Do crime de furto: Comentários aos artigos 155 e 156 do Código Penal Brasileiro

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Resumo: A Ciência Jurídica, de modo geral, sempre abarcou em seu seio as necessidades e carências suscitadas pela população, principalmente, no que tange às condutas que atentem contra a integridade dos indivíduos que a constituem, pondo em risco a harmonia da coletividade. Isto posto, o presente artigo tem como fito primordial discorrer, de forma contundente, acerca da conduta criminosa abarcada pela redação dos artigos 155 e 156, ambos do Código Penal Brasileiro, qual seja o crime de furto. De igual maneira, buscar-se-á também explanar sobre as diversas das peculiaridades intrínsecas nas múltiplas faces do tipo penal em exame, salientando, sobretudo, os aspectos mais relevantes e os pontos pacificados pela doutrina contemporânea. Ainda nesse sentido, é latente a necessidade do estudo em tela discorrer a respeito da visão dos Tribunais Pátrios sobre o tema em apreço, com o escopo de ofertar sedimentos para estruturação de pilares. 

Palavras-chaves: Furto. Crime contra o Patrimônio. Direito. 

Sumário: 1 Ponderações Iniciais; 2 O Crime de Furto: Abordagem do Artigo 155 do Código Penal: 2.1 Objeto Material e Bem Juridicamente Protegido; 2.2 Sujeito Ativo e Sujeito Passivo; 2.3 Elemento Subjetivo; 3 Furto: Consumação e Tentativa; 4 Furto: Causa de Aumento de Pena (Art. 155, §1º, do Código Penal); 5 Furto: Primariedade e Pequeno Valor da Coisa Furtada Furto de Energia (Art. 155, §2º, do Código Penal); 6 Furto de Energia (Art. 155, §3º, do Código Penal); 7 Furto: Modalidades Qualificadas: 7.1 Destruição ou Rompimento de obstáculo à subtração da coisa; 7.2 Abuso de Confiança, ou Mediante Fraude, Escalada ou Destreza; 7.3 Emprego de Chave Falsa; 7.4 Concurso de Duas ou Mais Pessoas; 7.5 Subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o Exterior; 8 Furto de Coisa Comum: Apreciação do Artigo 156 do Código Penal: 8.1 Sujeitos Passivos; 8.2 Elemento Subjetivo do Tipo; 8.3 Exclusão do Crime (§2º do artigo 156 do Código Penal); 8.4 Competência para Julgamento e Ação Penal

1 Ponderações Iniciais

Em uma primeira plana, ao se examinar o tema central do presente, mister se faz a análise da Ciência Jurídica, assim como suas múltiplas ramificações, a partir de um prisma edificado sobre as relevantes modificações que passaram a permear o arcabouço do Direito. Nesta senda de apreciação, valorando os aspectos de mutabilidade que passaram a delinear a Ciência Jurídica, cogente se faz frisar que não mais prospera a visão de tal área como algo pétreo e estanque, indiferente ao sucedâneo de situações inauguradas pela sociedade. Ao lado do pontuado, constata-se que não mais subsiste a estagnação dos cânons que em momentos pretéritos norteavam o Direito, a inalterabilidade é suprimida de forma rotunda pelos anseios e carências vivenciados pela sociedade.

nesse sedimento de estruturação, “é cogente a necessidade de adotar como prisma de avaliação o brocardo jurídico 'Ubi societas, ibi jus', ou seja, 'Onde está a sociedade, está o Direito', tornando explícita e cristalina a relação de interdependência que esse binômio mantém[1]. Por oportuno, lançando-se mão da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, como substancial dogma de sustentação, é medida que se impõe, notadamente, quando se tem, como objeto de ambição, a adequação do texto genérico e abstrato das normas que integrem o arcabouço pátrio às nuances e complexidades que influenciam a realidade moderna.Ademais, há que se citar o voto magistral proferido pelo Ministro Eros Grau, ao apreciar a Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental Nº. 46/DF, “o direito é um organismo vivo, peculiar porém porque não envelhece, nem permanece jovem, pois é contemporâneo à realidade. O direito é um dinamismo. Essa, a sua força, o seu fascínio, a sua beleza”[2]. Arrazoa, ainda, o Ministro que:

“É do presente, na vida real, que se toma as forças que lhe conferem vida. E a realidade social é o presente; o presente é vida — e vida é movimento. Assim, o significado válidos dos textos é variável no tempo e no espaço, histórica e culturalmente. A interpretação do direito não é mera dedução dele, mas sim processo de contínua adaptação de seus textos normativos à realidade e seus conflitos”[3].

Afora isso, pode-se evidenciar que a concepção pós-positivista que passou a permear o Direito, ofertou, por via de consequência, uma rotunda independência dos estudiosos e profissionais da Ciência Jurídica. Por oportuno, há que se citar o entendimento de Verdan, “esta doutrina é o ponto culminante de uma progressiva evolução acerca do valor atribuído aos princípios em face da legislação[4]. Destarte, a partir de uma análise profunda dos pilares de sustentação do Direito, infere-se que o ponto central da corrente pós-positivista cinge-se à valoração da robusta tábua principiológica sobre a qual a Ciência Jurídica se edifica e, por conseguinte, o arcabouço normativo, passando a figurar, nesta tela, como normas de cunho vinculante, flâmulas hasteadas a serem adotadas na aplicação e interpretação do conteúdo das leis.

Gize-se, por necessário, a brilhante manifestação apresentada pelo Ministro Marco Aurélio, que, ao abordar acerca das linhas interpretativas que devem orientar a aplicação da Constituição Cidadã, expôs:

“Nessa linha de entendimento é que se torna necessário salientar que a missão do Supremo, a quem compete, repita-se, a guarda da Constituição, é precipuamente a de zelar pela interpretação que se conceda à Carta a maior eficácia possível, diante da realidade circundante. Dessa forma, urge o resgate da interpretação constitucional, para que se evolua de uma interpretação retrospectiva e alheia às transformações sociais, passando-se a realizar a interpretação que aproveite o passado, não para repeti-lo, mas para captar de sua essência lições para a posteridade. O horizonte histórico deve servir como fase na realização da compreensão do intérprete”[5].

