Os “Embargos Arbitrais” e a Revitalização da Sentença Arbitral

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Prevê a Lei de Arbitragem (Lei n. 9.307/96) período de tempo no qual, após a sentença arbitral proferida, ainda será possível ao árbitro ou tribunal arbitral rever o decidido para corrigir erro material (por exemplo, equívoco numérico ou de redação), esclarecer sobre obscuridade, contradição ou algum ponto omitido na sentença arbitral, mediante solicitação da parte no prazo de 5 dias, a partir da ciência do teor da sentença arbitral. Esta “solicitação de esclarecimentos” (art. 30) teve inspiração legislativa nos embargos de declaração regulados no processo judicial, que os classifica como espécie de recurso, fato que justificou a conduta do legislador em não os denominar de embargos. Todavia, a doutrina arbitral inclina-se em nomear a citada “solicitação de esclarecimentos” de “embargos arbitrais,” haja vista ter a mesma essência e objetivo daquele (embargos de declaração), apesar de a sentença arbitral ser final e  não ficar sujeita a recurso, sendo a ação de anulação proposta no Judiciário o meio hábil para anulá-la ou retificá-la, quando possível (art.33).

Esta providência em sede arbitral vem suscitando diversos questionamentos práticos e teóricos a exigir reflexão dos doutrinadores, haja vista as similitudes com os embargos de declaração e a tendência jurisprudencial e doutrinária, ainda que não pacificada, que admite, em situações excepcionais conceder-lhes efeitos modificativos, isto é, poderá reverter a decisão proferida. Estas questões demandam análise em contexto amplo, notando-se que a partir das duas últimas décadas do século XX, novos paradigmas passaram a nortear o direito processual civil, que preconizam a efetividade da prestação jurisdicional e, com ela, a otimização e eficácia das regras processuais.  Assim é que vimos, nestes novos tempos, a jurisprudência e a produção doutrinária dar vida nova e oxigenar o processo civil brasileiro. Não se deixa de privilegiar normas e conceitos firmados de há muito, mas se reconhece a necessidade de mudanças legislativas (como as minirreformas operadas no Código de Processo Civil) ou alteração na forma de interpretar a Lei, pois, como assevera o jurista português Manuel Domingos de Andrade, “a própria objectiva verdade jurídica, em face duma lei que se mantém inalterada na sua expressão formal, não é estática, mas cambiante; não é uma só, como que cristalizada, rígida, imóvel, fixada ne varietur, senão que está sujeita a mudar com o curso das idéias e as vicissitudes da realidade circundante, obedece, em suma, ao mesmo devir que é lei de todas as coisas”.

É nesta linha de raciocínio que prioriza a efetividade e, com ela, a eficiência e otimização das regras processuais, que surge o entendimento doutrinário e jurisprudencial de que os embargos de declaração podem – não obstante suas condições de admissibilidade restritas e diante de equívocos manifestos -, representar em revisão do julgado e ter efeitos modificativos, que na linguagem jurídica denomina-se de “embargos de declaração com efeitos infringentes.”

Estas premissas estão sendo deslocadas para o processo arbitral, por sua racionalidade, haja vista que o princípio da efetividade da prestação jurisdicional também se aplica ao processo arbitral, reforçado pelo recentíssimo princípio constitucional da celeridade processual (art. 5°, LXXVIII da CF/88 acrescido pela Emenda Constitucional n. 45/2004), bem como atentando que a decisão arbitral deve estar calcada no livre convencimento do árbitro (art. 21, § 2°) e que somente após o prazo concedido para os “embargos arbitrais” a sentença arbitral ditada se torna imutável, vale dizer, encerra-se seu mister e, em conseqüência, o processo arbitral (art.30, § único). Após esse evento, a sentença arbitral somente poderá ser modificada, se for o caso, por decisão judicial que determine que o árbitro a complemente, se não decidiu todo o litígio (art. 32, V) ou a retifique, quando a sentença deixou de conter todos os requisitos necessários (art. 32 III), ou para alterar o decido fora dos limites da convenção de arbitragem (art. 32, IV), a teor do disposto no art.32, § 2°, II. Poderá, também, anulá-la completamente nos demais casos relacionados no art. 32.

