O inquérito policial de garantias – sigilo e direito à informação do investigado – aspectos constitucionais e processuais penais

Resumo: No âmbito do Direito Processual Penal, em especial a previsão de uma fase pré-processual, qual seja da investigação preliminar, o tema do sigilo das peças de informações são regulamentadas de forma anêmica pelo Código de Processo Penal, bem como são míopes o alcance de suas normas quando postas em consonância com a Carta de Garantias de 1988.  Desta forma, o presente artigo pretende abordar o tema do sigilo e os direitos e garantias do investigado com enfoque na eficácia vertical das liberdades públicas diante de um sistema inquisitivo, espelhado no Codex Processual Italiano, que tem em seu repertório legislativo essencialmente a filosofia fascista de Alfredo Rocco, Ministro da Justiça de Benito Mussolini. O artigo pretende interpretar um aspecto da investigação criminal conforme à Constituição da República e o Garantismo Penal, concluindo pela adoção de uma forma objetiva e garantista daqueles direitos do investigado, sugerindo também a mudança de determinadas posturas através de alterações legislativas.

Palavras-chave: inquérito policial; o sigilo e sua extensão; direito à informação restrita ao investigado; garantismo penal; forma e procedimento para garantia da reserva da intimidade e do sigilo; necessidade de procuração do advogado do investigado; atos de natureza decisória do delegado de polícia; necessidade de fundamentação; meios de impugnação.

Abstract: Under the Criminal Procedure Law, in particular the provision of a pre-trial, which is the preliminary investigation, the issue of confidentiality of pieces of information are so anemic regulated by the Code of Criminal Procedure, as are the range of myopic their standards, when adopted in accordance with the Letter of Guarantees of 1988. Thus, this article aims to address the issue of confidentiality and the rights and guarantees of the investigation focused on the effectiveness of the vertical face of a civil liberties inquisitorial system, reflected in the Codex Procedural Italian, who has in his repertoire legislative essentially fascist philosophy Alfredo Rocco, Minister of Justice of Benito Mussolini. The article intends to interpret an aspect of criminal investigation as to the Constitution and the Penal Guaranteeism, concluding the adoption of an objective and garantism rights of those investigated, also suggesting a change in certain positions through legislative changes.

Keywords: Police investigation; the secrecy and its extension; the right to information restricted to the investigation; guaranteeism criminal; form and procedure for ensuring the privacy and confidentiality; the attorney need attorney investigated, acts of nature of a decision of the chief of police; need reasoning; means of appeal.

INTRODUÇÃO

O referente artigo tem como tema fatocorriqueiro no dia a dia do exercício das funções do Delegado de Polícia, Magistrado ou Membro do Ministério Público, qual seja o acesso aos autos do inquérito policial, inquérito penal judicial ou inquérito civil e o seu sigilo. Dentre as diversas atribuições das Autoridades no âmbito da presidência dainvestigação preliminar está o mister de manter seu sigilo, conforme art. 20 do Código de Processo Penal (CPP), a despeito dos atos de investigação documentados e já foram praticados, bem como os que estão documentados, mas em andamento e os que ainda irão ser praticados.

O tema sobre acesso autos do inquérito e a extensão do sigilo interno dos atos de investigação nunca foi tema pacífico e, justamente por isso, o Supremo Tribunal Federal (STF) foi instado a se manifestar sobre o tema por diversas vezes, resultando na edição da súmula vinculante (SV) 14 de 2009.

Ainda assim, após a edição da súmula ainda verificamos negativa do acesso por questões outras controvertidas, surgindo dúvida à aplicabilidade do aludido verbete da Suprema Corte ensejando assim, diversos habeas corpus (HC) ao STF como por exemplo o HC 94173/BA,julgamento em  27/10/2009 e HC 87610/SC, julgamento em 27/10/2009.Abrimos um parêntese nesta ceara para advertirmos que o remédio constitucional idôneo para atacar decisão de negativa de acesso aos autos do inquérito é o mandado de segurança (MS), v.g., MS – 30.906 de 05 de outubro de 2011 – Informativo 644 do STF.
 
Sendo ainda mais rigoroso coma técnica processual, após a edição da SV nº14,o remédio mais adequado passou a será reclamação (Rcl) conforme preceitua o art. 102, I, “l” c/c art. 103-A,§3º, ambos da Constituição da República ao Pretório Excelso por alegação de violação a referida súmula vinculante, a título de exemplo a Rcl 12810 MC/BA, Rel. Min. Celso de Mello,julgado em 28/10/2011 e Rcl 7821/RJ, como reclamado o Promotor de Justiça da 63ª Zona Eleitoral da Comarca de Silva Jardim, no Inquérito Policial nº 828/2007, Rel.:  Min. Cármen Lúcia, julgado em 22/02/2012.
 
Podemos observar pelas datas dos julgados que o tema volta a ser levado ao STF mesmo diante de uma súmula vinculante, o que demonstra que o assunto apesar de estar cada vez mais sedimentado no âmbito do STF ainda surge dúvidas práticas em razão do dinamismo inerente à natureza das investigações, e como consequência disso surge a todo o momento circunstâncias diversas do ordinário, que colocam sempre em conflito o direito de acesso aos autos pelo advogado para exercer o munus garantido pela constituição em seu art. 5º, LXIII, da Constituição da República Federativa do Brasil (CRFB/88) e o sigilo do inquérito, sob pena de frustrar uma das armas que o Estado possui para garantia da aplicação da lei penal, sendo papel do Delegado de Polícia traçar o equilíbrio entre esses princípios, quais sejam os das garantias constitucionais do investigado e do poder punitivo do Estado, fazendo incidir o princípio da paridade de armas de modo que ambos os princípio coexistam de forma harmônica e à luz do teoria do garantismo penal, o que nem sempre é uma tarefa fácil.
 
NATUREZA JURÍDICA DO ATO DE INDEFERIMENTO DE ACESSO AOS AUTOS
 

Os atos ou fatos ocorridos no curso de uma investigação estão elencados de forma exemplificativa nos art. 6º ao 10º do CPP. Segundo Elmir Duclerc (2011, p. 98 a 108) o inquérito policial é impulsionado através dos denominados atos de iniciação, atos de desenvolvimento e atos de conclusão. Ao comentar sobre os de desenvolvimento diz que o “[…] artigo 6º do CPP, mas também no artigo 7º, e em alguns textos de legislação extravagante […] são a alma do inquérito policial e podem ser chamados propriamente de atos de investigação.”
 
Essa classificação dos atos de investigação não seguiu nenhuma sistemática como ocorreu na classificação dos atos processuais. Na verdade foi classificada em razão dos seus fins, mas acompanham a natureza administrativa do inquérito policial, que por ser discricionário não segue um rito sacro como ocorre nos procedimentos inerentes às fasesdainstrução processual.
 
