O Estatuto da Criança e do Adolescente, as medidas sócio- educativas e a internação

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária!

INTRODUÇÃO

O artigo objetiva mostrar aspectos gerais da Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), destacando as medidas sócio-educativas, principalmente uma delas: a internação. Neste âmbito, enumera-se em tópicos os principais dispositivos da legislação específica, considerando o adolescente como pessoa em desenvolvimento; sendo necessária a concretização dos requisitos essenciais à sua formação. Como também, através deste ponto de referência, enfatizar a relação dos jovens com a sociedade, em especial a família, juntamente com a influência refletida nos mesmos, a qual ocasionará a forma da personalidade dos adultos de amanhã. É neste sentido que, por fim, serão analisados o ato infracional e as medidas sócio-educativas aplicadas; com destaque para a internação e seus efeitos.

A LEI Nº 8.069/90: ESTRUTURA, OBJETIVO E SEU CARÁTER ESPECIAL

A Lei nº 8.069/90 está dividida em duas partes: a parte geral e a especial. A primeira trata dos princípios norteadores, como o da proteção integral da criança e do adolescente, dos direitos fundamentais e da prevenção. A parte especial, que inclui a política de atendimento, as medidas de proteção, a prática do ato infracional, as medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, o conselho tutelar, o acesso à justiça, a apuração de infração administrativa, os crimes e as infrações administrativas. Esta estrutura tem o escopo de organizar de forma didática os dispositivos do já mencionado estatuto, favorecendo a efetividade do sistema normativo.

Assim, ressalta-se que a Lei nº 8.069/90 é dotada de caráter especial, pelo fato de acolher em seus artigos uma gama de princípios, visando à proteção dos direitos infanto-juvenis; como também assegurando todas as garantias inerentes aos mesmos, em virtude da prática de ato infracional. Segundo Cury (2003, p. 16) ”são especiais e específicos, pela condição de pessoas em desenvolvimento”. Deste modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente revolucionou o direito juvenil, inovando e adotando a doutrina de proteção integral.

O objetivo primordial da lei supra é proteger integralmente todos os menores de dezoito anos, os quais necessitam de uma política de atendimento específica, para que tenham um desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Assim, é de grande relevância e abrangência o escopo protetivo, em virtude de um bem maior: o futuro da sociedade. Neste caso, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais, os quais serão examinados no item próximo.

O ECA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são aqueles essenciais à existência do indivíduo, que estão ligados à pessoa natural. São preceitos fundamentais denominados na Constituição Federal de 1988 de “cláusulas pétreas”, que no Estatuto da Criança e do Adolescente estão confirmados em título específico; são eles: o direito à vida e à saúde, direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, direito à convivência familiar e comunitária, direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, direito à profissionalização e à proteção ao trabalho.

Porém, apesar de todas as garantias existentes aos adolescentes, elevadas à categoria de princípios constitucionais, a situação dos jovens do país não se coaduna com os referidos preceitos.

No Brasil, os meios de comunicação noticiam todos os dias que adolescentes estão sendo vítimas de violência de todas as espécies, muitos têm suas vidas ceifadas precocemente, sem terem a oportunidade de viver com dignidade, apesar do Estado de Direito lhes garantir.

É patente tal situação, ao se verificar o número exorbitante de homicídios praticados contra jovens, facilitados pela fragilidade pessoal dos mesmos, sendo então alvo primordial de atos violentos. Neste âmbito, o ECA assegura o direito à vida a todos sem discriminação ou privilégios, tendo responsabilidade por esta garantia a família, a sociedade e o Estado; confirmando–se pelo art 227 da Carta Magna. (SILVA, 2001, p. 141).

No que diz respeito à saúde no Brasil, esta também é preocupante, pois faltam medicamentos, médicos, hospitais e todas as condições favoráveis para garantir o mínimo de desenvolvimento saudável aos nossos jovens, que necessitam de toda atenção do poder público; pois todos os dias milhares de adolescentes ficam sem atendimento médico, lotam os corredores dos hospitais à espera de fichas para consultas.

Assim, conforme o ilustre pensamento de Liborni Siqueira, citado por Liberati (2004, p. 22): “o direito à vida reflete hoje a mais importante das reivindicações do ser humano através dos padrões de comportamento defensivo, quais sejam: o biológico, quando o ser bate–se pela sobrevivência e procura a satisfação de suas necessidades orgânicas; e o psicossocial, quando busca a coesão interna e sua própria valorização”.

Cotidianamente, adolescentes também têm a sua dignidade humana ferida por atos sórdidos, que atingem seus direitos fundamentais, pondo em risco a liberdade, imagem e outros preceitos. Estes casos deixam a mercê o dever de preservação da condição específica de desenvolvimento desse segmento social, desvirtuando-os para uma vida difícil e incompatível com sua real situação. Nas grandes capitais do país é fácil encontrar garotas se envolvendo com estrangeiros (turismo sexual), demonstrando o grau de periculosidade destes atos, uma vez que quanto mais casos desta espécie se têm, maior é o índice de miséria das famílias, onde tais adolescentes se vendem com o fim de obterem uma renda para seu próprio sustento; porém, às vezes isto acontece dentro do próprio ambiente familiar.

Nestes termos, há uma divergência enorme a respeito do direito de dignidade garantido pelo ECA, se for comparado com a atual realidade destes jovens.

Atualmente, os adolescentes iniciam sua vida sexual precocemente, sendo muitos forçados a isso, pois são escravos da libido sórdida de seus patrocinadores. Muitos deles não têm condições de moradia digna, vindo a habitar as ruas das grandes cidades, aumentando assim o índice de desabrigados. Tais situações de precariedade tornam excessivamente degradante a figura do adolescente, pelo fato de que a este deve ser assegurado todos os tipos de liberdade, como também preservada sua dignidade humana, até porque o adolescente está em processo de formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; não sendo admissível nenhum ato que venha a ofender sua índole.

No que diz respeito à convivência familiar, o art. 227 da CF/88, por sua vez, impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação e à educação, inclusive à convivência com sua família, colocando–os a salvo de toda a forma de negligência e crueldade. Desta forma, o adolescente deve ser criado no meio de sua família, porém apenas excepcionalmente deverá ser educado em família substituta.

Assim, o art. 22 do ECA elenca os deveres dos pais para com os filhos, sendo então inseridos nos direitos fundamentais, pois a convivência familiar é de suma relevância para a formação e desenvolvimento no meio social, onde a família constitui a estrutura básica para o crescimento moral dos tutelados. Neste caso, não sendo possível a convivência com sua família natural, será encaminhado o jovem para outra família, por meio do instituto jurídico da guarda, tutela ou adoção.

Referindo–se à educação, as pesquisas divulgadas na televisão[1] demonstram um crescente índice de alfabetização de nossos jovens, confirmando que as crianças e os adolescentes no século XXI estão freqüentando mais a escola no Brasil. Apesar de tal crescimento, ainda existem com relação aos adolescentes, um número elevado de evasão escolar, por diversos fatores, destacando–se que a política atual educativa desenvolvida pelo governo, não é suficientemente eficaz para manter todos os jovens na escola.

Neste sentido, a maioria dos infratores deixou de estudar para praticar atos infracionais e viver nas ruas. Porém, nem todos os infratores são analfabetos, muitos sabem ler e escrever, embora tenham estudado poucos anos, não concluindo sequer o ensino fundamental.

Segundo uma pesquisa realizada pelo governo federal, divulgada pela revista Nova Escola, 96,6% dos jovens que cometeram algum delito não concluíram o ensino fundamental. Para Ferrari (2004, p. 31), “é tarefa da escola dar aos alunos uma concepção cidadã do ser humano. E para isto, ela tem que estar vinculada à comunidade”.

Consta também no Estatuto, a proteção ao trabalho e a profissionalização dos adolescentes, visando desta forma, assegurar o já disposto na CLT e na Constituição Federal de 1988. Tal proteção garante o acesso ao trabalho e a freqüência ao ensino regular, através de horários especiais, sendo proibido o trabalho noturno, insalubre ou perigoso a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de catorze anos.

No entanto, o trabalho traz dignidade ao homem e é essencial na vida de todos, pois o indivíduo na ociosidade se mostra propenso ao crime. Os mais afetados pelo desemprego são justamente os jovens na faixa etária dos catorze aos dezoito anos, quando apresentam vários desvios de conduta, motivados pela ociosidade.

Na verdade, os adolescentes de famílias de baixa renda no Brasil estão encontrando sérias dificuldades para conseguir trabalho, sendo levados a perambular pelas ruas, onde adquire toda sorte de vícios, tornando–se um menor abandonado, já próximo da delinqüência, o que sempre acontece com os chamados “meninos de rua”.

Vê–se então, que a situação dos adolescentes no Brasil requer maior empenho do Poder Público, com o fim de aperfeiçoar os direitos garantidos aos mesmos, pois muito ainda há de ser feito, uma vez que as péssimas condições de trabalho e a falta de um labor digno, acabam trazendo a criminalidade aos adolescentes. Com base nisto, em tópico seguinte serão analisados os problemas enfrentados na família.

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA

A família é a base da sociedade, uma vez que aquela constitui a célula fundamental do meio social. (VENOSA, 2004, p. 38). Contudo, atualmente, retrata–se o aspecto da entidade familiar, confirmada na Constituição Federal, em seu art. 226 para designar também a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais. Neste âmbito, a família é uma instituição indispensável ao meio social organizado, pois enfraquecida a família, debilitada estará a sociedade. Porém, o perfil atual da família vem se modificando, em virtude das constantes mudanças ocorridas na sociedade, as quais são responsáveis por muitos problemas, que quotidianamente afeta os adolescentes brasileiros. Tais metamorfoses estão transformando a tradição das famílias, causando os fenômenos atuais. Estes valores vão mudando conforme se desenvolve o meio social e cada geração predomina com suas especificações.

Deste modo, hodiernamente, a maior parte dos adolescentes infratores são oriundos de famílias desestruturadas. Como o exemplo dos “meninos de rua”, onde a maioria deles não saiu de casa para fugir da pobreza, mas para escapar de um cotidiano de brutalidade, típico de famílias em colapso. São pais sem profissão definida, “quebrados” pelo alcoolismo, que educam seus filhos através de uma cartilha de violências, espancamentos e estupros. Apesar das agressões sofridas nas ruas, estes jovens preferem habitá–las a ter que suportar a violência em seus lares.

