A aplicação do princípio da anterioridade nonagesimal nas contribuições sociais previdenciárias instituídas ou modificadas por medida provisória

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Resumo: Investiga a aplicação do princípio da anterioridade nonagesimal quando a instituição ou modificação das contribuições sociais previdenciárias se dá por meio de medida provisória.


Palavras-chave: Princípio da anterioridade nonagesimal. Medidas provisórias.


O exercício da competência tributária pelas pessoas políticas é limitado por princípios constitucionais que visam, sobretudo, a proteção da segurança jurídica, vez que ao sujeito passivo deve se dar certo tempo para se preparar para a tributação e seus impactos sobre a atividade econômica.


Dentre estes mandamentos nucleares tendentes a evitar a surpresa ao contribuinte se insere o Princípio da Anterioridade, insculpido no art. 150, III, “b” e “c” da Constituição Federal, verbis:


Segundo lição do Prof. Roque Antônio Carrazza[1]:


“… o princípio da anterioridade é corolário lógico do princípio da segurança jurídica. Visa evitar surpresas para o contribuinte, com a instituição ou majoração de tributos.. De fato o princípio da anterioridade veicula a idéia de que deve ser suprimida a tributação surpresa (que afronta a segurança jurídica dos contribuintes). Ele não permite que, da noite para o dia, alguém seja colhido por uma nova exigência fiscal. É ele, ainda, que exige que o contribuinte se depare com regras tributárias claras, estáveis e seguras. E, mais do que isso: que tenha o conhecimento antecipado dos tributos que lhe serão exigidos ao longo do exercício financeiro,justamente para que possa planejar sua vida econômica.


Por sua vez, Hugo de Brito Machado[2] assim leciona acerca do referido princípio:


“O princípio da anterioridade da lei tributária não se confunde com o princípio da irretroatividade da lei, que é princípio geral de Direito e vigora, portanto, também no Direito Tributário, em cujo âmbito mereceu expressa acolhida (art. 150, inc. III, letra “b”). Anterioridade é a irretroatividade qualificada. Exige lei anterior ao exercício financeiro no qual o tributo é cobrado. Irretroatividade quer dizer que a lei há de ser anterior ao fato gerador do tributo por ela criado, ou majorado.”


Pois bem. Na alínea “b” do inciso III do art. 150 da CF/88, temos a previsão da regra clássica da anterioridade, denominada “anterioridade genérica”. Tal regra existe desde o poder constituinte originário. A lei tributária que institua tributo, revoga benefício ou majora a tributação, deve respeitar obrigatoriamente o decurso do prazo do exercício financeiro. Em outras palavras, a lei tributária deve gerar os seus efeitos apenas a partir do primeiro dia do exercício financeiro seguinte. Quer dizer que, uma lei tributária qualquer publicada no meio do exercício (por exemplo, no dia 3 de março de 2008), instituindo um determinado tributo (ou aumentando sua base de cálculo, aumentando sua alíquota, instituindo um novo sujeito passivo, revogando uma isenção, entre outra forma de majoração), somente passará a produzir os seus efeitos a partir do primeiro dia do exercício seguinte (em 1º de janeiro de 2009, no caso do exemplo).


Na alínea “c”, introduzida por força da Emenda Constitucional n 42/2003, está a chamada “anterioridade qualificada” ou “noventena” Por tal regramento, a legislação tributária que aumenta tributo (revoga benefício, introduza novo sujeito passivo, entre outros), além de respeitar o exercício, ainda terá que respeitar um prazo mínimo de 90 dias entre a sua publicação e o dia em que efetivamente entra em vigor. Entre a publicação da lei e a sua vigência (momento que ela passa a produzir os seus efeitos) é preciso que haja um período mínimo de 90 dias. Esta regra não afasta a necessidade de respeito ao exercício financeiro. Originariamente, o texto constitucional de 88, somente previa a anterioridade do exercício financeiro. Existia uma garantia ao sujeito passivo: um certo tempo de preparação para o novo tributo. Contudo, o Fisco desenvolveu um péssimo hábito: a edição de legislações tributárias, onerando o sujeito passivo, muito próximo ao final do exercício (novembro, dezembro). Com isso, pela anterioridade do exercício, a regra formal do princípio era respeitada (vigência a partir de janeiro), mas seu objetivo, a proteção ao sujeito, dando-lhe um prazo razoável, acabava sendo ignorada.


Mister enfatizar que, segundo o Supremo Tribunal Federal, o princípio da anterioridade é garantia individual fundamental e, portanto, é cláusula pétrea, prevista no art. 60, § 4º, IV, da Constituição[3].


Pois bem. O princípio da anterioridade genérica (art. 150, III, “b”) encontra exceção nas contribuições sociais previdenciárias, previstas no art. 195, I ao IV da CF/88. Isto porque, a este tributo, se aplica uma anterioridade especial, denominada anterioridade nonagesimal, senão vejamos disposto no parágrafo 6º, do artigo 195, da Constituição Federal:


“As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas depois de decorridos noventa dias da data da publicação da lei que as houver instituído ou modificado, não se lhe aplicando o disposto no art. 150, III, b. (grifei)


A anterioridade nonagesimal das contribuições sociais previdenciárias preceitua, pois, que esta espécie de gravame deverá ser exigida 90 dias após a publicação da lei que a instituiu ou a modificou.


Como é cediço, desde a edição da Emenda Constitucional n. 32/01, há expressa previsão na Carta Magna (art. 62, §2º, CF) acerca da possibilidade da medida provisória instituir tributos, salvo aqueles instituídos por meio de lei complementar (art. 62, § 1°, III, da CF). 


Faz-se mister relembrar que, com a Emenda Constitucional n° 32/2001, o prazo de validade de uma MP passou a ser de 60 dias, admitida uma única prorrogação por mais 60 dias. Não havendo a conversão em lei, no prazo supracitado, a medida provisória perderá eficácia desde a origem, devendo os produzidos efeitos serem regulados por decreto legislativo do Congresso Nacional.


Pois bem. Editando-se uma Medida Provisória que veicule instituição ou majoração de contribuição social previdenciária torna-se curial saber o dies a quo do prazo nonagesimal previsto no art. 195, §6 da CF. Será da data da edição orginária da MP ou será da conversão da MP em lei?


Segundo o art. 62, §2°, da Carta Magna, “medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos art. 153, I, II, IV, V, e 154, II só produzirá efeitos no exercicío financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada”. (grifei)


Conforme se infere da redação supra, quando se trata de impostos, a anterioridade genérica incide quando da conversão da medida provisória em lei. Nada disse o dispositivo, entretanto, quanto à aplicação da anterioridade nonagesimal no caso de edição de MP que trata de instituição ou majoração de contribuições sociais previdenciárias.


A nosso sentir, trata-se de um silêncio eloquente. Ora, o legislador trouxe regra clara acerca da aplicação da anterioridade quanto aos impostos, omitindo-se acerca dos outros tributos. Donde se conclui que, quanto às demais exações, inclusive contribuições sociais previdenciárias, o cômputo do lapso de 90 dias deverá fluir a partir da edição da originária medida provisória.


Neste sentido, posicionou-se o  Supremo Tribunal Federal:


“EMENTA: CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. CONTRIBUIÇÃO SOCIAL. PISPASEP. PRINCÍPIO DA ANTERIORIDADE NONAGESIMAL: MEDIDA PROVISÓRIA: REEDIÇÃO. I. – Princípio da anterioridade nonagesimal: C.F., art.195, § 6º: contagem do prazo de noventa dias, medida provisória convertida em lei: conta-se o prazo de noventa dias a partir da veiculação da primeira medida provisória.(…) IV. – Precedentes do S.T.F.: ADIn 1.617-MS, Ministro Octavio Gallotti, “DJ” de 15.8.97; ADIn 1.610-DF, Ministro Sydney Sanches; RE nº 221.856-PE, Ministro Carlos Velloso, 2ª T., 25.5.98. V. – R.E. conhecido e provido, em parte.” (STF, RE 232.896/PA, Pleno,Rel. Min. Carlos Velloso, j. 02-08-1999)


“CONSTITUCIONAL – TRIBUTÁRIO – CONTRIBUIÇÃO SOCIAL – MEDIDA PROVISÓRIA: REEDIÇÃO – PRAZO NONAGESIMAL: TERMO INICIAL. I – (…) II – Princípio da anterioridade nonagesimal: CF, art. 195, § 6º: contagem do prazo de noventa dias, medida provisória convertida em lei: conta-se o prazo de noventa dias a partir da veiculação da primeira medida provisória. III – Precedentes do STF: RE nº 232.896- PA; ADIn nº 1.417-DF; ADIn nº 1.135-DF; RE nº 222.719-PB; RE nº 269.428 (AgRg)-RR ; RE nº 231.630 (AgRg)-PR. IV – Agravo não provido. DECISÃO: Por unanimidade, a Turma negou provimento ao agravo regimental. Ausente, justificadamente, neste julgamento, o Senhor Ministro Nélson Jobim. 2ª Turma, 26.2.2002.” (STF – 2ª T – gRg no RE nº 315.681-1 – Rel. Min. Carlos Velloso – DJ 22.3.2002 – p. 43) (grifo nosso)


Resta, pois, saber, no caso da MP sofrer alteração na sua redação quando de sua conversão o lei, como fica o cômputo do prazo de 90 dias?


Neste caso, afigura-se-nos que o prazo de noventa dias, previsto no art. 195, §6º, da CF, será contado a partir da data da publicação da respectiva lei de conversão, e não daquela em que tenha sido editada a medida provisória, porquanto havendo substancial alteração da redação da MP pelo Congresso Nacional, verificar-se-á nova instituição ou majoração, vale dizer, nova exação.


Neste sentido, voto condutor proferido no RE 169.740-PR (Relator Ministro Moreira Alves) que denomina tal fenômeno de conversão parcial.


Frise-se, por pertinente, que no caso de rejeição da MP que institui ou modifica uma contribuição social-previdenciária pelo Congresso Nacional (art. 62, §10, CF), antes de transcorridos os 90 dias para a sua incidência, a medida provisória não produzirá qualquer efeito, visto que não observada a anterioridade nonagesimal. Em tal hipótese, as relações jurídicas decorrentes das partes rejeitadas da MP, no ato de conversão, deverão ser disciplinadas pelo Congresso Nacional, mediante decreto legislativo, em sessenta dias após a rejeição. Caso não se edite tal instrumento normativo, as relações jurídicas constituídas entre a data da incidência e a data da conversão parcial da MP conservar-se-ão por esta regidas (art. 62, §11, CF).


A título de conclusão, constata-se que a sistemática de aplicacão do princípio da anterioridade nonagesimal, quando da instituição ou majoração de contribuições sociais previdenciárias por medida provisoria, é diametralmente oposta à aplicação da anterioridade tributária genérica dirigida aos impostos. Isto porque, nestes últimos, regra geral, a medida provisória que implique instituição ou majoração de tais gravames, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. Neste sentido, o art. 62, §2°, da Carta Magna.


 


Referências Bibliográficas

CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 18 ªed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.

MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28 ªed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.

 

Notas:

[1] CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 18 ªed. São Paulo: Malheiros Editores, 2002, p.170.

[2] MACHADO, Hugo de Brito. Curso de Direito Tributário. 28 ªed. São Paulo: Malheiros Editores, 2007, p. 29.

[3] O Supremo Tribunal Federal, pela maioria de seus Ministros, manifestou-se neste sentido, na ADIn 939-7 DF, ao declarar inconstitucional o §2º do art. 2º, da Emenda Constitucional nº. 3/93, na parte que excepciona o Imposto Provisório sobre Operações Financeiras (IPMF) ao princípio da anterioridade e às imunidades.


Informações Sobre o Autor

Alan Saldanha Luck

Procurador do Estado de Goiás, pós-graduado em Direito e Processo do Trabalho pela UNIDERP-LFG


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