O direito à alimentação e à educação do menor, frente ao Estatuto da Criança e do Adolescente

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1. Do Direito à Alimentação[1]


Vida, saúde e alimentação são direitos que estão intimamente ligados, posto que sem este último, a saúde estará fadada ao fracasso e, por certo, o mesmo caminho terá a vida.


Infelizmente, no Brasil, as estatísticas não são das melhores, onde o que vemos são milhares de menores à mercê da sorte, vivendo bem abaixo do estado de pobreza, o que resulta numa alimentação extremamente precária.


Aliás, esse não é um problema somente interno, posto que se estima que 38,1% das crianças menores de cinco anos que vivem em países em desenvolvimento padeçam de comprometimento severo do crescimento e que 9,0% apresentem emagrecimento extremo.


O resultado dessa situação precária e lastimável não poderia ser outro senão uma associação com outros danos, dentre os quais podemos destacar o aumento na incidência e na severidade de enfermidades infecciosas, as elevações das taxas de mortalidade na infância, o retardo do desenvolvimento psicomotor, dificuldades no aproveitamento escolar e diminuição da altura e da capacidade produtiva na idade adulta.


As conseqüências desse tratamento desumano são terríveis, dentre as quais podemos citar, a título de exemplificação, a ocorrência do retardo do crescimento na infância no sexo feminino, que resulta em mulheres adultas de baixa estatura, sujeitas a um risco maior de gerar crianças com baixo peso ao nascer e, por sua vez, um maior risco de apresentar retardo de crescimento e de produzir recém-nascidos de baixo peso, o que caracteriza o efeito intergerações da desnutrição.


Com isso, o menor atingido pela desnutrição, torna-se um alvo fácil de uma sociedade irresponsável, sendo, cada vez mais, marginalizado, uma vez que as condições de entrosamento social tornam-se cada vez mais remotas. As conseqüências, por seu turno, não ficam adstritas nessa categoria menosprezada e oprimida, mas, reflete em toda a sociedade e no próprio Poder Público, o qual acaba gastando muitas vezes mais nos tratamentos médicos necessários – mesmo que precários – e, ainda, na aplicação de sanções aos menores que, escapando do destino que seria certo – a morte -, não acham outro rumo senão a delinqüência.


Vale aqui abrirmos espaço para falarmos, mesmo que de forma rápida, dessa conseqüência tão fatídica, pela ausência de alimentação adequada aos menores, que é a delinqüência. Inevitavelmente ela acabará gerando enormes problemas para a comunidade, para a sociedade e para o Estado, os quais, ao invés de investirem no menor, dando-lhes tudo que necessitam, conforme prevê a proteção integral da Lei Estatutária, preferem gastar seu dinheiro em métodos paliativos visando a própria proteção.


Se esses valores fossem investidos nos menores, pela comunidade, pela sociedade e pelo Poder Público, por certo que as suas condições seriam melhores e, em contra-partida, os problemas futuros seriam amenizados.


Dessa visão, todavia, não comungam sociedade e Estado, os quais estão muito mais voltados para a aplicação de remédios paliativos do que curar efetivamente a doença, preferindo, assim, investir muito mais em cadeias, instituições para abrigo de menores infratores, no caso do Poder Público, em vigilância particular, grades nas portas e janelas, cercas elétricas, carros blindados, no caso da sociedade, do que a efetiva prevenção. A mentalidade que se instalou de forma genérica é a de que, como o Poder Público não cumpre a sua obrigação, apesar dos infinitos impostos que a sociedade paga mensalmente, alternativa não resta senão a auto-proteção, na tentativa de livrar-se das conseqüências desse descaso praticado pelo Estado. Preferimos, desta forma, mesmo que inconscientemente, remediar, do que lutar pela prevenção.