Portanto, a responsabilidade dos pais é muito grande na formação dos filhos, já que lhes cabe, mais pelo exemplo do que pelas palavras, dar–lhes a devida orientação e acompanhamento. No entanto, contemporaneamente, a família tem sido atingida por vários fatores que lhe têm minado a estabilidade econômica, moral e social.

Contudo, os pais não estão correspondendo em seu dever de educação dos filhos, pois há inúmeros jovens desviados em virtude da ausência de diálogo no lar (mesmo em famílias de classe média). Como também, os valores sociais de respeito, consideração e apoio mútuo vêm perdendo seu significado ao longo das gerações, tornando a família ainda mais enfraquecida, contribuindo tal situação para aumentar o índice de atos infracionais cometidos por jovens.

Atualmente comprova-se que os adolescentes infratores são frutos de casais desagregados, os quais não estão preparados para terem filhos e que, no entanto, são os que possuem prole numerosa. Basta fazer um levantamento entre estes jovens para se chegar a uma conclusão semelhante. Assim, a família como fundamento da sociedade deve ser preservada, protegida, fortalecida e regulamentada, seja ela de direito ou de fato, em cuja sombra e proteção devem ser criados e assistidos os filhos.

Na realidade, os adolescentes infratores, em sua grande parte, tiveram uma infância difícil, sem condições adequadas para sobreviverem, onde os pais, normalmente, são viciados e os tratam com violência, tornando-se então um dos maiores fatores responsáveis pela prática de ato infracional entre os jovens. Com o fim de tratar do assunto com mais detalhes, reporta-se ao próximo item, que justamente serão vistos os principais

O ADOLESCENTE NO BRASIL E O ATO INFRACIONAL

A conduta do adolescente, quando revestida de ilicitude, repercute obrigatoriamente no contexto social em que vive. A despeito de sua maior incidência nos dias atuais, sobretudo nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, tal fato não constitui ocorrência apenas deste século, mas é nesta quadra da história da humanidade, que o mesmo assume proporções alarmantes, principalmente nos grandes centros urbanos, não só pelas dificuldades de sobrevivência, como também, pela ausência do Estado nas áreas da educação, saúde, habitação e assistência social. A realidade do Brasil configura–se da mesma forma, nas favelas periféricas, fruto de uma migração desordenada, contribuindo para a precariedade da vida de seus habitantes, aumentando significativamente a delinqüência juvenil.

O adolescente que não tem lar, cujos pais são ausentes, que não possui atendimento específico às suas mínimas necessidades; as portas se abrem às mais negras perspectivas. (SIMAS FILHO, 1992, p. 40).

A delinqüência, por sua vez, que tenha como protagonista um adolescente, vem alargando seus limites, sem a possibilidade de um pronto estancamento, merecendo tratamento diferenciado em relação às infrações praticadas por agentes capazes e imputáveis, pelo fato de que o menor de dezoito anos ainda não possui discernimento suficientemente desenvolvido para entender as conseqüências que seu ato poderá causar, uma vez que é uma pessoa em estágio de formação física e psíquica, conforme dispõe a Lei n° 8.069/90.

O Estatuto da Criança e do Adolescente utiliza a terminologia ato infracional para atribuir o fato praticado pelos mesmos, embora enquadrável como crime ou contravenção na esfera penal; só pela circunstância de sua idade, não se qualifica desta forma. Assim, para os atos infracionais praticados por jovens menores de dezoito anos, não se comina pena, mas se aplicam medidas sócio-educativas.

De fato, diariamente, mais de 800.000 jovens saem às ruas com o fim de executarem um trabalho não honesto, sendo todos infratores. (AZEVEDO, 1991, p. 34). Tais adolescentes só cometem atos infracionais porque existe uma sociedade adulta que utiliza seus serviços baratos. São traficantes de drogas que os recrutam como entregadores, revendedores de mercadorias roubadas, que adquirem objetos furtados, por um preço insignificante; enfim, constituem uma gama de patrocinadores do ilícito. Atrás de tudo isso, há uma indústria criminosa, ligada a determinadas fatias da máquina policial, que lucra com os atos destes jovens e mais tarde garante a impunidade de seus assassinos.

A maior parte dos jovens infratores brasileiros praticam furtos para garantir sua sobrevivência. Como também, uma grande parte é viciada em drogas como a “maconha” e a “cola de sapateiro”, sendo então as mais utilizadas. Percebe–se, pois, que a violência destes adolescentes, em sua esmagadora maioria, reflete a mesma do meio em que vivem. Nestes termos, a flagrante falta de apoio, conduz esses jovens a adentrar a passos largos na marginalidade, fazendo deles atores desta trágica dramartugia, na qual só existem vítimas. Estes jovens procuram nas drogas um refúgio, diante da realidade tão adversa e a prática de furtos é, tão somente, uma maneira de obter recursos para continuar sua interminável fuga.

Portanto, o sistema de proteção integral previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente revela que a preocupação maior do ordenamento jurídico é a reeducação e ressocialização destes agentes. No entanto, os atos infracionais praticados chocam pela idade dos que os praticam e pela brutalidade com que são cometidos. Num estudo feito pelo professor John Diiulio, especialista em criminalidade juvenil da Universidade Americana de Pinceton, citado por Quinete (1996, p. 17), em comentários à Revista Veja, externou que “os menores possuem uma crueldade, que muitas vezes supera a de perigosos bandidos adultos. Eles não sentem remorso por seus atos”.

Atualmente, os adolescentes estão ficando cada vez mais violentos e tal comportamento inicia–se cada vez mais cedo. O promotor da 2ª Vara da Infância e da Adolescência do Rio de Janeiro, Márcio Mouthé, citado por Bonumá (2000, p. 20), comenta que: “os jovens infratores, antigamente, roubavam algum dinheiro para levar para casa; no entanto, hoje eles estão descobrindo que podem ganhar dinheiro fácil e rápido através do tráfico de drogas”.

Outro problema é que as principais vítimas destes jovens infratores são também crianças e adolescentes; 85% das vítimas tinham entre 16 e 19 anos. A maioria dos transgressores estava na mesma faixa etária. Em um levantamento feito pela Unicef no Estado de São Paulo, o roubo aparece como principal motivo de internação dos adolescentes, seguido do furto; e o homicídio vem logo em seguida. Ao estudar as origens dos adolescentes infratores, a pesquisa constatou que a maioria deles vêm de famílias com renda inferior a três salários mínimos mensais, 67% estudaram até quatro anos e 61% estavam fora da escola quando foram internados. Na maioria dos casos, esse quadro se completa com a desestruturação da família. Boa parte dos infratores são filhos de pais separados ou alcoólatras. Outro dado preocupante é que 50% dos homicídios praticados por adolescentes tinham uma certa ligação com o tráfico de drogas, onde atualmente é praticamente chefiado por menores de idade.

Todavia, os atos infracionais comumente praticados por jovens, em alguns casos não somente são cometidos por aqueles que estão em nível de pobreza; a situação atual dos adolescentes, no que diz respeito ao ato infracional, alcança também os jovens da classe média e de alta escolaridade. Pesquisas demonstram que no Estado de São Paulo, seis mil adolescentes infratores estavam na faixa etária entre 12 e 18 anos incompletos. Os números mostram que também há uma participação da classe mais abastarda na prática de ilícitos, sendo essa violência sintoma de uma sociedade que passa por transformações em suas raízes, como na família, na escola, nas relações humanas e na política. São jovens, cujos pais supriram as necessidades materiais de seus filhos, porém não conseguiram preencher as emocionais, tornando a vida, para eles, sem valor, banalizando o respeito ao próximo, à medida que satisfazem seus interesses pessoais. Assim, sem ideais, a vida tende a perder seu significado, pois tais referências são importantíssimas na formação de paradigmas, acordos morais e valores pessoais; assim como no desenvolvimento da identificação social. (MORAES, 2004, p. 138).

Nestes termos em todas as classes sociais existe violência; e esta vem se propagando em demasia, a ponto de que os adolescentes, nada mais são do que o produto da sociedade, a qual fazem parte, tendo a mesma importância fundamental no comportamento dos mesmos.

Através destas considerações aludidas em epígrafe, vale salientar que cada ato infracional cometido por adolescente está sujeito à aplicação de medidas sócio-educativas, as quais têm o objetivo não somente de punição, mas principalmente de ressocializá-los ao convívio social. É neste sentido, que no item posterior serão discorridas todas as peculiaridades de cada medida sócio-educativa configurada na Lei n° 8.069/90, destacando a internação e sua eficácia em tópico à parte.

AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS E SUA APLICAÇÃO AOS ADOLESCENTES INFRATORES

Como ficou explícito anteriormente, a doutrina estatutista não confere pena ao adolescente infrator, em virtude de sua peculiar situação de pessoa em formação e desenvolvimento. Por ser o mesmo inimputável, recebe a sua conduta infracional medidas de caráter sócio-educativo, dispostas no art. 112, incisos I a VII do ECA, as quais poderão ser cumuladas com medidas protetivas, estipuladas no art. 101 da referida norma. Ressalta-se que o menor de doze anos está sujeito às referidas medidas de proteção, ficando o adolescente infrator submetido às medidas previstas no já mencionado art. 112. Tais medidas, de modo geral, conferem ampla resposta ao ato praticado, merecedor de reprovação social, não mais ficando os juízes limitados às tradicionais admoestações ou encarceramento; medidas extremas, as quais muitas vezes não se afiguram como as mais adequadas. Porém, ao se aplicar medidas sócio-educativas, não se aterá apenas às circunstâncias e à gravidade do ato, mas às condições pessoais do adolescente, sua personalidade, suas referências familiares e sociais, bem como a sua capacidade de cumpri-la.

Assim, de acordo com o entendimento de Cury (2003, p. 377): ”ao tempo em que se absorveu o princípio da doutrina da proteção integral, o legislador do Estatuto fez por reconhecer, automática e acertadamente, que a maneira mais eficaz e justa de se prevenir a criminalidade em questão consiste no superar a situação de marginalidade experimentada hoje pela maioria dos adolescentes brasileiros”. Desta forma, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção integral, receba medidas sócio-educativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social.

