A cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade

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Resumo: Este trabalho apresenta a discussão acerca da possibilidade de cumulação dos adicionais de insalubridade e periculosidade, mostrando os posicionamentos majoritários sobre o tema e os entendimentos minoritários, colocando em questão o que dispôs a Constituição federal, a CLT, as NR’s 15 e 16 do Ministério do Trabalho e a OIT n. 155 acerca do tema.[1]

Palavras-chave: Adicionais de insalubridade e periculosidade. Possibilidade de cumulação.

Abstract: This paper presents a discussion about the possibility of overlapping of the additional of hazardous and risk, showing the major positions on the topic and minority understandings, questioning what it set out to federal Constitution, the Labor Code, the NR's 15 and 16 in the Ministry of Labour and the ILO n. 155 on the subject.

Keywords: Additional unsanitary and hazardous. Possibility of overlapping.

Sumário: 1.Introdução. 2. Conceitos de adicional insalubridade e periculosidade. Base de cálculo. 3. Breve histórico e embasamento legal. 4.Opinião da doutrina e jurisprudência. 5.Considerações Finais. Referências.

1.Introdução:

O presente trabalho tem como objetivo aprofundar a discussão acerca da possibilidade de cumulação de adicionais de insalubridade e periculosidade, diante da exposição da saúde do trabalhador no meio ambiente do trabalho. O tema é relevante para toda sociedade, pois discorre sobre o direito à saúde e meio ambiente equilibrado, conforme os ditames da Constituição Federal de 1988.

As condições insalubres de trabalho estão descritas na NR 15 do Ministério do Trabalho, que são aquelas que exponham o trabalhador a agentes físicos, biológicos e químicos nocivos a sua saúde. Já o adicional de periculosidade diz respeito ao risco de vida do trabalhador, diante do contato com inflamáveis, explosivos, eletricidade e radiação ionizante ou substância radioativa.

Vale ressaltar que na CLT, já existia desde a sua criação, um capítulo (artigos 154 a 201) referente às normas relativas à segurança e saúde do trabalhador, diante do trabalho que coloque em risco a vida ou a saúde, protegendo o mesmo contra agentes insalubres e perigosos no ambiente do trabalho. Porém a citada norma impossibilita o recebimento de ambos os adicionais de forma cumulada quando o trabalhador se expõe simultaneamente a tais riscos, o que será a seguir analisado.

A Constituição Federal elencou uma missão para todos, que é a de proteger a saúde e a vida do trabalhador, além de eliminar os riscos inerentes ao trabalho, porém permitiu que todo trabalhador que desenvolva atividades penosas, insalubres ou perigosas, tenha direito a um adicional de remuneração, na tentativa de inibir as atividades prejudiciais, conforme elencado em seu art. 7º, porém não incluiu expressamente a percepção simultânea dos adicionais em comento.

A Convenção Sobre a Segurança e Saúde do trabalhador nº 155 da OIT foi ratificada pelo Brasil e prevê em seu art. 11, “b” que “deverão ser levados em consideração os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”.

Diante deste cenário pergunta-se o que deve ser aplicado no Brasil: A não cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade sustentada pela doutrina majoritária ou a cumulação proposta pela Convenção nº 155 da OIT sobre Saúde e Segurança do trabalhador?

No segundo capítulo será abordado o conceito de adicional, insalubridade e periculosidade nas relações de trabalho e emprego, levando-se em conta como os institutos são descritos pelos estudiosos do direito e a base de cálculo para percepção dos mesmos.

Na sequencia será explanado o tema sob a ótica da legislação aplicável, sob o enfoque do direito constitucional, do ordenamento jurídico brasileiro e do direito internacional, especificamente sobre a Convenção Sobre a Segurança e Saúde do trabalhador nº 155 da OIT e sua aplicação no cenário nacional.