Diferentemente do inquérito, os atos praticados no processo além de ter natureza administrativa têm natureza jurisdicional, por ser proferido pelo Estado-Juiz, e estão relacionados diretamente a um sistema recursal. Por isso, tiveram a necessidade de ter seus atos classificados pelo legislador em despacho, decisão interlocutória (simples ou mista; terminativa e não terminativa) e sentença, conforme a combinação dos art. 593, I e II e art. 800, I, II e III, todos do CPP.
 
Ad argumentandum os atos processuais podem ou não ter cunho decisório, considerando este o ato que tem por objeto a resolução de questão controvertida e, portanto, o despacho por estar relacionado ao mero impulso processual, não interferem na esfera subjetiva das partes para o exercício da pretensão, pelo autor, ou no exercício da defesa, pelo réu. (GRINOVER, FILHO, FERNANDES, 2007, p. 55)
 
Neste diapasão, o legislador, previu no rol do art. 581 do CPP um rol taxativo de decisões jurisdicionais que desafiam o recurso em sentido estrito, e hodiernamente, as outras decisões em sentido oposto das que estão no rol do mesmo artigo, a doutrina e a jurisprudência admitem, por ter também conteúdo decisório, ser impugnados pelas ações autônomas, sendo os mais comuns o habeas corpus, mandado de segurança e reclamação.
 
A título de exemplo, a rejeição da denúncia ou queixa está prevista no art. 581, I do CPP, que portanto, desafia o recurso em sentido estrito, porém a decisão de seu oposto, qual seja a de recebimento da denúncia ou queixa não há previsão de nenhum outro recurso, e não se trata de um mero despacho por não haver recurso um correlato, mas sim de provimento com conteúdo decisório, na qual vem sendo admitido o remédio heróico e constitucional do habeas corpus. Neste sentido, Eugênio Pacelli (2011, p. 886):
 
“Quando a decisão é de recebimento da denúncia, não há a previsão de recurso. Nada obstante, será cabível a impetração de habeas corpus, diante da ameaça potencial à liberdade individual do acusado, com a só instauração da ação penal.”
 

No inquérito policial os atos de investigação, seguindo o mesmo raciocínio lógico de um processo penal escalonado, em sendo a regra no processo penal a incidência da irrecorribilidade das decisões interlocutórias simples, ainda que sejam provimentos jurisdicionais de conteúdo decisório, o inquérito policial que é uma fase pré-processual também possuem atos investigativos de mero impulso e atos investigativos decisórios.
 
Insta salientar, portanto, que a irrecorribilidade dos provimentos jurisdicionais não retira sua natureza decisória, pari passu, não será o princípio da irrecorribilidade reflexamenteaplicável ao inquérito, que definirá se um ato é ou não decisório, mas sim, se terão o condão de colocar o investigado em posição jurídica de desvantagem. Neste sentido, os Tribunais já vêm reconhecendo a carga decisória de determinados atos de investigação, que são denominados na prática forense de forma simplória como “despachos”, no entanto, alguns atos não são meros despachos e sim decisões interlocutórias simples.
 
Em oportuno, vale destacar jurisprudência[1] neste sentido, com grifo nosso ipsisliteris:

“[…] A atuação da autoridade policial envolve considerável e relevante parcela de poder discricionário, daí a contingência de se investir o delegado de polícia de inegável feixe de atribuições decisórias em esfera administrativa. Se ao exercitar essa parcela de poder decisório, o delegado de polícia assim o faz de maneira fundamentada, neste passo atendendo ao comando constitucional, não pode ser responsabilizado criminalmente pelo teor e pelas razões de seu convencimento, que não hesitou em expor, estejam estas e aquele em substância corretos ou não.[…]. Concessão da ordem para cassar a determinação do Juízo impetrado que ordenou a instauração de IP contra o paciente e contra a delegada de polícia que estava de plantão quando da lavratura do BO.” (TACRIMSP – HC 414.172/6 – 9ª C.Fér. – Rel. Juiz Aroldo Viotti – DOESP 01.08.2002)

Ora, não se impugna via recurso ou ação autônoma atos administrativos ou jurisdicionais de mero impulso processual, ou seja, os despachos ordinatórios ou de mero expediente, que dão impulso à marcha procedimental não são decisões, por não resolver questão ou ponto controvertido, ou seja, por não obstar pretensão de seus sujeitos. Os despachos no máximo, podem gerar tumultuo o que é corrigível por via da correição parcial ou reclamação, nomenclatura que varia de acordo com o código de organização judiciária de cada Estado ou o Regimento Interno peculiar a cada Tribunal Estadual ou Tribunal Regional e após a EC 45/04 o art. 105, parágrafo único, II da CRFB, que não tem natureza recursal e sim administrativa-disciplinar (AVENA, 2011, p. 1.156), no que pese este posicionamento não ser pacífico na doutrina.(GRINOVER; FILHO; FERNANDES, 2007, p. 191)
 
Insta salientar, que o código de processo penal por diversas passagens emprega de forma equivocada os termos “despacho” e “decisão”, no entanto é pacífico na doutrina este equívoco como ocorre a título de exemplo, no art. 67 do CPP, quando trata da decisão do arquivamento do inquérito policial, o legislador denomina de despacho; art. 273 do CPP, na qual o legislador dá sinais, inclusive de desconhecer por completo a classificação dos provimentos jurisdicionais, posto que num mesmo dispositivo ele trate o mesmo ato de despacho e ao final de decisão, sendo pacífico o entendimento de se tratar de uma decisão interlocutória simples, No mesmo sentido, os artigos 374, 375, 516, 578, §2º, 581, 584, §3º, 589, caput e seu parágrafo único, 640, 779 etc.
 
Não bastasse a confusão entre despacho e decisão interlocutória, confunde também decisão interlocutória com sentença, como ocorria na redação anterior a 2008 dos art. 408, 413, 414, 415 e 416, todos do CPP, que denominada de sentença de impronúncia o provimento jurisdicional de inadmissão da acusação na primeira fase do rito do Tribunal do Júri, na qual foi corrigido na redação atual deste procedimento dos crimes dolosos contra a vida pela lei 11.689/08, alterando a redação para sua correta natureza de decisão interlocutória, mista para Paulo Rangel (2011, p. 616) e simples para Ada Pelegrini Grinover, Antônio Magalhães Gomes Filho e Antônio Scarance Fernandes (apud DULERC, 2011, p. 622).
 
Verifica-se, neste aspecto que andou bem o legislador hodierno. Quando teve a oportunidade de aprimorar a técnica, corrigiu alguns desses erros quando foram aprovadas as leis novas, alteradoras do texto, do codex processual penal.
 