Não há, pois, interesse da legislação brasileira em apenas punir, mas tentar resgatar esse adolescente entregue à delinqüência enquanto ele ainda é passível de tratamento eficaz de revitalização. Esta legislação específica visa proteger o peculiar estado de desenvolvimento psicossocial, que entendem os legisladores, não torná-los aptos a serem punidos por suas ações delituosas como se adultos fossem.

As medidas sócio-educativas possuem como desiderato principal demonstrar o desvalor da conduta do adolescente e afastá-lo da sociedade, num primeiro momento, como medida profilática, possibilitando-lhe a reavaliação da conduta e recuperação, preparando-o para a vida livre, a fim de que num segundo momento, seja reinserido na sociedade. Eis, portanto, o caráter ressocializador destas medidas, as quais visam à regeneração do adolescente.

Neste âmbito, não é possível tratar do problema com medidas sócio-educativas aplicadas isoladamente. É preciso enxergar o ato infracional como conseqüência de um processo de exclusão a que estes jovens estão submetidos como: falta de acesso à escola, à oportunidade de lazer, à opção de vida, ao convívio familiar, à relação com a comunidade. Ou seja, um programa voltado para o atendimento de adolescentes autores de atos infracionais, os quais devem ser inseridos numa política mais ampla, que busque a reinserção destes jovens, e quando necessário, adote medidas sócio-educativas que os respeite enquanto cidadãos, sujeitos de direitos, resgatando-os das condições adversas a que estão expostos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê seis medidas sócio-educativas, as quais serão explanadas individualmente, ficando a internação em tópico separado, em virtude de seu caráter em destaque neste trabalho. Eis as espécies de medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA:

Advertência – Consiste na admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada (art. 115 do ECA). Seu propósito é alertar o adolescente e seus genitores ou responsáveis para os riscos do envolvimento no ato infracional. Para sua aplicação, basta prova de materialidade e indícios de autoria. Com isso, estão excluídas as situações que acarretem mera suspeita, visto que a autoridade deverá contar com elementos de convicção, embora não plenamente concludentes, mas fortemente indicativos do ato infracional. No entanto, a advertência como modalidade de medida sócio-educativa, deve se destinar a adolescentes que não registrem antecedentes infracionais e para os casos de infrações leves, seja quanto a sua natureza, seja quanto as suas conseqüências. Desta forma, para atingir o objetivo colimado pela aplicação da medida supra mencionada, é necessária a presença dos pais ou responsáveis na audiência, para que também sejam integrados no atendimento e orientação psicossociais, se houver necessidade.

Obrigação de reparar o dano – Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade judiciária poderá aplicar a medida prevista no art. 116 do ECA, determinando que o adolescente restitua a coisa, promovendo o ressarcimento do dano, ou outra forma compense o prejuízo da vítima. Em verdade, a medida tem se revelado de escassa aplicação não só pela absoluta falta de recursos da clientela da justiça especializada, como também por sancionar os pais ou responsáveis. Se o adolescente tiver patrimônio próprio, o que é raríssimo, a obrigação de indenizar irá onerar os seus bens. Na ausência de condições de ressarcir, o juiz decretará a substituição da medida por outra. Desta forma, a medida tem um caráter facultativo e depende das circunstâncias de cada caso concreto, conforme indicam as expressões “a autoridade poderá determinar, se for o caso[2]”.

Assim, a referida autoridade deverá sempre ter em mente o caráter sócio-educativo da medida, estabelecendo formas de separação, seja quanto à extensão, em que o potencial pedagógico seja mais ou menos visível aos interessados. Por um lado estará atendendo ao interesse da vítima em ver seu prejuízo reparado com presteza, como também, estará adequando-se à condição do jovem, de pessoa em desenvolvimento.

Prestação de serviços à comunidade – Medida sócio-educativa prevista no art. 112, III e 117 do ECA, consiste na prestação de serviços comunitários, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais. Neste caso, a efetivação da referida medida tem um sentido altamente educativo, particularmente orientada a obrigar o adolescente a ter consciência dos valores que supõem solidariedade social praticada em seus níveis mais expressivos.

O trabalho deve ser gratuito, porém, a medida tem que causar reflexão, por parte do adolescente infrator, o qual sentirá as exigências da retribuição sem se corromper, não devendo configurar-se caráter de uma relação de emprego. Não deve, contudo, ser imposta contra a vontade do adolescente; do contrário, corresponderia a trabalho forçado e obrigatório, o que seria proibido[3]. Albergaria, citado por Wilson Donizeti Liberati, afirma que: “essa medida alternativa potencia o conteúdo ético-social do trabalho gratuito, como oportunidade de enriquecimento do bem comum e crescimento espiritual da pessoa humana”. (2004, p. 108).

Então, as tarefas deverão ser atribuídas conforme a aptidão do adolescente e, na medida do possível, cumpridas de acordo com a gravidade do ato infracional praticado, de modo a não prejudicar a freqüência à escola e à jornada normal de trabalho. Por fim, a medida supra referida é salutar, uma vez que desperta a dignidade da convivência em grupo.

Liberdade assistida – Entre as diversas fórmulas e soluções apresentadas pelo Estatuto, para o enfrentamento da delinqüência juvenil, a medida sócio-educativa da Liberdade assistida se apresenta com grande relevância, em virtude da possibilidade do adolescente cumpri-la junto à família, porém com o controle sistemático do Juizado da Infância e da Juventude. Assim, a medida destina-se, em princípio, aos infratores passíveis de recuperação em meio livre, que estão reiniciando no processo de socialização. De acordo com o disposto no art. 118 do ECA “será adotada sempre que se figurar a medida mais adequada, para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”. Deste modo, o objetivo principal da liberdade assistida é garantir que o adolescente possa contar com um adulto que o acompanhe e auxilie em sua inserção social, junto à família, na escola e no mercado de trabalho. (CASTELO, 2004, p. 3)[4].

A liberdade assistida, fixada no estatuto, tem o prazo mínimo de seis meses, com a possibilidade de ser renovada ou substituída por outra medida[5], caso a necessidade assim obrigue. Neste âmbito, tal medida é imbuída de vários aspectos, incluindo psicoterapia de suporte e orientação pedagógica, encaminhando ao trabalho, à profissionalização, inclusive com a promoção social de sua família, inserindo-os em programas assistenciais do governo.

Assim, de acordo com o ilustre pensamento de José Barroso Filho[6] (2003, P. 10), Promotor da Infância e da Juventude em Belo Horizonte (MG)

A medida em epígrafe tem também por escopo auxiliar a família na busca de serviços adequados, que possam suprir as suas necessidades e as do adolescente; a obtenção de um diagnóstico psicossocial da família, no sentido de facilitar a compreensão do adolescente em atendimento; propiciando aos responsáveis uma reflexão sobre as questões particulares e singulares.

Nestes termos, demonstra-se a importância do art. 119 do ECA, que além de promover socialmente o jovem e a sua família, também condiciona a sua freqüência à escola e à profissionalização, como preceitos básicos de socializar o adolescente na sua comunidade.

Inserção em regime de semiliberdade – Por semiliberdade, como regime e política de atendimento, entende-se como medida sócio-educativa destinada a adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e à noite recolhem-se a uma entidade especializada. Existem dois tipos de semiliberdade: o primeiro é aquele determinado desde o início pela autoridade judiciária, através do devido processo legal; o segundo caracteriza-se pela progressão de regime (o adolescente internado é beneficiado com a mudança de regime, do internato para a semiliberdade[7]). Tal medida é executada em meio aberto, implicando, necessariamente, a possibilidade de realização de atividades externas, como a freqüência à escola, às relações de emprego. Se não houver esse tipo de atividade, a medida sócio-educativa perde sua finalidade. No período noturno, quando o adolescente deverá recolher-se à entidade de atendimento, os técnicos sociais deverão complementar o trabalho de acompanhamento, auxílio e orientação, sempre verificando a possibilidade do término do tratamento.

Cabe ressaltar a grande importância da segunda parte do caput do art. 120 do ECA, onde as atividades externas estão previstas da maneira completamente desvinculada da jurisdição, como objeto decisivo da equipe técnica, exclusivamente inspirada à finalidade da integração social do adolescente infrator. Desta forma, semelhante importância deve ser atribuída à segunda parte do §1º, onde a escolarização e profissionalização do adolescente estão ligadas ao dever da autoridade de realizar estas funções fora da instituição, utilizando-se os recursos existentes na comunidade. Assim, tal relevância tem por base a inserção do adolescente na sociedade, aumentando o incentivo da freqüência à escola, servindo como meio de integração do jovem em sua comunidade.

Entretanto, o Estatuto não delimita o tempo de duração da medida, mas sugere sua aplicação, no que couber, às disposições relativas à internação, inclusive quanto aos direitos do adolescente privado de sua liberdade.

Contudo, ressalta-se que o Poder público deve diligenciar pela devida aplicação da medida, como também remeter recursos indispensáveis à efetividade da mesma, para que o adolescente seja educado ao convívio social comunitário. Assim, após estas cinco medidas sócio-educativas em epígrafe explanadas, cabe agora especificar a internação, base fundamental deste trabalho, a qual passa-se a determinar em tópico à parte, em virtude de sua abrangência, no que diz respeito à problemática; enfatizando em detalhes a eficácia da referida medida.

A MEDIDA DE INTERNAÇÃO

A medida sócio-educativa de internação é a mais severa de todas as previstas no Estatuto, por privar o adolescente de sua liberdade. Deve ser aplicada somente aos casos mais graves, em caráter excepcional e com observância do “due process of law”, conforme prescreve o ditame constitucional e o ECA. É evidente que uma sociedade organizada deve coibir a violência, inclusive dos jovens, não podendo desconsiderar os direitos individuais e sociais indisponíveis, particularmente o direito à vida e à segurança. Por outro lado, considerando a situação peculiar da pessoa em formação e em desenvolvimento, a resposta do Estado ao juízo de reprovação social deve ser exercida com moderação e equilíbrio, sem, no entanto, minimizar as conseqüências decorrentes do ato infracional, de modo a não incutir no jovem infrator a idéia de impunidade, mas que a medida atinja sua eficácia.

Conforme Garcia (1995, p. 525), eficácia significa “produção de efeito, que dá bom resultado”; eis então a necessidade de tornar a internação com tal atributo. Desta forma, a internação terá eficácia se for um meio para tratar o adolescente e nunca um fim, adotando um critério rígido de triagem, para permitir o tratamento tutelar somente daqueles que dele necessitam. Disso decorre que a internação deve ser cumprida em estabelecimento especializado, de preferência de pequeno porte e contar com uma equipe altamente especializada nas áreas terapêutica e pedagógica, com conhecimentos de criminologia.