Em seguida, será analisada a opinião dos estudiosos do direito do trabalho e a posição atual da justiça do trabalho sobre o tema, abordando as justificativas para a aplicação ou não aplicação da cumulação dos citados adicionais.

Por fim, chega-se a uma reflexão sobre uma possível aplicação dos adicionais de forma simultânea e as consequências jurídicas para a empresa e o empregado, passando por uma análise constitucional sobre o tema.

2.Conceitos de adicional, insalubridade e periculosidade. Base de cálculo.

Para que se possa entender a incidência dos adicionais, deve-se traçar o conceito do que é adicional e o conceito de atividade insalubre e perigosa e a abordagem do tema dentro do ordenamento jurídico brasileiro.

2.1.Conceito de Adicional

O conceito de adicional está intimamente relacionado com o conceito de salário existente no art 457 da CLT, que considera salário a contraprestação do serviço devida e paga diretamente pelo empregador ao empregado, em virtude da relação de emprego, sendo este uma modalidade de salário.

 Para alguns doutrinadores, como GODINHO (2012,p. 759), os adicionais são conceituado como “parcelas contraprestativas suplementares devidas ao empregado em virtude do exercício do trabalho em circunstancias tipificadas mais gravosas.” E continua, “… é, portanto, nitidamente salarial, não tendo, em consequência, caráter indenizatório.

Portanto, nota-se que os adicionais são interpretados como mera contraprestação pelo trabalho prestado, constituindo estes sobressalários e possuem natureza salarial, apesar de estarem relacionados a uma situação de nocividade ao trabalhador.

2.2.Conceito de insalubridade

Acerca do conceito de insalubridade, segundo CARRION (2005), “são insalubres as atividades ou operações que exponham a pessoa humana a agentes nocivos à saúde(…)”.

O artigo 189 da CLT considera “atividades ou operações insalubres aquelas que[…]exponham os empregados a agentes nocivos à saúde, acima dos limites de tolerância fixados”.

 A indicação do agente nocivo, da natureza, das condições do ambiente de trabalho e o que seja limites de tolerância, cabe ao Ministério do Trabalho e Emprego, através da aprovação do quadro de atividades, conforme dispõe o artigo 155, I e 190 da CLT.

Veja-se Súmulas do STF neste sentido:

Súmula 194 – STF: É competente o Ministro do Trabalho para especificação das atividades insalubres.

Súmula 460 – STF: Para efeito do adicional de insalubridade, a perícia judicial, em reclamação trabalhista, não dispensa o enquadramento da atividade entre as insalubres, que é ato da competência do Ministro do Trabalho.

Assim, o Ministério Público, através de atos administrativos, regula o enquadramento de todas as atividades consideradas insalubres, sendo rol extremamente taxativo, entendimento defendido pelo nobre autor Luciano Martinez seguindo entendimento sumulado pelo STF e diversos tribunais[2]:

“Para caracterizar e classificar a insalubridade é necessária a atuação de perito Médico do trabalho ou Engenheiro do Trabalho, registrado no Ministério do Trabalho. Esta caracterização e classificação (de acordo com os graus de nocividade) serão realizadas segundo as normas do referido órgão ministerial. O enquadramento é fundamental. Não basta que o perito entenda que há insalubridade; é necessário que o agente nocivo esteja previsto nas normas do MTE.”

2.3.Conceito de periculosidade

Já o conceito de periculosidade, diz respeito a atividades perigosas, que coloquem em risco a vida do trabalhador através de comprovação por perícia (Súmula 364, I do TST). O termo periculosidade significa qualidade ou estado de ser perigoso[3].

Diz a CLT que, são consideradas atividades ou operações perigosas, na forma da regulamentação aprovada pelo Ministério do Trabalho, aquelas que, impliquem risco acentuado em virtude de exposição permanente do trabalhador a: inflamáveis, explosivos ou energia elétrica; roubos ou outras espécies de violência física nas atividades profissionais de segurança pessoal e patrimonial, atividade desenvolvida por trabalhador em motocicleta acrescentado pela Lei 12.997/2014.