Por fim, com a lei 12.403/11, que alterou o regime das medidas cautelares foi realizado a devida correção no art. 315 do CPP, que em sua redação antiga de 1967[2] denominava de despacho o ato que decretava a prisão preventiva, corrigido na atual redação de 2011[3] pelo termo adequado a sua natureza jurídica de decisão interlocutória simples. (TOURINHO, 1999; PACELLI, 2011; DUCLERC, 2011; RANGEL, 2011)
 
No âmbito do inquérito policial ocorreu a mesma situação no art. 5º, §2º do CPP quando a autoridade policial indefere o requerimento de instauração de inquérito policial, cabendo recurso ao chefe de polícia, haja vista que este ato administrativo tem verdadeira natureza de decisão interlocutória mista terminativa face ao evidente óbice que o ato dará a instauração do inquérito policial.
 
Ainda que olvidemos dizer que os mesmos elementos poderiam dar ensejo a ação penal pela dispensabilidade do inquérito, face aos art. 27, 39, §5º e 46, §1º, todos do CPP, e autonomia jurídica entre Delegado, Promotor e querelante, pelos mesmos motivos que a instauração foi indeferida da investigação, a denúncia ou queixa poderia ser rejeitada, e ninguém na doutrina defende que a decisão de rejeição da denúncia é um simples despacho, mas por todos, trata-se de uma decisão interlocutória. 
 
Neste sentido não nos deixa mentir o Tribunal Regional da 2ª Região (Rio de Janeiro e Espírito Santo), com grifo nosso, in verbis:
 
“AGRAVO INTERNO – DECISÃO MONOCRÁTICA – PROCESSUAL PENAL – REJEIÇÃO DE REQUERIMENTO DO MPF QUANTO À INSTAURAÇÃO DE INQUÉRITO PENAL JUDICIAL SOBRE CONDUTA EM TESE PENALMENTE TIPIFICADA SUPOSTAMENTE PRATICADA POR MAGISTRADO – ARQUIVAMENTO DO FEITO – FASE DE VERIFICAÇÃO DA PROCEDÊNCIA DAS INFORMAÇÕES APRESENTADAS PELA SUPOSTA VÍTIMA – ART. 5º, § 3º, DO CPP – POSSIBILIDADE JURÍDICA DE TAL REJEIÇÃO – ART. 5º, § 2º, DO CPP – NÃOAPLICABILIDADE DOS ARTS. 17, E 10, § 1º, DO CPP – I- Como não foi instaurado inquérito penal judicial ou, ainda antes, policial, infere-se que o presente feito se encontra na fase limítrofe de verificação da procedência das informações apresentadas pela suposta Vítima, sucintamente descrita no art. 5º, § 3º, do CPP. II- Nesse contexto, é juridicamente possível, à autoridade judicial diretora da investigação penal preliminar, o indeferimento do requerimento de instauração de inquérito penal judicial, conforme o art. 5º, § 2º, do CPP, o que, por outro lado, certamente autoriza, com base nesse mesmo texto legal, a eventual interposição do recurso adequado, tal como o presente, endereçado à instância competente. […]” (TRF 2ª R. – PET 2010.02.01.016374-9 – (1919) – TP – Rel. Sergio Schwaitzer – DJe 08.09.2011 – p. 134)
 

O caso sub exame, trata de investigação em desfavor de magistrado que possui foro por prerrogativa de função, que por força da lei orgânica da magistratura nacional, art. 33, parágrafo único da LC 35/79 (LOMAN) deve ser investigado pelo Tribunal a que está sujeito, cuja instauração do inquérito policial denomina-se inquérito penal judicial, não obstante possuir a mesma natureza jurídica do inquérito policial. Naquela ocasião o Ministério Público Federal pelo Procurador Regional da República, órgão de execução com atribuição para atuar junto ao Tribunal Regional Federal, requereu a instauração de inquérito na qual foi indeferido pelo relator, na qual ensejou o agravo interno, em sede de Tribunal, o que evidencia a natureza do provimento de indeferimento da referida instauração ser uma decisão interlocutória.
 
Outrossim, procedendo a vítima ou qualquer do povo ao Ministério Público narrando fato que o mesmo entenda ser criminoso e requisite a instauração de inquérito policial,  segundo Tourinho (1999, p. 34):
 
“Sem embargo, tratando-se de uma bisonha e absurda requisição, sem um mínimo de informe que possibilitem ao menos um início de investigação, evidentemente não poderá a Autoridade Policial dar-lhe cumprimento. Pode até não indeferir. Entretanto, cumprir-lhe-á fazer ver à autoridade requisitante a impossibilidade de atendê-la, equivalendo tal conduta a um delicado indeferimento.”
 

Evidente que o referido doutrinador, data venia, por se tratar de membro do Ministério Público, quis tratar o tema de indeferimento da requisição do MP de forma elegante, a despeito, verifica-se, que a Autoridade Policial ao receber uma requisição para instauração de inquérito policial não deve enxergá-la de forma míope e com antolhos[4], devendo avaliar se há um mínimo de informações a ensejar uma investigação penal, como no caso julgado acima aludido, não existindo no ordenamento jurídico “delicado indeferimento” ou um grosseiro indeferimento. O que existe, é a decisão de indeferimento fundamentado ou não fundamentado.
 
Não é diferente disto, que o legislador em recente criação inovou em tema inquérito na nova lei do CADE, aprovando a lei nº 12.529, de 30 de novembro de 2011, publicada no DOU em 01.12.2011 que “Estrutura o Sistema Brasileiro de Defesa da Concorrência; dispõe sobre a prevenção e repressão às infrações contra a ordem econômica; altera a Lei nº 8.137, de 27 de dezembro de 1990, o Decreto-Lei nº 3.689, de 3 de outubro de 1941 – Código de Processo Penal, e a Lei nº 7.347, de 24 de julho de 1985; revoga dispositivos da Lei nº 8.884, de 11 de junho de 1994, e a Lei nº 9.781, de 19 de janeiro de 1999; e dá outras providências, na qual entra em vigor após decorridos 180 (cento e oitenta) dias de sua publicação oficial, ou seja, entra em vigor em 28 de maio de 2012, contagem à luz do art. 8º, §1º da LC 95/98.
 
Este novel diploma trás tema melhor regulamentado, na qual a anterior lei 8.884/94, denominada de averiguações preliminares, sobre novo enfoque e denominando a investigação sobre infrações de ordem econômica de inquérito administrativo, que segundo seu art. 66, trata-se de procedimento investigatório de natureza inquisitorial, cuja atribuição é da Superintendência-Geral para apuração de infrações à ordem econômica.
 