Neste aspecto, segundo Antonio Luiz Ribeiro Machado, citado por Liberati (2004, p. 116): “a moderna pedagogia que orienta o tratamento do adolescente, autor da infração, a tradicional disciplina imposta pela força e pela coação, deve ser substituída por um amplo processo que leve o menor a descobrir o seu próprio valor e conscientemente, passe a orientar sua conduta segundo as normas de autodisciplina e de autocontrole, tendentes à resocialização.”

Portanto, este caráter eleva o cunho específico da internação, devendo ser aplicada somente aos casos em que realmente tenha existido violência grave e resultado de imensa repercussão social, onde haverá eficácia no caso concreto.

Nestes termos, o art. 121 do ECA logo no caput, determina os princípios reguladores da internação, visando adaptar-se à condição peculiar do desenvolvimento de adolescentes infratores. Tais princípios orientadores constituem um caráter profilático para a medida, tornando-a eficaz em seu objetivo. Ei-los então: brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Brevidade – Tal princípio encontra respaldo no art. 121, §3° do ECA, que dispõe sobre a inexistência de penas perpétuas, pois a medida extrema de internação não deverá exceder três anos. Brevidade, assim como temporariedade são determinações expressas de norma principiológica da Constituição Federal (art. 227, §3°), repetidas na legislação infraconstitucional. Deste modo, embora qualquer decisão que determine previamente o período de internamento fique cancelada em razão do art. 121, §2° do ECA, não será admitida medida perpétua, pois encontar-se-ia óbice não só no Estatuto, que fixa prazo máximo de cumprimento, mas também em mandamento constitucional (art. 5º, XLVII, b).

Então, o tempo de duração da medida, poderá ser no mínimo seis meses e o máximo três anos, havendo liberação compulsória aos vinte e um anos[8], fazendo jus ao referido princípio de brevidade. Vale salientar ainda que o objetivo desta norma é a possibilidade de reavaliação do comportamento dos infratores, ao longo do tempo.

Excepcionalidade – A privação da liberdade, neste contexto, surge como última “ratio”, após outras formas de advertência e repreensão, conforme a gravidade do ato infracional. Não como um fim em si mesma, mas como um meio de proteger e possibilitar ao adolescente atividades educacionais, que lhe forneçam novos parâmetros ao convívio social. Havendo possibilidade de ser imposta medida menos onerosa ao direito de liberdade do adolescente, será esta imposta em detrimento da internação. Para tanto, dever-se-á levar em consideração a condições particulares do jovem e a natureza do ato infracional. Desta forma, salienta-se a proporcionalidade entre o bem jurídico atingido e a medida imposta.

Por isso é que se caracteriza a medida de internação com este cunho excepcional, tendo em vista que somente se deve aplicá-la em casos de repercussão social intensa e grave violência. Vale salientar que conforme o pensamento de Nogueira (1998, p. 199): “um atendimento eficaz e produtivo, torna-se indispensável reestruturar os estabelecimentos de internação e dotá-los de todos os recursos materiais e humanos necessários, mas mesmo assim a internação deve se medida excepcional, só adotada em último caso, desde que posa ser substituída por outra”.

Respeito – Tal característica está ínsita em inúmeros dispositivos legais, no sentido de zelar pela integridade física e mental dos internos, reavaliação da medida a cada seis meses e cumprimento em estabelecimento próprio. Deste modo, o respeito deve sempre existir para com a pessoa do infrator, pois a autoridade e seus agentes não podem de forma alguma praticar abusos, o que poderá configurar o crime de abuso de autoridade, quando a pessoa custodiada ou internada for submetida a vexame ou a constrangimento não autorizado por lei.

No entanto, para que a medida de internação seja realmente eficaz, o seu cumprimento deverá ser em local próprio, sendo obedecidos os critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, conforme dispõe o art. 123 do ECA. Deste modo, segundo Válter Kenji Ishida (2001, p. 189), o qual afirma que

A referida norma visa separar abrigados em situação do art. 98 do ECA. Isso, para evitar, tal como nas cadeias públicas e presídios, que se entre nas chamadas “escolas do crime”. Também visando à reintegração social, estabelece separação por critérios de idade, organização física e austeridade do ato infracional, bem como instituir atividades pedagógicas, por exemplo, ensino profissionalizante.

Cabe, deste modo, ao Estado zelar para que estas condições favoreçam a ressocialização do adolescente infrator, protegendo a integridade física dos mesmos, garantindo assim, a segurança ao local onde estão internados. Tais pressupostos são essenciais ao caráter da medida aplicada.

Nestes termos, ressalta-se que a internação do adolescente infrator será eficaz se todas as garantias supra forem realmente satisfeitas, com o objetivo de reeducá-los para o convívio em sociedade.

 

Bibliografia

AZEVEDO, Eliane. Infância de raiva, dor e sangue: Os meninos de rua vivem numa cadeia de violências que começa em casa e termina na geladeira do IML. Veja, São Paulo, n. 3, p. 34-39, 29 mai. 1991.

BARROSO FILHO, José, Do ato infracional. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/texto> acesso em 31/08/2003.

BONUMÁ, Tatiana. Como ela pôde? Como a ciência explica o comportamento e as motivações dos jovens capazes de praticar crimes hediondos. Revista Super Interessante, São Paulo, n. 184, p. 56-62, jan. 2003.

BRASIL. Convenção sobre os Direitos da Criança (Assembléia Geral das Nações Unidas). Decreto Legislativo n° 28 de 1990. Senado Federal, Brasília, 2004. In: TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

BRASIL. Lei nº 8.069/90. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Senado Federal, Brasília, 2003.

CAICÓ, Lei n° 3.375, de 06 de março de 1992. Dispõe sobre a política municipal dos direitos da criança e do adolescente. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte. Natal, v. 14, n. 18, p. 10, 07 mar. 1992. Seção 2, pt. 1.

CAICÓ, Lei n° 3.797, de 23 de novembro de 1999. Dispõe sobre a função pública de conselheiro tutelar do município de Caicó-RN e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte. Natal, v. 07, n. 42, p. 14, 24 nov. 1999. Seção 3, pt. 2.

CASTELO, Dora Bussad. Liberdade assistida. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/aj/eca006.html> acesso em: 03/09/2004.

CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

ETTÉ, Marcel. Declaração Universal dos Direitos da Criança e do adolescente. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 de out., 1986, p. 6. In NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

FERRARI, Márcio. Em julgamento, a maioridade penal: A sociedade discute se os menores infratores devem ser punidos como adultos. Para você, a solução é mudar a lei ou melhorar a educação? Revista Nova Escola, São Paulo, n. 169, p. 28-31, 28 mar. 2004.

GARCIA, Hamílcar de. Grande Dicionário Enciclopédico Brasileiro. São Paulo: Novo Brasil, 1995.

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MONTEIRO, Eymard L. Erastre. Caicó, subsídios para a história completa do município. Recife: Escola Sales de Artes Gráficas, 1945.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MORAIS, Ione Rodrigues Diniz. Desvendando a cidade, Caicó em sua dinâmica espacial. Brasília: Senado Federal, 1999.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

PARCELLE, Eugênio. Um olhar sobre o CEDUC, Lei X realidade numa instituição de privação de liberdade. Natal: Terra Mar, 2001.

QUINETE, Rowilson. Pequenos predadores: O aumento do grau de violência e crueldade em alguns crimes praticados por menores assusta educadores e juízes. Revista Veja, São Paulo, n. 18, p. 74-76, 17 jul. 1996.

SILMAS FILHO, Mário. Como é a vida na rua. Revista Veja, São Paulo, n. 2, p. 40-41, 14 mai. 1992.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil VI, Direito de Família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

 

 

[1] Pesquisa divulgada no Jornal Nacional, pela Rede Globo, no dia 04/11/04.

[2] Art. 116 do ECA, in verbis:

“Em se tratando de ato infracional, com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma, compense o prejuízo da vítima”.

[3] Art. 112, §2° do ECA, in verbis:

“Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado”.

[4] Retirado do texto “Liberdade Assistida”, disponível no site http://www.ambito-juridico.com.br.

[5] Art. 118 do ECA, in verbis:

“A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”.

[6] Retirado do texto “Do Ato Infracional”, disponível no site http://www.jus.com.br/doutrina/texto.

[7] Art. 120 do ECA, in verbis:

“O regime de Semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”.

[8] Art. 121, §§2°, 3ºe 5º do ECA, in verbis:

“A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser realizada, mediante decisão fundamental, no máximo a cada seis meses”.

“Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá três anos”.

“A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade”.

INTRODUÇÃO

O artigo objetiva mostrar aspectos gerais da Lei n° 8.069/90 (Estatuto da Criança e do Adolescente), destacando as medidas sócio-educativas, principalmente uma delas: a internação. Neste âmbito, enumera-se em tópicos os principais dispositivos da legislação específica, considerando o adolescente como pessoa em desenvolvimento; sendo necessária a concretização dos requisitos essenciais à sua formação. Como também, através deste ponto de referência, enfatizar a relação dos jovens com a sociedade, em especial a família, juntamente com a influência refletida nos mesmos, a qual ocasionará a forma da personalidade dos adultos de amanhã. É neste sentido que, por fim, serão analisados o ato infracional e as medidas sócio-educativas aplicadas; com destaque para a internação e seus efeitos.

A LEI Nº 8.069/90: ESTRUTURA, OBJETIVO E SEU CARÁTER ESPECIAL

A Lei nº 8.069/90 está dividida em duas partes: a parte geral e a especial. A primeira trata dos princípios norteadores, como o da proteção integral da criança e do adolescente, dos direitos fundamentais e da prevenção. A parte especial, que inclui a política de atendimento, as medidas de proteção, a prática do ato infracional, as medidas pertinentes aos pais ou responsáveis, o conselho tutelar, o acesso à justiça, a apuração de infração administrativa, os crimes e as infrações administrativas. Esta estrutura tem o escopo de organizar de forma didática os dispositivos do já mencionado estatuto, favorecendo a efetividade do sistema normativo.

