Os direitos dos idosos no Brasil: uma investigação dos planos fático E legislativo

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Resumo: o presente artigo versa sobre o direito do idoso no Brasil considerando os planos fático e legislativo e investiga as normas jurídicas de maior relevância em nosso ordenamento jurídico. Dessa forma tem como parâmetros os princípios constitucionais e a acepção destas leis pela sociedade. Para tanto foram realizadas as pesquisas bibliográfica e documental no intuito de se levantar informações suficientes para o delineamento deste contexto. Num primeiro momento são analisados os princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade e a sua relação com o Estatuto do Idoso. Após são discutidas a importância do referido Estatuto e as principais questões doutrinárias e jurisprudenciais correlatas ao tema. Finalmente o estudo traz à baila dados de uma importante pesquisa de âmbito nacional para discutir o nível de informação da sociedade acerca dos direitos dos idosos e os impactos sociais que essa característica apresenta.

Palavras-chave: Direito do idoso. Estatuto do idoso. Princípios.

Abstract: The present article deals with the right of the elderly in Brazil considering the factual and legislative plans and investigates the most relevant legal standards in our legal system. Thus it has as parameters the constitutional principles and purposes of these laws by the company. Therefore we carried out the research literature and documents in order to raise sufficient information for the design of this context. At first we analyze the principles of human dignity and solidarity and its relationship with the Elderly. After we discuss the importance of that Statute and major doctrinal and jurisprudential issues related to the theme. Finally the study brings up important data from a national survey to discuss the level of awareness of society about the rights of the elderly and social impacts that this characteristic presents.

Keywords: Law of the elderly. Status of the elderly. Principles.

Sumário: 1. Introdução. 1.1 Princípios constitucionais e o direito do idoso como um direito social. 2. O Estatuto do Idosos e sua aplicabilidade. 2.1. A estrutura do Estatuto do Idoso. 2.2 Questões controversas do Estatuto do Idoso. 3. Conhecimento legislativo e representação acerca da velhice por parte do idoso no Brasil. 3.1 Pesquisa com os idosos. 4. Considerações Finais. 5. Referências.

INTRODUÇÃO

A velhice é um fenômeno cada vez mais crescente em nosso país. Em todas as esferas da vida política, social e econômica pode-se sentir a presença da população idosa e a sua importância para o funcionamento dessa engrenagem. Nesse sentido, o idoso deve ser visto em um conceito aberto, pois, como afirma Sá (2002, p. 1120) “O idoso é um ser de seu espaço e de seu tempo. É o resultado do seu processo de desenvolvimento, do seu curso de vida. É a expressão das relações e interdependências. Faz parte de uma consciência coletiva, a qual introjeta em seu pensar e em seu agir.”.

Com efeito, essa conscientização da importância da velhice já pode ser percebida no cenário jurídico nacional na Constituição Federal de 1988, na Política Nacional do Idoso, Lei 8.842 (BRASIL, 1994) e no Estatuto do Idoso, Lei 10.741 (BRASIL, 2003), mas deve-se destacar que a proteção à velhice já era reconhecida no artigo XXV da Declaração Universal de Direitos Humanos, de 1948 (DECLARAÇÃO… 2010, online) “Todo ser humano tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação, vestuário, habitação, cuidados médicos e os serviços sociais indispensáveis, e direito à segurança em caso de desemprego, doença, invalidez, viuvez, velhice ou outros casos de perda de subsistência em circunstâncias fora de seu controle. (grifo nosso)”.

Garantir o direito do idoso é, antes de tudo, assegurar sua qualidade de vida, promovendo a dignidade da pessoa humana. Tal dignidade foi alçada ao centro do ordenamento jurídico atual, pelo constituinte originário, logo no artigo 1° da Constituição (BRASIL, 1988) e representa pedra angular para a construção de vários outros princípios.  Considerando que todos os indivíduos são iguais em dignidade, tal princípio se mostra um verdadeiro guia constitucional, esse entendimento é corroborado por Sarlet (2005, p.35) “[…] na condição de princípio fundamental, a dignidade da pessoa humana constitui valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem constitucional, razão pela qual se justifica plenamente sua caracterização como princípio constitucional de maior hierarquia axiológico-valorativa.”.

 A acepção da dignidade da pessoa humana na Constituição serve para afastar a conotação moral que muitas vezes a expressão adquire, devendo ser entendido como princípio fundamental, ou seja, "um valor supremo, que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida" (SILVA, 1991, p.93).

A presença atuante do Estado na proteção dos direitos dos idosos é de capital importância para a efetividade dos dispositivos legais que versam sobre estes indivíduos. Todavia, o Poder Público não pode agir só. É preciso que Estado, família e sociedade comunguem do princípio da solidariedade para com os idosos, de forma a atuarem sempre articulados para a valorização do idoso enquanto integrante do meio social.

 A presença da família como núcleo de convivência do idoso representa forte instituição que deve ter suas ações sempre direcionadas ao amparo dos mais velhos. Uma família de bases sólidas, certamente, proverá boa parte da necessidade do seu idoso, o que o torna mais digno e inserido no contexto social.