A lei tratou de regulamentar um capítulo específico sobre as infrações à ordem econômica não tratando sobre a questão criminal, que apesar de terem sido alterados alguns tipos penais, o fez na lei 8.137/90, em seu art. 4º, não retirando da esfera da polícia judiciária, e nem poderia sem que o fizesse por emenda constitucional, as atribuições sobre as infrações penais.
 
No entanto, ao querer tratar sobre investigação no âmbito administrativo quis dá idêntica natureza ao inquérito policial e, regulamentando o procedimento investigativo no âmbito das infrações administrativas à ordem econômica, dispôs no art. 66, §4º:
 
“§ 4º Do despacho que ordenar o arquivamento de procedimento preparatório, indeferir o requerimento de abertura de inquérito administrativo, ou seu arquivamento, caberá recurso de qualquer interessado ao Superintendente-Geral, na forma determinada em regulamento, que decidirá em última instância.”
 
Verifica-se, nesta feita que o ordenamento jurídico reconhece que até mesmo em procedimentos de natureza inquisitorial há determinados atos que tem natureza evidentemente decisória.
 
DO INSTRUMENTO DO MANDATO
 

Para ter acesso aos autos é necessário o instrumento de mandato para habilitar o defensor do investigado afim de consultar ou fotocopiar conteúdo, diante do e art. 133 da CRFB/88 e art. 7, XIV da lei 8.906/94? Teria então, esta lei, de mesma hierarquia revogado o art. 20 do CPP?
 
O advogado do investigado para ter acesso aos autos deve apresentar que uma procuração para habilitá-lo a ter acesso à informação do conteúdo dos autos sob pena de indeferimento do requerimento, que a nosso ver deve ser fundamentada.
 
Abrimos um parêntese para alertarmos que hodiernamente não temos visto anulação de indiciamento ou de qualquer indeferimento ou decisão de prisão em flagrante sendo anulada por falta de fundamentação, posto que as impugnações a esses temas ainda se respaldam sob o fundamento de ausência de forma ou de atribuição ou competência como se manifestam os tribunais, contudo falta pouco para que nessa realidade, quando as regras sobre a investigação ficarem mais claras, sobretudo a respeito dos atos investigatórios decisórios, como vimos que a própria legislação hodierna vem prevendo a fundamentação das decisões dos atos administrativos em procedimento inquisitorial conforme o art. 66, §4º da Lei 12.529/11, que entra em vigor em 28/05/2012
 
Já estamos nos deparando para a realidade de perda da eficácia coercitiva da prisão em flagrante, por ausência de representação pela conversão da prisão em flagrante em prisão preventiva pela autoridade policial conforme art. 282, §2º e art. 310, II, ambos do CPP. Em outras palavras, quando a autoridade policial não representa pela conversão, alguns magistrados e o Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro vêm entendendo que por ausência de representação pela prisão preventiva, e consequentemente da decisão de conversão da prisão em flagrante em preventiva enseja ilegalidade da prisão e como consequência tem concedido ordem em habeas corpus para decretar o relaxamento da prisão, como podemos observar no julgado abaixo:
 
“HABEAS CORPUS. PACIENTE DENUNCIADA PELO CRIME DE HOMICÍDIO NA FORMA TENTADA. PEDIDO DE RELAXAMENTO DE PRISÃODIANTE DA AUSÊNCIA DE DECISÃO CONVERTENDO A PRISÃO EM FLAGRANTE EM PREVENTIVA QUE MERECE SER ACOLHIDO. EVIDENTE ILEGALIDADE DA PRISÃO, EIS QUE INOBSERVADOS OS DITAMES DO ARTIGO 310 DO CÓDIGO DE PROCESSO PENAL, COM A NOVA REDAÇÃO DADA PELA LEI Nº 12.403/2011. […] ORDEM CONCEDIDA.” (PRIMEIRA CAMARA CRIMINAL – 0005283-82.2012.8.19.0000 – HABEAS CORPUS – DES. LUIZ ZVEITER – Julgamento: 28/02/2012)

“EMENTA: HABEAS CORPUS. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. PACTO DE SÃO JOSÉ DA COSTA RICA. HOMICÍDIO SIMPLES. PRISÃO EMFLAGRANTE DATADA DE 03 DE JULHO DE 2011. AUSÊNCIA DE CONVERSÃO EM PRISÃO PREVENTIVA. LEI 12.403/11. […] A nulidade da prisão do paciente resulta, pois, da inércia do Ministério Público, que não requereu a decretação da prisão preventiva do paciente logo após a prisão, no primeiro dia de vigência da lei nova, e da omissão judicial, caracterizada pela compreensível mas indevida recusa de aplicar a nova lei à prisão em flagrante anterior a ela. Da nulidade da prisão decorre o dever constitucional de a relaxar.” (QUINTA CAMARA CRIMINAL- – HABEAS CORPUS:0043451-90.2011.8.19.0000 – DES. GERALDO PRADO – Julgamento: 15/09/2011 – ORDEM CONCEDIDA).

Aduz ainda o Desembargador do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro e jurista Geraldo Prado (2011, p. 132-134):

Vale salientar que a configuração constitucional que orienta o novoregramento, pela Lei nº 12.403/11, exige que a conversão da prisão em flagranteem prisão preventiva dependa da iniciativa do Ministério Público ou doquerelante (linhas atrás foi mencionada a objeção à atuação do assistente).

Por essa razão, nos processos em curso o juiz deverá relaxar a prisão doacusado imediatamente, na hipótese de o Ministério Público ou o querelante não requerer a conversão, indicando os fundamentos jurídicos de sua pretensão cautelar [hipótese em que se inclui também a representação pela conversão feita pela Autoridade Policial]. Isso pode ocorrer em audiência ou no momento em que o juiz vier a examinar o processo.” (comentário com grifo nosso)

Ora, se diante do escopo do garantismo penal, segundo o mestre (PRADO, Geraldo, 2011), a representação da autoridade policial deve ser devidamente fundamentada, a contrario sensu, não a fazendo, fica vedado ao juiz deixar de converter a prisão em flagrante em preventiva, sob pena de estar indiretamente decretando-a de ofício, haja vista o magistrado teria que realizar o exame nos autos para encontrar a fundamentação da prisão, o que por via reflexa estaria realizando o mesmo exame de valor para a decretação da medida se o estivesse fazendo exoficio, o que é vedado no sistema acusatório, fechando-se assim o parêntese, que ao nosso sentir, demonstra que hodiernamente a autoridade policial deve fundamentar os atos que coloquem o sujeito da investigação em posição jurídica de desvantagem.

O sigilo do inquérito policial busca salvaguardar a intimidade do investigado, resguardando-se, assim, seu estado de inocência, art. 5º, LVII da CRFB. O sigilo não se estende ao representante do Ministério Público, nem à autoridade judiciária.

