissa inicial de que, na prática, existe divergência quanto à interpretação do que seria o direito, ou melhor, uma divergência sobre a interpretação daquilo que constitui o fundamento do direito.

Com efeito, a divergência pode ocorrer em alguns aspectos, mas não em casos centrais. A maioria das divergências é sobre os fundamentos do direito e não acerca dos fatos que o constituem. Esta situação nos faz demonstrar que o âmbito da divergência é outro, ou seja, o problema está circunscrito às teorias interpretativas a serem utilizadas pelos juízes na aplicação do direito (DWORKIN, 1999, p. 55-56).

Nesse passo, Dworkin (1999, p. 46) rejeita expressamente o positivismo jurídico, porquanto esta teoria está estabelecida na idéia de incompletude do ordenamento jurídico, na medida em que não aceita que os indivíduos tenham outros direitos, fora aqueles que estão previstos por instituições sociais específicas reconhecidas como produtoras do Direito, além de não poder responder à questão da divergência teórica existente no Direito.

Ademais, em contraposição à teoria de Hart, o direito deve ser considerado como uma junção de princípios e regras, na medida em que ambas se conformam como padrões jurídicos a serem seguidas no caso de obrigações jurídicas. Os princípios estabelecem uma direção a ser tomada para promover ou assegurar uma situação econômica, política ou social considerada desejável, enquanto exigência de justiça ou equidade ou alguma outra dimensão da moralidade política. Os princípios têm peso, o que as regras não têm.

O autor salienta que para que haja divergência de concepções acerca de algo, tem de haver, inicialmente, um mínimo de consenso e aquilo que o autor aponta como consenso nas teorias é a força coercitiva do direito. Portanto, a concepção mais adequada deve apontar uma melhor justificativa e fundamentação para o uso da coerção por parte do Estado.

Dworkin pondera que o direito deve levar em consideração a integridade moral e considerar esses valores como diferentes do valor justiça, portanto, para que seja alcançado há de se levar em consideração uma exigência de preferência entre princípios, seja pelo legislador, seja pelo julgador na aplicação do direito. Tomando por base as falhas de outras concepções, o autor lança mão de sua própria: o direito como integridade.

A integridade refere-se ao compromisso de que o governo aja de modo coerente e fundamentado em princípios, a fim de estender a cada um os padrões fundamentais de justiça e equidade (DWORKIN, 1999, p. 201-202). Segundo Dworkin (1999, p. 203), será mais fácil entender a interpretação construtiva do Direito, se aceitarmos a integridade como uma virtude política, uma vez que as exigências da mesma se dividem em integridade na legislação e a integridade no julgamento. Segundo Dmitruk (2007 p 152-153):

“o caminho feito por Hércules para encontrar a melhor resposta a um caso difícil é o seguinte: 1) Encontrar, uma teoria coerente sobre os direitos em conflito, tal se pudesse chegar à maioria dos resultados que as decisões anteriores dos tribunais relatam; 2) Selecionar diversas hipóteses que possam corresponder à melhor interpretação do histórico das decisões anteriores; caso elas se contradigam é necessário encontrar uma correta; 3) Encontrar a hipótese correta, a partir do pensamento de que o direito é estruturado por um conjunto coerente de princípios sobre justiça e equidade. A partir de uma teoria coerente sobre política e direito é possível encontrar uma resposta satisfatória quando princípios conflitam; 4) Eliminar toda hipótese que seja incompatível com a prática jurídica de um ponto de vista geral. 5) Colocar a interpretação à prova. Perguntar-se-á se essa interpretação é coerente o bastante para justificar as estruturas e decisões políticas anteriores de sua comunidade”.

 Dworkin justifica o nome de Hércules, uma vez que nenhum juiz real poderia aproximar-se da tarefa que a ele foi confiada. Todavia, esta prática deve ser acentuada no momento de uma decisão, para que esta se justifique politicamente e possa evitar o poder discricionário do juiz.

Em franca oposição ao pensamento de Hart, Dworkin rejeita a idéia de que os juízes são completamente livres para decidir os casos difíceis, como defendem os positivistas, apoiados apenas em suas próprias considerações acerca daquilo que seria melhor para o caso.

O autor, em seguida, define o poder discricionário construindo três acepções para o termo discricionariedade. Segundo Ikawa (2004, p. 98),

“a primeira é a aplicação por funcionários de critérios estabelecidos por uma autoridade superior, ou mais especificamente, na escolha, pelo juiz, entre critérios “que um homem razoável poderia interpretar de diversas maneiras”. A segunda acepção é a ausência de revisão da decisão tomada por uma autoridade superior. Essas duas acepções perfazem para Dworkin, uma discricionariedade me sentido fraco, sendo amparadas por Hart. Apenas a terceira acepção indica o ponto de discordância. É a discricionariedade no sentido forte, implicando ausência de vinculação legal a padrões previamente determinados”.

