O aborto através dos tempos e seus aspectos jurídicos

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Resumo: O presente artigo versa sobre os pontos mais relevantes do aborto, sua evolução histórica, aspectos jurídicos, morais e religiosos que cercam o tema, de maneira sempre atual e polêmica.

Palavras-chave: Aborto, aspectos históricos, tipos de aborto, a visão do aborto a luz do Decreto Lei nº 2.848/40.

Sumário: 1. Introdução Histórica (1.1 Origem e Criaçõ do termo; 1.2 Aborto: um crime “contra a gestante” ou um crime “contra a vida”); 2. Tipos de Aborto (2.1 aborto Espontâneo; 2.2 Aborto provocado; 2.3 aborto do dia seguinte); 3. Aborto Criminoso (3.1 modalidades deaborto no código penal; 3.2 aborto qualificado; 3.3 tentativa de aborto); 4. Aborto Legal (4.1 aborto necessário; 4.2 aborto sentimental), 5. Aborto Eugênico, 6. Aborto Terapêutico ou Necessário no Código Penal de 1940 e no Anteprojeto, 7. Aborto Resultante de Estupro no Código Penal de 1940 e no Anteprojeto Nelson Hungria, 8. Problema Teológico, 9. A Teologia Cristã e Suas Influências, 10. A Descriminalização do Aborto e o Aborto Terapêutico, Considerações Finais, Bibliografia.

1. Introdução Histórica

1.1 Origem e Criação do termo

O termo aborto provém do latim “aboriri” e significa “separar do lugar adequado”. Métodos abortivos datam do século XXVIII a.C., tendo sido descoberto na China.

A verdade é que os povos primitivos ou não o previam ou, posteriormente, incriminavam-no com duríssimas penas.

Com o fato concreto, entretanto. As manobras abortivas sempre foram praticadas em todo o mundo, sob o pretexto de que serviriam para controlar o crescimento populacional.

Os primeiros detratores do aborto pretendiam defender não somente o ser em formação, mas também a gestante e a própria sociedade em virtude do direito que lhe assiste de ter novos cidadãos.

Existe, um ponto de contato entre duas “legislações”, eis que tanto na Bíblia como no Código de Hamurabi, preocupavam-se menos com o aborto propriamente dito e muito mais com o ressarcimento ou compensação do dano causado.

No Egito antigo não dispunha-se de sanção para quem praticasse manobras abortivas.

Já os doutrinadores gregos e romanos em sua maioria aconselhavam o aborto.

Aristóteles e Platão, pregavam a utilização do aborto como forma de controle populacional. Enquanto Sócrates também o admitia, porém sem qualquer outra justificativa, que não a de dar a gestante a liberdade se escollha.

Consoante, a modesta concepção, é correto afirmar que o aborto, fora dos casos legais e morais, fere o direito fundamental a vida, deixando entrever casos de sua inexigibilidade jurídica. A luz do direito positivo ele se biparte em legalizado e criminoso, acrescentando que ele seja ou não permitido pela lei, variável através dos tempos e no seio de todos os povos.

1.2 Aborto: um crime “contra a gestação” ou um crime “contra a vida”?

O que está em jogo, porém, não é a definição de gestação, que pode ser mudada artificialmente de acordo com as conveniências e os interesses, mas a inviolabilidade da VIDA de um indivíduo humano que, incontestavelmente, começa com a concepção, conforme a veemente declaração formal da Academia Nacional de Medicina de Buenos Aires, Argentina, de 28 de julho de 1994:

Ä VIDA HUMANA COMEÇA COM A FECUNDAÇAO, isto é um fato cientifico com demonstração experimental; não se trata de um argumento metafísico ou de uma hipótese teológica. No momento da fecundação, a união do pró-núcleo feminino e masculino dão lugar a um novo ser com sua individualidade cromossômica e com a carga genética de seus progenitores. Se não se interrompe sua evolução, chegará ao nascimento”

Além disso, o Código Civil Brasileiro, em seu artigo 4o, defende os direitos do nascituro, não apenas após a nidação ou implantação, mas “desde a concepção”.

“A personalidade civil do homem começa do nascimento com a vida; mas a lei põe a salvo desde a concepção os direitos do nascituro”.

Não só o aborto é crime, mas o mero anúncio de “processo, substância ou objeto destinado a provocar aborto” constitui contravenção penal (art. 20 da Lei das Contravenções Penais).

2. Tipos de Aborto

2.1 Aborto Espontâneo

Os abortos espontâneos ocorrem involuntariamente por acidente, anormalidades orgânicos da mulher ou por defeitos do próprio ovo.

Ocorre normalmente nos primeiros dias ou semanas da gravidez, com um sangramento quase igual ao fluxo menstrual, podendo confundir muitas vezes a mulher do que realmente está acontecendo.

Há dois tipos de aborto espontâneo: o aborto iminente e o inevitável.

Ø aborto iminente é uma ameaça de aborto. A mulher tem um leve sangramento seguido de dores nas costas e outras parecida com as cólicas menstruais.

Ø aborto inevitável é quando se tem dilatação do útero para expulsão do conteúdo seguido de fortes dores e hemorragia.