Não há necessidade de decretação do sigilo do inquérito policial, por uma razão muito simples, a própria lei assim o dispõe no art. 20 do CPP. A regra da publicidade, que também comporta ressalvas, é uma garantia do Estado Democrático de Direito e, consequentemente do Devido Processo Legal, que está relacionada como regra geral e ao processo, conforme o art. 93, IX da CRFB.

Em outras palavras a própria constituição prevê como caso de exceção a publicidade as hipóteses em que o caso venha a atingir outro direito constitucional da reserva da intimidade, que a toda evidência, o inquérito, apesar de não ser processo, está inserido na lista de situações em que a imagem do investigado, em regra, deva ser preservada.

Segundo Paulo Rangel (2011, p. 92) o artigo 7.º, incisos XIV, da Lei nº. 8.906/94 não alcança o inquérito policial, pois “o caráter da inquisitoriedade veda qualquer intromissão do advogado no curso do inquérito.”

Toda a celeuma sobre o acesso está justamente em conciliar o art. 93, IX, segunda parte da CRFB c/c art. 20 do CPP e o art. 133 da CRFB c/c art. 7.º, XIV do Estatuto da Ordem dos Advogados do Brasil (EOAB)

Para conciliar estas normas o STF, em 02/02/2009 editou a Súmula Vinculante nº 14, na qual garante o acesso ao investigado às peças já documentadas para o exercício do direito de defesa.

Assim, diante de mais uma fonte formal e direta (mesma natureza de lei em sentido lato sensu), mister a análise do verbete da súmula vinculante que trata sobre o acesso à defesa aos procedimentos que estão sobre sigilo , in verbis:

“É direito do defensor, no interesse do representado, ter acesso amplo aos elementos de prova que, já documentados em procedimento investigatório realizado por órgão com competência de polícia judiciária, digam respeito ao exercício do direito de defesa.”[5]

O resultado da análise das normas de que tratam o sigilo, intimidade e acesso a informação está exposto no informativo 548 do STF e vem sendo utilizado como paradigma para resolver questões desta natureza quando instada a suprema corte a se pronunciar sobre o tema, conforme Rcl[6] 12810 MC/BA – MEDIDA CAUTELAR NA RECLAMAÇÃO, Relator: Min. CELSO DE MELLO, Julgamento: 28/10/2011. DJe-211 DIVULG 04/11/2011 PUBLIC 07/11/2011, na qual fazemos destacar:

“[…]o Estatuto da Advocacia – ao dispor sobre o acesso do Advogado aos procedimentos estatais, inclusive àqueles que tramitem em regime de sigilo (hipótese em que se lhe exigirá a exibição do pertinente instrumento de mandato) […]O sistema normativo brasileiro assegura, ao Advogado regularmente constituído pelo indiciado (ou por aquele submetido a atos de persecução estatal), o direito de pleno acesso aos autos de investigação penal, mesmo que sujeita a regime de sigilo (necessariamente excepcional) […]”.

Verifica-se, assim, que o STF, nos mesmos moldes que o STJ[7], vem preconizando entendimento que o advogado tem acesso aos elementos investigativos, desde que munido do instrumento de mandato e em nome do imputado (investigado indiciado ou não), como forma de conciliar o sigilo da investigação com o direito consagrado na constituição pelo art. 5º, LXII e LXIV da CRFB.

Não é outro o entendimento da doutrina a respeito do tema. Segundo Norberto Avena (2011, p. 209 e 210):

“Atente-se, contudo, que o acesso amplo assegurado pela referida súmula à defesa não é sinônimo de acesso irrestrito, devendo ser facultado ao advogado desde que não comprometa o andamento regular das investigações. Isto quer dizer que o direito que assiste ao advogado regularmente constituído pelo indiciado é o de acesso às provas já produzidas e formalmente incorporadas ao inquérito, excluindo-se desta prerrogativa as informações e providênciasinvestigatórias   em execução e, por isso mesmo, ainda não documentadas no caderno policial, muito especialmente aquelas que, por sua própria natureza não possam ser divulgadas à defesa sob pena de comprometimento da respectiva eficácia.”

Analisando de forma pormenorizada a súmula vinculante em comento, Aury Lopes Jr (2011, p. 312 e 313), preconiza que ao tratar como direito do defensor o sigilo externo deve ser mantido, inclusive para os meios de comunicação.

Ao se referir “no interesse do representado” significa que o sigilo alcança, inclusive os demais investigados que não estejam representados pelo mesmo defensor, tratando-se de interesse jurídico e vinculado à plenitude de defesa.

A súmula também garante o acesso amplo, mas não alcança os atos investigatórios em andamento com interceptações telefônicas, mandados de prisão ou busca e apreensão deferidos pelo juiz, mas ainda não cumpridos.

Por fim, ao tratar da “competência de polícia judiciária” diz respeito a qualquer tipo de procedimento investigatório, como procedimentos da atribuição do Ministério Público, Central Parlamentar de Inquérito ou outro órgão que presida investigação preliminar.

O PROCEDIMENTO GARANTISTA DO SIGILO

O investigado não é um objeto do direito penal o processual penal, e conseqüentemente, objeto da investigação. O investigado é pessoa de cuja regra do jogo para as todas as pessoas no Estado Democrático de Direito é o respeito às liberdades públicas, sendo o objeto do direito penal e processo penal o fato.

Assim, a investigação tem como objeto o fato. O investigado é sujeito de direitos na investigaçãoe suas garantias individuais devem ser resguardadas. Apesar do entendimento do STF de que no inquérito policial não haver contraditório e ampla defesa, o que ainda é questionável, isso significa dizer, que os demais direitos consagrados na Carta Magna também não sejam garantidos. Afinal, o inquérito policial não está alheio à Constituição da República e o principal sujeito do procedimento que deve resguardar essas garantias, sob pena de responsabilidade civil, criminal e administrativa é a Autoridade que a preside. Trata-se de uma atividade indelegável, por se tratar da essência da atividade finalística do Estado, a investigação exercida pelo Legislativo (CPI), Judiciário (Inquérito Penal Judicial), pelo Executivo (Inquérito Policial) ou Ministério Público (Inquérito Civil).

Nesta feita, ao investigado deve ser garantido o direito da reserva da intimidade, sob pena de se destruir a imagem e a intimidade dele, se ao final da investigação, ou até mesmo em seu curso, se descobrir, por exemplo, que tratava-se de uma notitia criminis caluniosa.

O sigilo deve ser visto como forma de garantir as informações do investigado a terceiros, inclusive a outros sujeitos, qualquer que seja a qualidade que ostentem no procedimento, ou seja, outro investigado, testemunha, advogados que não sejam constituídos pelo investigado etc.

A Constituição e o Código de Processo Penal, como normas gerais que são não regulamentam de que forma a Autoridade Policial deva garantir o sigilo, o que gera dificuldade prática de realizá-lo.