Assistimos, mesmo que calados e omissos, ano após ano, discursos eleitorais inflamados, prometendo o fim da pobreza, uma alimentação digna, o cumprimento de normas já estabelecidas, mas, esquecidas, como a que fixa o valor do salário mínimo. Inflamados são apenas os discursos, infelizmente, mas a realidade permanece a mesma, qual seja, uma infinidade de famílias, de menores, vivendo muito aquém das necessidades alimentares que fariam jus.


Constatamos, ainda, a implantação de diversos programas sociais visando uma melhor alimentação do menor, através de vales, ajudas, complementos, etc., mas que, na prática, funcionam como uma verdadeira esmola, quando não são desviados e acabam utilizados por famílias e pessoas das classes mais privilegiadas.


Esses menores, na verdade, necessitam de famílias fortes e em plenas condições de suprir-lhes todas as necessidades alimentares, dentre outras coisas, as quais devem ser supridas, preferencialmente, pelo salário direto, o qual deveria ser condizente com as necessidades de cada família, cumprindo-se, assim, as regras fixadas pela nossa Carta Magna.


Esse, como vemos, é um dos maiores equívocos que comete o Poder Público que prefere, muitas vezes, investir em benefícios quando, na verdade, o que os menores precisam é de dignidade, de esperança, de exemplos de vida, principalmente dentro da própria família, através de um trabalho digno e bem remunerado dos pais. Falha, portando, o Estado na execução das Políticas Sociais Públicas, as quais, nos dizeres de VÁLTER KENJI ISHIDA[2], “São os mecanismos executados pelo Poder Público com a intenção de aniquilar ou reduzir drasticamente o espectro da fome, da pobreza e da injustiça social (v. José Luiz Mônaco da Silva, 1995:23)”.


A sociedade, como um todo, prefere pecar pela omissão, como quem não está enxergando o problema; a comunidade, mais atingida pelas conseqüências diretas da falta de alimentação, prefere apenas reclamar nos bares e nas feiras, quando não pode fugir do problema; a família, por sua vez, fica sem saída, em muitas situações, não tendo para onde correr ou pedir socorro e, com isso, nessa verdadeira guerra travada entre os segmentos da sociedade, o maior prejudicado é o menor, que fica totalmente desprotegido. Finalmente temos o Estado, o maior omisso e inerte de todos, que prefere gastar milhões em obras faraônicas, desviar outros milhões para campanhas, utilizar o dinheiro público erroneamente e, muitas vezes, em benefício próprio, enfim, dentre tantos caminhos pecaminosos que, como é cediço, fazem parte da administração pública.


Como bem salientou ANTÔNIO CHAVES[3], “Sem alimentação não há vida, muito menos saúde”. Prossegue discorrendo sobre a necessidade de uma alimentação adequada aos menores afirmando que “Sabem todos que uma alimentação adequada é indispensável não só para o desenvolvimento físico, como também para o psíquico e mental”.


Esse círculo vicioso precisa ter fim, para que o menor possa ter o alimento necessário para a sua subsistência, para o seu crescimento digno e adequado, o que deve ser feito não somente por um dos segmentos, mas, ao contrário, por todos em conjunto, cada qual agindo de forma a mudar esse quadro.


2. Do Direito à Educação


Após falarmos sobre o direito à alimentação, tão crucial para a vida e desenvolvimento do menor, fica até difícil abordarmos a educação. Ora, se a alimentação não é encarada de forma séria e responsável pelo Poder Público, o que diremos da Educação? Muitos, infelizmente, têm em mente que a educação somente trará problemas, preferindo, desta forma, o analfabetismo, pois quem não estuda não adquire conhecimento e, sem conhecimento, a tendência seria protestar menos.


Muitos “coronéis”, assim, chamados pela posição de destaque que adquirem na comunidade local, atuam exatamente com esse pensamento, impedindo que os menores tenham acesso à educação, na tentativa de mantê-los, por mais tempo, sob o seu domínio. Essa visão, todavia, já está em declínio, em que pese estar presente ainda em muitas localidades.