Nesta toada, os princípios jurídicos são erigidos à condição de elementos que trazem em seu âmago a propriedade de oferecer uma abrangência ampla, contemplando, de maneira única, as diversas espécies normativas que integram o ordenamento pátrio. Em razão do esposado, tais mandamentos passam a figurar como super-normas, isto é, “preceitos que exprimem valor e, por tal fato, são como pontos de referências para as demais, que desdobram de seu conteúdo[6]. Os dogmas jurídicos se desdobram em verdadeiros pilares sobre os quais o arcabouço teórico que compõe o Direito se estrutura, segundo a brilhante exposição de Tovar[7]. Por óbvio, essa concepção deve ser estendida a interpretação das normas que dão substrato de edificação à ramificação penal da Ciência Jurídica, mormente quando se analisa os crimes em espécie.

2 O Crime de Furto: Abordagem do Artigo 155 do Código Penal

Em pinceladas inaugurais, quadra salientar que a conduta exaurida no artigo 155 do Estatuto Penal Repressor abarca o delito denominado furto, o qual é exteriorizado por meio da substração patrimonial não violenta, como bem se infere da redação do dispositivo supramencionado, ipso litteris, transcrito: “Subtrair, para si ou para outrem, coisa alheia móvel[8]. Trata-se, pois, do assenhoramento da coisa com o escopo de dela se apoderar de modo definitivo. O núcleo do tipo é o verbo subtrair, que tem seu sentido atrelado ao ideário de tirar, tomar, sacar do poder de alguém coisa alheia móvel, compreendendo, inclusive, o apossamento à vista do possuidor ou proprietário. Ora, requer o núcleo do tipo uma conduta comissiva, sendo possível também a modalidade omissiva, quando o agente delituoso garantidos gozar da condição de garantidor.

Ademais, substancializa o furto quando há subtração operada por meio de animais adestrados ou mesmo com o emprego de instrumentos, aparelhos ou máquinas[9]. O objeto material é a coisa alheia móvel, sendo considerado como “tudo aquilo passível de remoção, ou seja, tudo o que puder ser removido, retirado, mobilizado[10]. Neste sentido, pode-se elucidar que coisa é toda substância corpórea, material, mesmo que intangível, suscetível de apreensão e transporte, incluindo, por conseguinte, os corpos gasosos, os instrumentos ou títulos, bem como partes do solo ou da casa, árvores, navios e aeronaves, que, para efeitos civis, são considerados como imóveis ou ainda equiparados a estes.

A doutrina tem se posicionado no sentido que somente é passível de furto a coisa que detiver valor econômico, isto é, valor de troca. “Considerando-se que o patrimônio é um complexo de bens, por meio dos quais o homem satisfaz as suas necessidades, não há por que não incluir as coisas que possuem um valor de afeição, por sua utilização (valor de uso)[11]. Todavia, insta aludir, com ênfase maciça, que o diploma legal não estabelece como exigência que a res furtiva seja dotado de valor comercial ou troca, sendo necessário que o bem represente alguma utilidade para o seu detentor.

Nessa trilha, mister se faz anotar que os animais são considerados coisa móvel para efeitos de aplicação da Lei Substantiva Penal vigente, assim como os cadáveres empregados para fins de pesquisa em universidades e centros de ensino, não havendo que se falar, nesta hipótese, da conduta exaurida no artigo 211 do Código de 1940 (subtração de cadáver). No mais, o ser humano vivo jamais será objeto da conduta em apreço, pois não se amolda à concepção de coisa, logo, a remoção forçada dará ensejo ao crime de sequestro, cárcere privado, constrangimento ilegal ou qualquer conduta pertinente. Entrementes, é plenamente possível falar em furto de parte do corpo humano, como cabelos e dentes, ou ainda de membros ou objetos postiços, a exemplo de próteses mecânicas e dentadura.

Em ressonância com o acimado, cuida trazer à baila que além de móvel, o crime capitulado no artigo 155 exige que a res seja alheia, ou seja, pertença a pessoa diversa da que pratica a subtração. Deste modo, “não se configurará no delito de furto substração: a) res nullius (coisa de ninguém, que jamais teve dono); b) res derelicta (coisa abandona); e c) res commune omnium (coisa de uso de todos)”[12]. A fim de aclarar possíveis dúvidas, é latente reconhecer que a coisa abandonada não é passível de furto, uma vez que seu proprietário primitivo renunciou ao direito de propriedade sobre ela existente. Em se tratando de coisa pertencente ao agente delituoso, não se estará diante da conduta vertida, mas sim do furto de coisa própria, se a quota-parte da res pertencer, além do agente delituoso, a outrem também.

2.1 Objeto Material e Bem Juridicamente Protegido

Conquanto subsista divergência doutrinária no que pertine à objetividade jurídica do tipo penal insculpido no artigo 155 do Código de 1940, entende-se que a posse, de maneira direta, é o bem juridicamente agasalhado, assim como, de forma indireta, a propriedade e a mera detenção sobre a coisa alheia móvel. Vale assinalar que há perda tanto para o possuidor quanto para o proprietário da coisa subtraída. À guisa de citação, Nélson Hungria[13] entalha que o tipo penal albergado pelo dispositivo supra tem por fito único a proteção da propriedade e não da posse.

Ao lado disso, Greco[14] manifesta, em suas lições, no sentido que a mera detenção da coisa subtraída não se encontra albergada pela redação do artigo em exame, vez que não integra o patrimônio da vítima, não estando, desta feita, agasalhado pelo dispositivo em comento com o status de vítima da conduta delituosa perpetrada. Já o objeto material é a coisa alheia móvel, contra qual a conduta delituosa é direcionada.