Para falarmos da forma de se garantir o sigilo e sua extensão, tomemos por base o sistema do programa “delegacia legal” implementado na maioria das delegacias do Rio de Janeiro, mas o raciocínio que iremos desenvolver se aplica a qualquer procedimento do inquérito desenvolvido em qualquer delegacia do Brasil.

O sistema do “programa delegacia legal” não está preparada para esta forma de desenvolvimento das atribuições do Delegado de Polícia, especialmente a de proferir decisões e a de administrar o sigilo do inquérito policial.

Os anacronismos do sistema atual estão em questões simples. Por exemplo, o noticiante, vítima ou ofendido, ao registrar fato que evidentemente não constitui crime, por exemplo, o delegado de polícia deveria indeferir o requerimento, posto que trata-se de uma noticia crime postulatória ou qualificada, e na nossa atual realidade o “sistema” somente nos permite “suspender” o procedimento, o que ao nosso ver está equivocado e se está diminuindo o poder das autoridades policiais. Trata-se, pois, esta suspensão de uma decisão de indeferimento, no qual deve estar fundamentada.

Em se tratando de inquéritos mais complexos com diversos fatos, inúmeras testemunhas e inúmeros suspeitos, fica muito difícil controlar o acesso ao inquérito a um dos investigados que estiver constituído defensor em relação aos demais que não possuem advogado, ou são distintos.

Como separar os atos de investigação que dizem respeito a um dos investigados que não possui advogado ou o advogado é diferente um do outro e ao mesmo tempo resguardar o sigilo da investigação entre um e outro se o procedimento é um só? Como ouvir uma testemunha que tenha depoimento que comprometa um dos investigados de forma distinta e o fato tenha que ser resguardado um do outro?

Por exemplo, imaginemos uma empregada comum a um casal de investigados pelo crime desvio de proventos ou pensão do idoso, dando-lhe destinação diversa, conforme o art. 102 da Lei 10.741/03 que ouve os telefonemas com um terceiro comparsa na qual é amante do marido. Este depoimento, após documentada nos autos poderá ser acessado pelo advogado regularmente constituído da mulher. Como resguardar a reserva da intimidade do marido investigado sem comprometer a investigação, e ao mesmo tempo garantir o acesso a outro investigado, deste depoimento? Ainda que se entenda que não deve dar acesso ao advogado da mulher, como separar esta peça dos autos de forma legal?

São perguntas, de cujas respostas o sistema de persecução criminal e o da delegacia legal não estão preparados, ou quando estão, não possuem uniformidade procedimental,criando um verdadeiro embaraço e comprometendo a função da autoridade policial na presidência do inquérito policial.

A solução que vislumbramos é criar autos apartados e aplicar por analogia conforme permite o art. 3º do CPP, o art. 230-C, §2º do Regimento Interno do Supremo Tribunal Federal (RISTF) e art. 8º da lei 9.296/96 e por fim, os art. 210 e 219, ambos do Código de Processo Penal Militar (CPPM), que está no Título XIII que trata das medidas preventivas e assecuratórias.

A similitude do tema é que em todos esses artigos mencionados ao tratar de medidas cautelares que tenham destinação e trâmite diferenciado ao dos autos principais, por razões óbvias devem tramitar em autos distintos, sempre com o escopo final de não causar prejuízo ao procedimento principal.

Vale destacar o art. 230-C, § 2º do RISTF, com grifo nosso:

“Os requerimentos de prisão, busca e apreensão, quebra de sigilo telefônico, bancário, fiscal, e telemático, interceptação telefônica, além de outras medidas invasivas, serão processados e apreciados, em autos apartados e sob sigilo, pelo Relator.” (Artigo acrescentado pela Emenda Regimental STF nº 44, de 02.06.2011, DJe STF 06.06.2011)

Apesar do artigo em comento resolver a questão legal das diligências sigilosas, não resolve como resguardar o sigilo entre investigados, no entanto nos socorremos do Art. 30, §§ 2º e 4º e art. 36, §4º, que estão no capítulo VI que tratam do “DO SIGILO E DA CONFIDENCIALIDADE DE INFORMAÇÕES E DOCUMENTOS”, da Portaria MJ nº 456, de 15 de março de 2010 que regulamenta as diversas espécies de processos administrativos previstos na lei do CADE, quando os requerentes precisam resguardar sigilo a terceiros ou entre diversos requerentes no mesmo procedimento com o fim de dar cumprimento a lei 8.884/94, mas que neste aspecto foi substituído pela lei 12.529/11 que falamos acima, que vale a pena elucidar, com grifo nosso:

“Art. 33, § 2º Deferido o requerimento de confidencialidade, os documentos, objetos e informações serão juntados em autos apartados confidenciais.;§ 4º A juntada de documentos, objetos e informações em autos apartados confidenciais independe de despacho quando, por sua natureza, justificarem a adoção desse tratamento até que seja dada ao interessado oportunidade de se manifestar a respeito da confidencialidade. 

Art. 36, § 4º Os requerentes poderão solicitar a autuação de informações e documentos em autos apartados, visando a preservar confidencialidade em relação ao outro requerente.”

Insta salientar, que não sugerimos a aplicação da Resolução CNMP nº 13/2006, que regulamenta o art. 8º da Lei Complementar nº 75/93 e o art. 26 da Lei nº 8.625/93, disciplinando, no âmbito do Ministério Público, a instauração e tramitação do procedimento investigatório criminal, por não haver nenhum artigo que trate da hipótese que está sendo aventada no presente artigo.

Ademais, no que tange às Portarias ou Resoluções, por se tratar de ato administrativo discricionário da autoridade administrativa pelo qual a autoridade competente determina providência de caráter administrativo a seus subordinados, de cujos efeitos se produzem somente internamente aos órgãos da administração na qual ela está vinculada, não se pode falar em aplicação por analogia, por não se tratar de lei, mas no máximo ato normativo.

Sabemos que o inquérito policial no sistema delegacia legal possui um número relacionado ao registro de ocorrência, que fica o mesmo em se tratando de um registro da fato atípico, medida assecuratória de direito futuro, termo circunstanciado da lei 9.099/95, ou verificação da procedência da informação (VPI), ou seja instaurado o respectivo inquérito, em quaisquer dessas circunstâncias.

Para adaptá-lo ao sigilo nas circunstâncias acima aventadaspode ser mantido o número originário acrescido de uma numérica ou alfa após um dígito, por exemplo, 018-00000-01/2012 para atos apartados, como o termo de depoimento da empregada do exemplo acima e por letra, exemplo 018-00000-A/2012, quando se tratar de medida cautelar deferida, mas não cumprida, como busca e apreensão e mandado de prisão ou até mesmo as investigações em andamento como a interceptação telefônica.