2.2 Aborto Provocado

O aborto provocado é todo aquele que tem como causador um agente externo, que pode ser um profissional ou um “leigo” que utiliza as técnicas descritas abaixo entre outras:

a. Dilatação ou corte, Uma faca em forma de foice dilacera o corpo do feto que é tirado em pedaços;

b. Sucção ou aspiração, O aborto por sucção pode ser feito até a 12a semana após o último período menstrua. Este aborto pode ser feito com anestesia local ou geral. A sucção afrouxa delicadamente o tecido as parte uterina a aspira-o, provocando contrações do útero, o que diminui a perda de sangue.

c. Curetagem, é feita a dilatação do colo do útero e com uma cureta[1] é feita a raspagem suave do revestimento uterino dp embrião, da placenta e das membranas que envolvem o embrião.

2.3 O aborto do dia seguinte

Há médicos que afirmam que uma pílula ingerida no dia seguinte a uma relação sexual impede uma gravidez. Rejeitam terminantemente que tal droga seja abortiva. Chamam-na de “contraceptivo de emergência” ou “contraceptivo pós-coital”.

3. Aborto Criminoso

3.1 Modalidades de aborto no Código Penal

No Código Penal vigente, de 1940, são disciplinadas três modalidades de aborto punível:

O auto-aborto consentido pela gestante e o aborto da dissensiente. No art. 124, 1ª parte, é previsto o auto-aborto: “Provocar aborto em si mesma”. Já na 2ª parte do mesmo artigo, é previsto o caso em que a mulher deixa de fazer-se abortar por terceiro: a mulher limita-se a consentir, não executa. Na primeira hipótese é a própria mulher quem pratica o aborto, seja ou não instigada ou auxiliada por outrem. No caso de instigação ou auxílio, o terceiro é co-partícipe, incorrendo na mesma pena cominada à mulher (art. 25, do CP), isto é, detenção por um a três anos. Na segunda hipótese, o aborto é materialmente executado por terceiro de quem é co-partícipe; mas, aqui, a co-participação é erigida em crime especial, desatendida, excepcionalmente, a regra do artigo 25: a pena cominada à mulher, logicamente idêntica à do auto-aborto, é menos grave do que a cominada ao executor material do aborto. O crime deste é previsto separadamente no artigo 126, do Código Penal (“Provocar aborto com o consentimento da gestante”), que comina a pena de reclusão por um a quatro anos. Para que o fato se enquadre no artigo 126, é preciso que o consentimento da gestante seja “válido”, não se considerando tal o que é prestado por gestante não maior de 14 anos, alienada ou débil mental, ou mediante fraude, grave ameaça ou violência (parágrafo único, do art. 126, do CP). Inválido o consentimento, é como se não tivesse sido dado, e não há como cogitar-se de pena em relação à gestante. Com a expressão “alienada ou débil mental”, refere-se o Código, sem dúvida, à mulher totalmente incapaz de entendimento ético-jurídico ou de autogoverno.

No artigo 125, do Código Penal, finalmente, é previsto o aborto de dissensiente: “Provocar aborto sem o consentimento da gestante”. É o caso mais grave, e por isso mesmo mais grave é a pena cominada: reclusão, de três a dez anos. Não é necessária a negativa expressa da gestante: basta que os meios abortivos tenham sido empregados à sua revelia, ou mesmo ignorando ela achar-se grávida.

Cumpre notar que, em qualquer caso de aborto provocado por terceiro, se o agente é médico ou parteira, ficará sujeito, em complemento à pena privativa de liberdade, à pena acessória a que se referem o artigo 69, IV, e seu parágrafo único, IV (“incapacidade temporária para profissão ou atividade cujo exercício depende de habilitação especial ou de licença ou autorização do poder público”).

3.2. Aborto Qualificado

Do aborto qualificado cuida o artigo 127, do decreto-lei nº 2.848/40: “As penas cominadas nos dois artigos anteriores são aumentadas de um terço, se, em conseqüência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e não duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevem a morte”.

Entende-se, aqui, que o evento “lesão corporal de natureza grave” (art. 129, parágrafos 1º e 2º) ou “morte” não tenha sido querido, nem mesmo eventualmente, pelo agente. Trata-se de uma hipótese de crime preterintencional ou qualificado pelo resultado: um crime-base doloso ligado a um resultado mais grave excedente da intenção criminosa, mas imputável ao agente a título de culpa. Se há dolo, ainda que eventual, por parte do agente, haverá concurso de crimes: o de aborto e o de lesão corporal grave ou homicídio, conforme o caso.

O aborto qualificado somente se refere às modalidades criminais previstas nos artigos 125 e 126 do CP. O aumento especial da pena não é aplicável à mulher (no caso de sobrevivência desta à lesão sofrida), ainda quando consenciente. No caso de lesões ou morte da mulher, tratando-se de auto-aborto, o instigador ou auxiliar, se houver, será punível, não como tal, mas a título de lesões corporais culposas ou homicídio culposo. No caso de lesões ocasionadas à gestante, mas sem efetiva interrupção da gravidez, haverá tentativa qualificada de aborto, aplicando-se as penas do artigo 127, diminuídas de um a dois terços (art. 12, parágrafo único). As lesões a que alude o artigo 127 são apenas aquelas que não resultam necessariamente ou não sejam inerentes a qualquer aborto com meios não excessivos ou, de qualquer modo, aptos a ocasionar lesões não necessárias.

A morte da gestante é qualificativa do aborto sempre que seja previsível, ainda que em mínimo grau, como conseqüência do aborto ou dos meios empregados. É preciso uma relação psíquica, pelo menos de culpa levíssima, entre o agente e o resultado mais grave.