 Analisando o plano legislativo, o Estatuto do Idoso, aprovado em 2003, representa a principal lei específica sobre o direito dos idosos. São diversos artigos que garantem os direitos fundamentais destes indivíduos e determinam políticas de atendimentos básicos a serem implementadas. Há de se ressaltar que a Constituição, em seu artigo 230, também traz o dever do Estado, da sociedade e da família em amparar os idosos.

Todos esses dispositivos devem ser interpretados de forma a ampliar sempre o direito do idoso, visto que se trata, sobretudo, de um direito social. Por isso, os princípios da dignidade humana e da solidariedade são fundamentais na linha de interpretação e aplicabilidade das normas que protegem os idosos.

Uma aplicação prática dos referidos princípios diz respeito às possíveis contradições em relação às normas existentes. Não raro, alguns artigos do Estatuto do Idoso têm a sua constitucionalidade questionada, a exemplo do artigo 39 que garante a gratuidade nos transportes públicos aos maiores de 65 anos. Nesses casos concretos não se pode abrir mão de se utilizar esses princípios como reguladores do que deve ser alcançado enquanto tutela do idoso. Há de se ter em vista que as normas têm o dever de promover a dignidade dos idosos, por meio de ações solidárias, assumidas por toda sociedade.

Apesar desse arcabouço legislativo, é necessário que toda essa realidade normativa seja de conhecimento da sociedade. De nada adianta se produzirem leis, se estas não alcançam o corpo social. Informar e educar os cidadãos acerca dos comandos e princípios que precisam ser experimentados pela sociedade, na direção de efetivar as garantias dos idosos, é, sem dúvida, um dos passos mais importantes para a eficácia de qualquer norma.

No sentido de conhecer melhor a realidade legislativa que circunda os idosos, o presente estudo se dispõe a investigar as principais leis que versam sobre o direito do idoso, sempre à luz dos princípios constitucionais, bem como o nível de conhecimento da população acerca desses direitos, revelado por dados publicados de uma pesquisa de dimensões nacionais. Para tanto, nos utilizaremos de uma revisão bibliográfica de algumas das principais literaturas na área, com o escopo de entender melhor a visão dos doutrinadores sobre o tema em questão. Ademais, serão usadas como suporte as principais fontes documentais desta questão, como a Constituição Federal e o Estatuto do Idoso, para se conhecer o modo como as normas versam sobre o direito do idoso.

Em um primeiro momento, analisaremos os princípios constitucionais da dignidade da pessoa humana e da solidariedade como normas finalísticas e as co-relações desses dispositivos com a legislação infraconstitucional, sobretudo no que tange ao Estatuto do Idoso. Insta apontar a importância dos princípios como fonte do Direito e a consonância que os direitos dos idosos devem ter com esses preceitos.

Ademais, será estabelecida uma visão ampla da estrutura do Estatuto do idoso no intuito de conhecer melhor essa Lei e trazer à baila suas principais questões. Nesse sentido, algumas discussões doutrinárias e jurisprudenciais serão levantadas para que o entendimento prático dessas situações revele a importância dos princípios constitucionais na aplicação/interpretação das normas.

Finalmente, partindo de dados publicizados de uma pesquisa nacional acerca do conhecimento da população sobre as principais questões e direitos dos idosos, realizaremos um estudo sobre o nível de informação das pessoas e o seu principal reflexo nas práticas sociais. Busca-se entender como a conscientização do direito do idoso é capaz de atenuar os problemas que assolam essa faixa etária e até que ponto o cidadão informado adquire sua autonomia social.

O estudo será realizado tendo como referência a participação articulada do Estado, da família e da sociedade na efetivação e proteção do direito do idoso. Nesse contexto, identificaremos como o cidadão idoso se insere e o que existe no plano legislativo para o seu amparo, estabelecendo, dessa forma, relações diretas entre princípios, cidadãos e o idoso na legalidade.

1.1 Princípios Constitucionais e o Direito do Idoso como um Direito Social

A Carta Magna (BRASIL, 1988) contempla em seu texto um único artigo que versa sobre o idoso de forma específica, contudo, podemos encontrar a proteção da velhice no direito previdenciário (art. 201, I) e no direito assistencial (art. 203, I e V). Desse modo, é no título VIII, denominado de “Da Ordem Social”, mais especificamente no capítulo VII, que o artigo 230 traz à baila a garantia constitucional dispensada aos indivíduos da terceira idade. Antes de comentar o artigo em tela, mister se faz que seja realizada uma análise contextual desse dispositivo constitucional, com o escopo de entender sua natureza e apresentar uma das interpretações possíveis a lhe ser atribuída.

A ordem social, na qual se insere o artigo em comento, apesar de ser um capítulo próprio, deve ser interpretada como um direito social. Esse é o entendimento de grande parte dos doutrinadores e pode ser observado na obra de Tavares (2008, p. 772) quando diz que: “O título VIII é inteiramente dedicado ao tratamento da ‘Ordem Social’. É necessário esclarecer, contudo, que o tema insere-se no contexto dos denominados direitos sociais […]”.