Além dessas causas citadas para a percepção dos adicionais, também são detentoras do direito o bombeiro, regulamentado pela Lei nº 11.901/2009 e os trabalhadores expostos a radiação ionizante/radioatividade, nos termos da portaria nº518 do Ministério do trabalho e Emprego e OJ 345 da SDI-1 do TST[4].

O risco citado no texto da CLT deve ser entendido como perigo ou possibilidade de perigo[5], sendo aquilo que coloque em risco a vida do trabalhador de forma variável que poderá vir a acontecer a qualquer momento, conforme orienta Buck(2001, p.85)[6]: “Há que se considerar que o risco é de consequências imprevisíveis, tendo em vista que o fato gerador pode, a qualquer momento, resultar em danos graves, irreparáveis ou fatais ao trabalhador”.

2.4.Base de cálculo e caracterização dos adicionais

Em função de os adicionais de insalubridade e periculosidade possuírem natureza salarial, o cálculo dos mesmos deveria ser feito sobre o salário básico e todos os seus reflexos, entretanto, somente o adicional de periculosidade é calculado desta forma, sendo que o adicional de insalubridade incide sobre o salário mínimo pela leitura do art. 192 da CLT.

Recentemente o STF considerou inconstitucional o uso do salário mínimo como indexador de base de cálculo de vantagem de servidor ou empregado (Súmula Vinculante nº 04), adotando técnica decisória alemã (Unvereinbarkeitserklarung), declarando a inconstitucionalidade do art. 192 da CLT sem pronúncia de nulidade. Ou seja, o órgão máximo do poder judiciário entendeu que apesar da declaração de inconstitucionalidade da norma, que prevê o cálculo do adicional sobre o salário mínimo, essa poderá ser utilizada até que o legislador expressamente a revogue, em respeito à separação de poderes[7].

O cálculo do adicional de insalubridade é regido pela NR 15 do Ministério do Trabalho, onde classifica os agentes tipificados na lista como leve, médio ou máximo. O enquadramento indica a variação nos percentuais de 10%(leve), 20%(médio) ou 40%(máximo) respectivamente(art. 192 da CLT).

Já o cálculo do adicional de periculosidade possui percentual único de 30%, para ambientes considerados perigosos, de acordo com a classificação do Ministério do Trabalho (NR 15).

Mister esclarecer que, no caso de incidência da insalubridade o uso de EPI (equipamento de proteção individual), devidamente aprovado pelo Ministério d Trabalho e que elimine o caráter insalubre, implica eliminação do pagamento do adicional (Súmula 80 do TST).

3.Breve histórico e embasamento legal

O surgimento dos adicionais se deu a partir do DL nº 2.162/1940, que estabeleceu os adicionais de periculosidade no ambiente de trabalho e a Lei nº 2.573/1955, que incluiu, em seu art 5º, os trabalhadores em contato com inflamáveis, posteriormente regulamentada pelo Decreto nº 40.119/1956, que dava opção ao trabalhador de escolha entre o adicional e o benefício previdenciário, em seu art 11, proibindo a cumulação.

Com o advento da Lei nº 5.880/73, o direito foi estendido aos trabalhos com explosivos e com a Lei nº 7.369/85, aos empregados em contato com sistema elétrico.

Para Buck(2001, p. 111), “a maioria dos juristas interpreta que, o Decreto nº 40.119/1956 citado indica a incompatibilidade da acumulação do adicionais”, sendo que, ambas as legislações foram revogados pela Lei 6514/1977.

Assim, a aplicação simultânea dos adicionais de insalubridade e periculosidade não é permitida. A limitação ocorre através da leitura da NR 15, ítem 15.3 e 16.2.1 do Ministério do Trabalho, que regula quais são as atividades que deve incidir cada adicional respectivo, proibindo a possibilidade de cumulação dos mesmos expressamente através da portaria nº 3.214/78.