 Em suma, a discricionariedade não determina que o juiz possa decidir sem seguir padrões mínimos de bom senso e equidade, mas sempre seguindo os padrões estabelecidos pela autoridade. No sentido forte, entretanto, a decisão dotada de discricionariedade não pode ser equivocada por ser desobediente, pois os juízes aplicam seus próprios padrões nos casos em que as regras não respondem, e os padrões invocados por eles não lhes vinculam ou impõem obrigações jurídicas.

Dworkin arremata que os positivistas têm de considerar o caráter extrajurídico dos princípios, porque a regra de reconhecimento não poderia dar justificativa a esses padrões como jurídicos, pois não há regras que determinem sua produção ou existência.

Do mesmo modo, não podem ser elencados quaisquer princípios tomando por base o entendimento pessoal do julgador, pois poderia significar a justificação da alteração radical de regras socialmente enraizadas. Ademais, os julgadores não são livres para escolhê-los, pois nenhuma regra seria obrigatória, caso pudessem elencar os padrões principiológicos que lhes aprouvessem.

CONCLUSÃO

Hart afirma que sua teoria descritiva pode aceitar a presença de princípios que podem ser invocados pelo juiz no momento da decisão, todavia, tais princípios, decorrentes de uma moral convencional e desde que considerados como jurídicos pela regra de reconhecimento, são utilizados de forma discricionária pelo juiz, na medida em que não possuem obrigação jurídica de invocá-los para resolver um determinado caso difícil.

Dworkin, por sua vez, utiliza o argumento do Direito como integridade para justificar sua teoria e afastar a posição positivista. Portanto, o direito deve ser considerado como um conceito interpretativo e deve ser interpretado de forma construtiva, para que seja construído sob sua melhor luz, a fim de justificar a utilização da coerção estatal. Nesse sentido, o direito como integridade requer que se interpretem as decisões políticas passadas de maneira a dar-lhes a melhor interpretação, de acordo com as finalidades do direito. Por fim, pudemos observar que a formulação proposta por Hart é mais utilizada, ainda que inconscientemente, pelos juízes.

 Os valores morais que lançam mão para julgar um caso, não são aqueles advindos de uma construção histórico-política ou de uma análise das decisões políticas anteriores, seguidas de uma teoria a respeito de como o direito deve ser interpretado. Ainda que combatam, é impossível negar que os juízes julgam como querem, ou seja, de acordo com aquilo que julgam a melhor forma de analisar o fenômeno jurídico, aumentando a margem de discricionariedade em suas decisões e pondo em xeque um conceito caro ao positivismo: a segurança jurídica.

Dworkin tinha razão, portanto, ao tratar da abordagem positivista, uma vez que, como não estão juridicamente obrigados a decidir um caso de determinada maneira, lançando mão da integridade no direito, a fim de reduzir sua discricionariedade, bem como olvidar a existência de uma moral política objetiva vinculante, os juízes divergem teoricamente, não daquilo que o direito é, mas sim daquilo que eles acham que deveria ser.

 

Referências
BOBBIO, Norberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson Bini, Carlos E. Rodrigues, São Paulo: Ícone, 1995.
HART, Herbert L. A. O conceito de direito. Tradução de A. Ribeiro Mendes, Lisboa:Fundação Calouste Gulbenkian, 1986.
HART, Herbert. The Concept of Law, 2ª ed. Oxford, Oxford University, 1994.
DWORKIN, Ronald. Levando os Direitos a Sério. (Trad.) Nelson Boeira. São Paulo: Martins Fontes, 2002.
SAAVEDRA, Giovani Agostini. Jurisdição e democracia: uma análise a partir das teorias de Jürgen Habermas, Robert Alexy, Ronald Dworkin e Niklas Luhmann. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2006.
DWORKIN, Ronald. Uma questão de princípio. Tradução de Luís Carlos Borges. 2 ed. São Paulo: Martins Fontes, 2005. Título original: A matter of principle.

Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Nelson Juliano Cardoso Matos

Informações Sobre os Autores

Joel Coelho Ferreira Portela

Acadêmico de Direito na Universidade Federal do Piauí. Membro do núcleo de pesquisa sobre direito, democracia e republicanismo-República coordenado pelo Doutor Nelson Juliano Cardoso Matos. Membro do Grupo de Pesquisa e Extensão sobre Direitos Humanos e Cidadania-DiHuCi, subgrupo de estudos Socioambientais, coordenado pela Doutora Maria Sueli Rodrigues. Bolsista em Iniciação Científica Voluntária (ICV) pela Universidade Federal do Piauí, com a linha de pesquisa centrada no tema Judicialização da Política

Aline Bona de Alencar Araripe

Estudante de Direito.


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