Os direitos sociais na Constituição Federal (BRASIL, 1988) são aqueles dispostos nos artigos 6° a 11° e correspondem a educação, saúde, trabalho, alimentação, moradia, lazer, segurança, previdência social, proteção à maternidade e à infância e a assistência aos desamparados. Doutrinariamente este conceito se expande e pode ser entendido, segundo Moraes como (2008, p. 193) “Direitos fundamentais do homem, caracterizando-se como verdadeiras liberdades positivas, de observância obrigatória em um Estado Social de Direito, tendo por finalidade a melhoria de condições de vida aos hipossuficientes, visando à concretização da igualdade social […]”.

Por se revestir dessa comparação aos direitos sociais, os artigos presentes no capítulo da “Ordem Social” devem ser tratados pelo Poder Público com uma atuação positiva, objetivando sempre alcançar a igualdade social dos menos favorecidos. Afinal, também está disposto no artigo 193 da Constituição Federal que “a ordem social tem como base o primado do trabalho, e como objetivo o bem-estar e a justiça sociais”, e tais características tendem a ser mais experimentadas pela população quando existem políticas públicas, que visem corrigir as desigualdades sociais.

Estabelecido o contexto no qual se encontra o artigo 230 da Constituição, partiremos para o estudo deste, senão vejamos “Art. 230. A família, a sociedade e o Estado têm o dever de amparar as pessoas idosas, assegurando sua participação na comunidade, defendendo sua dignidade e bem-estar e garantindo-lhes o direito à vida. § 1.° Os programas de amparo aos idosos serão executados preferencialmente em seus lares. § 2.° Aos maiores de sessenta e cinco anos é garantida a gratuidade dos transportes coletivos e urbanos.”.

Prima facie, percebe-se que o legislador responsabilizou desde o núcleo familiar, passando pela sociedade e conferindo também ao Estado o dever de amparar os idosos. A partir dessa análise, pode-se inferir que se espera uma ação articulada de todos os setores sociais e políticos para a proteção do idoso. Assim, deve-se sempre interpretar de forma ampla esse tipo de direito estabelecido, com o intuito de obter maior garantia dos direitos das pessoas maiores de sessenta anos.

Nesse mesmo sentido, encontramos o posicionamento de (CAPEZ et al.,2008 p. 579), ao analisar o artigo e dizer que “tem-se que o conceito de família a ser aplicado deve ser o mais abrangente possível, ou seja, para abrigar qualquer parente em linha reta (consanguíneo ou legal) além dos colaterais até o quarto grau.”. Sabe-se que a família é considerada como instituto base da sociedade e, chamá-la para a responsabilidade com os idosos não é só a imputação de um dever, mas sim um modo de se tentar promover a interação entre as gerações e despertar sentimentos de respeito e solidariedade para com estes. 

Quando se está diante de uma norma constitucional tão abrangente como esta não se pode olvidar que os princípios são uma importante ferramenta para a interpretação e aplicação desse dispositivo. E no caso em tela não é diferente, pois podemos vislumbrar alguns princípios que devem ser aplicados quando do entendimento do artigo. Contudo, é preciso conceituar primeiro o que é princípio para depois realizarmos a análise propugnada. Segundo Humberto Ávila (2006, p 91), na obra “Teoria dos Princípios”, estes são “normas finalísticas, que exigem a delimitação de um estado ideal de coisas a ser buscado por meio de comportamentos necessários a essa realização […]”.

Em posse desse conceito, destacamos dois princípios que se relacionam de forma direta ao artigo supracitado, quais sejam o da solidariedade e o da dignidade da pessoa humana. Para entender a relação do princípio da solidariedade com o artigo 230 da Constituição, é preciso pontuar que tal princípio vem se construindo e modificando desde a antiguidade clássica, com as teorias generalistas de Platão (A República) e de Aristóteles (A Política), as quais visavam uma convivência social justa e harmoniosa. Contudo, foi a partir da pós-revolução industrial, onde a opressão e a exploração dos trabalhadores acentuaram o individualismo, que as associações e sindicatos dos trabalhadores surgiram e jogaram luz nas idéias de união e ajuda ao próximo, como forma de se viver melhor em sociedade e promover a justiça social.

A idéia de solidariedade foi acolhida pela Constituição atual como uma norma presente no artigo 3° e objetivo fundamental da República Federativa do Brasil (BRASIL, 1988). Aplicando o conceito de princípio do supracitado, percebe-se que esta norma se trata, na verdade, de um princípio, pois é uma norma finalística que estabelece o já referido estado ideal de coisas a ser buscada. Destarte, a solidariedade exsurge no artigo 230 da Constituição quando este determina que deve haver uma união entre família, sociedade e Estado para o amparo ao idoso. Este mesmo princípio também é afirmado no Estatuto do Idoso (BRASIL, 2003) como bem assinala Moraes (2008, p. 835) ao dizer que o Estatuto garante “o pleno gozo de todos os direitos fundamentais inerentes à pessoa humana e afirmando o princípio da solidariedade, ao obrigar a família, a comunidade, a sociedade em geral e o Poder Público a assegurarem, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência família e comunitária.”.