Ocorre que, o Brasil aderiu a Convenção n. 155 da OIT, e esta passou a integrar a legislação brasileira com status de supralegalidade, pois abarca a proteção do ser humano e deve prevalecer sobre qualquer lei ordinária, mas sem ferir a Constituição[8].

4.Opinião da doutrina e jurisprudência.

A citada convenção revogou o §2º do art 193, da CLT através de seu artigo 11, b, afirmando que “deverão ser considerados os riscos para a saúde decorrentes da exposição simultânea a diversas substâncias ou agentes”[9].

Contudo, conforme confirma Luciano Martinez[10], a interpretação majoritária ainda é no sentido da não cumulatividade, vejamos:

“(…), a interpretação mais frequente encontrada da jurisprudência aponta no sentido de que, uma vez certificado o direito à percepção do adicional de periculosidade, o empregado poderia, abrindo mão deste, optar pelo adicional de insalubridade, caso este também lhe fosse devido.”.

Portanto, nota-se uma inclinação majoritária dos estudiosos pela não cumulação, devendo o empregado optar pelo adicional que mais lhe beneficie na prática, posição adotada em vários julgados do TST e pautados na NR 15 do MTE: “No caso de incidência de mais de um fator de insalubridade, será apenas considerado o de grau mais elevado, para efeito de acréscimo salarial, sendo vedada a percepção cumulativa.”(grifos nossos).

Para a maioria dos doutrinadores os adicionais não são cumuláveis, visto que a CLT assim dispôs em seu art. 193, §1 da CLT:“o empregado poderá optar pelo adicional de insalubridade que por ventura lhe seja devido”.

Conforme sustenta um dos juristas criadores da CLT, Arnaldo Sussekind(1998) citado por Buck (2001, p 112), “o entendimento doutrinário sobre este parágrafo é no sentido de que, se o trabalhador estiver exposto aos riscos da insalubridade e da periculosidade, terá de optar pelo recebimento de um só dos adicionais”.

Existe posicionamento que não deve ser aplicada a cumulação porque o art. 11 b da Convenção 155 da OIT, norma que seria aplicada, não prevê que os adicionais devem ser cumulados, como MARTINS (2012, p 262) defende em sua obra: “O artigo citado versa sobre riscos para a saúde causados por exposição simultânea a várias substâncias e não que os adicionais de insalubridade e periculosidade devem ser pagos de forma acumulada”.

Para a jurisprudência dominante, o comando da CLT aliado a NR do MTE é claro pela não cumulação, conforme julgado abaixo descrito do Ministro Maurício Delgado[11]:

“RECURSO DE REVISTA. ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. PAGAMENTO NÃO CUMULATÓRIO. OPÇÃO POR UM DOS ADICIONAIS. Ressalvado o entendimento deste Relator, o fato é que, segundo a jurisprudência dominante nesta Corte, é válida a regra do art. 193, § 2º, da CLT, que dispõe sobre a não cumulação entre os adicionais de periculosidade e de insalubridade, cabendo a opção pelo empregado entre os dois adicionais. […]Para a ressalva do Relator, caberia o pagamento das duas verbas efetivamente diferenciadas (adicional de periculosidade e o de insalubridade), à luz do art. , XXIII, da CF, e do art. 11-b da Convenção 155 da OIT, por se tratar de fatores e, de principalmente, verbas/parcelas manifestamente diferentes, não havendo bis in idem. Recurso de revista conhecido e provido.”

Nota-se que, o ilustre mestre Godinho Delgado é a favor da cumulação dos adicionais, porém afirma que deve seguir o entendimento dominante, de acordo com o TST, negando a cumulação dos adicionais, devendo o trabalhador escolher o mais benéfico, de acordo com a aplicação do art. 193, § 2º, da CLT.

Apesar de existir a vedação da cumulação na NR 15, portaria exarada pelo Ministério do Trabalho e Emprego, Órgão do poder Executivo, atual prática é bastante criticada pela doutrina. Conforme ensinamentos de Direito Administrativo de Maria Zanella di Pietro(2007, p.78-79), não pode um regulamento do poder executivo disciplinar relações de trabalho e emanar proibições, vejamos:

“Doutrinariamente, admite-se dois tipos de regulamentos: o regulamento executivo e o regulamento independente ou autônomo. O primeiro complementa a lei […]. Ele não pode inovar na ordem jurídica, cirando direitos, obrigações, proibições, medidas punitivas, até porque ninguém é obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei, conforme artigo 5º, II, da Constituição ; ele tem que se limitar a estabelecer normas sobre a forma como a lei vai ser cumprida pela a Administração.”(grifos nossos).

Portanto, seguindo a linha de pensamento da renomada professora, não poderia a NR 15 ter proibido a percepção dos adicionais, pois só cabe a lei assim dispor, de acordo com o Princípio da Legalidade, conforme exposto na Constituição Federal de 1988.

Sebastião Geraldo de Oliveira defende a cumulatividade, sob o ponto de vista que não há motivo aparente para se proibir o recebimento do adicional, em defesa da aplicação da convenção 155 da OIT ratificada[12]:

“Acumulação de adicionais: como o princípio é o da proteção do ser humano, consubstanciado, por exemplo, na diminuição dos riscos inerentes ao trabalho, não há o menor sentido continuar-se dizendo que o pagamento de um adicional “quita” a obrigação quanto ao pagamento de outro adicional. […]. Da mesma forma, o pagamento pelo dano à saúde, por exemplo, perda auditiva, nada tem a ver com o dano provocado, por exemplo, pela radiação. Em suma, para cada elemento insalubre é devido um adicional, […]. Assim, dispõe, aliás, a Convenção n. 155 da OIT, ratificada pelo Brasil;”

Assim, o renomado autor defende que para cada risco à saúde do trabalhador incide um adicional, de forma independente, visto que o trabalhador aumenta gradativamente o risco a sua saúde e vida.

Em sua magnífica obra, Oliveira (2001) descreve os mecanismos de proteção à saúde do trabalhador, afirmando que a cumulação poderia ajudar a desestimular o ambiente de trabalho insalubre, vejamos:

“Não há razão do ponto de vista biológico, lógico ou jurídico para a vedação de adicionais cumulativos, quando presentes diversos agentes prejudiciais. Por outro lado, este agravamento dos adicionais, com amplo respaldo na legislação, implica maior desembolso e motiva o empregador a melhorar o ambiente de trabalho, para evitar o pagamento dos referidos adicionais.”

O autor cita que, em decorrência da cumulação dos adicionais, o empregador terá que desembolsar uma quantia maior para o pagamento de seus empregados, porém motiva a melhorar o ambiente de trabalho e muitas vezes a eliminar os riscos com objetivo de não pagar o adicional que a lei disciplina.

5.Considerações Finais

A cumulatividade dos adicionais em comento tem grande relevância para toda a sociedade e operadores do direito, visto que este está inserido no art. 7º da constituição como direito social do trabalhador e sua percepção abarca o respeito a dignidade da pessoa humana presente na Carta Magna de 1988, em respeito a obrigatoriedade do legislador em tentar diminuir os riscos a saúde e a vida do trabalhador, tema presente na Convenção nº 155 da OIT (sobre saúde e segurança do trabalhador.

Após a ampliação da competência da justiça do trabalho após a emenda nº 45 a justiça do trabalho passou a ser competente para julgar doenças e acidentes do trabalho, trazendo uma responsabilidades a mais para a sua órbita. A um, por se ver responsável por julgar a responsabilidade das lesões oriundas do trabalho. A dois, em razão dos aplicadores do direito serem diretamente responsáveis pela fiscalização de um ambiente de trabalho mais saudável para o trabalhador, conforme conclui Cláudio Brandão[13]:

“Voltados para o cumprimento da ordem jurídica e para a defesa dos fundamentos do Estado Democrático de Direito insculpidos no art. 1º da Constituição Federal, os operadores do direito também estão vinculados à observância dessas diretrizes. Significa afirmar que, na aplicação das normas e no debate sobre o tema, devem inserir um novo paradigma, além dos princípios de interpretação voltados à finalidade social: a proteção à saúde é um direito fundamental do trabalhador.”

O desembargador Oliveira (2007) faz uma referência à ampliação da competência da emenda 45/2005 e conclui que, o ambiente de trabalho insalubre e(ou) perigoso, sem o respeito às normas de proteção, tem produzido, cada vez mais, acidentados[14]: “O agente que era insalubre materializou-se na doença; o risco da periculosidade deixou o território das probabilidades e produziu inválidos, mutilados ou vítimas fatais”.

Assim, conclui-se que a cumulação dos adicionais citados apesar de ser proibida pela doutrina, é um poderoso instrumento para coibir o meio ambiente de trabalho prejudicial ao trabalhador e efetivamente cumprir o comando constitucional de redução dos riscos no trabalho, devendo o atual posicionamento ser repensado e rediscutido.

Apesar de a doutrina ser minoritária acerca da cumulatividade, existe hoje, no Brasil, juízes que entendem ser a cumulatividade possível, conforme posicionamento do TRT da 3ª Região, em Minas gerais[15]:

“Apurado via excelente laudo pericial, que foram encontrados dois agentes insalubres, logicamente os reclamantes receberam dois adicionais, para se proteger a saúde e evitar o locupletamento ilícito. Ora, se expostos estão os empregados a mais agentes insalubres do que um só, motivo maior há para auferir um maior adicional, por motivos biológicos, jurídicos e lógicos.”

Neste sentido, posicionamento minoritário surge como a luz no fim do túnel para os trabalhadores, porém a questão deve ser amplamente discutida para não gerar uso indevido da cumulação em distorção com a constituição e convenção 155 da OIT.

Buck (2001, p. 132) faz uma ressalva e afirma defender apenas a cumulação dos adicionais de insalubridade entre si e entre os adicionais de periculosidade e insalubridade, defendendo a cumulação apenas quando houver danos diversos, conforme citação abaixo:

“Entretanto, ressalvamos que não somos favoráveis à cumulatividade do adicional de periculosidade entre si, mesmo que o trabalhador esteja exposto a mais de um agente perigoso(ex. periculosidade por inflamáveis e periculosidade elétrica), pois a periculosidade caracteriza-se pelo dano à vida e integridade física do trabalhador, ou seja, o dano é o mesmo, diferente dos agentes insalubres que ocasionam diversos danos à saúde do trabalhador.”

Portanto, a professora e corrente minoritária defende a aplicação imediata do art 11-b da convenção da OIT ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 1.254/1994, que dispõe que “deverão levar-se em consideração os riscos para a saúde causados pela exposição simultânea a várias substâncias ou agentes”.

Recentemente, capitaneado pelo brilhante baiano Cláudio Brandão, o TST vem revendo seu posicionamento e se inclinando em aceitar a cumulação dos adicionais em prol da norma de direito internacional, que estaria em harmonia com a constituição e que teria revogado o art. 193 da CLT, que não foi recepcionado pela Constituição, senão vejamos[16]:

“RECURSO DE REVISTA. CUMULAÇÃO DOS ADICIONAIS DE INSALUBRIDADE E PERICULOSIDADE. POSSIBILIDADE. PREVALÊNCIA DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS E SUPRALEGAIS SOBRE A CLT. JURISPRUDÊNCIA CONSOLIDADA DO STF QUANTO AO EFEITO PARALISANTE DAS NORMAS INTERNAS EM DESCOMPASSO COM OS TRATADOS INTERNACIONAIS DE DIREITOS HUMANOS. INCOMPATIBILIDADE MATERIAL. CONVENÇÕES NOS 148 E 155 DA OIT. NORMAS DE DIREITO SOCIAL. CONTROLE DE CONVENCIONALIDADE. NOVA FORMA DE VERIFICAÇÃO DE COMPATIBILIDADE DAS NORMAS INTEGRANTES DO ORDENAMENTO JURÍDICO. A previsão contida no artigo 193, § 2º, da CLT não foi recepcionada pela Constituição Federal de 1988, que, em seu artigo 7º, XXIII, garantiu de forma plena o direito ao recebimento dos adicionais de penosidade, insalubridade e periculosidade, sem qualquer ressalva no que tange à cumulação, ainda que tenha remetido sua regulação à lei ordinária. A possibilidade da aludida cumulação se justifica em virtude de os fatos geradores dos direitos serem diversos. Não se há de falar em bis in idem. […].”

Assim, a doutrina minoritária em favor da cumulação dos adicionais vem ganhando adeptos, já existindo decisões judiciais favoráveis ao trabalhador nesse sentido.  A admissibilidade da cumulação descrita no presente artigo é de suma importância e constitui como respeito a vida e a saúde do trabalhador, pois servirá para inibir cada vez mais as empresas de produzirem ambientes nocivos.

Diante da omissão do legislador brasileiro, a aplicação de tais adicionais de forma simultânea ainda é muito tímida, se concretizando, muitas vezes através do direito, na busca pela justiça no poder judiciário.

Mas o trabalhador deve continuar a busca pelo seu direito e da justiça, que se confundem, muitas vezes com o termo bem comum, que se resume na busca que cada indivíduo tem em alcançar sua verdade, conforme sua realidade social. Para Buck (2001, p 137), citando Reale(11987, p. 292), “o bem comum só pode ser concebido , concretamente , como um processo incessante de composição de valores e de interesses, tendo como base, […] o valor condicionante da liberdade espiritual, a pessoa como fonte constitutiva da experiência ético-jurídica”.

Referências:
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BARROS, Alice Monteiro.Curso de Direito do Trabalho. 7 ed. São Paulo: LTr, 2011.
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PINTO, Sérgio Martins. Direito do Trabalho. 28 ed. São Paulo: Atlas, 2012.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 11 ed. São Paulo: LTr, 2012.
ALELUIA, Thaís Mendonça, Coleção Sinopse para Concursos – Direito do Trabalho.1 ed. Salvador: JusPODIVM, 2014.
REALE, Miguel. Filosofia do Direito. 12ª ed. São Paulo: Saraiva, 1987.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. Em Defesa da Ampliação da Competência da Justiça do Trabalho. Revista LTR, Editora LTR, Ano 70, janeiro de 2006, São Paulo, págs. 14-15
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Proteção Jurídica à Saúde do Trabalhador. Editora LTR, São Paulo, 1998.
MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 20 ed. São Paulo: Atlas, 2006, p.648-651
MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 4.ed. Salvador: Saraiva, 2013, p. 312.
CARRION, Valentin. Comentários à consolidação das leis trabalhistas. 30 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.
SALIBA, Tuffi; CORRÊA, Márcia Angelim Chaves. Insalubridade e Periculosidade. 4ªed. São Paulo: Ltr, 1998
PROCESSO Nº TST-RR-1072-72.2011.5.02.0384 – Relator Ministro Cláudio Brandão
TST – RR: 6117006420095120028  611700-64.2009.5.12.0028, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 26/06/2013, 3ª Turma
CLT – Consolidação das Leis Trabalhistas
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SACCONI.Luiz Antonio. Minidicionário Sacconi da Língua Portuguesa.São Paulo: Atual, 1998
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BRANDÃO Cláudio.  Meio ambiente do trabalho saudável: direito fundamental do trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região, Janeiro / Junho 2011, Rio de Janeiro: TRT 1ª Região.
OLIVEIRA, Sebastião Geraldo de. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.95-111, jul./dez.2004
 
Notas:
[1] Monografia apresentada ao Programa de Pós-Graduação em Direito e Processo do Trabalho da Universidade Católica do Salvador, como requisito à obtenção do título como especialista em Direito do Trabalho. Orientadora: Juliette Robichez

[2] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 4.ed. Salvador: Saraiva, 2013, p. 301-302.