3.3. Tentativa de aborto

Do ponto de vista político, postula-se a impunibilidade da tentativa de aborto, quando realizada pela própria gestante ou com o seu consentimento. Carrara, aderindo a Berlier, foi um dos que defenderam, convencidamente, esse critério de solução, dizendo que mais conveniente é a impunibilidade de um mal frustro do que uma ação penal que não poderá ser intentada sem escandalosa publicidade e grave perturbação da paz no seio das famílias.

O Código, entretanto, não determina na espécie isenção de pena. O relevo dos múltiplos interesses tutelados com a incriminação do aborto (entre os quais o da própria saúde da gestante) não pode ser superado por critérios de oportunidade. Deixar impune a tentativa de aborto eqüivale a tolerar um ato que, além de imoral, cria uma possibilidade de dano a indeclináveis interesses sociais.

4. Aborto Legal

4.1. Aborto Necessário

No artigo 128, inciso I, o Código reconhece, explicitamente, a licitude do aborto necessário, isto é, “praticado por médico, se não há outro meio de salvar a vida da gestante”. Já nos tempos medievais, médicos e juristas consentiam em que devesse ficar à margem da repressão penal o aborto necessário.

A Igreja, entretanto, opõe-se a esse critério de decisão, entendendo que, de preferência, devia poupar-se o nascituro. Com a morte deste, sem batismo, iria crescer a legião errante do limbo, excluída do reino de Deus. Outro argumento em que se fundava a Igreja era um aforismo de São Paulo: non sunt facienda mala ut eveniant bona (não é necessário fazer um mal para que resulte um bem). Ora, semelhante ponto de vista levaria, na sua lógica, a cancelar os conceitos jurídicos do estado de necessidade e da legítima defesa, e apresentar-se, portanto, aberrante das leis e princípios sociais. Na atualidade, com a encíclica Casti connubii de Pio XI, a própria Igreja passou a tolerar o que se chama “aborto indireto”.

Muito antes da reforma, quando a religião católica era a religião do Estado e não sofria contrastes, já o direito secular não vacilava em admitir a impunidade do aborto terapêutico. A palavra de São Tomás de Aquino, de que innocentes nullo pacto occidere licet, não teve repercussão na lei social, que é editada para o plano terreno, e não para a Civitas Dei. Do ponto de vista humano-social, é despropósito sacrificar a gestante e o feto, quando aquela pode ser salva com sacrifícios deste. Semelhante absurdo não passou despercebido ao padre Agostinho Gemelli, o maior sábio da Igreja, e no Congresso Obstétrico reunido em Milão, no ano de 1931, explicou ele, interpretando a encíclica Casti Connubii, que era permitido o aborto indireto, isto é, conseqüente à ministração de meios terapêuticos, sem a intenção positiva de eliminar o feto, ainda que este venha a morrer ou ser expulso prematuramente. Ora, esse apelo ao aborto indireto é apenas uma acomodação com o céu, expediente ardilosamente excogitado para conciliar escrúpulos religiosos com a imperativa necessidade prática. Tanto vale querer um resultado quanto assumir o risco de produzi-lo.

O aborto necessário pode ser assim definido: é a interrupção artificial da gravidez para conjurar perigo certo, e inevitável, por outro modo, à vida da gestante. O aborto necessário pode ser terapêutico (curativo ou profilático [preventivo]). Durante a gravidez, apresenta-se às vezes, em razão do estado da mulher ou de alguma enfermidade intercorrente, séria e grave complicação mórbida, pondo em risco a vida da gestante. Em tal situação, o médico assistente é o árbitro a quem cabe decidir sobre a continuidade ou não do processo da gravidez. A lei como que abdica nele, em relação ao feto, o jus necis et vitae. A ele incumbe averiguar se a incompatibilidade entre a moléstia em ato e o estado de gravidez é de molde a acarretar a morte (não apenas dano à saúde) da gestante: no caso afirmativo, lhe é permitido interromper a gravidez, com o sacrifício do feto. Também se apresenta a necessidade do aborto quando existem vícios pélvicos ou outros obstáculos no conduto vaginal que impossibilitem o parto sem grave perigo da vida da mãe. Se o feto se acha em condição de maturidade tal que permita a sua vida extra-uterina, o médico deve procurar salvar, ao mesmo tempo, a mãe e o filho, praticando a operação cesariana ou a sinfisiotomia.

A licitude do aborto necessário não depende de consentimento da gestante ou pessoas de sua família. A gestante, muitas vezes, não pode prestá-lo, por estar inconsciente, e, noutras, pode querer sacrificar-se em holocausto ao filho. O marido e parentes, de seu lado, podem ser inspirados por interesses inferiores, preferindo a morte da mãe ou do filho, conforme o caso, por motivo da sucessão hereditária. Além disso, poderia ser desperdiçado, com a obtenção do consentimento, um tempo precioso. A permissão de intervenção arbitrária do médico, na espécie, se não estivesse implícita no artigo 128, estaria reconhecida no artigo 146, parágrafo 3º, ambos os dispositivos do Código Penal, que declaram não constituir constrangimento ilegal a intervenção médica ou cirúrgica, sem o consentimento do paciente ou de seu representante legal, se justificada por iminente perigo de vida.

4.2. Aborto Sentimental

Outra modalidade de aborto legal é da mulher engravidada em razão de estupro: nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida. Segundo Binding, seria profundamente iníqua a “terrível exigência do direito, de que a mulher suporte o fruto de sua involuntária desonra”.