No que tange à dignidade da pessoa humana, princípio basilar do ordenamento jurídico brasileiro que pressupõe, sobretudo, a autonomia do indivíduo e o respeito à sua condição de pessoa, apontamos o entendimento de Tavares (2008, p. 550) ao afirmar ser também “o reconhecimento daquilo que se poderia denominar como ‘direito à velhice’”. Assim, o referido princípio não se limita apenas ao artigo em comento, mas estabelece que o “direito à velhice” seja maior que o direito do idoso propriamente dito no artigo 230, pois o mesmo assegura que deve ser defendida a “dignidade” do idoso. O autor vai além e declara (2008, p. 550-1) “Ora, decorrência desse posicionamento constitucional está em que os direitos referidos aos idosos não são apenas aqueles indicados expressamente pela norma constitucional do art. 230. São todos aqueles imprescindíveis para garantir dignidade à vida daqueles que se encontrem na condição de “idosos”. Nessa perspectiva, o direito à velhice coloca-se como direito que há de tutelar-se desde o inicio da vida do indivíduo […]”.

Com efeito, resta evidente que a velhice é concebida na Constituição brasileira (BRASIL, 1988) como fruto da dignidade da pessoa humana, consistente na tutela do direito a vida para que todo indivíduo tenha condições de longevidade. E é nesse ponto que orbita também o direito do idoso disposto na Constituição, entendendo que toda sociedade é responsável pela tutela desse direito.

Estabelecido o contexto constitucional, vale salientar que a Carta Magna supracitada não está só quando se trata em proteção ao idoso. Nesse diapasão, o Estatuto do Idoso se mostra como um grande avanço legislativo, pois reúne e sistematiza os direitos dos idosos e as obrigações do Poder Público e da sociedade para com os maiores de sessenta anos. E é conhecendo um pouco da estrutura dessa Lei que poderemos entender melhor como é regulado os direitos do idoso no Brasil. Por isso, nos dispensaremos ao estudo desta, analisando alguns dos seus principais artigos que versam sobre o direito do idoso no Brasil.

2 O Estatuto do Idosos e sua Aplicabilidade

2.1 A Estrutura do Estatuto do Idoso

O Estatuto do Idoso representa, indubitavelmente, um grande avanço para a proteção do direito do idoso no plano legislativo. Aprovado pelo Congresso Nacional em 1º de outubro de 2003, a Lei 10.741, que dispõe sobre o Estatuto do Idoso, reúne os direitos básicos da terceira idade e lança diretrizes para o tratamento destes indivíduos.

Dividido em sete títulos, a referida Lei possui cento e dezoito artigos que visam garantir o direito do idoso. Assim, são dispostas normas que versam sobre os direitos fundamentais, como o Direito à Liberdade, ao Respeito e à Dignidade, aos Alimentos, à Saúde, à Habitação, ao Transporte, e etc.; Medidas de Proteção; Política de Atendimento ao Idoso; Acesso à Justiça; Os Crimes.

 Preliminarmente, o Estatuto declara que é destinado a assegurar os direitos do idoso e afirma que este goza de todos os direitos fundamentais à pessoa humana, seja previsto por esta Lei ou qualquer outra. Ademais, convoca a família, a sociedade e o Poder Público para zelar pelo direito do idoso e pelo seu bem-estar, ponderando, inclusive, a prioridade que deve haver na efetivação destes direitos. Tal prioridade se traduz de várias formas, seja no atendimento prioritário e imediato que o idoso deve receber nos serviços, seja na destinação de recursos públicos e até mesmo na preferência pelo convívio familiar em detrimento do atendimento asilar (BRASIL, 2003).

Conforme se avança na análise da Lei, percebe-se a preocupação em narrar, individualmente, os direitos fundamentais aos quais os idosos fazem jus. E assim encontramos, no artigo 8° (BRASIL, 2003), a disposição de que “o envelhecimento é um direito personalíssimo e a sua proteção um direito social, nos termos desta Lei e da legislação vigente”. Com essa afirmativa, o legislador atribuiu uma garantia constitucional ao envelhecimento, pois lhe ofereceu a proteção dos direitos sociais, o que indica que o envelhecer bem é uma questão que está diretamente relacionada com o direito fundamental à vida.

É possível identificar também o estabelecimento de uma política de atendimento ao idoso que está disposto no artigo 46 quando afirma: “As políticas de atendimento ao idoso far-se-á por meio do conjunto articulado de ações governamentais e não-governamentais da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios”. Tais ações envolvem, por exemplo, políticas sociais básicas, proteção jurídico-social por entidades de defesa dos direitos dos idosos, políticas e programas de assistência social para aqueles que necessitarem etc.

Ademais, o “acesso à justiça” e a “disposição dos crimes e suas penalidades” também estão previstas no Estatuto. Considerando a morosidade da justiça, é assegurado ao idoso a prioridade da tramitação dos processos judiciais nos quais ele participe de alguma forma (art. 71). No que tange aos crimes previstos na Lei, é disposto que todos são de ação penal pública incondicionada, ou seja, somente o Ministério Público tem a legitimidade para propor a ação.

O surgimento do Estatuto está intrinsecamente relacionado com o que prova as pesquisas do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas (IBGE): o Brasil não é um país só de jovens. Segundo o Instituto “a expectativa de vida de um homem brasileiro em 1910 era de 33,4 anos, ao passo que no ano 2005 a esperança de vida estimada ao nascer no Brasil, para ambos os sexos, subiu para 72,3 anos” (INSTITUTO… 2010, online).