2.2 Sujeito Ativo e Sujeito Passivo

A conduta acinzelada na redação do artigo penal é considerada, doutrinariamente, como um crime comum, motivo pelo qual qualquer indivíduo poderá figurar como sujeito ativo, não sendo exigido, pela lei, aspecto característico específico. Com efeito, “não prática furto, evidentemente, o legítimo possuidor, constituindo o assenhoramento da coisa por este o crime de apropriação indébita[15]. Ao lado disso, insta realçar, com grossos traços e cores fortes, que a denominada posse vigiada dá azo à subtração, como se infere, por exemplo, no caso do funcionário de uma fábrica é simples detentor das ferramentas com que labora, logo, em havendo o cometimento do crime de furto, a posse se transforma em precária e transitória. De igual modo, o balconista que subtrai mercadoria ou, ainda, aquele que desvia o dinheiro dos fregueses, no caixa do supermercado, cometem o delito.

Doutra banda, considera-se, como sujeito passivo, a pessoa natural ou jurídica que tem a posse a propriedade. “Sujeitos passivos são o proprietário e o possuidor da coisa alheia móvel, podendo, nesse caso, figurar tanto a pessoa física [natural] quanto a pessoa jurídica[16]. Na hipótese em que a subtração ocorra de quem detenha a detenção desinteressada, apenas o proprietário será considerado como vítima do ato delituoso.

2.3 Elemento Subjetivo do Tipo

O crime de furto exige, como elemento subjetivo do tipo, a finalidade de ter para si ou para outrem a coisa alheia móvel pertencente à vítima, dando corpo, deste modo, ao dolo específico, animus furandi ou animus rem sibi habendi. Prima evidenciar, com bastante destaque, que não basta apenas a substração, o arrebatamento de cunho temporário, com o intento de proceder a devolução da coisa alheia móvel em seguida. “Independe, porém, de intuito de lucro por parte do agente, que pode atuar por vingança, despeito, superstição, capricho etc. É atípico, por outro lado, o fato de fazer desaparecer a coisa[17].

Afora isso, é da essência da conduta em testilha que o agente objetive ter para si ou para outrem a res furtiva. Tal fato se assenta na premissa que, em apresentando comportamento diverso, será considerado como um indiferente penal, a exemplo do que ocorre com o denominado, pela doutrina, de furto de uso. Outrossim, considera-se, também, que a anuência da vítima elidirá o crime, já que o patrimônio é disponível, desde que esta não seja dada após a consumação do delito, pois restará configurado o delito em apreço.

3 Furto: Consumação e Tentativa

Ao se esmiuçar acerca da consumação e tentativa, a doutrina concebe diversas teorias. A primeira é a teoria da concretatio, segundo a qual o delito de furto restava consubstanciado quando o agente delituoso simplesmente tocava na res com o escopo de subtraí-la, ainda que não conseguisse lograr êxito na remoção da coisa no local em que se encontrava. Em sentido diametralmente oposto, foi cunhada a teoria da illactio ou apprehensio rei, que erigia como flâmula norteadora o ideário de que o furto se consumava quando o agente conseguia levar o objeto ao lugar destinado. As teorias da ablatio e da amotio afiguravam-se em posição intermediária as demais, sendo que a primeira exigia o deslocamento da coisa para que restasse consumado o crime de furto, ao passo que a segunda se edificava sobre dois requisitos, a saber: a apreensão e a deslocação do objeto material.

Atualmente, a doutrina e a jurisprudência se dividem a respeito do momento consumativo do crime capitulado no artigo 155 do Código Penal. A primeira ótica postula que o furto resta consumado quando a coisa é retirada da esfera da posse e disponibilidade da vítima, ingressando, por via de consequência, na do agente, mesmo que este não goze da posse tranquila sobre a coisa. A segunda visão, por seu turno, desfralda como flâmula que a consumação só ocorrerá quando a res é retirada da esfera de posse e disponibilidade da vítima, ingressando, por conseguinte, na do agente, que, obrigatoriamente, deverá exercer, ainda que por curto espaço de tempo, a posse tranquila sobre a coisa.

Vale salientar que “nossos Tribunais Superiores têm descartado a necessidade da posse tranquila sobre a coisa”[18]. Ao lado do expendido, cuida registrar que alguns entendimentos jurisprudenciais, a exemplo do contido no Habeas Corpus Nº. 92.352/SP, de relatoria do Ministro Jorge Mussi, integrante da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça[19], acenam no sentido que a consumação da conduta contida no dispositivo em estudo restará substancializada quando o agente detém a posse simples, mesmo que seja breve, não sendo carecido que a mesma se dê de forma mansa e pacífica.

Além disso, ao se considerar que a conduta entelada no artigo 155 do Código Penal, doutrinariamente, é considerado como crime material, resta clarividente que a tentativa será plenamente possível. Nesta trilha, considera-se a tentativa quando o agente delituoso, ao subtrair a carteira da vítima, não logra êxito, em razão de ter errado o bolso da vestimenta em que a mesma se encontrava alocada. Igualmente, considerá-se havida a tentativa quando o agente esconde, sob suas roupas, o objeto do furto, entretanto, ao passar pelo caixa é surpresado, não conseguindo subtrair a coisa móvel alheia.

4 Furto: Causa de Aumento de Pena (Art. 155, §1º, do Código Penal)

Ab initio, o §1º do artigo 155 do Código Penal abarca, em sua redação, a situação em que o furto tem sua pena majorada, a saber: “a pena aumenta-se de 1/3 (um terço) se o crime é praticado durante o repouso noturno[20]. Segundo Hungria[21], a majorante contida no dispositivo mencionado visa assegurar a propriedade móvel contra maior precariedade de vigilância e defesa durante o recolhimento das pessoas para o repouso durante o repouso noturno. Vale salientar que a locução contida no §1º do artigo 155 não deve ser interpretado como sinônimo de noite, porquanto este esteja adstrito à ausência de luz solar enquanto aquele faz menção ao período em que a cidade local repousa.