Assim, ressalta-se que a Lei nº 8.069/90 é dotada de caráter especial, pelo fato de acolher em seus artigos uma gama de princípios, visando à proteção dos direitos infanto-juvenis; como também assegurando todas as garantias inerentes aos mesmos, em virtude da prática de ato infracional. Segundo Cury (2003, p. 16) ”são especiais e específicos, pela condição de pessoas em desenvolvimento”. Deste modo, o Estatuto da Criança e do Adolescente revolucionou o direito juvenil, inovando e adotando a doutrina de proteção integral.

O objetivo primordial da lei supra é proteger integralmente todos os menores de dezoito anos, os quais necessitam de uma política de atendimento específica, para que tenham um desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, em condições de liberdade e dignidade. Assim, é de grande relevância e abrangência o escopo protetivo, em virtude de um bem maior: o futuro da sociedade. Neste caso, é dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos fundamentais, os quais serão examinados no item próximo.

O ECA E OS DIREITOS FUNDAMENTAIS

Os direitos fundamentais são aqueles essenciais à existência do indivíduo, que estão ligados à pessoa natural. São preceitos fundamentais denominados na Constituição Federal de 1988 de “cláusulas pétreas”, que no Estatuto da Criança e do Adolescente estão confirmados em título específico; são eles: o direito à vida e à saúde, direito à liberdade, ao respeito e à dignidade, direito à convivência familiar e comunitária, direito à educação, à cultura, ao esporte e ao lazer, direito à profissionalização e à proteção ao trabalho.

Porém, apesar de todas as garantias existentes aos adolescentes, elevadas à categoria de princípios constitucionais, a situação dos jovens do país não se coaduna com os referidos preceitos.

No Brasil, os meios de comunicação noticiam todos os dias que adolescentes estão sendo vítimas de violência de todas as espécies, muitos têm suas vidas ceifadas precocemente, sem terem a oportunidade de viver com dignidade, apesar do Estado de Direito lhes garantir.

É patente tal situação, ao se verificar o número exorbitante de homicídios praticados contra jovens, facilitados pela fragilidade pessoal dos mesmos, sendo então alvo primordial de atos violentos. Neste âmbito, o ECA assegura o direito à vida a todos sem discriminação ou privilégios, tendo responsabilidade por esta garantia a família, a sociedade e o Estado; confirmando–se pelo art 227 da Carta Magna. (SILVA, 2001, p. 141).

No que diz respeito à saúde no Brasil, esta também é preocupante, pois faltam medicamentos, médicos, hospitais e todas as condições favoráveis para garantir o mínimo de desenvolvimento saudável aos nossos jovens, que necessitam de toda atenção do poder público; pois todos os dias milhares de adolescentes ficam sem atendimento médico, lotam os corredores dos hospitais à espera de fichas para consultas.

Assim, conforme o ilustre pensamento de Liborni Siqueira, citado por Liberati (2004, p. 22): “o direito à vida reflete hoje a mais importante das reivindicações do ser humano através dos padrões de comportamento defensivo, quais sejam: o biológico, quando o ser bate–se pela sobrevivência e procura a satisfação de suas necessidades orgânicas; e o psicossocial, quando busca a coesão interna e sua própria valorização”.

Cotidianamente, adolescentes também têm a sua dignidade humana ferida por atos sórdidos, que atingem seus direitos fundamentais, pondo em risco a liberdade, imagem e outros preceitos. Estes casos deixam a mercê o dever de preservação da condição específica de desenvolvimento desse segmento social, desvirtuando-os para uma vida difícil e incompatível com sua real situação. Nas grandes capitais do país é fácil encontrar garotas se envolvendo com estrangeiros (turismo sexual), demonstrando o grau de periculosidade destes atos, uma vez que quanto mais casos desta espécie se têm, maior é o índice de miséria das famílias, onde tais adolescentes se vendem com o fim de obterem uma renda para seu próprio sustento; porém, às vezes isto acontece dentro do próprio ambiente familiar.

Nestes termos, há uma divergência enorme a respeito do direito de dignidade garantido pelo ECA, se for comparado com a atual realidade destes jovens.

Atualmente, os adolescentes iniciam sua vida sexual precocemente, sendo muitos forçados a isso, pois são escravos da libido sórdida de seus patrocinadores. Muitos deles não têm condições de moradia digna, vindo a habitar as ruas das grandes cidades, aumentando assim o índice de desabrigados. Tais situações de precariedade tornam excessivamente degradante a figura do adolescente, pelo fato de que a este deve ser assegurado todos os tipos de liberdade, como também preservada sua dignidade humana, até porque o adolescente está em processo de formação e desenvolvimento físico, psíquico, moral e social; não sendo admissível nenhum ato que venha a ofender sua índole.

No que diz respeito à convivência familiar, o art. 227 da CF/88, por sua vez, impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar ao adolescente o direito à vida, à saúde, à alimentação e à educação, inclusive à convivência com sua família, colocando–os a salvo de toda a forma de negligência e crueldade. Desta forma, o adolescente deve ser criado no meio de sua família, porém apenas excepcionalmente deverá ser educado em família substituta.

Assim, o art. 22 do ECA elenca os deveres dos pais para com os filhos, sendo então inseridos nos direitos fundamentais, pois a convivência familiar é de suma relevância para a formação e desenvolvimento no meio social, onde a família constitui a estrutura básica para o crescimento moral dos tutelados. Neste caso, não sendo possível a convivência com sua família natural, será encaminhado o jovem para outra família, por meio do instituto jurídico da guarda, tutela ou adoção.

Referindo–se à educação, as pesquisas divulgadas na televisão[1] demonstram um crescente índice de alfabetização de nossos jovens, confirmando que as crianças e os adolescentes no século XXI estão freqüentando mais a escola no Brasil. Apesar de tal crescimento, ainda existem com relação aos adolescentes, um número elevado de evasão escolar, por diversos fatores, destacando–se que a política atual educativa desenvolvida pelo governo, não é suficientemente eficaz para manter todos os jovens na escola.

Neste sentido, a maioria dos infratores deixou de estudar para praticar atos infracionais e viver nas ruas. Porém, nem todos os infratores são analfabetos, muitos sabem ler e escrever, embora tenham estudado poucos anos, não concluindo sequer o ensino fundamental.

Segundo uma pesquisa realizada pelo governo federal, divulgada pela revista Nova Escola, 96,6% dos jovens que cometeram algum delito não concluíram o ensino fundamental. Para Ferrari (2004, p. 31), “é tarefa da escola dar aos alunos uma concepção cidadã do ser humano. E para isto, ela tem que estar vinculada à comunidade”.

Consta também no Estatuto, a proteção ao trabalho e a profissionalização dos adolescentes, visando desta forma, assegurar o já disposto na CLT e na Constituição Federal de 1988. Tal proteção garante o acesso ao trabalho e a freqüência ao ensino regular, através de horários especiais, sendo proibido o trabalho noturno, insalubre ou perigoso a menores de dezoito anos e de qualquer trabalho a menores de dezesseis anos, salvo na condição de aprendiz, a partir de catorze anos.

No entanto, o trabalho traz dignidade ao homem e é essencial na vida de todos, pois o indivíduo na ociosidade se mostra propenso ao crime. Os mais afetados pelo desemprego são justamente os jovens na faixa etária dos catorze aos dezoito anos, quando apresentam vários desvios de conduta, motivados pela ociosidade.

Na verdade, os adolescentes de famílias de baixa renda no Brasil estão encontrando sérias dificuldades para conseguir trabalho, sendo levados a perambular pelas ruas, onde adquire toda sorte de vícios, tornando–se um menor abandonado, já próximo da delinqüência, o que sempre acontece com os chamados “meninos de rua”.

Vê–se então, que a situação dos adolescentes no Brasil requer maior empenho do Poder Público, com o fim de aperfeiçoar os direitos garantidos aos mesmos, pois muito ainda há de ser feito, uma vez que as péssimas condições de trabalho e a falta de um labor digno, acabam trazendo a criminalidade aos adolescentes. Com base nisto, em tópico seguinte serão analisados os problemas enfrentados na família.

A IMPORTÂNCIA DA FAMÍLIA

A família é a base da sociedade, uma vez que aquela constitui a célula fundamental do meio social. (VENOSA, 2004, p. 38). Contudo, atualmente, retrata–se o aspecto da entidade familiar, confirmada na Constituição Federal, em seu art. 226 para designar também a união estável e a comunidade formada por qualquer dos pais. Neste âmbito, a família é uma instituição indispensável ao meio social organizado, pois enfraquecida a família, debilitada estará a sociedade. Porém, o perfil atual da família vem se modificando, em virtude das constantes mudanças ocorridas na sociedade, as quais são responsáveis por muitos problemas, que quotidianamente afeta os adolescentes brasileiros. Tais metamorfoses estão transformando a tradição das famílias, causando os fenômenos atuais. Estes valores vão mudando conforme se desenvolve o meio social e cada geração predomina com suas especificações.

Deste modo, hodiernamente, a maior parte dos adolescentes infratores são oriundos de famílias desestruturadas. Como o exemplo dos “meninos de rua”, onde a maioria deles não saiu de casa para fugir da pobreza, mas para escapar de um cotidiano de brutalidade, típico de famílias em colapso. São pais sem profissão definida, “quebrados” pelo alcoolismo, que educam seus filhos através de uma cartilha de violências, espancamentos e estupros. Apesar das agressões sofridas nas ruas, estes jovens preferem habitá–las a ter que suportar a violência em seus lares.

Portanto, a responsabilidade dos pais é muito grande na formação dos filhos, já que lhes cabe, mais pelo exemplo do que pelas palavras, dar–lhes a devida orientação e acompanhamento. No entanto, contemporaneamente, a família tem sido atingida por vários fatores que lhe têm minado a estabilidade econômica, moral e social.

Contudo, os pais não estão correspondendo em seu dever de educação dos filhos, pois há inúmeros jovens desviados em virtude da ausência de diálogo no lar (mesmo em famílias de classe média). Como também, os valores sociais de respeito, consideração e apoio mútuo vêm perdendo seu significado ao longo das gerações, tornando a família ainda mais enfraquecida, contribuindo tal situação para aumentar o índice de atos infracionais cometidos por jovens.