[3] SACCONI.Luiz Antonio. Minidicionário Sacconi da Língua Portuguesa.São Paulo: Atual, 1998, p. 519.

[4] ADICIONAL DE PERICULOSIDADE. RADIAÇÃO IONIZANTE OU SUBSTÂNCIA RADIOATIVA. DEVIDO. A exposição do empregado à radiação ionizante ou à substância radioativa enseja a percepção do adicional de periculosidade, pois a regulamentação ministerial (Portarias do Ministério do Trabalho nºs 3.393, de 17.12.1987, e 518, de 07.04.2003),  ao reputar perigosa a atividade, reveste-se de plena eficácia, porquanto expedida por força de delegação legislativa contida no art. 200, caput, e inciso VI, da CLT.

[5] FERREIRA, Aurélio B. de Holanda. Novo dicionário da língua portuguesa. São Paulo: Nova Fronteira, 1986, p.214.

[6] BUCK. Regina Célia.Cumulatividade dos adicionais de insalubridade e periculosidade.São Paulo: Ltr, 2001, p 85.

[7] STF – RE-565.714-SP

[8] (30) […] Se assim é, à primeira vista, parificar às leis ordinárias os tratados a que alude o art. 5º, §2º, da Constituição, seria esvaziar de muito o seu sentido útil a inovação, que, malgrado os termos equívocos do seu enunciado, traduziu uma abertura significativa ao movimento de internacionalização dos direitos humanos. Ainda sem certezas suficientemente amadurecidas, tendo assim (…)a aceitar a outorga de força supra-legal às Convenções de direitos humanos, de modo a dar aplicação direta às suas normas – até, se necessário, contra a lei ordinária – sempre que, sem ferir a Constituição, a complementem, especificando ou ampliando os direitos e garantias dela constantes. […] (RHC 79785, Relator(a):  Min. SEPÚLVEDA PERTENCE, Tribunal Pleno, julgado em 29/03/2000, DJ 22-11-2002 PP-00057 EMENT VOL-02092-02 PP-00280 RTJ VOL-00183-03 PP-01010.)

[9] Convenção 155 da OIT, Art 11,b.

[10] MARTINEZ, Luciano. Curso de direito do trabalho. 4.ed. Salvador: Saraiva, 2013, p. 312.

[11] TST – RR: 6117006420095120028 611700-64.2009.5.12.0028, Relator: Mauricio Godinho Delgado, Data de Julgamento: 26/06/2013, 3ª Turma

[12] Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, Belo Horizonte, v.40, n.70 (supl. esp.), p.95-111, jul./dez.2004 – p. 98.

[13] BRANDÃO Cláudio.  Meio ambiente do trabalho saudável: direito fundamental do trabalhador. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 1a Região, Janeiro / Junho 2011, Rio de Janeiro: TRT 1ª Região. p 97.

[14] Oliveira, Sebastião Geraldo de. Rev. Trib. Reg. Trab. 3ª Reg., Belo Horizonte, v.45, n.75, p.107-130, jan./jun.2007

[15] TRT-3 – RO: 212891 2128/91, Relator: Dárcio Guimaraes de Andrade, Quarta Turma.

[16] PROCESSO Nº TST-RR-1072-72.2011.5.02.0384 – Relator Ministro Cláudio Brandão


Informações Sobre o Autor

Lucas Andrade Araripe

Advogado formado pela Universidade Católica do Salvador


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