Se fizermos uma retrospectiva histórica Constitucional sobre a educação no Brasil, temos que “o Império assegurava a instrução primária e gratuita a todos os cidadãos (Constituição de 1824, art. 179, inc. 32). A Constituição de 1934, art. 149, afirmava ser a educação direito de todos, ministrada pela família e pelos poderes públicos, competindo à União (art. 150) a fixação do plano nacional de educação, compreensivo do ensino de todos os graus e ramos, comuns e especializados. A Constituição de 1937, art. 130, determinada ser o ensino primário obrigatório e gratuito, mas a gratuidade não excluiria o dever de solidariedade dos menos para os mais necessitados, exigindo-se, por ocasião da matrícula, que a alegação de escassez de recursos de uns seria compensada com módica e mensal contribuição de recursos de outros para a caixa escolar. A Constituição de 1946, art. 166, declarava que educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. No art. 167, ordenava que o ensino dos diferentes ramos seria ministrado pelos poderes públicos, sendo livre a iniciativa particular. “Obrigatório é o ensino primário, oficial e gratuito” (art. 168, I). A Constituição de 1967, art. 168, afirmava igualmente que a educação é direito de todos e será dada no lar e na escola. Assegurava a igualdade de oportunidade, deve inspirar-se no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e de solidariedade humana. “O ensino será ministrado nos diferentes graus pelos poderes públicos” (art. 168, § 1º). “O ensino é livre à iniciativa particular, a qual merecerá o amparo técnico e financeiro dos poderes públicos, inclusive bolsa de estudos” (art. 168, § 2º). “O ensino primário somente será ministrado na língua nacional” (art. 168, § 3º, I) e “é garantida a liberdade de cátedra” (art. 168, § 3º, VI). A EC nº 1, de 1969, pela primeira vez empregou a expressão “é direito de todos e dever do Estado”, com referência à educação (art. 176, caput), inspirada no princípio da unidade nacional e nos ideais de liberdade e solidariedade humanas, dada no lar e na escola. Determina ainda o texto o ensino a ser ministrado nos diferentes graus pelos poderes públicos (art. 176, § 1º), sendo em língua nacional, o ensino primário (art. 176, § 3º, I), a livre iniciativa particular, com amparo do Estado e bolsas de estudo (art. 176, § 3º), o ensino primário obrigatório para todos, e gratuito nos estabelecimentos oficiais (art. 176, § 3º, II). A Constituição vigente adota a expressão “direito de todos e dever do Estado” (art. 205), criada pela EC nº 2, de 1969, art. 176, caput).”[4]


A Constituição vigente procura disciplinar a educação como direito de todos e dever do Estado e da família, visando o pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho. Essa é a visão apresentada pelo artigo 205 da nossa Carta Magna.


CELSO RIBEIRO BASTOS[5] esclarece que “A nossa Constituição consagra, neste artigo, a educação como sendo um direito de todos e um dever do Estado e da família, sendo promovida e incentivada com a colaboração da sociedade. Podemos observar que esse dispositivo constitucional possui um caráter bifronte, pois, simultaneamente à garantia do direito do povo de receber a educação, concede-lhe o direito de exigir essa prestação estatal, como também atribui à própria sociedade o direito de ministrar o ensino. O Estado adquire, dessa maneira, uma postura intervencionista e assume o papel de prestador de serviços na área da educação. Esta abrange os processos formativos que se desenvolvem na vida familiar, na convivência humana, no trabalho, nas instituições de ensino e pesquisa, nos movimentos sociais e organizações da sociedade civil e nas manifestações culturais.”


Pois bem, nossa Lei Estatutária, ao estabelecer regras para a educação, determinou, em seu artigo 53, tratar-se de um dos direitos fundamentais da Criança e do Adolescente, devendo ser assegurado pelo Poder Público, encarregado de fornecer as condições necessárias para sua efetivação.


Essa visão, ampla, moderna e necessária para o desenvolvimento do menor, foi repetida pelo Estatuto da Criança e do Adolescente, em seu artigo 54. Por certo que essa repetição, mesmo que desnecessária para muitos, foi apresentada pela Lei adjetiva para deixar consignada não somente a importância dessa determinação como, ainda, o envolvimento direto do Estado com as necessidades básicas dos menores. Deixá-lo de fora, por certo, poderia dar a entender – mesmo erroneamente -, que esses direitos seriam deixados para um segundo plano, mesmo com os dizeres expressos da Carta Magna. Assim, preferiu o legislador pecar pelo excesso, do que simplesmente omitir-se.


Agora, falarmos em educação infantil no Brasil, quando a obrigação é do próprio Poder Público realmente não é algo fácil. Afinal de contas, desde a década de 1970 a situação do ensino Público no Brasil vem piorando gradativamente, chegando ao ponto de encontrarmos crianças cursando a 7ª ou a 8ª séries do ensino fundamental sem sequer saberem ler ou escrever. Essa, infelizmente, é a realidade de muitas escolas no Brasil. Felizmente há exceções, onde vemos profissionais dedicados que, mesmo diante de todas as circunstâncias negativas, buscam, sempre, o melhor para seus alunos, dando quase que do próprio sangue para que essas crianças cursem um bom ensino fundamental.


Sobre o tema, o III Seminário Latino-Americano “Do avesso ao Direito”[6], evento de extraordinária importância na longa e difícil caminhada pelos direitos da criança, ao debater sobre “Educação e Exclusão: O caso do Brasil”, apresentou um panorama do sistema escolar brasileiro, relativo ao acesso à escola, dando conta de alguns dados extremamente interessantes e que merecem ser observados. Vejamos:


“Os dados estatísticos apresentados pelo IBGE, através das PNAD, demonstram que a escolarização no Brasil das últimas décadas vem crescendo para crianças e jovens de diferentes faixas etárias. Assim é que em 1990 estavam matriculados 37,7 milhões de estudantes, sendo 3,7 milhões em creches e pré-escolas, 29 milhões no 1º grau, 3,7 milhões no 2º grau e 1,5 milhões no ensino superior. Isto representava para as crianças de 0 a 6, por exemplo, um índice de atendimento de 17% e para as de 7 a 14 de 86,3%. Apesar disto, estimava-se, em 1990, a existência de 4 milhões de crianças, na faixa de obrigatoriedade escolar, ainda fora do sistema. O não acesso parecia estar claramente associado às questões de ordem econômica e racial, não representando nenhuma correlação significativa com a questão de gênero. Neste sentido, enquanto o atendimento pré-escolar atingia a 60,9% das crianças oriundas de famílias com renda mensal per capita acima de 2 salários mínimos, este índice baixava para 17,4% em família de renda abaixo do meio salário mínimo. Do contingente de crianças que nunca freqüentaram a escola, 76% também neste grupo. Por outro lado, entre crianças de 7 a 9 anos, enquanto 91,1% dos brancos estava nas escolas, isto acontecia apenas com 74,6% dos negros.”


Os resultados constantes desse Seminário seguem dimensionando o nível de qualidade escolar, através de pesquisa realizada pela Fundação Carlos Chagas, por solicitação do MEC, entre estudantes do 1º grau (1ª, 3ª, 5ª e 7ª séries), apresentando testes nas áreas de português, matemática e ciências, conhecimentos e habilidades consideradas mínimas para cada uma destas etapas. Vejamos os resultados:


Os resultados, catastróficos, mostram que, em matemática, a média da 1ª série ficou em 51,94 pontos, na 3ª de 47,44 e na 7ª série de 28,76. Ainda na primeira série, apenas 30% atingiu o mínimo desejável em português e 20% em matemática.


Estes dados demonstram claramente que, em termos cognitivos, os alunos que se salvam do fluxo de evasão e permanecem no sistema não conseguem desenvolver, de forma satisfatória, nem seu pensamento lógico nem suas diferentes formas de linguagem, além de não construírem um saber consistente no campo do conhecimento científico. (…)


O panorama trágico da educação brasileira inclui ainda escolas com instalações mais que precárias, que não contam com verbas para sua manutenção, têm carência absoluta de material didático, possuem os professores mais mal pagos do mundo (média salarial da rede estadual de 1,5 salários mínimos) e mal formados (3,5 milhões de estudantes atendidos por professores leigos), contam com um período anual e diário insignificante (4,5 milhões de crianças estudam em escolas de mais de 3 turnos), enfim, escolas pauperizadas num país que ocupa a 11ª posição na economia mundial. Estes dados nos remetem a uma análise de como de dá o financiamento e a administração de nosso sistema escolar.”


Esses dados apresentados nesse seminário são realmente assustadores, trágicos, catastróficos e alarmantes. O que vemos, no dia-a-dia, são verdadeiros heróis, vestindo a camisa da profissão, mesmo diante de um Poder Público muitas vezes omisso e falho – para não dizer totalmente ausente em certos casos -, mas que dedicam tempo e se entregam até as últimas conseqüências para que esses menores tenham uma educação adequada.


Mesmo diante de um salário irrisório, o menor do mundo, mesmo diante da ausência quase que total, em certos casos, de material didático, vemos o esforço de muitos na luta pela educação infantil.


Por outro lado, correto seria também dizermos que muitos profissionais do ramo, apesar das condições apresentadas pelo Estado, pouco se esforçam para o cumprimento dessa tarefa, tão importante para o desenvolvimento da Criança e do Adolescente. O que vemos, em algumas situações, são profissionais inescrupulosos, aproveitadores e que estão ali somente pensando no salário do final do mês, mesmo que irrisório. São verdadeiros mercenários, não fazendo jus a essa tarefa tão importante.


A pergunta que salta aos olhos, quando nos deparamos com tamanho absurdo, é exatamente o que fazer diante desse quadro assustador. Pois bem, entendemos que é necessária uma reforma ampla e geral por parte do Poder Público, da sociedade, da comunidade e da família.


Num primeiro aspecto temos que pensar que seria interessante e salutar iniciarmos essa reforma de baixo para cima, ou seja, que a mesma tivesse origem das famílias para o Poder Público, uma vez que já temos experiências suficientes da irresponsabilidade e inércia do Estado frente às questões de suma importância, principalmente no tocante às Crianças e Adolescentes.


Desta forma o que se torna necessário é a participação mais efetiva das famílias junto às escolas, exigindo um maior comprometimento dos professores e demais integrantes do ensino. Com uma maior cobrança por parte das famílias, os professores, sob pressão, serão obrigados a um melhor desempenho – ao menos em relação à parte que não se dedica adequadamente -, e, com isso, partirão para uma pressão junto ao Poder Público para melhora de salários e condições. Com os esses resultados obtidos, ofertados pelo Poder Público, este poderá exigir, por sua vez, um maior comprometimento dos professores e, ainda, melhor qualificação dos mesmos, através de cursos ou, se necessário, novas contratações, onde haverá o interesse face a melhoria salarial implementada.


MOACIR GADOTTI[7], da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, apresenta uma sugestão para o que denomina da “escola-cidadã”. Vejamos:


Por isso, é necessário construir uma escola que também seja uma escola-cidadã.


Como seria essa “escola-cidadã”?