Atualmente comprova-se que os adolescentes infratores são frutos de casais desagregados, os quais não estão preparados para terem filhos e que, no entanto, são os que possuem prole numerosa. Basta fazer um levantamento entre estes jovens para se chegar a uma conclusão semelhante. Assim, a família como fundamento da sociedade deve ser preservada, protegida, fortalecida e regulamentada, seja ela de direito ou de fato, em cuja sombra e proteção devem ser criados e assistidos os filhos.

Na realidade, os adolescentes infratores, em sua grande parte, tiveram uma infância difícil, sem condições adequadas para sobreviverem, onde os pais, normalmente, são viciados e os tratam com violência, tornando-se então um dos maiores fatores responsáveis pela prática de ato infracional entre os jovens. Com o fim de tratar do assunto com mais detalhes, reporta-se ao próximo item, que justamente serão vistos os principais

O ADOLESCENTE NO BRASIL E O ATO INFRACIONAL

A conduta do adolescente, quando revestida de ilicitude, repercute obrigatoriamente no contexto social em que vive. A despeito de sua maior incidência nos dias atuais, sobretudo nos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento, tal fato não constitui ocorrência apenas deste século, mas é nesta quadra da história da humanidade, que o mesmo assume proporções alarmantes, principalmente nos grandes centros urbanos, não só pelas dificuldades de sobrevivência, como também, pela ausência do Estado nas áreas da educação, saúde, habitação e assistência social. A realidade do Brasil configura–se da mesma forma, nas favelas periféricas, fruto de uma migração desordenada, contribuindo para a precariedade da vida de seus habitantes, aumentando significativamente a delinqüência juvenil.

O adolescente que não tem lar, cujos pais são ausentes, que não possui atendimento específico às suas mínimas necessidades; as portas se abrem às mais negras perspectivas. (SIMAS FILHO, 1992, p. 40).

A delinqüência, por sua vez, que tenha como protagonista um adolescente, vem alargando seus limites, sem a possibilidade de um pronto estancamento, merecendo tratamento diferenciado em relação às infrações praticadas por agentes capazes e imputáveis, pelo fato de que o menor de dezoito anos ainda não possui discernimento suficientemente desenvolvido para entender as conseqüências que seu ato poderá causar, uma vez que é uma pessoa em estágio de formação física e psíquica, conforme dispõe a Lei n° 8.069/90.

O Estatuto da Criança e do Adolescente utiliza a terminologia ato infracional para atribuir o fato praticado pelos mesmos, embora enquadrável como crime ou contravenção na esfera penal; só pela circunstância de sua idade, não se qualifica desta forma. Assim, para os atos infracionais praticados por jovens menores de dezoito anos, não se comina pena, mas se aplicam medidas sócio-educativas.

De fato, diariamente, mais de 800.000 jovens saem às ruas com o fim de executarem um trabalho não honesto, sendo todos infratores. (AZEVEDO, 1991, p. 34). Tais adolescentes só cometem atos infracionais porque existe uma sociedade adulta que utiliza seus serviços baratos. São traficantes de drogas que os recrutam como entregadores, revendedores de mercadorias roubadas, que adquirem objetos furtados, por um preço insignificante; enfim, constituem uma gama de patrocinadores do ilícito. Atrás de tudo isso, há uma indústria criminosa, ligada a determinadas fatias da máquina policial, que lucra com os atos destes jovens e mais tarde garante a impunidade de seus assassinos.

A maior parte dos jovens infratores brasileiros praticam furtos para garantir sua sobrevivência. Como também, uma grande parte é viciada em drogas como a “maconha” e a “cola de sapateiro”, sendo então as mais utilizadas. Percebe–se, pois, que a violência destes adolescentes, em sua esmagadora maioria, reflete a mesma do meio em que vivem. Nestes termos, a flagrante falta de apoio, conduz esses jovens a adentrar a passos largos na marginalidade, fazendo deles atores desta trágica dramartugia, na qual só existem vítimas. Estes jovens procuram nas drogas um refúgio, diante da realidade tão adversa e a prática de furtos é, tão somente, uma maneira de obter recursos para continuar sua interminável fuga.

Portanto, o sistema de proteção integral previsto no Estatuto da Criança e do Adolescente revela que a preocupação maior do ordenamento jurídico é a reeducação e ressocialização destes agentes. No entanto, os atos infracionais praticados chocam pela idade dos que os praticam e pela brutalidade com que são cometidos. Num estudo feito pelo professor John Diiulio, especialista em criminalidade juvenil da Universidade Americana de Pinceton, citado por Quinete (1996, p. 17), em comentários à Revista Veja, externou que “os menores possuem uma crueldade, que muitas vezes supera a de perigosos bandidos adultos. Eles não sentem remorso por seus atos”.

Atualmente, os adolescentes estão ficando cada vez mais violentos e tal comportamento inicia–se cada vez mais cedo. O promotor da 2ª Vara da Infância e da Adolescência do Rio de Janeiro, Márcio Mouthé, citado por Bonumá (2000, p. 20), comenta que: “os jovens infratores, antigamente, roubavam algum dinheiro para levar para casa; no entanto, hoje eles estão descobrindo que podem ganhar dinheiro fácil e rápido através do tráfico de drogas”.

Outro problema é que as principais vítimas destes jovens infratores são também crianças e adolescentes; 85% das vítimas tinham entre 16 e 19 anos. A maioria dos transgressores estava na mesma faixa etária. Em um levantamento feito pela Unicef no Estado de São Paulo, o roubo aparece como principal motivo de internação dos adolescentes, seguido do furto; e o homicídio vem logo em seguida. Ao estudar as origens dos adolescentes infratores, a pesquisa constatou que a maioria deles vêm de famílias com renda inferior a três salários mínimos mensais, 67% estudaram até quatro anos e 61% estavam fora da escola quando foram internados. Na maioria dos casos, esse quadro se completa com a desestruturação da família. Boa parte dos infratores são filhos de pais separados ou alcoólatras. Outro dado preocupante é que 50% dos homicídios praticados por adolescentes tinham uma certa ligação com o tráfico de drogas, onde atualmente é praticamente chefiado por menores de idade.

Todavia, os atos infracionais comumente praticados por jovens, em alguns casos não somente são cometidos por aqueles que estão em nível de pobreza; a situação atual dos adolescentes, no que diz respeito ao ato infracional, alcança também os jovens da classe média e de alta escolaridade. Pesquisas demonstram que no Estado de São Paulo, seis mil adolescentes infratores estavam na faixa etária entre 12 e 18 anos incompletos. Os números mostram que também há uma participação da classe mais abastarda na prática de ilícitos, sendo essa violência sintoma de uma sociedade que passa por transformações em suas raízes, como na família, na escola, nas relações humanas e na política. São jovens, cujos pais supriram as necessidades materiais de seus filhos, porém não conseguiram preencher as emocionais, tornando a vida, para eles, sem valor, banalizando o respeito ao próximo, à medida que satisfazem seus interesses pessoais. Assim, sem ideais, a vida tende a perder seu significado, pois tais referências são importantíssimas na formação de paradigmas, acordos morais e valores pessoais; assim como no desenvolvimento da identificação social. (MORAES, 2004, p. 138).

Nestes termos em todas as classes sociais existe violência; e esta vem se propagando em demasia, a ponto de que os adolescentes, nada mais são do que o produto da sociedade, a qual fazem parte, tendo a mesma importância fundamental no comportamento dos mesmos.

Através destas considerações aludidas em epígrafe, vale salientar que cada ato infracional cometido por adolescente está sujeito à aplicação de medidas sócio-educativas, as quais têm o objetivo não somente de punição, mas principalmente de ressocializá-los ao convívio social. É neste sentido, que no item posterior serão discorridas todas as peculiaridades de cada medida sócio-educativa configurada na Lei n° 8.069/90, destacando a internação e sua eficácia em tópico à parte.

AS MEDIDAS SÓCIO-EDUCATIVAS E SUA APLICAÇÃO AOS ADOLESCENTES INFRATORES

Como ficou explícito anteriormente, a doutrina estatutista não confere pena ao adolescente infrator, em virtude de sua peculiar situação de pessoa em formação e desenvolvimento. Por ser o mesmo inimputável, recebe a sua conduta infracional medidas de caráter sócio-educativo, dispostas no art. 112, incisos I a VII do ECA, as quais poderão ser cumuladas com medidas protetivas, estipuladas no art. 101 da referida norma. Ressalta-se que o menor de doze anos está sujeito às referidas medidas de proteção, ficando o adolescente infrator submetido às medidas previstas no já mencionado art. 112. Tais medidas, de modo geral, conferem ampla resposta ao ato praticado, merecedor de reprovação social, não mais ficando os juízes limitados às tradicionais admoestações ou encarceramento; medidas extremas, as quais muitas vezes não se afiguram como as mais adequadas. Porém, ao se aplicar medidas sócio-educativas, não se aterá apenas às circunstâncias e à gravidade do ato, mas às condições pessoais do adolescente, sua personalidade, suas referências familiares e sociais, bem como a sua capacidade de cumpri-la.

Assim, de acordo com o entendimento de Cury (2003, p. 377): ”ao tempo em que se absorveu o princípio da doutrina da proteção integral, o legislador do Estatuto fez por reconhecer, automática e acertadamente, que a maneira mais eficaz e justa de se prevenir a criminalidade em questão consiste no superar a situação de marginalidade experimentada hoje pela maioria dos adolescentes brasileiros”. Desta forma, para o adolescente autor de ato infracional a proposta é de que, no contexto da proteção integral, receba medidas sócio-educativas (portanto, não punitivas), tendentes a interferir no seu processo de desenvolvimento objetivando melhor compreensão da realidade e efetiva integração social.

Não há, pois, interesse da legislação brasileira em apenas punir, mas tentar resgatar esse adolescente entregue à delinqüência enquanto ele ainda é passível de tratamento eficaz de revitalização. Esta legislação específica visa proteger o peculiar estado de desenvolvimento psicossocial, que entendem os legisladores, não torná-los aptos a serem punidos por suas ações delituosas como se adultos fossem.

As medidas sócio-educativas possuem como desiderato principal demonstrar o desvalor da conduta do adolescente e afastá-lo da sociedade, num primeiro momento, como medida profilática, possibilitando-lhe a reavaliação da conduta e recuperação, preparando-o para a vida livre, a fim de que num segundo momento, seja reinserido na sociedade. Eis, portanto, o caráter ressocializador destas medidas, as quais visam à regeneração do adolescente.