Assim, “o horário de repouso noturno, portanto, é variável, devendo obedecer aos costumes locais relativos à hora em que a população se recolhe e a em que desperta para a vida cotidiana[22]. Considera-se como irrelevante que o fato ocorra dentro de estabelecimento comercial ou ainda na residência, habitada ou desabitada, bem como estar a vítima descansando ou não, já que o período de repouso noturno é tido como o de maior vulnerabilidade para as residências, lojas e veículos. A causa de aumento de pena não está atrelada ao local em que se deu o ato delituoso, mas sim ao momento em que o mesmo foi perpetrado, qual seja: durante o repouso noturno.

Além disso, ao examinar a situação topográfica da redação do §1º do artigo 155, observa-se que a majorante só terá aplicação ao crime de simples furto, não sendo aplicável nas hipóteses de furto qualificado. Ao lado disso, se fosse a intenção do legislador estender a causa de aumento de pena às modalidades qualificadas do delito em estudo, teria o repouso noturno sido alocado posteriormente a redação do §4º do artigo 155 do Código Penal.

5 Furto: Primariedade e Pequeno Valor da Coisa Furtada (Art. 155, §2º, do Código Penal)

In primo loco, ao se examinar a redação do §2º do artigo 155, infere-se que trouxe à baila o legislador uma modalidade de furto privilegiado, consistente na hipótese que “se o criminoso é primário, e é de pequeno valor a coisa furtada, o juiz pode substituir a pena de reclusão pela de detenção, diminuí-la um a dois terços, ou aplicar somente a pena de multa[23]. Trata-se da situação em que o furto é tido como de pequeno valor ou furto mínimo, em que a conjugação da menor gravidade do fato e a primariedade do agente delituoso reclamam um tratamento penal menos severo do que aquele que é vezeiro na perpetração de tal conduta.

O primeiro requisito enumerado pelo dispositivo supra é ser o agente primário, isto é, não tenha sofrido, em decorrência de outro crime, condenação anterior transitada em julgado. “Embora não seja tecnicamente reincidente, não goza do benefício o réu que já tenha sido condenado anteriormente em outro processo, embora não tenha a decisão transitado em julgado antes do cometimento do segundo crime[24]. Já se decidiu, inclusive, no Recurso Especial Nº 166.750/SP, de relatoria do Ministro Félix Fischer, integrante da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça[25], que a reincidência do agente delituoso impede o reconhecimento do privilégio contido no §2º do artigo 155.

O segundo requisito elencado é ser a res furtiva de pequeno valor, sendo reconhecido, segundo a doutrina e a jurisprudência, quando a coisa subtraída não alcança o importe de um salário mínimo vigente à época do fato. Prima enaltecer que não se pode confundir bem de pequeno valor com de valor insignificante, porquanto este, por necessário, exclui o crime em face da ausência de ofensa ao bem jurídico tutelado, sendo-lhe aplicável o princípio da insignificância, ao passo que aquele dá azo ao privilégio em comento, motivo pelo qual a Lei Penal destina reprimenda mais branda.

A Ministra Laurita Vaz, integrante da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça[26], ao relatoriar o Recurso Especial Nº 828.181/RS, assinalou, com bastante ênfase, que a subtração de bens, cujo valor não pode ser tido como ínfimo, não permite ser tratado como um indiferente penal. Exalta, ainda, a referida magistrada que a ausência de reprimenda a pequenos delitos, como os examinados alhures, consubstanciaria como fértil insumo para a proliferação de tais condutas, o que traria verdadeira desordem no âmbito social.

6 Furto de Energia (Art. 155, §3º, do Código Penal)

O legislador, ao acinzelar a conduta de furto de energia, equiparou a coisa móvel a energia elétrica ou a qualquer outra que goze de valor econômico, ficando, desse modo, eliminadas as discussões sobre a possibilidade de subtração de energia, incluindo-se, com efeito, além da elétrica, também a térmica, sonora, solar, atômica e mecânica, dentre outras. “Ou seja, qualquer energia que tenha valor econômico poderá ser objeto de subtração, nos moldes preconizados pelo mencionado parágrafo, a exemplo de energia genética (sêmen) dos reprodutores[27]. Ao lado disso, a exposição de motivos da parte especial do Código Penal é clara ao equiparar à coisa móvel a energia, em todas as suas facetas, como se infere do excerto, oportunamente, colacionado:

“Para afastar qualquer dúvida, é expressamente equiparada à coisa móvel e, consequentemente, reconhecida como possível objeto de furto a “energia elétrica ou qualquer outra que tenha valor econômico”. Toda energia economicamente utilizável e suscetível de incidir no poder de disposição material e exclusiva de um indivíduo (como, por exemplo, a eletricidade, a radioatividade, a energia genética dos reprodutores etc.) pode ser incluída, mesmo do ponto de vista técnico, entre as coisas móveis, a cuja regulamentação jurídica, portanto, deve ficar sujeita”[28]

O furto de energia, ao contrário do que ocorre no de coisa móvel, naturalmente corpórea, deve ser tido como de cunho permanente, porquanto a sua consumação se protrai no tempo. Logo, quando descoberta a ligação de cunho clandestino, poderá o agente ser preso em flagrante cometimento do delito, tal fato se dá, anote-se, em razão do furto de energia não se esgotar no ato, mas se prolonga enquanto não for descoberta a ligação clandestina que beneficia o agente.