Esse novo perfil populacional despertou a consciência de que o processo de envelhecimento é cada vez mais acelerado em nosso país. Em 1910, quando o índice de idosos era numérica e proporcionalmente bem menor que o atual, a preocupação em oferecer proteção e essa classe, certamente, não era tão pertinente ao ponto de se consubstanciar em leis. Todavia, o atual perfil revelou que os idosos são cada vez mais numerosos na sociedade, o que requer do Poder Público uma maior tutela dos direitos fundamentais dos indivíduos da terceira idade.

Todos os problemas por que passam os idosos na atual conjuntura, a exemplo da carência de assistência médica adequada, falta acessibilidade nas ruas e nos transportes públicos, desprezo em função da condição de velho e etc., se refletiram de forma pontual na elaboração do Estatuto do Idoso. Isso se deu, sobretudo, com reiteração na Lei do comando Constitucional do dever da família, sociedade e Poder Público em zelar pelo idoso. Podemos constatar essas características no artigo 3º do Estatuto (BRASIL, 2003), quando diz que “Art. 3º É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.”.

É possível encontrar no artigo em tela os já supracitados princípios da solidariedade e dignidade da pessoa humana, que devem ser seguidos na aplicação das normas que versam sobre o idoso. Vale ressaltar, também, que no Estatuto do Idoso deve-se sempre lançar mão da melhor interpretação das normas para assegurar os direitos desse segmento da população. Contando, ademais, que o artigo elenca alguns direitos sociais previstos na Constituição Federal, a exemplo da saúde, lazer, educação e o trabalho.

2.2 Questões controversas do Estatuto do Idoso

Sabe-se que a velhice não acontece para todas as pessoas de forma homogênea, mesmo que habitem o mesmo lugar (D’ALENCAR; ALVES, 2004). Em nível mundial isso pode ser percebido pela diferenciação que a Organização Mundial de Saúde estabeleceu entre o início da terceira idade em países ricos e pobres. Essa diferenciação deve-se à expectativa de vida, que nos países ricos superam os países em desenvolvimento como o Brasil. Desse modo, em países desenvolvidos o indivíduo idoso é aquele com 65 anos ou mais, enquanto que em países subdesenvolvidos essa idade cai para 60 anos (MENDES et al., 2005).

O Estatuto do Idoso ratificou esse marco inicial da velhice em seu primeiro artigo (BRASIL, 2003), ao afirmar que “É instituído o Estatuto do Idoso, destinado a regular os direitos assegurados às pessoas com idade igual ou superior a 60 (sessenta) anos.”. Portanto, não há dúvidas de que no Brasil o idoso é aquele de idade igual ou maior de 60 anos e que os direitos contidos no Estatuto alcançam todos os indivíduos dessa idade ou acima dela.

Contudo, algumas contradições legislativas ainda continuaram a existir mesmo após a aprovação da referida Lei. Até o ano de 2009, por exemplo, era mantido no código de processo civil o artigo 1.211-A, que assegurava prioridade na tramitação de todos os atos e diligências às pessoas com mais de 65 anos envolvidas num processo judicial (BRASIL, 1973 – Lei n. 5.869). Ocorre que esta idade já foi revogada tacitamente pelo Estatuto do Idoso, desde 2003, ao estabelecer em seu artigo 71 a idade mínima de 60 anos, embora continuasse permanecendo com a indicação de 65 anos no código de processo civil. Mas foi só com a aprovação da lei 12.008, no ano de 2009, que houve a redução da idade para 60 anos, ou seja, somente seis anos após.

Ademais, um importante artigo do Estatuto do Idoso foi objeto de uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) n. 3.768, proposta pela Associação Nacional das Empresas de Transporte Urbano (NTU), em 2007. Apesar de ter sido julgada improcedente, a ADI causou polêmica acerca da garantia de gratuidade dos idosos nos transportes urbanos e semi-urbanos. Analisemos o artigo “Art. 39. Aos maiores de 65 (sessenta e cinco) anos fica assegurada a gratuidade dos transportes coletivos públicos urbanos e semi-urbanos, exceto nos serviços seletivos e especiais, quando prestados paralelamente aos serviços regulares. § 1º Para ter acesso à gratuidade, basta que o idoso apresente qualquer documento pessoal que faça prova de sua idade. § 2º Nos veículos de transporte coletivo de que trata este artigo, serão reservados 10% (dez por cento) dos assentos para os idosos, devidamente identificados com a placa de reservado preferencialmente para idosos. § 3º No caso das pessoas compreendidas na faixa etária entre 60 (sessenta) e 65 (sessenta e cinco) anos, ficará a critério da legislação local, dispor sobre as condições para exercício da gratuidade nos meios de transporte previstos no caput deste artigo.”.

  A priori, é preciso destacar que a idade estabelecida de 65 anos está em total acordo com o que aduz o parágrafo § 2º do artigo 230 da Constituição Federal outrora analisado. Contudo, a NTU, autora da ação, bem como a Associação dos Usuários de Transportes Coletivos de Âmbito Nacional (Autcan), alegavam que por não haver norma federal específica que instituísse um mecanismo compensatório da gratuidade, o artigo em comento se revestia de inconstitucionalidade (BRASIL, 2007).