Na prática, para evitar abusos, o médico só deve agir mediante prova concludente do alegado estupro, salvo se o fato é notório ou se já existe sentença judicial condenatória do estuprador. Entretanto, se o conhecimento de alguma circunstância foi razoavelmente suficiente para justificar a credulidade do médico, nenhuma culpa terá este, no caso de verificar-se posteriormente a inverdade da alegação, a gestante respondendo somente, no caso, criminalmente.

Nos casos de violência ficta ou presumida (art. 224 do CP), a própria gravidez, via de regra, constitui a prova evidente do estupro. Para sua própria segurança, deverá o médico obter o consentimento da gestante ou de seu representante legal, por escrito ou perante testemunhas idôneas. Se existe, em andamento, processo criminal contra o estuprador, seria ideal consultar o juiz e o representante do MP, cuja aprovação não deveria ser recusada, desde que houvesse indícios suficientes para a prisão preventiva do acusado.

5. Aborto Eugênico

É aquele praticado na presunção de que o futuro filho herdaria dos pais doenças ou anormalidades físicas ou mentais. Permite-o a legislação de diversos países. No Brasil, a permissão a esse tipo de aborto jamais encontrou guarida.

Valem para recusar proteção legal ao aborto eugênico as mesmas razões expostas sobre a esterilização de anormais. Com efeito, não há qualquer princípio científico definitivamente assentado que permita adivinhar, no feto ou no embrião, um futuro ente anormal. O fato de serem os pais portadores de anomalias físicas ou mentais, ou possuidores de doenças transmissíveis por herança, não é o bastante para fundamentar qualquer hipótese incontroversa de descendência anormal.

O aborto eugênico não é, no direito pátrio, sequer uma causa de escusa absolutória. É um ilícito, como todo aborto direto. É, ademais, um crime, pois, em qualquer circunstância, é uma ação típica, antijurídica e culpável, na medida em que apenas o aborto “necessário” e o aborto “sentimental” constituem hipóteses legais de escusa absolutória.

É firme, neste ponto, a doutrina penal brasileira. Magalhães Noronha diz, a propósito, que o aborto eugenésico não é acolhido em nossa lei (II – p. 64):

“Não admite ela a cessação da gestação, no caso de possível deformidade da criatura que está para nascer, e convenhamos que a autorização, nesse caso, não deixaria de ser perigosa. Por identidade de razão, deveria ela ser estendida a outras hipóteses, como doença infecciosa da gestante, que podem produzir conseqüências danosas para o feto. A admissibilidade se tornaria ampla e por isso mesmo perigosa: acabaria por degenerar, tornando a exceção regra.

Cumpre notar igualmente a falibilidade do prognóstico: no caso concreto, não haverá fatalidade do efeito pernicioso no ente em formação: é mais uma razão para não se admitir sua morte antecipada.

Caso contrário, aberta estaria também a porta para a eutanásia ou homicídio compassivo, que é repelido pelas leis”.

No mesmo sentido, diz Fragoso:

“O aborto sentimental (que se realiza em conseqüência de um crime), todavia, não se confunde com o aborto eugênico (conveniência de evitar procriação indesejável) ou com o aborto por indicação social (miséria ou dificuldades econômicas do país), que são sempre criminosos perante nossa lei”. (Parte Especial – I, p. 87; também nessa direção: Aníbal Bruno, JV – I, p. 174-175; Basileu Garcia, RT, 324/8; Fabrini Mirabete, II – p. 83; Mayrink, Parte Especial, II – I, p. 192; Paulo José da Costa Junior, II – p. 39.)

Assenta-se a esses entendimentos as palavras de Nelson Hungria:

“O Código não incluiu entre os casos de aborto legal o chamado aborto eugenésico, que, segundo o projeto dinamarquês de 1936, deve ser permitido ‘quando existe perigo certo de que o filho, em razão de predisposição hereditária, padecerá de enfermidade mental, imbecilidade ou outra grave perturbação psíquica, epilepsia ou perigosa e incurável enfermidade corporal”.

Andou acertadamente o nosso legislador em repelir a legitimidade do aborto eugenésico, que não passa de uma das muitas trouvailles dessa pretensiosa charlatanice que dá pelo nome de eugenia. Consiste esta num amontoado de hipóteses e conjecturas, sem nenhuma sólida base científica. Nenhuma prova irrefutável pode ela fornecer no sentido da previsão de que um feto será, fatalmente, um produto degenerado”.

E, pois, de concluir que o abortamento eugenésico, no Brasil, é sempre e caracterizadamente um crime.

6. Aborto Terapêutico ou Necessário no Código Penal de 1940 e no Anteprojeto

Na legislação penal brasileira, é uma das duas formas de aborto não reprimidas. Com efeito, o Código Penal pátrio declara o abortamento não punível, quando praticado por médico para salvar a vida da gestante. Transforma o médico em senhor absoluto da decisão a tomar. Dá-lhe poderes de vida e morte.