Neste âmbito, não é possível tratar do problema com medidas sócio-educativas aplicadas isoladamente. É preciso enxergar o ato infracional como conseqüência de um processo de exclusão a que estes jovens estão submetidos como: falta de acesso à escola, à oportunidade de lazer, à opção de vida, ao convívio familiar, à relação com a comunidade. Ou seja, um programa voltado para o atendimento de adolescentes autores de atos infracionais, os quais devem ser inseridos numa política mais ampla, que busque a reinserção destes jovens, e quando necessário, adote medidas sócio-educativas que os respeite enquanto cidadãos, sujeitos de direitos, resgatando-os das condições adversas a que estão expostos.

O Estatuto da Criança e do Adolescente prevê seis medidas sócio-educativas, as quais serão explanadas individualmente, ficando a internação em tópico separado, em virtude de seu caráter em destaque neste trabalho. Eis as espécies de medidas sócio-educativas previstas no art. 112 do ECA:

Advertência – Consiste na admoestação verbal, que será reduzida a termo e assinada (art. 115 do ECA). Seu propósito é alertar o adolescente e seus genitores ou responsáveis para os riscos do envolvimento no ato infracional. Para sua aplicação, basta prova de materialidade e indícios de autoria. Com isso, estão excluídas as situações que acarretem mera suspeita, visto que a autoridade deverá contar com elementos de convicção, embora não plenamente concludentes, mas fortemente indicativos do ato infracional. No entanto, a advertência como modalidade de medida sócio-educativa, deve se destinar a adolescentes que não registrem antecedentes infracionais e para os casos de infrações leves, seja quanto a sua natureza, seja quanto as suas conseqüências. Desta forma, para atingir o objetivo colimado pela aplicação da medida supra mencionada, é necessária a presença dos pais ou responsáveis na audiência, para que também sejam integrados no atendimento e orientação psicossociais, se houver necessidade.

Obrigação de reparar o dano – Em se tratando de ato infracional com reflexos patrimoniais, a autoridade judiciária poderá aplicar a medida prevista no art. 116 do ECA, determinando que o adolescente restitua a coisa, promovendo o ressarcimento do dano, ou outra forma compense o prejuízo da vítima. Em verdade, a medida tem se revelado de escassa aplicação não só pela absoluta falta de recursos da clientela da justiça especializada, como também por sancionar os pais ou responsáveis. Se o adolescente tiver patrimônio próprio, o que é raríssimo, a obrigação de indenizar irá onerar os seus bens. Na ausência de condições de ressarcir, o juiz decretará a substituição da medida por outra. Desta forma, a medida tem um caráter facultativo e depende das circunstâncias de cada caso concreto, conforme indicam as expressões “a autoridade poderá determinar, se for o caso[2]”.

Assim, a referida autoridade deverá sempre ter em mente o caráter sócio-educativo da medida, estabelecendo formas de separação, seja quanto à extensão, em que o potencial pedagógico seja mais ou menos visível aos interessados. Por um lado estará atendendo ao interesse da vítima em ver seu prejuízo reparado com presteza, como também, estará adequando-se à condição do jovem, de pessoa em desenvolvimento.

Prestação de serviços à comunidade – Medida sócio-educativa prevista no art. 112, III e 117 do ECA, consiste na prestação de serviços comunitários, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como programas comunitários ou governamentais. Neste caso, a efetivação da referida medida tem um sentido altamente educativo, particularmente orientada a obrigar o adolescente a ter consciência dos valores que supõem solidariedade social praticada em seus níveis mais expressivos.

O trabalho deve ser gratuito, porém, a medida tem que causar reflexão, por parte do adolescente infrator, o qual sentirá as exigências da retribuição sem se corromper, não devendo configurar-se caráter de uma relação de emprego. Não deve, contudo, ser imposta contra a vontade do adolescente; do contrário, corresponderia a trabalho forçado e obrigatório, o que seria proibido[3]. Albergaria, citado por Wilson Donizeti Liberati, afirma que: “essa medida alternativa potencia o conteúdo ético-social do trabalho gratuito, como oportunidade de enriquecimento do bem comum e crescimento espiritual da pessoa humana”. (2004, p. 108).

Então, as tarefas deverão ser atribuídas conforme a aptidão do adolescente e, na medida do possível, cumpridas de acordo com a gravidade do ato infracional praticado, de modo a não prejudicar a freqüência à escola e à jornada normal de trabalho. Por fim, a medida supra referida é salutar, uma vez que desperta a dignidade da convivência em grupo.

Liberdade assistida – Entre as diversas fórmulas e soluções apresentadas pelo Estatuto, para o enfrentamento da delinqüência juvenil, a medida sócio-educativa da Liberdade assistida se apresenta com grande relevância, em virtude da possibilidade do adolescente cumpri-la junto à família, porém com o controle sistemático do Juizado da Infância e da Juventude. Assim, a medida destina-se, em princípio, aos infratores passíveis de recuperação em meio livre, que estão reiniciando no processo de socialização. De acordo com o disposto no art. 118 do ECA “será adotada sempre que se figurar a medida mais adequada, para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”. Deste modo, o objetivo principal da liberdade assistida é garantir que o adolescente possa contar com um adulto que o acompanhe e auxilie em sua inserção social, junto à família, na escola e no mercado de trabalho. (CASTELO, 2004, p. 3)[4].

A liberdade assistida, fixada no estatuto, tem o prazo mínimo de seis meses, com a possibilidade de ser renovada ou substituída por outra medida[5], caso a necessidade assim obrigue. Neste âmbito, tal medida é imbuída de vários aspectos, incluindo psicoterapia de suporte e orientação pedagógica, encaminhando ao trabalho, à profissionalização, inclusive com a promoção social de sua família, inserindo-os em programas assistenciais do governo.

Assim, de acordo com o ilustre pensamento de José Barroso Filho[6] (2003, P. 10), Promotor da Infância e da Juventude em Belo Horizonte (MG)

A medida em epígrafe tem também por escopo auxiliar a família na busca de serviços adequados, que possam suprir as suas necessidades e as do adolescente; a obtenção de um diagnóstico psicossocial da família, no sentido de facilitar a compreensão do adolescente em atendimento; propiciando aos responsáveis uma reflexão sobre as questões particulares e singulares.

Nestes termos, demonstra-se a importância do art. 119 do ECA, que além de promover socialmente o jovem e a sua família, também condiciona a sua freqüência à escola e à profissionalização, como preceitos básicos de socializar o adolescente na sua comunidade.

Inserção em regime de semiliberdade – Por semiliberdade, como regime e política de atendimento, entende-se como medida sócio-educativa destinada a adolescentes infratores que trabalham e estudam durante o dia e à noite recolhem-se a uma entidade especializada. Existem dois tipos de semiliberdade: o primeiro é aquele determinado desde o início pela autoridade judiciária, através do devido processo legal; o segundo caracteriza-se pela progressão de regime (o adolescente internado é beneficiado com a mudança de regime, do internato para a semiliberdade[7]). Tal medida é executada em meio aberto, implicando, necessariamente, a possibilidade de realização de atividades externas, como a freqüência à escola, às relações de emprego. Se não houver esse tipo de atividade, a medida sócio-educativa perde sua finalidade. No período noturno, quando o adolescente deverá recolher-se à entidade de atendimento, os técnicos sociais deverão complementar o trabalho de acompanhamento, auxílio e orientação, sempre verificando a possibilidade do término do tratamento.

Cabe ressaltar a grande importância da segunda parte do caput do art. 120 do ECA, onde as atividades externas estão previstas da maneira completamente desvinculada da jurisdição, como objeto decisivo da equipe técnica, exclusivamente inspirada à finalidade da integração social do adolescente infrator. Desta forma, semelhante importância deve ser atribuída à segunda parte do §1º, onde a escolarização e profissionalização do adolescente estão ligadas ao dever da autoridade de realizar estas funções fora da instituição, utilizando-se os recursos existentes na comunidade. Assim, tal relevância tem por base a inserção do adolescente na sociedade, aumentando o incentivo da freqüência à escola, servindo como meio de integração do jovem em sua comunidade.

Entretanto, o Estatuto não delimita o tempo de duração da medida, mas sugere sua aplicação, no que couber, às disposições relativas à internação, inclusive quanto aos direitos do adolescente privado de sua liberdade.

Contudo, ressalta-se que o Poder público deve diligenciar pela devida aplicação da medida, como também remeter recursos indispensáveis à efetividade da mesma, para que o adolescente seja educado ao convívio social comunitário. Assim, após estas cinco medidas sócio-educativas em epígrafe explanadas, cabe agora especificar a internação, base fundamental deste trabalho, a qual passa-se a determinar em tópico à parte, em virtude de sua abrangência, no que diz respeito à problemática; enfatizando em detalhes a eficácia da referida medida.

A MEDIDA DE INTERNAÇÃO

A medida sócio-educativa de internação é a mais severa de todas as previstas no Estatuto, por privar o adolescente de sua liberdade. Deve ser aplicada somente aos casos mais graves, em caráter excepcional e com observância do “due process of law”, conforme prescreve o ditame constitucional e o ECA. É evidente que uma sociedade organizada deve coibir a violência, inclusive dos jovens, não podendo desconsiderar os direitos individuais e sociais indisponíveis, particularmente o direito à vida e à segurança. Por outro lado, considerando a situação peculiar da pessoa em formação e em desenvolvimento, a resposta do Estado ao juízo de reprovação social deve ser exercida com moderação e equilíbrio, sem, no entanto, minimizar as conseqüências decorrentes do ato infracional, de modo a não incutir no jovem infrator a idéia de impunidade, mas que a medida atinja sua eficácia.

Conforme Garcia (1995, p. 525), eficácia significa “produção de efeito, que dá bom resultado”; eis então a necessidade de tornar a internação com tal atributo. Desta forma, a internação terá eficácia se for um meio para tratar o adolescente e nunca um fim, adotando um critério rígido de triagem, para permitir o tratamento tutelar somente daqueles que dele necessitam. Disso decorre que a internação deve ser cumprida em estabelecimento especializado, de preferência de pequeno porte e contar com uma equipe altamente especializada nas áreas terapêutica e pedagógica, com conhecimentos de criminologia.

Neste aspecto, segundo Antonio Luiz Ribeiro Machado, citado por Liberati (2004, p. 116): “a moderna pedagogia que orienta o tratamento do adolescente, autor da infração, a tradicional disciplina imposta pela força e pela coação, deve ser substituída por um amplo processo que leve o menor a descobrir o seu próprio valor e conscientemente, passe a orientar sua conduta segundo as normas de autodisciplina e de autocontrole, tendentes à resocialização.”