7 Furto: Modalidades Qualificadas

7.1 Destruição ou Rompimento de obstáculo à subtração da coisa

Traz a lume a redação do §4º do artigo 155 um sucedâneo de hipóteses que qualificam a conduta do furto, cominando, nesta hipótese, pena de dois a oito anos, bem como multa. A primeira hipótese encontra-se inserta na redação do inciso I do dispositivo supra, o qual prevê, como qualificadora do crime de furto, se da conduta perpetrada resultar “destruição ou rompimento de obstáculo à subtração da coisa[29]. Em linhas inaugurais, cuida assinalar que o vocábulo obstáculo é considerado como tudo aquilo que tenha como fito maior proteger a coisa e que também não seja a ela inerente naturalmente, ou seja, seja artificial. “Quando o agente inutiliza, desfaz, desmancha, arrebenta, rasga, fende, corta ou deteriora um obstáculo, como trincos, portas, janelas, fechaduras, fios de alarme etc., que visam impedir a subtração, caracterizada está a qualificadora em apreço[30].

Pelo que se depreende das figuras típicas do inciso I, infere-se que a primeira modalidade (destruição) exige, do agente delituoso, um comportamento violento contra a coisa que obsta a subtração da coisa. “Ou seja, usa de violência contra a coisa, destruindo, eliminando ou fazendo desaparecer aquilo que o impedia de levar a efeito a subtração[31]. Assim, a qualificadora restará consubstanciada quando o agente delituoso que emprega um pé de cabra ou outro instrumento semelhante que arrebenta o cadeado que obstava a entrada de estranhos ao local onde se encontrava o objeto do furto.

Prima pontuar que a destruição total ou parcial de qualquer elemento dá azo à qualificadora entelada no inciso I do §4º do artigo 155. Ao lado disso, insta salientar que o Superior Tribunal de Justiça[32], por meio do Habeas Corpus Nº. 93.178/DF, de relatoria do Ministro Napoleão Nunes Maia Filho, integrante da Quinta Turma, decidiu que o rompimento de qualquer obstáculo externo ao objeto do furto caracteriza a circunstância qualificadora em exame. Entrementes, o simples estrago na coisa, por si só, afasta a substancialização da hipótese de qualificação do crime. Gize-se, por oportuno, que é imprescindível que a conduta delituosa atinja o objeto que obsta a apreensão ou a remoção da res furtiva.

A segunda modalidade insculpida na redação do inciso I do §4º do artigo 155 é o rompimento, que “designa a ação ou consequência de romper, que importa partir, despedaçar, separar, rasgar, abrir, etc.[33]. Deste modo, pode-se evidenciar que a qualificadora de rompimento de obstáculo restará configurada quando existe o vencimento do óbice material à consumação da conduta delituosa. O rompimento, saliente-se, pode ser compreendido com o intuito de afastar ou ainda eliminar o obstáculo, mesmo que este seja preservado intacto. Todavia Mirabete e Fabbrini[34], em sentido contrário, acenam, com maciça ênfase, que para a modalidade em destaque, mister se faz a ocorrência de dano efetivo à integração da coisa.

No mais, o Ministro Hamilton Carvalhido, integrante da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça[35], ao relatoriar o Recurso Especial Nº. 924.254/RS, manifestou-se que o exame pericial não constitui o único meio probatório apto para a comprovação da qualificadora em análise, sendo permitido a utilização de outros meios, como a prova testemunhal e a documental, para obter a verdade real. Destarte, conquanto o exame pericial goze de importância para a materialização da modalidade em análise, este não é o único meio, sendo, como visto alhures, admitida a utilização de outros instrumentos probatórios.

7.2 Abuso de Confiança, ou Mediante Fraude, Escalada ou Destreza

In primo loco, ao se dissecar as hipóteses abarcadas no inciso II do §4º do artigo 155,verifica-se que o legislador insculpiu diversas modalidades que, uma vez presentes na perpetração do ato delituoso, terão o condão de qualificar o crime. O abuso de confiança, a que se refere o dispositivo em exposição, pressupõe presença de liberdade, lealdade, credibilidade, pressupõe a existência de honestidade entre as pessoas. “Abusa o agente da confiança que nele fora depositada quando se aproveita dessa relação de fidelidade existente anteriormente para praticar a subtração[36]. Desta sorte, para que reste configurada a modalidade em testilha, mister se faz a demonstração da existência da relação de sincera fidelidade, a qual continha sensação de segurança e fidelidade, antes da perpetração da subtração da coisa. Mirabete e Fabbrini arrazoam, com bastante destaque, que “abuso de confiança existe quando, aproveitando-se da menor proteção dispensada pelo sujeito passivo à coisa, diante da confiança que deposita no agente, pratica este a subtração”[37].

Insta evidenciar que a relação de emprego, por si só, não é rotunda para a caracterização da modalidade em apreço, sendo imprescindível, também, a demonstração da existência de uma relação pautada na confiança que era dispensada à figura do sujeito ativo. Em inexistindo tal aspecto, não haverá a incidência da modalidade em testilha, mas sim a agravante genérica entalhada no artigo 61, inciso II, alínea “f”, atinentes às relações domésticas, da coabitação ou de hospitalidade. Neste sedimento, erige Greco que “quando não for o caso da aplicação da qualificadora do abuso de confiança, poderá, dependendo da hipótese concreta, fazer-se incidir a circunstância agravante”[38] acima aludida.

A fraude, por seu turno, está alicerçada no emprego dos meios tidos como ardilosos, insidiosos, fazendo com que a vítima incorra ou ainda se mantenha em erro, com o escopo de que o agente pratique a conduta delituosa. “A fraude é o meio enganoso, o embuste, o ardil, o artifício empregado pelo agente para subtrair coisa alheia”[39]. Trata-se de subterfúgio empregado com o fito exclusivo de facilitar a subtração, sendo pelo agente delituoso levado a efeito. Neste ponto, considera-se a ocorrência da fraude quando o agente, de maneira ardilosa, constrói uma relação pautada na confiança, com o fito de perpetrar a subtração, fazendo, destarte, que a vítima incorra em erro, no que pertine à fidelidade recíproca. Ainda nesta esteira, Hungria, com peculiar propriedade, pontua que “meio fraudulento é, também, qualquer ardil no sentido de provocar ausência momentânea do dominus ou distraindo-lhe a atenção, para mais fácil perpetração do furto[40].