Enquanto não há a mudança, é possível utilizar-se o que temos no sistema, o conciliando com as medidas cautelares no curso do inquérito, que também possuem natureza jurídica de incidente ao inquérito policial, ou seja, incidente procedimental, como ocorre no art. 8º da lei 9.296/96 e art. 210 e 219 do, ambos, CPPM, que tratam-se de cautelares incidentais ao processo, mas são medidas cautelares que também podem ser incidentais no inquérito.

Em outro giro as medidas cautelares são assim denominadas porque visam garantir a eficácia de um provimento final do procedimento principal. No caso do inquérito, as medidas cautelares autuadas em apartado, visam a eficácia do procedimento principal da investigação.

Assim sendo, qualquer tipo de ato de investigação, que em razão do sigilo entre os investigados, devam ser preservados em separado, não nos resta alternativa mais segura do que a autuação do ato em apartado.

Mas como realizar isso com um mesmo número de procedimento?

No procedimento principal, a autoridade policial determina de forma expressa e fundamentadamente que determinado ato, por exemplo, o testemunho da empregada do exemplo acima, seja autuado em apartado, utilizando-se do procedimento da medida assecuratória de direito futuro, como uma medida a resguardar a eficácia da investigação, que visa uma ação penal futura, e posteriormente, neste mesmo registro de medida assecuratória será despachado e autuado em apenso aos autos principais, resguardando, assim, eventual correição interna e ao mesmo tempo o controle externo exercido pelo Ministério Público.

Acaso se verifique que o ato de investigação já tenha sido praticado no procedimento principal, mas verifica-se, posteriormente, que deva ser autuado em separado, o Delegado de Polícia determina, por decisão fundamentada no procedimento principal, o registro de medida assecuratória, bem como o desentranhamento do ato e, após a retirada deste, juntar-se o ato no registro da medida assecuratória, apensando-a ao principal, também de forma fundamentada.

CONCLUSÃO E SUGESTÕES

O Delegado de Polícia deve, acima de tudo, no feixe de suas atribuições observar os princípios gerais do Direito, a começar pelos constitucionais penais e processuais penais, adotando-se um marco teórico para as suas decisões, compatíveis com o Estado Democrático de Direito, como a teoria do garantismo penal (FERRAJOLI, 2002), pelo que nem mesmo a requisição do Ministério Público poderia fazer ultrapassar a ceara anterior da análise dos princípios gerais, por apego ao formalismo, cujos axiomas estão baseados em princípios anteriores aos da norma penal propriamente dita.A Autoridade Policial exerce o controle jurídico dos elementos do inquérito e no âmbito do Direito Penal e Processual Penal, face ao seu lastro de poder decisório ab initio, evidente que, dentro da sua autonomia funcional jurídica, realiza análise em juízo sumário ou de probabilidade das questões penais e processuais penais. Em se tratando de questão que deva ser analisado em juízo de certeza cabe ao Magistrado fazê-lo.É com base neste sistema garantista e pertinentes às atribuições da autoridade policial, nas quais lhe exige conhecimento jurídico para reconhecer esses axiomas, que na lição de Luigi Ferrajoli (2002, p. 74 e 75), nos posicionamos para análise de forma escalonada, do deferimento da instauração do inquérito até seu relatório final, dentre os 10 listados por ele, nos posicionamos pelos seis primeiros, in verbis:“Denomino de garantista, cognitivo ou de legalidade estrita o sistema penalo SG, que inclui todos os termos de nossa série, trata-se de um modelo-limite, apenas tendencialmente e jamais perfeitamente satisfatível. Sua axiomatização resulta da adoção de dez axiomas ou princípios axiológicos fundamentais, não deriváveis entre si, que expressarei, seguindo uma tradição escolástica, com outras tantas máximas latina:A1 Nullapoenasine crimine; A2 Nullumcrimensine lege; A3 Nullalex (poenalis) sinenecessitate; A4 Nulla Necessitas dine injuria; A5 Nulla injuria sineactione; A6 Nullaactiosine culpa; A7 Nullaculpasine judicio; A8Nullum judicium sineaccusatione; A9 Nullaaccusatiosineprobatione; A10 Nullaprobatiosinedefensione.”

O advogado para ter acesso aos autos do inquérito policial deve estar devidamente munido de procuração subscrita pelo investigado, cujo acesso deve ser restrito aos atos documentados pertinentes ao representado. Havendo outros investigados, as informações relativas aos demais não poderão ser fornecidas ao advogado que não tenha a procuração dos demais.

Quando o advogado vier acompanhando testemunha, o que acontece muito na prática, não poderá ter acesso aos autos, ainda que apresente procuração. Caso queira fazer juntada da mesma, o Delegado deve indeferir tal requerimento, nos moldes do art. 14 do CPP.

Em se tratando de vítima, deve-se analisar o caso concreto. Em princípio, ainda que constituam advogados por instrumento de mandato, não podem ter acesso, diante, da regra geral do art. 269 do CPP que veda,a contrario sensu, o assistente de acusação na fase da investigação. Porém, ao aprovar a Lei 11.680/08 alterando as disposições sobre a vítima ou ofendido no art. 201 e seus parágrafos do CPP e a Lei 11.719/08, incluindo no art. 387, IV do CPP a possibilidade da vítima exercer pretensão de natureza civil no processo penal, deixa evidenciado que a vítima ter maio relevância no âmbito da atividade jurisdicional, concedendo-lhe maior atividade no âmbito penal, tendo que no mínimo a ser informada dos resultados do processo em relação ao seu ofensor, não por sua faculdade, mas como dever do Estado-Juiz.

A toda evidência, o legislador quis avançar além do escopo jurídico do processo ou da jurisdição no âmbito penal, querendorealizar no mundo prático também o escopo pedagógico da jurisdição, distribuindo à comunidade social a resposta da aplicação da lei penal, alcançando também o escopo social da jurisdição, sendo este, nas palavras de Cândido Rangel Dinamarco, Ada Pelegrini Grinover e Antônio Carlos de Araújo Cintra (2007, p. 147):

“A afirmação de que através da jurisdição o Estado procura a realização do direito material (escopo jurídico do processo), sendo muito pobre em si mesma, há de coordenar-se com a idéia superior de eu os objetivos buscados são, antes de mais nada, objetivos sociais: trata-se de garantir que o direito material seja cumprido, o ordenamento jurídico preservado em sua autoridade e a paz e a ordem na sociedade favorecidas pela imposição da vontade do Estado. O mais elevado interesse que satisfaz através do exercício da jurisdição é, pois, o interesse da própria sociedade (ou seja, do Estado enquanto comunidade).”