Nesse sentido, as Associações propuseram ao Supremo Tribunal Federal (STF), de forma alternativa, que declarasse a inconstitucionalidade da aplicação do dispositivo até que seja criada lei federal específica que instituísse o mecanismo de compensação da gratuidade. Tal pedido se apoiava, sobretudo, na ideia de que essa gratuidade oferecida aos idosos maiores de 65 anos afetou o direito constitucional da preservação do equilíbrio econômico-financeiro nos contratos. Considerava que, ao não prever o custeio da gratuidade, o artigo em comento transferia tal ônus às camadas mais desfavorecidas da população, na medida em que eram realizados ajustes tarifários das passagens (BRASIL, 2007).

A ministra Cármen Lúcia Antunes Rocha, relatora, declarou a improcedência da ADI supramencionada e, à exceção do ministro Marco Aurélio, todos os demais ministros presentes corroboraram o seu voto. Segundo a relatora, as concessionárias e permissionárias que firmaram ou renovaram contratos de transporte coletivo urbano tinham a obrigação de conhecer o preceito constitucional (BRASIL, 2007).

Relatou que, tanto o art. 39 do EI quanto o art. 230 da constituição, asseguram o direito de uma dignidade humana mínima, no sentido de integração social do idoso. Afirmou, ainda, que a tarifa de transporte representa, para o idoso, dificuldade que pode o impedir de circular normalmente pela cidade (BRASIL, 2007).

Além do princípio da dignidade da pessoa humana, o da solidariedade também foi utilizado pelos ministros para fundamentarem os seus votos. Assim, o ministro Carlos Ayres Britto pontuou que a relatora havia retratado “o advento de um novo constitucionalismo fraternal ou, como dizem os italianos, ‘altruístico’, com ações distributivistas e solidárias” (BRASIL, 2007). 

Como pode ser observado, o artigo 39 do Estatuto representa quase uma cópia literal do que está disposto na Constituição. Declarar sua inconstitucionalidade seria uma ofensa não só ao Direito, mas também aos idosos, que teriam tolhida uma garantia tão importante que viabiliza o seu direito de locomoção.

Questões controversas como esta inviabilizam a manutenção dos direitos dos cidadãos. Partindo dessa premissa e considerando o exemplo fático da discussão da gratuidade oferecida ao idoso, é possível se questionar sobre a eficácia do § 3º deste artigo. Ora, é certo que é uma faculdade da legislação local (entenda-se município) dispor sobre essa gratuidade às pessoas entre 60 e 65 anos nos meios de transportes urbanos, mas deve-se ter em vista que não deveria ser uma faculdade, mas sim uma obrigação.

Considerando o mundo capitalista em que vivemos, no qual o fator econômico tende a prevalecer nas relações contratuais, deve-se ponderar que essa possibilidade de escolha pelo poder municipal dá margem ao tolhimento desse direito do idoso. Muito provavelmente se observará, na prática, que será raro se oferecer gratuidade a partir dos 60 anos, em face desta forte polêmica acerca do custeio dessa gratuidade, o que cria um fator inibidor da concessão dessa garantia ao idoso.

3. Conhecimento legislativo e representação acerca da velhice por parte do idoso no Brasil.

3.1 Pesquisa com os Idosos

Ao se elaborar uma lei verifica-se que isso muito provavelmente ocorre em função de situações pertinentes na sociedade que ensejam sua criação para que seja alcançado o tão desejado convívio harmonioso entre os seres humanos. Destarte, um dispositivo legal visa sempre algo que deva ser traduzido na realidade fática e toque os indivíduos indistintamente.

O Estatuto do Idoso se enquadra nesse perfil quando se percebe que se originou dos anseios de uma sociedade que carecia de uma sistematização adequada dos direitos dessa faixa etária, em expansão no país. Somente a proteção trabalhista e a Previdenciária não satisfariam de forma correta as demanda dos idosos. E, nesse contexto, surge a Lei 10.741/03 (BRASIL, 2003).

Mister se faz pontuar que uma lei, para alcançar seu objetivo e ser amplamente experimentada pela sociedade, deve ser do conhecimento de todos. De forma lógica, de nada adianta uma situação legislativa que contemple certas questões, se as mesmas não são do conhecimento das pessoas, que são a parte passiva, por assim dizer, das leis no dia a dia. Em havendo tal situação, corre-se o risco de se tornar anacrônico tudo aquilo que foi disposto pelo legislador.

Considerando esse contexto e relacionando-o com a Lei em estudo chega-se a conclusão clara de que, para efetivar o que está disposto no Estatuto é necessário que cada cidadão, sobretudo o idoso, conheça essa Lei. Ora, um comando legislativo de per si não tem o condão de transformar uma realidade, sendo preciso que as pessoas façam valer esses direitos, seja por suas ações individuais, ou através da cobrança do Poder Público em promover políticas públicas que efetivem o que está disposto.