A escalada, in primo loco, é tida como o emprego da via anormal, com o intento de adentrar na casa ou local em que irá perpetrar a subtração da res. Trata-se do ingresso em edifício ou recinto cerrado, ou ainda saída dele, utilizando-se de vias que, normalmente, não são destinadas ao trânsito de pessoas. Vale salientar que o agente delituoso deverá lançar mãos de instrumentos artificiais (não violentos) ou ainda de sua própria agilidade. O Ministro Gílson Dipp, integrante da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça[41], ao relatoriar o Recurso Especial Nº. 680.743/RS, manifestou que a qualificadora incide contra o agente delituoso que não se intimida diante de um obstáculo, demonstrando, ao envidar todos os esforços para obter seu intento, tendência maior do agente em delinquir.

Nesse sentido, desfralda como flâmula as orientações de Mirabete e Fabbrini, notadamente quando evidenciam, com bastante realce, que “o reconhecimento dessa qualificadora exige que o agente se utilize de instrumentos (escadas, cordas etc.) ou atue com agilidade ou esforço incomum para vencer o obstáculo”[42]. Trata-se, com efeito, de uma maior ousadia e inclinação do agente para o cometimento do delito, sendo, então, dispensada pelo legislador uma maior reprovabilidade, no que concerne à modalidade em apreço,

Afora isso, a escalada compreende tanto o galgar uma altura, como saltar um desvão, a exemplo de um fosso, ou mesmo passar por uma via subterrânea, desde que esta não seja transitável comumente, como é o caso dos túneis de esgoto e galerias pluviais. Há, também, a escalada quando o agente delituoso adentra no local através do telhado, removendo as telhas que o cobrem. “Se a passagem subterrânea é escavada adrede, o que se tem a reconhecer é o emprego do meio fraudulento[43]. Doutro modo, não se caracteriza a escalada quando o agente emprega destreza normal para ultrapassar obstáculo de pequena altura ou, ainda, quando, para a subtração de fios elétricos, escala o poste, já que este não se afigura como meio de defesa ou ainda de proteção à coisa nem o agente delituoso se valeu de via anormal para subtrair a coisa.

A última modalidade compreendida na redação do inciso em exame tange à utilização de destreza, que consiste na habilidade física ou manual do agente, por meio da qual a subtração resta possibilitada, sem que a vítima perceba. Trata-se da conjugação de habilidade com dissimulação, na qual se constata que o indivíduo se adestra, treina, especializa-se, adquirindo agilidade para subtrair a res. O típico exemplo da utilização dessa modalidade é a “punga”, isto é, a subtração por arrebatamento (crime de trombadinha), consistente na subtração da carteira em local em que se aglomeram pessoas. Todavia, não há que se falar na incidência da modalidade em epígrafe, quando da subtração, se a vítima se encontrar dormindo.

7.3 Emprego de Chave Falsa

Traz à baila o inciso III do §4º do artigo 155, como qualificadora do crime de furto, o emprego de chave falsa, cujo conceito abarca, além da imitação da chave verdadeira, todo o instrumento de que se utiliza o agente para que o mecanismo de um fechadura ou ainda dispositivo similar possa funcionar, como gazuas, grampos, tesoura, arames etc., facilitando ou mesmo possibilitando a perpetração da conduta delituosa. O Ministro Gílson Dipp, integrante da Quinta Turma do Superior Tribunal de Justiça[44], ao relatoriar o Recurso Especial Nº. 906.685/RS, posicionou no sentido que o conceito de chave falsa compreende todo o instrumento, com ou sem forma de chave, empregado como dispositivo para abrir fechadura, assim como a utilização de mixa, com o intento de acionar o motor do automóvel, tendo o condão de caracterizar a qualificadora inserta na redação do inciso III do §4º do artigo 155.

7.4 Concurso de Duas ou Mais Pessoas

A circunstância aventada no inciso IV do §4º do artigo 155 denota maior periculosidade dos agentes, já que unem seus esforços para a perpetração da conduta delituosa, subsistindo a qualificadora ainda que um dos integrantes do concurso seja inimputável. Na realidade, “para que se configure a mencionada qualificadora basta, tão somente, que um dos agentes seja imputável, não importando se os demais participantes possuam ou não esse status”[45]. Outrossim, é necessário que tão somente um dos envolvidos seja descoberto, não subsistindo a imprescindibilidade sequer da qualificação dos demais agente.

O Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais, através do Desembargador Hyparco Immesi, ao relatoriar a Apelação Criminal Nº. 1.0439.02.014176-8/001, manifestou-se na possibilidade da coexistência do furto qualificado pelo concurso de duas ou mais pessoas com o crime de quadrilha. O argumento estruturante se alicerçou na premissa que as condutas ora aludidas são autônomas e independentes, sendo que a primeira é ofensiva ao patrimônio, ao passo que a segunda à paz pública. Segundo o relator, não haveria o bis in idem, em razão dos aspectos suso mencionados. Quadra assinalar, consoante expõe Mirabete e Fabbrini[46], que o Supremo Tribunal Federal que tal hipótese configuraria verdadeiro bis in idem, não sendo possível, deste modo, a coexistência.