No meu entender essa escola deveria ter algumas diretrizes básicas, entre elas: 1ª) ser uma escola autônoma para todos democrática na sua gestão; 2ª) valorizar a dedicação exclusiva dos professores e ser de tempo integral para os alunos; 3ª) valorizar a iniciativa pessoal de cada professor, do conjunto das pessoas envolvidas em cada escola; 4ª) cultivar a curiosidade, a paixão pelo estudo, o gosto pela leitura e pela produção de textos, não a aprendizagem mecânica; 5ª) deve propor a espontaneidade e o inconformismo; 6ª) deve, também, ser uma escola disciplinada. A disciplina que vem do papel específico da escola (o sistemático e o progressivo); 7ª) a escola não pode ser um espaço fechado. Sua ligação com o mundo se dá pelo trabalho; 8ª) a transformação da escola não se dá sem conflitos. Ela se dá lentamente. Pequenas ações, mas continuadas, são melhores no processo de mudança que eventos espetaculares, mas passageiros. Só a ação direta de cada professor, de cada classe, de cada escola, pode tornar a educação um processo enriquecedor; 9ª) não há duas escolas iguais. Cada escola é fruto do desenvolvimento de suas próprias contradições; 10ª) cada escola deveria ser suficientemente autônoma para organizar o seu trabalho da forma que quisesse, inclusive, a critério do seu Conselho de Escola, contratar e exonerar professores.


Essas 10 diretrizes seriam, no meu entender, uma espécie de decálogo da escola-cidadã.


Que forças poderiam construir essa escola?


Na história da educação brasileira, duas forças defenderam a escola popular: de um lado, os defensores da escola pública e, de outro, os defensores da escola comunitária confessional. Unir essas forças enraizadas na nossa história apresenta-se como uma estratégia necessária para realizar o princípio constitucional e o Estatuto da Criança e do Adolescente. Daí a necessidade de unir o Estado com a sociedade civil na defesa da garantia de uma escola para todos. Essas duas forças sempre estiveram em oposição. Todavia, encarar o ensino público e o privado como dois blocos antagônicos é um equívoco. Tanto entre os defensores do ensino público quanto entre os defensores do ensino privado, é preciso distinguir aqueles que defendem uma escola democrática, para todos, e aqueles que defendem uma escola discriminadora e elitista.


A questão da escola não é apenas uma questão de quantidade, mas uma questão de qualidade, de busca de concepções novas e de novas utopias educacionais que sempre mobilizaram a sociedade.


Numa perspectiva utópica, que é mais forte do que as ideologias, podemos buscar saídas para a tão conhecida crise educacional. Hoje, a utopia propõe o retorno à comunidade onde a escola surgiu. Para realizar concretamente essa nova escola, será preciso que a comunidade defenda a escola como defende o acesso ao transporte, à moradia, ao asfalto, ao esgoto, ao trabalho… enfim, que ela defenda a educação como fundamental para a sua própria qualidade de vida.


Essa nova escola já está sendo construída na resistência concreta ao modelo burocrático da escola atual. Essa é a escola onde as crianças estão sentindo prazer em ir, prazer em estudar, prazer em construir a cultura elaborada. Essa escola não será abandonada pelas crianças e adolescentes. Porque ninguém larga, ninguém abandona, o que é seu e o que gosta.”


Ao nosso ver a participação efetiva das famílias, o envolvimento da comunidade e a cobrança de todos junto ao Poder Público, será um ótimo caminho e que poderá culminar em resultados promissores em médio prazo. Porém, a sociedade não pode ficar de fora, mas, ao contrário, deverá cobrar dos nossos poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – providências rápidas, práticas e eficientes.


Torna-se, com isso, necessário abandonarmos a inércia, para que Crianças e Adolescentes possam receber o tratamento a que fazem jus frente à educação, sem o que, nossas Crianças e Adolescente, dificilmente conseguirão romper fronteiras, trilhar caminhos mais promissores, enfim, exercer plenamente a cidadania.


JOSÉ LEITE LOPES[8], do Centro Brasileiro de Pesquisas Físicas (OESP, de 23 de outubro de 1990, página 15), diagnosticou com perfeição, e em poucas palavras, a raiz do problema brasileiro no setor da educação básica, face aos parcos recursos e investimentos no setor, ao dizer que “Se em vez de milhões de crianças abandonadas tivéssemos milhões de crianças em boas escolas, seria bem maior a probabilidade de encontrarmos Einsteins capazes de fazer um plano-diretor para a física no Brasil”.