Permite a prática do aborto sem que, para tanto, outra justificativa seja necessária, a não ser aquela de se afirmar que a intervenção era imprescindível para salvar a gestante de morte certa. É fácil burlar a legislação: é fácil acobertar atos criminosos, escudando-os no texto do artigo 128, I, do Código Penal. Conhecem-se casos de médicos que se fizeram profissionais do aborto. Praticam-no como especialidade não anunciada. Nos grandes centros, a Justiça somente toma conhecimento desses casos quando as provas se avolumam em demasia; são jovens ou senhoras casadas que comparecem ao Pronto Socorro ou hospitais particulares, com sinais evidentes de prática recente de aborto não explicado. Afirmam, nessas condições, terem sido clientes do Dr. X, enfim, com a repetição dos fatos, no decorrer dos anos, acaba-se por saber que o Dr. X, não é apenas um ginecologista, mas também um abortador profissional. Nas cidades pequenas a voz do povo os indica e aponta. Verdade é que, por outro lado, médicos conscienciosos somente praticam o aborto quando sua experiência profissional o indica, de fato, como o único meio de salvar a vida da gestante, ou de impedir riscos severíssimos para a sobrevivência desta.

Em anteprojeto do Código Penal, o Ministro Nelson Hungria procurava cercear a atividade de médicos inescrupulosos. Dispunha o parágrafo único do artigo 127, do Código Penal que, ao entender necessário o aborto, o médico devia obter a confirmação ou concordância de outro médico. O dispositivo criaria dificuldades ao aborto criminoso mascarado como legal, mas não impediria totalmente sua prática, pois não seria impossível que dois ou mais médicos se unissem com o objetivo oculto de acobertar atividades criminosas do outro.

7. Aborto Resultante de Estupro no Código Penal de 1940 e no Anteprojeto Nelson Hungria

O Código Penal vigente, inciso II do artigo 128, do CP, torna impunível o aborto praticado por médico quando a gravidez resulta de estupro, e para a intervenção é obtido o prévio consentimento da gestante, ou, quando incapaz, de seu representante legal. Adverte Hungria a respeito:

“Nada justifica que se obrigue a mulher estuprada a aceitar uma maternidade odiosa, que dê vida a um ser que lhe recordará perpetuamente o horrível episódio da violência sofrida. Trata-se do aborto também denominado aborto sentimental. Sua permissão originou-se nas guerras de conquista, quando mulheres eram violentadas por invasores execrados, detestados, e deveriam, caso não interrompida a gravidez decorrente da cópula forçada, arcar com a existência de um filho que lhes recordaria sempre a horrível experiência passada”.

O Código Penal brasileiro restringe a permissão. Somente admite o aborto quando a gravidez resulta de estupro. Cumpre notar, como faz José Frederico Marques, que a gravidez forçada pode resultar de práticas outras. O atentado violento ao pudor, a posse sexual mediante fraude e o atentado ao pudor mediante fraude podem resultar de gravidez. O abortamento, nesses casos, deve ser permitido porque a vontade da mulher não se faz presente.

A legitimação do aborto, em casos de estupro, dá-se ao simples pedido da parturiente, maior de 18 anos, ou de seu representante legal, ao médico, para que este pratique a intervenção. Não há necessidade de procedimento escrito. Nelson Hungria, no entanto, sugere que, para garantia sua, o médico obtenha por escrito, da gestante ou de seu representante legal, a permissão para a prática do aborto, valendo-se o facultativo de elaborar o documento da assinatura de testemunhas. Se há processo criminal instaurado contra o estuprador, o juiz e o representante do Ministério Público devem ser consultados. A aprovação judicial, ainda segundo Nelson Hungria, não deverá ser recusada, desde que existam indícios suficientes para a prisão preventiva do acusado.

O anteprojeto Nelson Hungria sofreu críticas. Flamínio Fávero, com a cultura e pureza de alma que todos lhe reconhecem, comentava na “Tribuna da Justiça”, de 29 de abril de 1963: “Nunca me convenci da necessidade do preceito que exclui a punibilidade no abortamento em gravidez pó-estupro, constante do art. 128 do Código Penal de 1940. É que me formei com a mentalidade de repulsa a isso, vigente no tempo da 1ª Grande Guerra, quando surgiu, nos debates da seara médica, esse problema, diante da situação das mulheres francesas violentadas pelos invasores alemães. Lembro-me da luta lidada por Leonídio Ribeiro, ainda estudante de Medicina, a desenvolver forte campanha, no Rio de Janeiro, contra a tese sustentada pelo professor de obstetrícia, na Faculdade de Medicina da então Capital Federal. Conseguiu o meu caro colega e amigo um sem número de opiniões de acatados mestres, contrárias à intervenção homicida. A contradita à tese do professor se impunha em face da ética. Impossível aplaudir o abortamento que não visava a salvar da morte iminente a mulher grávida, mas apenas a eliminar o inocente e inofensivo nascituro, que não podia ser punido, e tão drasticamente, pelo crime paterno. Há alguns anos, prefaciando a bela Criminologia de Leonídio Ribeiro, comentando aquele episódio de sua vida estudantina e a pugnacidade sempre revelada por ele em favor das boas causas, escrevi, cheio de amargura: ‘Quem diria, entretanto, que, mais tarde, o próprio Código Penal Brasileiro, afinaria na doutrina perigosa que Leonídio combatia'”.

E agora, no mesmo tom, vibra o anteprojeto do sábio e insuperável jurista cujo nome todos proclamamos com grande admiração e respeito: Nelson Hungria.

“Aqui registro minha sugestão modesta mas com toda a forma das minhas convicções e sinceridade. Cancele o mestre, de sua nova e grande obra, o preceito anticristão.

O nascituro, que tem seus direitos assegurados desde a concepção, deve contar com a segurança de nascer. Por que lhe cassa a lei esse direito sagrado, cominando-lhe sumariamente a pena de morte? Acaso porque a gestante se revolta e horroriza com a tragédia que a tornará mãe do filho de um tarado?”.

O problema do consentimento judicial não se prende propriamente à prova da autoria do estupro, mas, sim, à prova da existência do fato. O estuprador poderá não ser o acusado, mas outro. Daí não assistir razão ao eminente mestre. É certo que, havendo prova do fato e indícios fortes e veementes contra o acusado, há razão bastante para a decretação da prisão preventiva. Mas também é certo que os indícios suficientes de autoria poderão, no curso do processo, reduzir-se a nada, culminando na absolvição. Daí resulta que, se o médico pretender obter, resguardando-se, consentimento judicial para a prática do aborto, deve preocupar-se com a prova da existência do pretenso estupro e não com o autor do mesmo. A sugestão de Nelson Hungria, bem analisada, choca-se com os obstáculos de monta, porque:

Ø o juiz, ao dar consentimento para a prática do aborto, partirá da presunção de que o estupro evidentemente tenha ocorrido;

Ø apurado posteriormente que o estupro não ocorreu, a situação se torna delicada, pois o Poder Judiciário poderá, ainda que de boa-fé, vir acobertar a prática de um aborto criminoso.

Nos termos em que o artigo de lei é vazado, o médico pode, se bem que desnecessário, exigir por escrito a autorização para a prática do aborto. Tudo o que ele fizer a mais é dispensável. Isso representaria garantia suplementar de sua impunidade, caso se descobrisse, posteriormente, que a gestante ou seu representante legal o teriam induzido a erro, revelando-lhe uma situação que não se compactuava com a realidade.

8. Problema Teológico

Não se pode separar Direito, Moral e Religião. Estão sempre entrelaçados. Fácil de explicar, porque o Direito não pode se afastar do conceito do bem e do mal.

Interessa sobre o problema a opinião formada pela Igreja Católica. É tese ortodoxa, sem desvios, mantida inflexivelmente. A Igreja Católica Apostólica Romana negou sempre licitude ao abortamento, em quaisquer condições. As primeiras referências ao aborto aparecem no Digesto. A pena para quem o procurasse era o desterro. Em princípio, punia-se o abortamento por razões ligadas à indignidade de não dar a mulher herdeiros ao marido. Mais tarde, o mesmo Digesto começou a castigar os praticantes de abortos por razões morais. Punia-se o crime com a morte (Título 8º, da Lei nº 8). A Igreja não o autorizava para salvar a vida da gestante. Não o permite para interromper a gravidez provocada por estupro. Eis aí o conceito católico: o abortamento não deve ser praticado nunca, exceto quando ele vai processar-se de forma indireta, isto é, em conseqüência a um tratamento clínico ou cirúrgico ligado a uma doença que representa perigo atual para a mãe. Nem mesmo com a recente atualização do Concílio Ecumênico a posição da Igreja se modificou. Mas é preciso que se lembre: em certos casos a inflexibilidade dos responsáveis pelas linhas-mestras do catolicismo reveste-se de dureza atordoante. Nega a possibilidade de opção. Impedir que se pratique o aborto para salvar a gestante, por exemplo, é atar as mãos do médico em uma ocasião decisiva para uma vida. Na impossibilidade de salvar dois, oferece a Igreja uma conclusão desorientadora, pelo menos para quem não está disposto a cegamente entregar nas mãos de Deus seus destinos. Então, permite-se que a mãe morra para não se agir contra o filho.

9. A Teologia Cristã e Suas Influências

A orientação da Teologia cristã pesa e sempre pesou na elaboração das leis. É comum em quase todas as Nações o dispositivo que pune o abortamento provocado. O Código Penal russo o permitia desde que, efetuado por pessoa habilitada, obedecesse os princípios da higiene e tivesse o consentimento da gestante. Essa disposição foi revogada em 1936.

No Uruguai, pretendeu-se tornar lícito o abortamento consentido. O artigo de lei que o admitia não vingou muito tempo.

A ilicitude ao abortamento resulta de revolta natural contra o ato em si. O homem não conseguiu, ao longo dos tempos, vencer barreiras que ele próprio erigiu, de um lado, a conceituação jurídica da personalidade humana, com a proteção dos direitos do nascituro, e, de outro obstáculos morais e religiosos. Estes últimos são fortíssimos, pois o misticismo dirige quase sempre os atos humanos. Razões sociais existem também a proteger o nascituro. Nos países de fraca população, o abortamento é proibido. Naqueles que têm população excessiva normalmente é permitido, para evitar problemas ao governo, forçado a combater a fome e a pobreza em virtude do excesso de população.

Na velha Espanha, o abortamento era considerado delito. Havia necessidade de aumentar a população, dizimada pelas guerras de reconquista. Fazia-se distinção entre feto animado e inanimado. À destruição do primeiro se aplicava pena correspondente ao homicídio; ao segundo, consideravam homicídio antecipado, pois havia supressão de uma futura vida humana. Surgiram problemas. Quando o feto se tornaria animado? Todos eram concordes em que a vida surgia a partir da infusão da alma, mas quando se formaria a alma? A questão já vinha discutida desde os tempos remotos. Hipócrates, no tratado “De Natura Pueri”, já estabelecera determinados prazos. Alguns afirmavam que o feto somente recebia alma no terceiro ou quarto mês de vida intra-uterina, porque, nessa época, já estaria organizado e em condições de corresponder, nos movimentos, aos pensamentos e desejos da alma. Não faltava quem negasse alma ao feto enquanto este permanecesse no organismo materno.

10. A Descriminalização do Aborto e o Aborto Terapêutico

Como já exaustivamente abordado neste estudo, na legislação brasileira atual, o aborto é tipificado como crime contra a vida. Sob o aspecto legal, incrimina-se o aborto provocado. Entretanto, para salvaguardar determinadas situações, admitem-se exceções à norma incriminadora: o aborto necessário e o aborto sentimental.

Todavia, discute-se em nosso Poder Legislativo a supressão das duas excludentes de criminalidade apontadas, provavelmente influenciada por uma ideologia cristã e por alguns idealistas mais ortodoxos. Diante disso, há que, se ponderar que no aborto necessário, mesmo suprimida a excludente específica constante do tipo penal, a hipótese estaria acobertada pelo estado de necessidade, que se aplica a todo e qualquer crime. Portanto, nesse caso, a alteração legislativa não acarretaria conseqüências maiores.

Por outro lado, o mesmo não ocorre em relação ao aborto no caso de gravidez decorrente de estupro. Nessa situação, suprimida a norma exigente, vedado estaria o comportamento, a menos que se viesse a inseri-lo na análise da exigibilidade da conduta conforme o dever, no âmbito da culpabilidade.

De qualquer forma, inexistindo a aludida excludente de antijuridicidade, certamente se agravaria a situação das mulheres vítimas de estupro, que não mais poderiam se utilizar dos serviços médicos dedicados a esse fim, forçadas que estariam a recorrer à clandestinidade, sujeitando-se aos riscos dela decorrentes.

De outro lado, existe uma corrente oposta que procura ampliar o rol de excludentes de antijuridicidade no aborto e até a descriminalização total do tipo em todas as suas modalidades. Segundo tal posicionamento, além das duas excludentes já existentes, deveria ser inserida a hipótese de aborto eugênico ou eugenésico. Trata-se do aborto piedoso, praticado quando o feto é portador de anomalia grave e incurável. Tal posição se sustenta na medicina atual, que já permite identificar e diagnosticar, com precisão, anomalias do feto durante a gestação.

Segundo se tem conhecimento, muitos alvarás têm sido concedidos pelo Poder Judiciário para a realização de aborto em casos de malformações graves de fetos, incompatíveis com a vida, mediante prova científica irrefutável, que conduz ao grau de certeza de que o feto não dispõe de qualquer condição de sobrevida.

Pesquisas revelam que grande parte dos diagnósticos, nos casos em que o aborto foi autorizado, era de anencefalia, anomalia que inviabiliza por completo a vida extra-uterina do feto. Diante desses fatos, quer-nos parecer que uma forte corrente de doutrinadores e juristas entende que a descriminalização do aborto terapêutico faz-se mister, talvez por entender que o Direito não é representado apenas por leis positivas, mas, sobretudo, bom senso e equilíbrio de bens.

Nessa linha de raciocínio, observam que a mulher grávida que se vê no dilema de gerar um ser deforme, ou terminar com a gravidez antes da maduração do feto, está prima facie sob um estado de inexigibilidade de optar por uma conduta ante o ordenamento jurídico-penal, no qual o Direito, ao excluir a antijuridicidade de seu comportamento, assinala que pesam mais razões que aconselham a deixar de proibi-lo.

O direito próprio da mulher grávida que se encontra sob perigo atual de ter uma criança com deformidades físicas ou psíquicas é o direito de ter uma prole normal e sadia, opondo-se a gerar um produto degenerado que poderá causar-lhe durante a vida transtornos de toda sorte.

Nesse mesmo sentido, entendem alguns que a descriminalização do aborto sentimental também é relevante, sob a alegação de que seria inumano constranger uma mulher que já sofreu o dano da violência carnal a suportar também o da gravidez, mesmo porque a ordem jurídica não pode supor a remoção das conseqüências imediatas e imanentes de um crime.

Nesse aspecto, asseguram que, sob o égide de Leis que não reconhecem os direitos da mulher, leis estas que se cristalizaram sob a influência de uma ideologia cristã medieval, incompatíveis com a realidade do mundo de hoje e, particularmente, com a posição da mulher na sociedade contemporânea, ela se vê obrigada a aviltar seu próprio corpo, a aceitar a imposição estatal sobre ele, como se seu ventre não lhe pertencesse, como se sua dignidade, sua liberdade e sua vida privada fossem destituídas de qualquer valor, em contraposição a um “ser” que se pretende proteger, mesmo nas primeiras doze semanas de gestação, quando carece de forma humana e de atividade cerebral, ou quando fruto de um ato pungente, marcado pela violência. Uma realidade que insiste em ser esquecida por alguns poucos.

Em outro enfoque, observamos que alguns doutrinadores entendem que, se é permitido o aborto nos casos terapêutico ou eugenésico, a remediar a situação angustiosa de uma mulher que vai morrer, àquela a quem se impôs uma relação sexual ou que se sabe dará a luz a um filho deformado, então porque não estender a outras mulheres, que podem estar grávidas em conseqüência de uma relação fugaz, cujo amor sequer chegou a florescer.

Assim, observam irresignados que a lei não pune o aborto em caso de estupro, mas não o aceita em caso de vontade da gestante, se tanto em uma situação quanto na outra a gravidez é indesejada e a diferença reside apenas na natureza do ato sexual que lhe deu origem.