Os princípios Constitucionais da solidariedade e da dignidade da pessoa humana, aqui já analisados, não devem ser uma realidade apenas do plano legislativo, mas sim do plano fático, na medida em que os cidadãos experimentem esses princípios nos seus cotidianos. A garantia dos direitos dos idosos, almejada pela Ciência Jurídica, certamente será mais fácil de ser alcançada quando as pessoas tenham a consciência de que tais direitos devem ser efetivados de forma imediata nas suas relações intersubjetivas, e não somente por meio de uma relação jurídica processual. 

Os princípios em tela se traduzem de várias formas na realidade. Ser solidário com o idoso é considerar as suas peculiaridades no convívio social e buscar meios de lhe proporcionar melhor qualidade de vida, amparando-o de todas as formas em suas necessidades. Ao se assegurar essas questões, automaticamente, se está promovendo a sua dignidade da pessoa, pois esse princípio visa assegurar todas as necessidades básicas que o indivíduo possui para uma vida digna.

Para se ter idéia da efetivação desses princípios relacionados aos idosos na sociedade, é importante analisar dados concretos acerca dos direitos dos idosos no Brasil, considerando desde o conhecimento do Estatuto do Idoso, aos números que revelam nível de violação destes direitos. Partindo de uma pesquisa realizada pela Fundação Perseu Abramo (FPA), em conjunto com o SESC, por meio de seu Departamento Nacional e do Departamento Regional de São Paulo (FPA apud IDOSOS, 2007), percebemos resultados de suma importância para o entendimento da situação do idoso no país e a recepção do Estatuto pela sociedade.

 Os pesquisadores entrevistaram, entre os dias 1º e 23 de abril de 2006, 2.136 pessoas com 60 anos ou mais, depois de 3 anos da aprovação do Estatuto. O estudo, ademais, visou conhecer a imagem que os não idosos tinham da velhice, e por isso, foram ouvidas 1.608 pessoas de 16 a 59 anos de idade. Totalizaram um número de 204 municípios pequenos, médios e grandes de todas as regiões do país. A pesquisa contemplou diversas esferas das relações dos idosos, bem como seu nível educacional e variadas questões que influenciam de forma direta na sua qualidade de vida. 

Destacamos que, dos idosos entrevistados, 27% afirmaram que não possuem nenhum conhecimento acerca do que seria o Estatuto do Idoso. Já entre os não idosos esse número caiu para 18%. Ou seja, quase um terço da população idosa não tem sequer noção de uma Lei elaborada para sua proteção. Esse número talvez se explique pela porcentagem de 49% de analfabetismo funcional desses idosos, que, ainda segundo a pesquisa, 23% declararam não saber ler e nem escrever o seu próprio nome.

Tais números provam que, apesar da aprovação do Estatuto do Idoso, ainda não existe no Brasil a preocupação de se conscientizar a população acerca desses direitos. Os idosos são aqueles que menos conhecem, se comparados com os jovens, o que lhes é garantido pela Lei. Há de se saber que, a cada percentual desse número, milhares de indivíduos têm seus direitos tolhidos por sua própria ignorância, se tornando verdadeiras vítimas-algozes, pois são condenados pela sua falta de informação a conviverem distante de muitos dos seus direitos fundamentais.

Em outra perspectiva, o problema da violência também se mostra de grande relevância na pesquisa. Constatou-se que 35% dos idosos já sofreram algum tipo de maus tratos. Mais do que uma agressão pessoal, isso revela a falta de respeito que a população alimenta para com os mais velhos. Deve-se considerar que tais práticas ocorrem, muitas vezes, de forma silenciosa dentro dos lares, o que dificulta ainda mais a sua constatação e a providência de medidas para dirimir esses crimes.

Diante desses números, parece que todos os dispositivos encontrados no Estatuto se tornam inócuos na prática social. De nada adianta se estabelecer que nenhum idoso será objeto de qualquer tipo de negligência, discriminação, violência, crueldade ou opressão (art. 4, EI), se dentro dos lares não existe a consciência de respeito aos mais velhos. O Estatuto ainda não se traduziu, efetivamente, em ações eficazes capaz de conscientizar as famílias do tratamento adequado que deve ser dispensado ao idoso.

Não é por acaso que o fantasma da velhice é sempre atrelado a aspectos negativos, traduzido em 88% para os idosos e em 90% para os não idosos da pesquisa. Mais do que isso, a pesquisa ainda afirma que o problema do preconceito contra a velhice no Brasil é visto geralmente como um problema alheio, ou seja, as pessoas têm, mas não o admitem.

Os problemas por que passam os idosos parecem estar arraigados desde os institutos mais básicos da sociedade, até os mais complexos. Apesar de a Lei buscar garantir os direitos básicos dos maiores de sessenta anos, nada é mais eficaz do que o fortalecimento dos vínculos familiares. Se partirmos da premissa de que o amparo da família é muito mais importante do que qualquer tutela jurisdicional, veremos que a estabilidade dos laços efetivos é o primeiro passo, e provavelmente o mais importante, passo para se chegar à qualidade de vida.