7.5 Subtração de veículo automotor que venha a ser transportado para outro Estado ou para o Exterior

O objeto material da qualificadora incluída no §5º do artigo 155 é o veículo automotor, incluindo-se em tal acepção automóveis, caminhões, lanchas, motocicletas etc., desde que venha ser transportado para outro Estado ou para o Exterior. Bem assinalam Mirabete e Fabbrini quando ostentam que “o objeto material dessa espécie de furto qualificado é veículo automotor, ou seja, aquele que se move mecanicamente, especialmente a motor de explosão, para transporte de pessoa ou carga (automóveis, utilitários, caminhões, ônibus, motocicletas etc.)[47]. Infere-se, ao examinar a reprimenda cominada no §5º do artigo 155, qual seja: reclusão de três a oito anos, que ambicionou o legislador punir, com mais severidade, a perpetração da espécie em apreciação.

Com efeito, aprouve ao legislador considerar que a conduta vertida no dispositivo supra vem, de maneira maciça, alcançando proporções alarmantes, assim como, via de regra, causa prejuízo econômico à vítima, bem como a dificuldade na apreensão da res furtiva. Impende assinalar que, para a corporificação da qualificadora em exame, é imprescindível o transporte do veículo automotor para outro Estado da Federação, local diverso da subtração, ou para o exterior. “Dessa forma, se o agente subtrai veículo automotor sem a finalidade de ultrapassar a barreira de seu Estado, o furto será simples, e não qualificado[48]. Desta feita, constata-se que a qualificadora requer a conjugação do objeto material, com o transporte efetivo do veículo automotor para outro Estado ou mesmo para o Exterior, a fim de que a qualificadora possa subsistir. Vale assinalar que a efetiva transposição do veículo automotor apresenta-se como conditio sine qua non para a ocorrência da espécie da qualificadora.

8 Furto de Coisa Comum: Apreciação do Artigo 156 do Código Penal

Inicialmente, insculpi a redação do artigo 156 que “subtrair o condômino, coerdeiro ou sócio, para si ou para outrem, a quem legitimamente a detém, a coisa comum[49]. A conduta delituosa em destaque possui como núcleo do tipo o verbo subtrair, isto é, tirar a coisa comum de quem a detém de forma legítima, com o escopo de tê-la para si ou para outrem. O verbo a que se alicerça o tipo penal exige um comportamento comissivo, todavia nada impede que a subtração decorra da omissão, desde que o agente goze de status garantidor. Ao lado disso, insta examinar que a retirada momentânea não tem o condão de caracterizar a infração penal, desde que o agente detivesse a intenção de devolvê-la.

Quadra examinar que o legislador especializou, in casu, a conduta de furto, delimitando-o a determinadas pessoas, como também ao fato de a coisa objeto da subtração pertencer ao agente. Ao lado disso, realce-se que a conduta versada no dispositivo em exame aponta quais os sujeitos ativos que perpetrarão a conduta entalhada no dispositivo ora aludido, “a saber: o condômino, o coerdeiro e, ainda, o sócio. Assim, somente quando houver um condomínio, uma herança ainda comum aos coerdeiros, bem como uma sociedade é que se poderá cogitar do delito de furto de coisa comum[50].

 Nessa senda de exposição, o condomínio existe quando duas ou mais pessoas têm propriedades sobre uma mesma coisa, exercendo, sem que haja a exclusão dos direitos dos demais herdeiros, seu direito. A herança, por sua vez, é o patrimônio do de cujus, consistente em uma universalidade de bens que, com o óbito do titular, se transmite aos herdeiros. Sociedade, em ressonância com os ditames da Lei Substantiva Civil, “é a união de duas ou mais pessoas que se obrigam a contribuir, com bens ou serviços, para o exercício de atividade econômica, partilhando os resultados[51].

8.1 Sujeitos Passivos

A conduta em destaque apresenta como sujeitos passivos todos os condôminos, coerdeiros ou sócios que não o agente delituoso, ou ainda a pessoa que detém a posse legítima da res sobre a qual incide o condomínio ou sociedade ou integre o patrimônio de bens a serem partilhados entre os herdeiros. Neste sentido, insta evidenciar que a sociedade a que faz alusão o dispositivo em comento é a que não está revestida de personalidade jurídica, porquanto as pessoas jurídicas, como é cediço, gozam de personalidade distinta das de seus sócios, inclusive no que se refere à posse e propriedade.

8.2 Elemento Subjetivo do Tipo

O delito de furto de coisa comum somente pode ser perpetrado de maneira dolosa, inexistindo previsão para a modalidade culposa no Ordenamento vigente. Ao lado disso, além do dolo, “o tipo penal exige, segundo a doutrina majoritária, o chamado especial fim de agir, caracterizado pela expressão para si ou para outrem, constante do art. 156 do Código Penal[52].

8.3 Exclusão do Crime (§2º do artigo 156 do Código Penal)

Em se constatando que o objeto material seja coisa fungível, a qual pode ser determinado por número, peso e medida, admitindo sua substituição por outra da mesma espécie, qualidade ou quantidade, não é punível a subtração se o valor for da res subtraída não exceder a quota-parte a que tem direito o agente. Trata-se de situação em que o fato não é tido como criminoso e não de mera isenção de pena, posto que a lei se refere à não-punibilidade da subtração e não do agente delituoso que a perpetrou. “A razão de ser do dispositivo funda-se no fato de que o agente está apossando-se apenas da parte que lhe pertence, embora a divisão tenha sido estabelecida sem o consentimento dos demais (ilícito civil), não privando o coproprietário da parte que lhe cabe[53].

8.4 Competência para Julgamento e Ação Penal

Ao se examinar a pena cominada ao delito de furto de coisa comum, denota-se que aprouve ao legislador estabelecer como sanção de seis meses a dois anos de detenção, ou multa, podendo o magistrado optar pela aplicação da pena privativa de liberdade e a pena pecuniária, em decorrência da alternatividade inserta no dispositivo em apreço. Ao lado disso, considerando-se a pena máxima cominada em abstrato, é do Juizado Especial Criminal a competência para julgamento, bem como a proposta de suspensão condicional do processo, na forma assinalada na redação do artigo 89 da Lei Nº. 9.099/1995. Afora isso, quadra colocar em destaque que a ação penal é de iniciativa pública condicionada à representação do ofendido, conforme insculpi o §1º do dispositivo supramencionado.