Porém, deixamos registrado a título de sugestão, que os órgãos da Polícia Judiciária do Estado do Rio de Janeiro como forma de regulamentar o procedimento interno no sistema “delegacia legal”, normatizando os procedimentos no sistema de investigação penal, como fez o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao regulamentar no âmbito nacional o procedimento de garantia do sigilo das interceptações telefônicas.

Faz-se necessário também a aprovação da Lei Orgânica da Polícia de Investigação em âmbito nacional, que por sua vez, prevê o Conselho Nacional de Polícia de Investigação (CNPI), que faria no mesmo sentido que o CNJ a regulamentação do procedimento do sigilo nos autos do inquérito policial.

Sugerimos que não utilizemos o termo Polícia Judiciária porque as razões históricas de sua origem de cuja atribuição reporta a Lei 261, de 1841[8], bem como seu regulamento nº 120 de 31 de janeiro de 1842,não mais subsistem. No escólio de Ismar Estulano Garcia (1999, p. 9):

“Inicialmente os dirigentes das organizações de polícias eram selecionados entre magistrados. Com o passar do tempo, em razão das naturais dificuldades administrativas, foi sendo criada a organização policial desvinculada da magistratura, mas continuou a denominação “Polícia Judiciária”. Vale esclarecer que, em determinada fase da história do Brasil, existiram os Juízes Ordinários também conhecidos como “Juízes de Dentro”, ou “da terra”, e os “Juízes de Fora”, estes não residentes na localidade, mas designados para nela exercerem a função jurisdicional.”

Essa era a razão da possibilidade de determinação da busca e apreensão pelo delegado, que nesse sistema completamente inquisitorial, ainda podia iniciar a ação penal, sendo o mesmo órgão responsável pelo julgamento.

Claro que a sociedade evoluiu e percebeu o efeito deletério de um sistema processual penal inquisitorial. Nesta feita, após a CRFB de 1988, as informações trazidas a baila pelo inquérito policial não servem para formar a opinio do juiz, mas sim do Ministério Público, o que não mais justifica um modelo de polícia com o nomen iuris de “Polícia Judiciária”, mas sim Polícia de Garantias, exercido pela figura da Autoridade de Garantias e não mais “Delegado”, pois não se trata mais de uma atividade “delegada” pelo Poder Judiciáriocomo visto, e o exercício da Autoridade de Garantias se justifica por ser um poder finalístico do Estado-Garantidor, indelegável, frente a um Inquérito Policial Garantista, nomenclatura também utilizada por Daniel Messias (2012, p. 20)

Acreditamos que o tema de acesso aos autos da investigação preliminar e o seu sigilo está próximo de ser sedimentado, pois a súmula vinculante foi um passo importantíssimo para isso, porém, apenas o primeiro passo para os grandes questionamentos desta verdadeira norma jurídica editada pelo STF, diante de inquéritos complexos e o dinamismo inerente as investigações.

 

Referências
AVENA, Norberto Cláudio Pâncaro, Processo Penal Esquematizado, 3ª ed. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011.
DINAMARCO, Cândido Rangel, CINTRA, Antônio Carlos de Araújo e GRINOVER, Ada Pelegrini, Teoria Geral do Processo, 23ª ed., São Paulo: Malheiros, 2007.
DUCLERC, Elmir, Direito Processual Penal, 3ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
FERNANDO DA COSTA, Tourinho Filho, Código de Processo Penal Comentado, 5ª ed. São Paulo: Saraiva.
FERRAJOLI, Luigi, Direito e Razão, Teoria do Garantismo Penal, Tradutores Ana Paula Zomer, Fauzi Hassan Choukr, Juarez Tavares e Luiz Flávio Gomes, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002.
GARCIA, Ismar Estulano, Procedimento Policial: Inquérito, 8ª ed. AB-Editora: Goiânia, 1999.
GRINOVER, Ada Pelegrini; FILHO, Antônio Magalhães Gomes; FERNANDES, Antônio Scarance, Recursos no Processo Penal, 7ª ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
LOPES Jr, Aury, Direito Processual Penal e sua Conformidade Constitucional, V. 1, 8ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
OLIVEIRA, Eugênio Pacelli de, Curso de Processo Penal, 15ªed., Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
PRADO, Geraldo in Medidas Cautelares no Processo Penal. (Org.) Og Fernandes. Prisões e suas alternativas. Comentários à Lei 12.403, de 04.05.2011. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
RANGEL, Paulo, Direito Processual Penal, 19ªed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2011.
TRINDADE, Daniel Messias da, O Garantismo Penal e a Atividade de Polícia Judiciária, Porto Alegre: Nuria Fabris, 2012. 

Notas:
[1]RDP,19/152/v89/2003, in JURIS SÍNTESE – DVD, Nov-Dez/2011
[2]Art. 315. O despacho que decretar ou denegar a prisão preventiva será sempre fundamentado. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 5.349, de 03.11.1967, DOU 07.11.1967)
[3]Art. 315. A decisão que decretar, substituir ou denegar a prisão preventiva será sempre motivada. (Redação dada ao artigo pela Lei nº 12.403, de 04.05.2011)
[4]Peças, geralmente de couro, com que se cobre os olhos dos animais lateralmente, forçando-os a olhar para frente. Disponível em < http://www.dicionarioinformal.com.br/antolhos/>, Acesso em 23/03/2012.
[5] Disponível em: <http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=jurisprudenciaSumulaVinculante>. Acesso em: 15/02/2012
[6] No mesmo sentido, informativo 548 do STF, Rcl 8.225, 01.06.2009,
[7]Quinta Turma, HC 58.377-RJ, Rel. Min. Laurita Vaz, julgado em 3/6/2008, citando precedentes do STF: HC 82.354-PR, DJ24/9/2004; HC 87.827/RJ, DJ 23/6/2006; do STJ: HC 88.104-RS, DJ 19/12/2007; HC 64.290-SC, DJ 6/8/2007, e MS 11.568-SP, DJ 21/5/2007.
[8]Lei nº 261 de 1841, art. 2º: “Os Chefes de Polícia serão escolhidos entre os Desembargadores e Juízes de Direito; os Delegados e Subdelegados, dentre quaisquer Juízes e cidadãos; serão todos amovíveis e obrigados a aceitar.”


Informações Sobre o Autor

Ruchester Marreiros Barbosa

Delegado de Polícia Civil do Estado do Rio de Janeiro, Doutorando em Direito Penal pela Universidad Nacional de Lomas de Zamora, Buenos Aires, Argentina, Especialista em Direito Penal e Direito Processual Penal pela Universidade Cândido Mendes, Professor de Processo Penal da Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, Professor Convidado da Pós-gradução da Universidade Federal Fluminense, Professor de Processo Penal e Direito Penal da Universidade Estácio de Sá, Professor de diversos cursos preparatórios para concursos públicos


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