Essa necessidade da estrutura familiar não é ignorada pela legislação, pois tanto a Constituição quanto o Estatuto do Idoso preconizam sempre que a família é uma importante unidade na garantia dos direitos dos idosos. Todavia, pesquisas como esta, aqui analisada, revelam que essa consciência ainda não é amplamente experimentada por todos. Destarte, somente uma família, uma sociedade e um Estado solidários para com seus idosos estarão aptos a promover a dignidade da pessoa destes, alcançando assim, a igualdade de condições do idoso na sociedade.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

A inclusão dos princípios da dignidade da pessoa humana e da solidariedade no âmbito do direito constitucional representou uma nova concepção de Estado, que concebe o homem como sua razão de ser. Destarte, toda atividade do Poder Público deve ser direcionada para construção de uma sociedade na qual todos possam usufruir de uma existência digna.

O envelhecer é decorrente da ação concomitante da natureza e do tempo. Os avanços medicinais e da ciência foram capazes de prolongar os anos de vida, mas não estão aptos a promover a dignidade dos seres humanos, muito menos, a qualidade de vida. Tal conquista depende de vários fatores que, talvez, nem mesmo os doutrinadores ainda tenham definido corretamente, visto que orbitam nesse conceito diversos elementos, como qualidade de vida, respeito, saúde, educação, auto-estima, etc.

Nessa alquimia jurídica, em que se almeja a promoção da dignidade da pessoa humana e do princípio da solidariedade, bem como quaisquer outros princípios, que visem assegurar o bem-estar do indivíduo, é preciso que se considere de forma pontual os métodos a serem utilizados para obtenção de tais valores. Nesse sentido, as políticas públicas de proteção e amparo aos idosos representam a principal medida para efetivação das normas no plano fático.

O Estado tem o dever de proporcionar ao idoso os meios necessários ao exercício de sua cidadania, atuando de forma positiva para que suas políticas públicas possam garantir uma parcela mínima, que oferte ao idoso uma velhice com dignidade. Analisando as normas existentes no ordenamento jurídico percebe-se que existem diversos direitos e garantias que amparam os idosos, todavia, na realidade fática essas prerrogativas ainda não são amplamente experimentadas. Desse modo, não é necessário que se criem novas leis com o escopo de reforçar a proteção legal, mas sim que se promovam recursos materiais que promovam tais direitos.

O Estatuto do Idoso representa, enquanto lei especial, ponto de partida para o estabelecimento dessas referidas políticas, considerando que reafirma os princípios constitucionais destinados ao amparo destes indivíduos. É preciso que se pratique tudo aquilo que está disposto na Lei, sob pena de se produzir letra morta, condenando os idosos à vitimização constante dos problemas sociais e culturais.

Os problemas que atingem os idosos, no Brasil, não começam na velhice. Considerando o contexto de vida brasileiro, no qual todos os dias milhões de cidadãos entre jovens, adultos e idosos são privados dos seus direitos, seja de qual ordem for, percebe-se que se trata de verdadeiro problema estrutural. Nesse sentido, todos os seres humanos são credores de uma dívida ainda não paga pelo Estado, que é falho na tentativa de reduzir as desigualdades sociais.

Em meio ao contexto descrito é válido destacar a importância da unidade familiar na (co) existência dos idosos. Sem dúvidas, é no seio da família que muitos problemas podem ser evitados nas práticas sociais, visto que um idoso amparado tende a se sentir mais seguro para enfrentar os dissabores da vida. Como já mencionado, a família, junto ao Estado e à sociedade, é responsabilizada constitucionalmente pela proteção aos idosos.

Essa tríplice aliança deve ser levada às últimas consequências quando se fala em atuação articulada desses institutos. Somente com a conscientização geral da sociedade acerca da obrigação de se respeitar os idosos, como espelho de um futuro iminente de todos, é que se chegará a um patamar mínimo de garantia daquilo que é necessidade básica para a existência de qualquer indivíduo.

Ao respeitar os idosos estamos preservando aquilo que há de mais sagrado para um ser humano, que é a sua dignidade, independente da cor, etnia ou idade. Famílias cientes do dever de amparo aos seus idosos resultarão em uma sociedade preparada para a convivência com as diferenças que estes possuem, o que, por sua vez, estimula o Estado para a manutenção dessa cidadania e dignidade. E nessa solidariedade, certamente, estaremos caminhando de forma efetiva para que os seres humanos vivam em harmonia social.

Urge, por conseguinte, deflagrar ações de pesquisa que tornem explícitas a inobservância dos dispositivos legais, para, a partir do conhecimento fático e contextual, ensejar a proposição de alternativas locais, capazes não só de fornecer um panorama concreto da situação do idoso, mas, também, subsidiar a formulação de políticas públicas de maior efetividade e o desenvolvimento de mecanismos de luta por direitos, por parte do idoso e de instituições de defesa deste.

 

Referências
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Informações Sobre os Autores

Diêgo Edington Argolo

Advogado; Mestrando em Direito Público na Universidade Federal da Bahia UFBA; Pós Graduado em Direito Constitucional e Direito Processual Civil pela AVM Faculdade Integrada; Graduado em Direito Pela Universidade Estadual de Santa Cruz UESC

Natália Maria Reis Oliveira Furtado

Professora Assistente da Universidade Estadual de Santa Cruz UESC. Mestre em Educação pela Universidade Federal da Bahia UFBA. Doutora em Educação pela Universidade Federal da Bahia UFBA. Graduanda em Direito pela Faculdade de Ilhéus BA


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