Portanto, este caráter eleva o cunho específico da internação, devendo ser aplicada somente aos casos em que realmente tenha existido violência grave e resultado de imensa repercussão social, onde haverá eficácia no caso concreto.

Nestes termos, o art. 121 do ECA logo no caput, determina os princípios reguladores da internação, visando adaptar-se à condição peculiar do desenvolvimento de adolescentes infratores. Tais princípios orientadores constituem um caráter profilático para a medida, tornando-a eficaz em seu objetivo. Ei-los então: brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento.

Brevidade – Tal princípio encontra respaldo no art. 121, §3° do ECA, que dispõe sobre a inexistência de penas perpétuas, pois a medida extrema de internação não deverá exceder três anos. Brevidade, assim como temporariedade são determinações expressas de norma principiológica da Constituição Federal (art. 227, §3°), repetidas na legislação infraconstitucional. Deste modo, embora qualquer decisão que determine previamente o período de internamento fique cancelada em razão do art. 121, §2° do ECA, não será admitida medida perpétua, pois encontar-se-ia óbice não só no Estatuto, que fixa prazo máximo de cumprimento, mas também em mandamento constitucional (art. 5º, XLVII, b).

Então, o tempo de duração da medida, poderá ser no mínimo seis meses e o máximo três anos, havendo liberação compulsória aos vinte e um anos[8], fazendo jus ao referido princípio de brevidade. Vale salientar ainda que o objetivo desta norma é a possibilidade de reavaliação do comportamento dos infratores, ao longo do tempo.

Excepcionalidade – A privação da liberdade, neste contexto, surge como última “ratio”, após outras formas de advertência e repreensão, conforme a gravidade do ato infracional. Não como um fim em si mesma, mas como um meio de proteger e possibilitar ao adolescente atividades educacionais, que lhe forneçam novos parâmetros ao convívio social. Havendo possibilidade de ser imposta medida menos onerosa ao direito de liberdade do adolescente, será esta imposta em detrimento da internação. Para tanto, dever-se-á levar em consideração a condições particulares do jovem e a natureza do ato infracional. Desta forma, salienta-se a proporcionalidade entre o bem jurídico atingido e a medida imposta.

Por isso é que se caracteriza a medida de internação com este cunho excepcional, tendo em vista que somente se deve aplicá-la em casos de repercussão social intensa e grave violência. Vale salientar que conforme o pensamento de Nogueira (1998, p. 199): “um atendimento eficaz e produtivo, torna-se indispensável reestruturar os estabelecimentos de internação e dotá-los de todos os recursos materiais e humanos necessários, mas mesmo assim a internação deve se medida excepcional, só adotada em último caso, desde que posa ser substituída por outra”.

Respeito – Tal característica está ínsita em inúmeros dispositivos legais, no sentido de zelar pela integridade física e mental dos internos, reavaliação da medida a cada seis meses e cumprimento em estabelecimento próprio. Deste modo, o respeito deve sempre existir para com a pessoa do infrator, pois a autoridade e seus agentes não podem de forma alguma praticar abusos, o que poderá configurar o crime de abuso de autoridade, quando a pessoa custodiada ou internada for submetida a vexame ou a constrangimento não autorizado por lei.

No entanto, para que a medida de internação seja realmente eficaz, o seu cumprimento deverá ser em local próprio, sendo obedecidos os critérios de idade, compleição física e gravidade da infração, conforme dispõe o art. 123 do ECA. Deste modo, segundo Válter Kenji Ishida (2001, p. 189), o qual afirma que

A referida norma visa separar abrigados em situação do art. 98 do ECA. Isso, para evitar, tal como nas cadeias públicas e presídios, que se entre nas chamadas “escolas do crime”. Também visando à reintegração social, estabelece separação por critérios de idade, organização física e austeridade do ato infracional, bem como instituir atividades pedagógicas, por exemplo, ensino profissionalizante.

Cabe, deste modo, ao Estado zelar para que estas condições favoreçam a ressocialização do adolescente infrator, protegendo a integridade física dos mesmos, garantindo assim, a segurança ao local onde estão internados. Tais pressupostos são essenciais ao caráter da medida aplicada.

Nestes termos, ressalta-se que a internação do adolescente infrator será eficaz se todas as garantias supra forem realmente satisfeitas, com o objetivo de reeducá-los para o convívio em sociedade.

 

Bibliografia

AZEVEDO, Eliane. Infância de raiva, dor e sangue: Os meninos de rua vivem numa cadeia de violências que começa em casa e termina na geladeira do IML. Veja, São Paulo, n. 3, p. 34-39, 29 mai. 1991.

BARROSO FILHO, José, Do ato infracional. Disponível em: <http://www.jus.com.br/doutrina/texto> acesso em 31/08/2003.

BONUMÁ, Tatiana. Como ela pôde? Como a ciência explica o comportamento e as motivações dos jovens capazes de praticar crimes hediondos. Revista Super Interessante, São Paulo, n. 184, p. 56-62, jan. 2003.

BRASIL. Convenção sobre os Direitos da Criança (Assembléia Geral das Nações Unidas). Decreto Legislativo n° 28 de 1990. Senado Federal, Brasília, 2004. In: TAVARES, José de Farias. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 4 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2002.

BRASIL. Lei nº 8.069/90. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Senado Federal, Brasília, 2003.

CAICÓ, Lei n° 3.375, de 06 de março de 1992. Dispõe sobre a política municipal dos direitos da criança e do adolescente. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte. Natal, v. 14, n. 18, p. 10, 07 mar. 1992. Seção 2, pt. 1.

CAICÓ, Lei n° 3.797, de 23 de novembro de 1999. Dispõe sobre a função pública de conselheiro tutelar do município de Caicó-RN e dá outras providências. Diário Oficial do Estado do Rio Grande do Norte. Natal, v. 07, n. 42, p. 14, 24 nov. 1999. Seção 3, pt. 2.

CASTELO, Dora Bussad. Liberdade assistida. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/aj/eca006.html> acesso em: 03/09/2004.

CURY, Munir (coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 6. ed. São Paulo: Malheiros, 2003.

ETTÉ, Marcel. Declaração Universal dos Direitos da Criança e do adolescente. Folha de São Paulo, São Paulo, 27 de out., 1986, p. 6. In NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

FERRARI, Márcio. Em julgamento, a maioridade penal: A sociedade discute se os menores infratores devem ser punidos como adultos. Para você, a solução é mudar a lei ou melhorar a educação? Revista Nova Escola, São Paulo, n. 169, p. 28-31, 28 mar. 2004.

GARCIA, Hamílcar de. Grande Dicionário Enciclopédico Brasileiro. São Paulo: Novo Brasil, 1995.

ISHIDA, Válter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente, Doutrina e Jurisprudência. 3. ed. São Paulo: Atlas, 2001.

LIBERATI, Wilson Donizeti. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 8. ed. São Paulo: Malheiros, 2004.

MONTEIRO, Eymard L. Erastre. Caicó, subsídios para a história completa do município. Recife: Escola Sales de Artes Gráficas, 1945.

MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 15. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

MORAIS, Ione Rodrigues Diniz. Desvendando a cidade, Caicó em sua dinâmica espacial. Brasília: Senado Federal, 1999.

NOGUEIRA, Paulo Lúcio. Estatuto da Criança e do Adolescente Comentado. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1998.

PARCELLE, Eugênio. Um olhar sobre o CEDUC, Lei X realidade numa instituição de privação de liberdade. Natal: Terra Mar, 2001.

QUINETE, Rowilson. Pequenos predadores: O aumento do grau de violência e crueldade em alguns crimes praticados por menores assusta educadores e juízes. Revista Veja, São Paulo, n. 18, p. 74-76, 17 jul. 1996.

SILMAS FILHO, Mário. Como é a vida na rua. Revista Veja, São Paulo, n. 2, p. 40-41, 14 mai. 1992.

SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 19. ed. São Paulo: Malheiros, 2001.

VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil VI, Direito de Família. 4. ed. São Paulo: Atlas, 2004.

 

 

[1] Pesquisa divulgada no Jornal Nacional, pela Rede Globo, no dia 04/11/04.

[2] Art. 116 do ECA, in verbis:

“Em se tratando de ato infracional, com reflexos patrimoniais, a autoridade poderá determinar, se for o caso, que o adolescente restitua a coisa, promova o ressarcimento do dano, ou por outra forma, compense o prejuízo da vítima”.

[3] Art. 112, §2° do ECA, in verbis:

“Em hipótese alguma e sob pretexto algum, será admitida a prestação de trabalho forçado”.

[4] Retirado do texto “Liberdade Assistida”, disponível no site http://www.ambito-juridico.com.br.

[5] Art. 118 do ECA, in verbis:

“A liberdade assistida será adotada sempre que se afigurar a medida mais adequada para o fim de acompanhar, auxiliar e orientar o adolescente”.

[6] Retirado do texto “Do Ato Infracional”, disponível no site http://www.jus.com.br/doutrina/texto.

[7] Art. 120 do ECA, in verbis:

“O regime de Semiliberdade pode ser determinado desde o início, ou como forma de transição para o meio aberto, possibilitada a realização de atividades externas, independentemente de autorização judicial”.

[8] Art. 121, §§2°, 3ºe 5º do ECA, in verbis:

“A medida não comporta prazo determinado, devendo sua manutenção ser realizada, mediante decisão fundamental, no máximo a cada seis meses”.

“Em nenhuma hipótese o período máximo de internação excederá três anos”.

“A liberação será compulsória aos vinte e um anos de idade”.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Violeta Paula Cirne de Gois

 

Bacharela em Direito pela UFRN

 


 

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária!

Adoção Internacional

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! GIACHETTO, Juliana...
Equipe Âmbito
30 min read

Interpretação e Hermenêutica do Ato Infracional e das Medidas…

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! Dimitri Alexandre...
Equipe Âmbito
49 min read

A Importância do Educador Social no Acolhimento Institucional de…

Quer participar de um evento 100% gratuito para escritórios de advocacia no digital? Clique aqui e inscreva-se grátis no evento Advocacia Milionária! Autor: Geney Soares...
Equipe Âmbito
17 min read

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *