O advogado como agente de cidadania

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“Que não se estranhe, os pobres e os leigos olharem com desconfiança e receio tudo o que diga respeito à Justiça; inclusive, e, principalmente, a relação com os seus advogados.

Para eles, os patronos de suas causas ou sãodeuses ou são diabos; quando não os dois.

Desafortunadamente essa é a imagem que ficou e que deve ser mudada”. (A JUSTIÇA, O ADVOGADO E O LEIGO)i.

Resumo : O objetivo deste estudo visa abrir as discussões e uma profunda reflexão sobre um tema enraizado em nossa sociedade contemporânea: o direito de cidadania do homem pobre, miserável e excluído, suas dificuldades de acesso à justiça e a certeza de que todos os homens um dia necessitarão dos serviços de um advogado. O tema abordado almeja uma possível transformação de costumes, uma nova interpretação conceitual e até uma mudança de postura a ser iniciada nos próprios bancos acadêmicos pelo estudante de Direito no cumprimento de uma nova etapa de sua vida.

No mesmo sentido, discutir sobre o papel do profissional do direito na sociedade e como o transformar em um agente de cidadania consciente da sua responsabilidade social. Enfim, mais especificamente ter ciência de que o advogado deve promover uma mudança social, contribuindo com a diminuição de litígios vinculados a situações pessoais e emocionais.

Demonstrando que o advogado na sociedade está além de um mero técnico ou operador do Direito; e sim, de um divulgador de cidadania e do sentimento de Justiça.

1 INTRODUÇÃO

O objetivo deste estudo visa abrir as discussões e uma profunda reflexão sobre um tema enraizado em nossa sociedade contemporânea: o direito de cidadania do homem pobre, miserável e excluído, suas dificuldades de acesso à justiça e a certeza de que todos os homens necessitem um dia dos serviços de um advogado, abrangendo os conflitos mais simples aos mais extraordinários e complexos.

Neste sentido, mesmo que a busca da cidadania seja uma simples orientação jurídica e ao alcance de todos, devemos compreender qual a finalidade social deste profissional de Direito com o homem carente. O advogado é detentor da técnica e do conhecimento necessário para apresentar uma solução ou o caminho correto no desenlace do conflito social, onde, em muitos momentos não estão envolvidos valores financeiros, mas simplesmente sentimentos, amores e amizades familiares.

A matéria apresentada em pequenos temas visa estimular uma reflexão e se possível à transformação de costumes, conceitos e uma mudança de postura a ser iniciada nos próprios bancos acadêmicos pelo acadêmico de Direito. Pode parecer uma utopia refletir sobre uma humanização do Direito e a sua utilização como instrumento de transformação social, porém é um novo caminho a ser abordado na atualidade. O advogado como detentor do conhecimento deve ter como obrigação ética e moral ser um agente de cidadania levando o seu conhecimento ao auxilio do homem simples, miserável e excluído da sociedade.

A essência da discussão se mostra salutar no momento em que a sociedade busca fortalecer aspectos democráticos, pregando constantemente uma sociedade justa, com acesso aos direitos de forma ilimitada e disponibilizados em todos os meios desejados. E, claro, é neste ponto que reside à discussão, na ansiedade por respostas mais concretas em relação à finalidade social do Advogado, a realidade do acesso a justiça conforme propagado pela sociedade, notadamente no que diz respeito ao tratamento do homem humilde.

2 O CIDADÃO E A CIDADANIA COMO INICIO ABSOLUTO DO SONHO.

É necessário elucidar não só o sentido do conceito do termo cidadão e cidadania, mas refletir igualmente sobre o seu aspecto social e jurídico. Observar qual o conceito de justiça apresentado pelo homem humilde à sociedade, ou de forma leiga analisar o como o termo justiça encontra-se vinculado a uma questão de sentimento individual.

No Brasil, relembrando que este é um país de grandes desigualdades sociais e culturais, dependendo da localidade, da situação, da cultura e das tradições, o conceito de Direito e Justiça poderá ser diferente.

Em muitos momentos poderemos perceber, e acredito que muitos advogados já o observaram em seus escritórios após o atendimento tradicionais a um cliente, que a visão de João Batista Herkenhoff (1993, p.29) pode se concretizar ao alertar que ”o direito tem um sentido que transcende e, com freqüência, se opõe ao da lei”.

O sentido do Direito apresentado pelo homem na sociedade encontra-se amparado em uma sensação de justiça e moral, uma espécie de obrigação baseada em usos e costumes locais. Esse sentimento está vinculado a tradições e conceitos morais impostos pela própria comunidade, ou seja, cada homem terá o seu conceito abstrato de justiça.

Mas afinal o que é justiça? Haveriam diversas respostas a esta simples e rápida pergunta. Cada homem ou grupo social apresentariam uma resposta diferente, dependendo da situação e do sentido abordado. Há milênios, o aspecto segurança, paz e tranqüilidade determinaram culturalmente ao homem o convívio social e a imposição de regras de conduta, moral e a imposição de limites, muitas vezes impostas individualmente pelo grupo e em outros momentos impostas de maneira democrática pelo grupo.

Ao viver isolado de uma sociedade, o homem opta pelas suas próprias regras de conduta, de moral e de limites, porém, para conviver no bojo de uma sociedade política, este mesmo homem deve se adequar às regras e limitações impostas conjuntamente e no momento em que ultrapassar os limites impostos, este mesmo homem deve estar consciente da sua rejeição ao contrato social, das possíveis desavenças criadas e da necessidade de terceiros envolvidos neste mesmo contrato social buscar a justiça.

A possibilidade de buscar-se a justiça através dos meios disponibilizados pelo Estado, passa da mesma forma por um outro sentimento, o sentimento de fazer parte de uma sociedade organizada e ser considerado um cidadão com acesso a estes meios. Este momento é considerado por muitos homens humildes, miseráveis e excluídos como o auge do sentimento de cidadania e possibilidade, ou melhor, a oportunidade de um convívio social.

É preciso deixar claro que esse tema “não está solto no ar”, mas amplamente normatizado através de direitos e garantias fundamentais preconizados pelo nosso texto constitucional e culturalmente difundido pelos sonhos e utopias de uma sociedade que busca incansavelmente viver a democracia e o sentimento de bem-estar em sua plenitude.

Segundo Graça Belov (2000, p. XI) utilizar o Direito como instrumento transformador social é uma longa caminhada, muitas vezes dura e sofrida, um caminho que visa gerar um processo de humanização.

Humanizar o Direito pode ser a chave da essência da justiça e pode ser a concretização do sentimento de cidadania almejado não só pelo homem humilde, mas também por todos nós que vivemos sob os laços do contrato social. Relembrando sempre, que atrás de técnicas aplicadas nos ritos processuais existem pessoasii clamando por seu direito e buscando a plenitude do seu sentimento de justiça.

Realmente, a primeira vista, parece que iniciamos um árduo caminho, mas também Graça Belov (2000, p. XII) observou que o seu sentimento transformador não era individual, tampouco um pensamento utópico na busca de um Direito libertador, um Direito que acesse aos pobres, aos miseráveis e aos excluídos. E estes homens, considerados subcidadãosiii ou até mesmo em vários momentos desconhecidos pela sociedade, possuem o sentimento de justiça, de ser cidadão e exercer a cidadania como conceituado em muitas doutrinas.

Certa vez, Lênio Streck citado por Graça Belov (2000, p. XII) disse aos acadêmicos, ao abordar o tema sobre as perspectivas críticas do Direito enfatizou, “como preparar o jurista transformador? Será que vivenciaremos a miséria do Direito ou o Direito da Miséria?”. Só o Direito será o instrumento capaz de romper o paradigma cultural e guardar a Constituição como expressão máxima e real do justo entre o cidadão e o Estado Democrático de Direito na busca de soluções a seus conflitos sociais.

Afinal, o que é ser cidadão? Como podemos ter certeza que o caminho seguido e difundido por discursos acalorados e moralistas representam a conquista da cidadania pela sociedade? Como podemos ter a garantia de realmente sentir o resultado da justiça respeitado e aplicado conforme previsto no texto constitucional? Todas estas perguntas merecem ampla discussão e respostas.

Segundo a teoria apresentada por De Plácido e Silva (1987, p. 427), em regra, cidadão “quer designar a pessoa que reside no território nacional, não indicando simplesmente o que se diz brasileiro, mas também o estrangeiro, neste sentido, apenas, vem significar a condição de habitantes do país, que adotou o sistema republicano, em oposição ao súdito, mas próprio aos regimes monárquicos.”

Mas quando utilizamos a palavra cidadania segundo De Plácido e Silva (1987, p.427) afirmamos que a palavra que deriva de cidade, porém não indica somente a qualidade daquele que habita a cidade, mas, mostrando a efetividade dessa residência, o direito político que lhe é conferido, para que possa participar da vida política do país em que reside.

E finaliza, “a cidadania é expressão, assim, que identifica a qualidade da pessoa que, estando na posse de plena capacidade civil, também se encontra investida no gozo de seus direito políticos, que se indicam, pois, o gozo desta cidadania”.

A definição clássica impõe a certeza de que todos os homens que vivem em uma sociedade política são considerados iguais perante a lei, possuindo os mesmos Direito civis e políticos proporcionados pela positividade da Constituição Federal do Brasil, fortalecendo ao final que o gozo da cidadania plena encontra-se vinculado à capacidade plena de exercer esses Direitos.

Inicialmente, deve-se ter consciência e esclarecer novamente que falamos aqui do cidadão hipossuficiente, miserável e excluído, o cidadão que caminha as margens da lei e de conceitos apresentados por inúmeros juristas e doutrinadores. Esse cidadão que em muitos momentos não faz parte sequer de uma classe social.

Falar sobre cidadania e classificar os homens miseráveis como cidadãos é uma perspectiva utópica e desafiadora, onde viso romper com determinadas estruturas e idéias pré-concebidas em uma sociedade dominada por ideologias individuais. Mas a discussão sobre a cidadania para a classe miserável é muito mais profunda e já se torna produto de reflexão de muitos autoresiv. Tenho repetidamente afirmado nos meios acadêmicos ou em conversas informais que não existe a suposta neutralidade política e ideológica da sociedade, essa mudança depende exclusivamente da conscientização e de uma mudança cultural dos meios acadêmicos da graduação de Direito, com a humanização do Direito e a conscientização de que o Direito é do cliente sendo ele rico, pobre, miserável ou excluído.

Na sociedade brasileira, observa-se uma crescente discussão sobre distribuição de renda entre ricos e pobres, elevando a categoria dos miseráveis e excluídos a completa exclusão e desconhecimento social.

Segundo estudos e estatísticas recentemente publicadav pela FGV-SP (2001) em pesquisa chefiada pelo economista Marcelo Neri e feita com base nos dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnads) do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) revela que 50 milhões de brasileiros são miseráveis, sobrevivendo mensalmente com um salário abaixo de R$ 80,00 (oitenta reais).

Os excluídos não conhecem somente a miséria com relação à alimentação, mas uma miséria vinculada a todos os aspectos sociais, como miséria de saúde, de apoio social, de vida comunitária e de vida familiar, de conhecimento, de dignidade e principalmente de amparo do Estado.

Falamos de homens que não possui na grande maioria dos casos sequer registro de nascimento, carteira de identidade e título de eleitor e quando em posse destes documentos criaram a certeza de que estão muito longe da possibilidade de serem atendido pelo Estado, e pior, possuem na pobreza o sentimento de rejeição e preconceito, fortalecendo a impossibilidade de solicitar ajuda do Estado e da sociedade.

Existe na realidade uma denegação do direito provocada por um desconhecimento cultural ou talvez até por uma violação cultural imposta pela sociedade na concepção de quem é o legítimo recebedor do Direito.

Ninguém pergunta ao excluído e miserável porque não labuta pelo seu direito, qual a sua decisão e de que forma ele poderá solicitar a justiça, porém, pergunto novamente, ele conhece os seus direitos e os seus acessos à justiça?

3 ACESSO A JUSTIÇA

O conceito do acesso à justiça ganhou uma nova definição após a promulgação da Constituição Brasileira de 1988 com a inclusão no artigo 5º do inciso XXXIV- “são a todos assegurados, independentemente do pagamento de taxas: a) o direito de petição aos Poderes Públicos em defesa dos direitos ou contra a ilegalidade ou abuso de poder; b) …”

Na busca do Direito da cidadania, o individuo pobre ou miserável poderá solicitar a prestação da assistência judiciária gratuita ao deparar-se com dificuldades e conflitos sociais com terceiros, novamente a legalidade está ao seu lado através do artigo 5º, inciso LXXIV de nossa lei maior determinando que “ O Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos.”

Segundo Caovilha (2003, p. 19)

“O acesso à justiça está presente desde a antiguidade, garantindo defensores para os pobres. No código de Hamurabi encontram-se as primeiras garantias que regulamentavam e impediam a opressão do fraco pelo forte, incentivando-o a procurar a instância judicial quando se sentia oprimido.”

Durante séculos de história demonstrou que o acesso à justiça foi amplo e facilitado, inicialmente pelo número ínfimo de cidadãos e pelo número ainda menor de conflitos. A mera possibilidade de ocorrer à desobediência as leis já determinava ao cidadão um motivo amplo para reagir e clamar pelo sentimento de justiça.

Durante o século XVIII e no inicio do século XX, o acesso à justiça trilhou por um aspecto individualista, onde os problemas sociais foram deixados de lado diante dos problemas financeiros da sociedade. O pensamento predominante na sociedade determinava que o acesso à justiça somente seria possível por indivíduos financeiramente estáveis e cujo sentimento de prejuízo fosse completo e predominasse na situação apresentada, afinal, as custas processuais altas determinavam a razão e o sentimento de justiça.

Caso houvesse impossibilidade de quitação das custas processuais e manutenção dos serviços jurídicos, a lesão ao direito e as leis eram postas de lado, o acesso tornava-se restrito e a busca de sua tutela jurisdicional era distanciada de sua origem poética, levando a concepção de justiça a um patamar meramente financeiro. A essência do Direito sufocou-se diante do aspecto financeiro.

Segundo Caovilha (2003, p. 25) a busca do acesso à justiça consolidou-se na sociedade a partir da década de 60 do século XX, cuja concentração de esforços da sociedade resultaram em soluções práticas, classificadas em ondas sócias, sendo a primeira onda descrita pela assistência judiciária, a segunda onda pela representação para os interesses difusos e a terceira onda totalmente voltada ao enfoque do acesso a justiça.

Essas soluções práticas determinaram inicialmente o acesso da justiça através da assistência judiciária gratuita, anota-se, neste azo, a lição de Cretella Júnior (1995, p.891), “Benefício da Justiça gratuita é direito a dispensa provisória de despesas, exercível em relação jurídica processual, perante o juiz que tem o poder dever de entregar a prestação jurisdicional.” Para De Plácido e Silva (1987, p. 216) apresenta por assistência judiciária a “faculdade que por lei, se assegura às pessoas provadamente pobres, que não estiverem em condições de pagar as despesas ou custas judiciais, sem prejuízo do sustento próprio e de sua família, de virem pleitear o beneficio da gratuidade da justiça, para que demandem ou defendam seus direitos.”

Cretella Júnior (1999, p.871) comentando o tema a luz da Constituição Brasileira promulgada em 1988 alerta que “Denomina-se assistência judiciária o auxilio que o estado oferece – agora, obrigatoriamente – ao que se encontra em situação de miserabilidade, dispensando- das despesas, e providenciando-lhe um defensor, em juízo.”

Coube a União através do artigo 24, inciso XIII da Constituição Federal do Brasil regulamentar a assistência judiciária, o que já o fez em sua plenitude na década de 50 através da elaboração e edição da Lei 1060vi, editada em 05 de fevereiro de 1.950 em vigor até hoje. Na década de 50, após a edição e regulamentação da Assistência Judiciária, houve por parte do legislador o cuidado de conceituar o termo “pobre”, considerando o aspecto jurídico e as  possibilidades patrimoniais e financeiras do indivíduo merecer do benefício.

O termo “pobre” não vinculou ao homem o aspecto de miserabilidade, humildade ou exclusão social, mas beneficiou a todos aqueles cidadãos que mesmo possuindo patrimônio não possuem possibilidade financeira de arcar com as despesas processuais e honorárias advocatícios.

Observa-se que a legislação vigente não vinculou a condição de pobreza absoluta, miserabilidade e indulgência tão reconhecida quanto crescente em nossa sociedade. Portanto, não só ao pobre, miserável e excluído serão garantidos o direito de acesso à justiça como também o benefício de um defensor público após a comprovação de impossibilidade de custear a tramitação do processo no sentido jurídico.

Já a solução apresentada como segunda onda visa tão somente cuidar dos interesses de forma difusa, coletiva e individuais homogêneas a população, envolvendo outros setores da sociedade com objetivos na área abordada.

Na terceira onda o enfoque predominou sobre o acesso a justiça a conscientização da população sobre os seus Direitos. Criou-se  mecanismosvii para gerar maior tranqüilidade com relação a sua posição de cidadão e de seu Direito de cidadania, o que se almeja é a consolidação de uma justiça igualitária e ao alcance de todos na sociedade, independente de sua classe social.

O acesso á justiça está concentrado tradicionalmente no Poder Judiciário, o que poderia ser um motivo de facilitação da resolução dos conflitos, porém este fator determina um distanciamento da população pelo total desconhecimento da estrutura das instituições e pior, pelo total desconhecimento de seus Direitos, afinal você precisa conhecer os Direitos para poder reclamá-los.

Caovillha (2003, p.37) alega que “para esses sonhos se tornarem realidade, é fundamental aprofundar o entrelaçamento da justiça social com o acesso a justiça.“ e continua “No entanto, falta a população a informação, o conhecimento desses direitos e a descoberta do caminho de como chegar a eles.”

Os Direitos e garantias sociais são violados pelo total descaso do Estado e da sociedade, entranhado na cultura da desinformação e da falta de conhecimento, que priva o cidadão do exercício pleno de seus Direitos.

O homem economicamente menos favorecido não pode viver a margem da justiça e no total desconhecimento. A justiça brasileira parece distanciar-se cada vez mais dos pobres e oprimidos, quando na realidade são os que mais precisam dela para a proteção de seus direitos (CAOVILHA, 2003).

Falar-se de garantias fundamentais parece desnecessário pela sua total positivação constitucional, porém, estamos muito longe do que está escrito para o que realmente ocorre, basta verificar a dura realidade de inúmeros homens morando debaixo de pontes, casebres com teto de papelão e nas ruas, vivendo sem dignidade, convivendo com o preconceito, humilhação e a insegurança do dia seguinte.

Aparentemente estamos diante de uma incógnita, como levar o conhecimento ao homem humilde e miserável e qual o papel do advogado na sociedade?

4 O ADVOGADO, O CONHECIMENTO E O HOMEM HUMILDE

Na realidade não há a mínima dificuldade em se responder esta questão, de forma simples relembro o juramento do profissional do Direito

“Prometo exercer a advocacia com dignidade e independência, observando os preceitos de ética e defendendo as prerrogativas da profissão, não pleiteando contra o Direito, contra os bons costumes e a segurança do País, e defendendo, com o mesmo denodo humildes e poderosos.”

O advogado, ciente de seu conhecimento sobre cidadania, direito e garantias fundamentais do cidadão transmite a sociedade tranqüilidade e segurança, defendendo os seus casos com o maior zelo independente do valor atribuído a causa.

Assim, a atividade do advogado é executada com toda a lhaneza, independente da causa levada ao seu conhecimento por um cliente humilde, miserável ou excluído, ou por um cliente cuja situação financeira demonstre outro tratamento.

A advocacia é um sacerdócio e estamos vinculados moralmente aos mandamentos onde “As questões não se dividem em pequenas ou grandes, mas em justa ou injustas. Nenhum advogado é demasiadamente rico para recusar causas justas porque sejam pequenas, nem tão pobre para aceitá-las quando injustas por serem grandes.”

Ao cliente pobre, o advogado, deve manter em total harmonia o principio da igualdade. O cliente não deverá se sentir um estranho, perguntando a vizinhos ou terceiros o significado dos termos utilizados em uma mera consulta processual.

Cada processo é único apesar do mesmo tramite processual, cada separação, divórcio ou cobrança possui um fato, uma situação, uma conversa pessoal, uma amizade que o diferencia dos demais. Portanto, cada cliente é diferente e seus anseios pela justiça podem também ser diferente.

Em muitos casos, um conflito considerado de pouca monta financeira para a sociedade, pode ser considerado por este cliente, como um caso de vida e morte, e esta pequena quantia a seus olhos pode ser considerada relativamente vultuosa. Só ele sabe o limite de sua luta pelo Direito.

Segundo Von Ihering (1983, p. 32) quando “violado o direito, o titular defronta-se com uma indagação: deve defender o seu direito, resistir ao agressor, em outras palavras, deve lutar ou simplesmente abandonar o direito para escapar a luta?” A decisão sobre o conflito, se o valor deve ser discutido ou não, cabe somente ao individuo envolvido e ninguém pode ignorar que na vida real as coisas se passam assim.

Mas como atender o cidadão miserável e excluído, e como torná-lo um cliente e até mesmo um cidadão com direitos igualitários?