Neste sentido, sem se preocupar em conceituar os “embargos arbitrais” como um recurso, mas considerando que a arbitragem só se encerra após o prazo conferido à parte para solicitar esclarecimentos por meio dos “embargos arbitrais,” poderá existir situações especialíssimas que em decorrência de equívoco manifesto do árbitro na análise das provas ou das circunstâncias apresentadas pela parte nos “embargos arbitrais,” este decida reformular seu entendimento e rever o julgado, recebendo os “embargos arbitrais” com efeitos  modificativos (escopo infringente). Seria o caso, por exemplo, de ter deixado de acatar a prescrição alegada pela parte. O árbitro, neste caso, teria deixado de considerar preceito legal imperativo e ao reformular o seu entendimento anterior, estaria observando, inclusive, o disposto no art. 2°, § 2° da Lei de Arbitragem (ordem pública).

Não se argumente, por outro lado, que com esta providência estar-se-ia criando uma instância recursal no âmbito da arbitragem ou que se transfere para a arbitragem a processualística judicial (que se impõe evitar), mas observar que esta providência prioriza a eficácia da sentença arbitral final, diante de flagrante equívoco cometido pelo árbitro.

Note-se que a previsão de “embargos arbitrais” encontra-se na Lei   Modelo de Arbitragem Internacional da UNCITRAL, que foi fonte de inspiração do legislador brasileiro e de tantos outros países. A questão dos efeitos modificativos dos “embargos arbitrais” é tratada na doutrina e jurisprudência estrangeiras, que acenam com a possibilidade em admiti-los, desde que observado o prazo estipulado para apreciação.

Outra questão prática que se apresenta para o árbitro, diante de erro material, como, por exemplo, diante de raciocínio matemático incorreto ou redação equivocada, se poderia retificar espontaneamente a sentença arbitral. Com efeito, na linha do acima exposto, afigura-se pertinente a retificação imediata, mesmo que as partes não a tenham solicitado.

Ainda, no âmbito dos “embargos arbitrais” discute-se se os regulamentos de instituições arbitrais podem alterar o prazo disposto no art. 30 (5 dias) para  sua apresentação, como, por exemplo, fixá-lo em 15 dias ou se as partes na convenção de arbitragem também poderiam regulá-lo.  A resposta é encontrada e respaldada no princípio da autonomia da vontade, da consensualidade, que percorre como seiva todo a árvore arbitral. Além de várias outras disposições neste sentido reguladas na Lei de Arbitragem, note-se que o próprio prazo legal para expedir a sentença arbitral pode ser fixado pelas partes (art. 23). Assim, entendemos que as partes ao submeterem-se à arbitragem institucional aceitaram as disposições regulamentares, inclusive o prazo para pedido de esclarecimentos da sentença arbitral, que não necessariamente precisa ser o de 5 dias, bem como as partes podem assim dispor na convenção de arbitragem. A flexibilidade da Lei tem indubitável função prática, pois poderemos estar diante de arbitragem doméstica, com sede no Brasil, mas as partes estarem no exterior ou em localidades distantes. O prazo de 5 dias não será hábil para a adoção das  providências necessárias.

Todavia, por oportuno, não se entenda que os prazos sejam cumulativos, ou seja, além do disposto convencionalmente somar-se-ia o prazo legal. São excludentes, pois, ou se aplica o prazo convencional ou o legal.

Enfim, para analisar e resolver os diversos problemas práticos que se apresentam no direito brasileiro da arbitragem inaugurado com a Lei n° 9.307/96, o intérprete e aplicador da Lei, em especial no que se refere aos “embargos arbitrais”, deve ter como norte que o legislador ao regulá-los pretendeu conceder-lhes largo espectro, com a finalidade de revitalizar a sentença arbitral final, para que esta seja justa, reflita o bom-senso, esteja consentânea com a convenção de arbitragem e a Lei.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Selma Maria Ferreira Lemes

 

Advogada, mestre e doutora pela Universidade de São Paulo –USP. Coordenadora e professora do curso de arbitragem do Programa de Educação Continuada da Fundação Getúlio Vargas – PEC/FGV em SP. Autora dos livros “Árbitro, Princípios da Independência e da Imparcialidade” (São Paulo, LTr, 2001) e do recém lançado “Arbitragem na Administração Pública. Fundamentos Jurídicos e Eficiência Econômica” (São Paulo, Quartier Latin, 2007).

 


 

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