Desta forma, não podemos ficar inertes frente a essas estatísticas estarrecedoras, sob pena de condenarmos nossos menores ao fracasso. Cada segmento da sociedade deve, por si, usar todas as armas que estão à nossa disposição, para que o Poder Público possa efetivamente dar aos menores a educação que eles merecem e necessitam.


 


Referências bibliográficas

ADUAN, Wanda Engel. Educação e exclusão: o caso do Brasil. In: SIMONETTI, Cecília; BLECHER, Margaret; GARCÍA MENDEZ, Emilio (Org.). Seminário Latino-Americano “Do avesso ao Direito”. São Paulo: Malheiros Ed., 1994.

BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: arts. 193 a 232. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 8.

CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto da Criança e do Adolescente. 2. ed. São Paulo: LTr, 1997.

CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988: arts. 170 a 232. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. v. 8.

ISHIDA, Valter Kenji. Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrina e jurisprudência. 4. ed. atual. de acordo com o novo Código Civil. São Paulo: Atlas, 2003.

PEREIRA, Tânia da Silva. A convenção e o Estatuto – Um ideal comum de proteção ao ser humano em vias de desenvolvimento. In: ______ (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8.069/90: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992.

 

Notas:

[1] O presente artigo foi extraído da Dissertação de Mestrado em Direito, apresentado em 2006, junto à PUC/SP, sob o título “A Doutrina da Proteção Integral da Criança e do Adolescente frente à Lei 8.069/90”, de autoria de Moacyr Pereira Mendes.

[2]ISHIDA, Valter Kenji, Estatuto da Criança e do Adolescente: doutrin e jurisprudência. 4. Ed. atual. De acordo com o novo Código Civil São Paulo: Atlas, 2003, p. 34.

[3]CHAVES, Antônio. Comentários ao Estatuto d Criança e do Adolescente. 2. Ed. São Paulo: LTr, 1997, p. 80 e 82.

[4]CRETELLA JÚNIOR, José. Comentários à Constituição brasileira de 1988: arts. 170 a 232. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1993. v. 8, p.. 4404-4405.

[5]BASTOS, Celso Ribeiro; MARTINS, Ives Gandra. Comentários à Constituição do Brasil: arts. 193 a 232. São Paulo: Saraiva, 1998. v. 8, p. 410.

[6]ADUAN, Wanda Engel. Educação e exclusão: o caso do Brasil. In: SIMONETTI, Cecília; BLECHER, Margaret; GARCÍA MENDEZ, Emilio (Org.). Seminário Latino-Americano “Do avesso ao Direito”. São Paulo: Malheiros Ed., 1994. p. 229-230.

[7]PEREIRA, Tânia da Silva (Coord.). A convenção e o Estatuto – Um ideal comum de proteção ao ser humano em vias de desenvolvimento. In: _________ (Coord.). Estatuto da Criança e do Adolescente: Lei 8069/90: estudos sócio-jurídicos. Rio de Janeiro: Renovar, 1992, p. 181-182.

[8]CHAVES, Antônio. op. cit., p. 232.


Informações Sobre o Autor

Moacyr Pereira Mendes.

formado pela Faculdade de Direito de Itu, em 1986. Possui pós-graduação “Lato Sensu” em Direito Processual Civil, pelas Faculdades Metropolitanas Unidas (1998), especialização em Direito Ambiental, pelas Faculdades Metropolitanas Unidas, especialização em Direito da Criança e do Adolescente, pela ESA – Escola Superior da Advocacia e Mestrado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, na subárea de Direito Difusos e Coletivos, concluída em dezembro de 2005. É advogado autônomo em Sorocaba e professor universitário pela UNISO – Universidade de Sorocaba – Fundação Dom Aguirre e UNIP Universidade Paulista – Campus Sorocaba


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