Independentemente da condição social do cidadão devemos como advogado atender a todos cordialmente e com educação, não esquecer de ouvir e realmente ouvir sem interferências, juízo de valor ou preconceitos a situação apresentada. Buscar conduzir o assunto da maneira menos dolorosa e sem o ar de curiosidade que afeta a natureza humana.

Porém este cliente não vai ao escritório porque ele desconhece o seu direito de cidadania, suas garantias fundamentais e muitas vezes buscam esquecer os seus conflitos ou simplesmente solicitam ajuda de terceiros sem conhecimentos jurídicos.

E neste ponto que discuto e enfatizo a necessidade de maior conscientização do papel social do advogado na sociedade e no atendimento deste cidadão carente, afinal terceiros sem conhecimento jurídico não podem e não devem promover conselhos e solucionar conflitos de forma leiga. E provoco com insistência a cobrança dos operadores do direito a busca de soluções e criação de pequenos mecanismos na ajuda e defesa dos direitos dos miseráveis e excluídos.

Não é uma questão financeira, é uma questão de conscientização de cidadania diante de um sistema que provoca o aumento de injustiças e disparidades sociais. Esta visão é apresentada por Herkenhoff (1993, p.40)

“Temos todo um sistema legal que sacramenta a injustiça e as disparidades sociais. Os juristas e juízes que se submetem docilmente a esse sistema, sem nem mesmo descobrir algumas de suas brechas, que possam servir as maiorias oprimidas, colocam-se decididamente do lado das minorias aquinhoadas.”

E finaliza que “Cabe aos juristas comprometidos com as lutas do povo encontrar e realçar essas contradições, buscando utilizá-las em proveito das grandes multidões empobrecidas.”

Ao profissional do Direito imbuindo da conscientização de ser um agente de cidadania existem algumas formas de ajudar o cidadão excluído, entre elas, advogar de forma gratuita em alguns casos. Observando-se neste caso certas cautelas, como encaminhar ofício a sede regional da OAB colocando o seu nome a disposição para o patrocínio gratuito, relembrando que não podemos neste caso levar em conta o valor da causa, mas somente o efeito moral da causa, como exemplo, o atendimento a um idoso abandonado materialmente pelos seus filhos, só em casos como estes podemos sentir o gosto pelo cumprimento de nosso dever social e não há nada que determine o valor de um mero agradecimento.

Não só aos profissionais do Direito, mas cabe inclusive aos acadêmicos de Direito, a obrigação e a facilidade de participar em eventos comunitários, palestras e seminários com comunidades leigas e carentes em assuntos jurídicos.

As atividades de extensão não devem pertencer somente a um período acadêmico, mas devem ser vistos como uma filosofia de vida, esclarecendo dúvidas, possibilitando o acesso a cidadania, intervindo duramente e criticamente na proliferação de supostas justiças paralelas.

Em muitos casos, essas discussões poderão esclarecer pequenas dúvidas vinculadas a assuntos jurídicos, mas, em muitos casos, o advogado prestará muitas informações sobre aspectos burocráticos da administração pública, lembrem-se, o homem humilde, miserável e excluído é um individuo totalmente alheio a seus direitos e a sua possibilidades de resolver conflitos pessoais e sociais.

Em casos de mediação, o acadêmico e profissional do Direito possui um Santa Catarina um apoio fabuloso do Tribunal de Justiça, através da implantação das Casas de Cidadania em diversas comarcas. Nestas casas, através de uma tentativa de solução pacifica de conflitos podemos esclarecer assuntos jurídicos, pendências emocionais e financeiros existentes. Auxiliando os necessitados nos casos mais simples, como o requerimento de uma segunda via da certidão de nascimento em outro Estado, documento este que se torna essência e a sua falta implica na impossibilidade de efetuar uma simples matricula em um colégio público.

Observem este exemplo, um pequeno impedimento para uma grandiosa mudança, a busca básica do conhecimento.

As Casas da Cidadania visam levar ao miserável e ao excluído uma nova oportunidade de alcançar a cidadania e este atendimento deve ser feito pelo acadêmico de direito já envolvido desta nova humanização do direito e pelo profissional do direito, especificamente o advogado, que estará descobrindo a sua função social sem se importar com eventuais lucros financeiros.

A conscientização da função social do advogado e do acadêmico de Direito e o seu elo essencial no processo de transformação social fará o caminho da justiça igualitária e humana sair do papel e passar a fazer parte da realidade dos brasileiros.