 

Referência:
BRASIL. Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 20 abr. 2012.
GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Editora Impetus, 2011.
HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, volume VII. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1967.
MIRABETE, Júlio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal – Parte Especial (art. 121 a 234 do CP), v. II, 20 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: volume 2. São Paulo: Editora Saraiva, 1980.
PINTO, Antonio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Códigos: Penal, Processo Penal e Constituição Federal. São Paulo: Editora Saraiva, 2008.
PRADO, Luiz Régis. Curso de Direito Penal Brasileiro, v. 02. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2002.
TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível em: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em: 30 abr. 2012.
VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível em: <http://jornal.jurid.com.br/materias/doutrina-penal/principio-legalidade-corolario-direito-penal>. Acesso em: 30 abr. 2012.
 
Notas:
 
[1] VERDAN, Tauã Lima. Princípio da Legalidade: Corolário do Direito Penal. Jurid Publicações Eletrônicas, Bauru, 22 jun. 2009. Disponível no sítio eletrônico: <http://jornal.jurid.com.br/materias/doutrina-penal/principio-legalidade-corolario-direito-penal>. Acesso em: 30 abr. 2012.

[2] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental. Empresa Pública de Correios e Telégrafos. Privilégio de Entrega de Correspondências. Serviço Postal. Controvérsia referente à Lei Federal 6.538, de 22 de Junho de 1978. Ato Normativo que regula direitos e obrigações concernentes ao Serviço Postal. Previsão de Sanções nas Hipóteses de Violação do Privilégio Postal. Compatibilidade com o Sistema Constitucional Vigente. Alegação de afronta ao disposto nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XIII, 170, caput, inciso IV e parágrafo único, e 173 da Constituição do Brasil. Violação dos Princípios da Livre Concorrência e Livre Iniciativa. Não-Caracterização. Arguição Julgada Improcedente. Interpretação conforme à Constituição conferida ao artigo 42 da Lei N. 6.538, que estabelece sanção, se configurada a violação do privilégio postal da União. Aplicação às atividades postais descritas no artigo 9º, da lei. Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05.08.2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 abr. 2012.

[3] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. […] Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05.08.2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 abr. 2012.

[4] VERDAN, 2009.

[5] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão proferido em ADPF 46/DF. […] Órgão Julgador: Tribunal Pleno. Relator: Ministro Marcos Aurélio. Julgado em 05.08.2009. Disponível em: <www.stf.jus.br>. Acesso em: 30 abr. 2012.

[6] VERDAN, 2009.

[7] TOVAR, Leonardo Zehuri. O Papel dos Princípios no Ordenamento Jurídico. Jus Navigandi, Teresina, ano 10, n. 696, 1 jun. 2005. Disponível no site: <http://jus2.uol.com.br/doutrina/texto.asp?id=6824>. Acesso em: 30 abr. 2012.

[8] BRASIL. Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[9] Neste sentido: MIRABETE, Júlio Fabbrini, FABBRINI, Renato N. Manual de Direito Penal – Parte Especial (art. 121 a 234 do CP), v. II, 20 ed., rev. e atual. São Paulo: Editora Atlas, 2009, p. 188.

[10] GRECO, Rogério. Código Penal Comentado. Niterói: Editora Impetus, 2011, p. 412.

[11] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 189.

[12] GRECO, 2011, p. 412.

[13] HUNGRIA, Nélson. Comentários ao Código Penal, volume VII. Rio de Janeiro: Editora Forense, 1967, p. 17.

[14] GRECO, 2011, p. 414.

[15] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 188.

[16] GRECO, 2011, p. 414.

[17] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 190.

[18] GRECO, 2011, p. 415.

[19] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[20] BRASIL. Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[21] HUNGRIA, 1967, p. 30.

[22] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 193.

[23] BRASIL. Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[24] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 193.

[25] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[26] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[27] GRECO, 2011, p. 417.

[28] PINTO, Antônio Luiz de Toledo; WINDT, Márcia Cristina Vaz dos Santos; CÉSPEDES, Lívia. Códigos: Penal, Processo Penal e Constituição Federal. São Paulo: Editora Saraiva, 2008, p. 268.

[29] BRASIL. Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[30] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 195.

[31] GRECO, 2011, p. 418.

[32] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[33]NORONHA, Edgard Magalhães. Direito Penal: volume 2. São Paulo: Saraiva, 1980, p. 240.

[34] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 195.

[35] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[36] GRECO, 2011, p. 418.

[37] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 195.

[38] GRECO, 2011, p. 419.

[39] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 196.

[40] HUNGRIA, 1967, p. 43-44.

[41] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[42] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 196.

[43] GRECO, 2011, p. 419.

[44] BRASIL. Supremo Tribunal de Justiça. Disponível em: <http://www.stj.jus.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[45] GRECO, 2011, p. 421.

[46] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 198.

[47] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 198.

[48] GRECO, 2011, p. 421.

[49] BRASIL. Decreto-Lei Nº. 2.848, de 07 de Dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em 30 abr. 2012.

[50] GRECO, 2011, p. 429.

[51] MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 199.

[52] GRECO, 2011, p. 430.

[53] Neste sentido: MIRABETE; FABBRINI, 2009, p. 200.


Informações Sobre o Autor

Tauã Lima Verdan Rangel

Doutorando vinculado ao Programa de Pós-Graduação em Sociologia e Direito da Universidade Federal Fluminense (UFF), linha de Pesquisa Conflitos Urbanos, Rurais e Socioambientais. Mestre em Ciências Jurídicas e Sociais pela Universidade Federal Fluminense. Especializando em Práticas Processuais – Processo Civil, Processo Penal e Processo do Trabalho pelo Centro Universitário São Camilo-ES. Bacharel em Direito pelo Centro Universitário São Camilo-ES


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