Para essa corrente, o Estado não tem direito de considerar criminosa uma mulher pelo fato de ela ter decidido interromper uma gravidez que não pôde suportar, sobretudo em um Estado que não oferece meios de contracepção e que possui um dos maiores índices de mortalidade infantil do mundo.

Em oposição, alguns doutrinadores e juristas não sustentam a legalização indiscriminada do aborto sob a alegação de que o aborto provocado é um ato cirúrgico que, além de ceifar uma vida, pode produzir danos à saúde física e mental da gestante, ainda que realizado por médico. Consoante esse entendimento, o aborto certamente não se apresenta como método anticoncepcional adequado. Sob esse aspecto, incumbe à saúde pública disseminar os métodos anticoncepcionais existentes, orientando a população quanto aos benefícios e riscos de cada um deles.

Todavia, em que pese o respeito que merecem tais posicionamentos mais ortodoxos, o que se busca não é uma tolerância indiscriminada do aborto enquanto método contraceptivo, até porque isso resvala no próprio instinto materno, mas propiciar àquela mulher que se vê diante de uma gravidez indesejada o direito de abortar, o direito de decidir sobre o seu próprio destino sem inferências de um poder estatal que, enfim, restará ausente de seu mais triste cotidiano.

Dessa sorte, observamos que as opiniões acerca da descriminalização do aborto, em sentido amplo, dividem-se em suas posições, cada qual alicerçada em suas convicções pessoais, ideológicas e dogmáticas. Entretanto, a história também tem demonstrado que determinadas leis restritivas de direitos são ineficazes nos objetivos moralistas, porém eficazes na promoção da destruição social com a expansão do aborto ilegal.

Dessa sorte e seguindo essa linha de raciocínio, talvez fosse melhor a legalização do aborto terapêutico, sentimental e eugênico: O primeiro, por representar risco substancial à saúde da gestante; o segundo, por tornar possível à mulher optar pela interrupção de uma gestação resultante de um ato involuntário e violento, ou pelo prosseguimento, desde que suas condições psicológicas assim o permitam; O terceiro, por oferecer à mulher o direito de evitar o nascimento de um ser com defeitos físicos ou mentais.

Em contrapartida, certamente, esta postura encontraria resistência nas instituições religiosas, éticas e sociais, mas não podemos nos esquecer de que a tendência histórica é no sentido de rejeitar essa oposição. As religiões em sua maioria se mostram tolerantes ou favoráveis à legalização do aborto somente no tocante aos aspectos terapêuticos e humanitários, encontrando-se resistência acentuada no catolicismo, que entende o ato como o “homicídio de um inocente”.

Alegações éticas de que seria o aborto a legalização da imoralidade, estimulando dessa forma a promiscuidade sexual, não merecem guarida, posto que a própria história demonstra não ser verdade.

Por outro lado, contestações sociais de que a legalização aumentaria a taxa de abortos são também recusáveis: primeiro, porque a experiência histórica não autoriza a afirmação; segundo, porque a realização dos abortos em condições adequadas reduziria o flagelo social; e terceiro, porque a criação paralela de mecanismos de controle eliminaria a maioria dos inconvenientes.

Considerações Finais

Determinadas leis restritivas de direitos são ineficazes nos objetivos moralistas, porém eficazes na promoção da destruição social com a expansão do aborto ilegal. Dessa sorte e seguindo essa linha de raciocínio, talvez fosse melhor a legalização do aborto terapêutico, sentimental e eugênico: o primeiro, por representar risco substancial à saúde da gestante; o segundo, por tornar possível à mulher optar pela interrupção de uma gestação resultante de um ato involuntário e violento, ou pelo prosseguimento, desde que suas condições psicológicas assim o permitam; e o terceiro, por oferecer à mulher o direito de evitar o nascimento de um ser com defeitos físicos ou mentais.

Em contrapartida, certamente, esta postura encontraria resistência nas instituições religiosas, éticas e sociais, mas não podemos nos esquecer de que a tendência histórica é no sentido de rejeitar essa oposição. As religiões em sua maioria se mostram tolerantes ou favoráveis à legalização do aborto somente no tocante aos aspectos terapêuticos e humanitários, encontrando-se resistência acentuada no catolicismo que entende o ato como o “homicídio de um inocente”.

Alegações éticas de que seria o aborto a legalização da imoralidade, estimulando dessa forma a promiscuidade sexual, não merecem guarida, posto que a própria história demonstra não ser verdade.

Por outro lado, contestações sociais de que a legalização aumentaria a taxa de abortos são também recusáveis: primeiro, porque a experiência histórica não autoriza a afirmação; segundo, porque a realização dos abortos em condições adequadas reduziria o flagelo social; e terceiro, porque a criação paralela de mecanismos de controle, eliminaria a maioria dos inconvenientes.

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Artigo Publicado na Revista Síntese de Direito Penal e Processual Penal nº 11 – DEZ-JAN/2002, pág. 41.

Nota:

[1] Instrumento de aço semelhante a uma colher.

 


 

Informações Sobre o Autor

 

Eliana Descovi Pacheco

 

Graduada em Direito pela Universidade de Cruz Alta (UNICRUZ), Especializanda em Direito Constitucional pela Universidade Comum do Sul de Santa Catarina (UNISUL) em parceria com a Rede de Ensino Luiz Flávio Gomes.

 


 

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