As posturas individualistas e egoístas devem ser banidas, como também a falta de conhecimento e o aumento da população miserável. Esse cidadão, e ele é um cidadão, deve sair da margem da lei, deve sentir o gosto do sentimento de justiça realizado resgatando-se a dignidade e a humanidade.

O processo jurídico e social está em crise, portanto depende de nós, a sociedade como um todo, e principalmente de nós profissionais do Direito desenvolver uma nova postura social no resgate de valores éticos, morais e sociais.

O humanismo do Direito deve ser consolidado diante do crescimento absoluto da miserabilidade, cada vez mais a sociedade como um todo, não somente o pobre, socorre-se da assistência gratuita e em conselhos de terceiros leigos capazes de impor um prejuízo superior.

Cappelletti; Garth (1988, p. 165) enfatiza que :

“A finalidade não é fazer uma justiça “mais pobre”, mais torná-la acessível a todos, inclusive aos pobres. E, se é verdade que a igualdade de todos perante a lei, igualdade efetiva- não apenas formal- é o ideal básico de nossa época, o enfoque de acesso à justiça só poderá conduzir a um produto jurídico de muito maior “beleza”- ou melhor qualidade- do que aquele que dispomos atualmente.”

Portanto, deve-se lutar por uma concepção social melhor, uma sociedade mais justa, solidária, com maior acesso a informação e conhecimento. Afinal, Aristótelesviii enfatizou que a educação e o conhecimento são a alma da democracia no processo de igualdade social. Reconhecer a igualdade de todos na sociedade é reconhecer que os seres humanos possuem Direitos e garantias fundamentais estruturados, considerados e que devem ser respeitados.

Não podemos deixar que pessoas inescrupulosas acreditem que possuem o poder de desrespeitar esses direitos e deixar que os miseráveis, humildes e excluídos percam sua voz ou sua condição de reivindicação, promovendo uma morte silenciosa sem um grito de resistência. Esta mudança é possível, basta querermos.

 

Referências

BELOV, G. Diálogos com a cidadania. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

CAOVILHA, M. A. L. C. Acesso a justiça e cidadania. Chapecó: Argos, 2003.

CAPPELLETTI, M; GARTH, B. Acesso a justiça. Porto Alegre: Fabris, 1988.

BRASIL. (Constituição de 1988). Constituição Federal do Brasil. Saraiva: São Paulo, 2004.

HERKENHOFF, J. B. Direito e utopia. Acadêmica: São Paulo, 1993.

SILVA, De P. Dicionário jurídico. Forense: Rio de Janeiro, 1987.

VON IHERING, R. A luta pelo direito. 18. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2000.

 

Notas:

i Texto apresentado pela redação da Revista Prática Jurídica número 36 no artigo “A Participação Social do Advogado” da autoria de Erick de Sirriune Cysne. Publicação 31/03/2005.

ii Esta mesma visão é amplamente difundida pelo Ministro José Augusto Delgado do STJ em entrevista concedida à Revista Consulex de 30 de setembro de 2003, página 10, sob o título “A Realidade, A Justiça e O Direito”.

iii Como conceito de subcidadão utilizo a visão de Jessé de Souza ao demonstrar que o subcidadão é homem miserável e indigente, a margem da lei e dos benefícios sociais, este homem é ignorado pela sociedade apesar de todos sabem exatamente onde ele vive e como sobrevive.

iv Graça Belov, Lênio Streck, Maria Aparecida Lucca Caovilha e outros.

v Estudos Estatísticos publicados pela FGV-SP no 2001.

vi A Lei 1060/50 ainda em vigor estabelece normas gerais sobre a concessão da assistência judiciária gratuita, conceituando o necessitado e regulamentando os limites do benefício para promover a demanda judicial.

vii Os mecanismos criados para a conscientização dos Direitos e garantias fundamentais passam por propagandas veiculadas na mídia, matérias de publicidade gratuita, como revistas, cartazes, palestras, seminários, conscientização da sociedade em promoções e organizações não-governamentais e outros meios.

viii Aristóteles sempre cultuou a educação como processo essencial na mudança de mentalidade da população e do crescimento interno da sociedade.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Eliane Scheidt

 

Mestrado em Gestão de Políticas Públicas pela UNIVALI. Professora do Curso de Direito e Coordenadora do Núcleo de Práticas Jurídicas do CESBLU.

 


 

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