Resolução n. 1.805/2006 do conselho federal de medicina: efetivação do direito de morrer com dignidade

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Resumo: Realizou-se um estudo da Resolução n. 1805/2006 do Conselho Federal de Medicina, a qual regulamenta a prática da ortotanásia. Seu objetivo foi demonstrar, a partir de uma análise constitucional, a legalidade da prática da ortotanásia na perspectiva do direito de morrer com dignidade, inserido no contexto de Estado Democrático de Direito. Foi realizada revisão bibliográfica e análise das legislações e atos normativos pertinentes ao estudo e relacionadas ao tema, bem ainda as correntes teóricas presentes no Biodireito e na Bioética. Fez-se uma crítica à ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal em face da mencionada Resolução, com o estudo das razões que levaram ao seu ajuizamento, os principais fundamentos da ação e da decisão da liminar que suspendeu liminarmente a resolução; apontou-se a prática da ortotanásia em outros países. Este artigo constatou que a Resolução 1805/2006 assegura a autonomia e dignidade do paciente terminal tendo concluído pela sua constitucionalidade, pois visa assegurar uma morte digna ao paciente terminal, permeada pela dignidade da pessoa humana, em contraposição aos tratamentos desumanos e degradantes, vedados pelo texto constitucional. No entanto, conclui-se também que seria importante a criação de uma lei pelo devido processo legislativo, visando dar maior legitimidade pela aceitação da ortotanásia pelos próprios destinatários normativos.


Palavras-chave: Ortotanásia. Morte digna. Dignidade da pessoa humana. Resolução 1.805/2006 CFM. Constituição da República de 1988.


Abstract:  We conducted a study of Security Council Resolution 1805/2006 Federal Council of Medicine, which regulates the practice of orthothanasia. His goal was to demonstrate, from a constitutional analysis the legality of the practice of orthothanasia in view of the right to die with dignity, within the context of democratic rule of law. We performed a literature review and analysis of laws and normative acts relevant to the study and related to the theme and even the theoretical currents present in biolaw and bioethics. There was a criticism of public civil action proposed by federal prosecutors in the face of the aforementioned resolution, with the study of the reasons that led to its filing, the main reasons for the action and the decision of the court order which suspended the resolution outright, pointed to orthothanasia the practice of other countries. This article noted that Resolution 1805/2006 ensures the autonomy and dignity of terminally ill patients and concluded by its constitutionality, because it seeks to ensure a dignified death to terminally ill patients, permeated by human dignity, as opposed to inhuman and degrading treatment prohibited by constitutional text. However, it also would be important to create a law by due process of law, aimed at giving greater legitimacy by accepting the orthothanasia recipients themselves normative.


Keywords: Orthotanasia. Worthy death. Dignity of the person human being.  Resolution 1.805/2006 CFM. Constitution of the Republic of 1988.


Sumário: 1- Introdução ; 2- Constitucionalidade da Resolução n. 1.805/2006 do CFM; 2.1- O CFM como órgão autorizado a expedir a Resolução n. 1.805/2006; 3- Ortotanásia e o Código Penal Brasileiro; 4- A ortotanásia no Direito Estrangeiro; 5- O Projeto de Lei do Senado Brasileiro n.524/2009: tentativa de regulamentação legal da ortotanásia; 6- Considerações finais; Referências.


Summary: 1 – Introduction; 2 – Constitutionality of Resolution No. 1.805/2006 CFM, 2.1- CFM-like agency authorized to issue the Resolution n.1.805/2006; 3 – Orthotanasia and the Brazilian Penal Code; 4 – orthotanasia on Foreign Law; 5 – The Bill of the Brazilian Senate n.524 / 2009: attempt to regulate the legal orthotanasia; 6 – Final Thoughts; References.


1 INTRODUÇÃO


Pessoas com doença em estágio terminal, comprovadamente sem chance de cura, se agonizam nos leitos dos hospitais e sofrem demasiadamente, pois somente sobrevivem ligadas a aparelhos, que prolongam a morte, sem levar em consideração a dignidade do paciente.


A Constituição da República de 1988 nos revela que a dignidade da pessoa humana é um dos fundamentos do nosso Estado. Desta forma, na medida em que a estes doentes não tem mais chance de cura, e para evitar tratamentos que lhe causem mais dores e sofrimentos que somente prolongam a morte, deve ser-lhes dado o direito de morrer com dignidade.


Preocupada com a questão da saúde do paciente, inserida nesse novo panorama do desenvolvimento da Medicina, a Organização Mundial de Saúde (OMS) trouxe um novo conceito de saúde, a qual deve ser compreendida como bem estar global da pessoa, no seu aspecto físico, mental, social e inclusive espiritual (MARTIN, 1998, p.190).


Na tentativa de inserir o novo conceito de saúde dado pela OMS, o Conselho Federal de Medicina (CFM), editou a Resolução n. 1.805/2006, que trata da suspensão de tratamentos pelo médico em pacientes terminais, desde que seja esta a vontade do doente ou na sua impossibilidade, de seus familiares ou representantes legais.


A referida resolução trata exatamente da prática da ortotanásia, que significa “morte correta”, no seu tempo certo, não submetendo o paciente terminal a tratamentos desumanos e degradantes, que visam somente a prolongar a sua morte, sem chance alguma de cura, desde que respeitada a sua vontade.


Neste sentido, este artigo analisará a Resolução 1.805/2006 do CFM no contexto de Estado Democrático de Direito, inserido pela Constituição de 1988.


2 CONSTITUCIONALIDADE DA RESOLUÇÃO N.1.805/2006 DO CFM


Busca-se neste capítulo comentar a Resolução n. 1.805/2006 do CFM e seus artigos, no intuito de demonstrar que a resolução não ofende a Constituição Brasileira; criticar a ação civil pública proposta pelo Ministério Público Federal (MPF) e a decisão liminar que suspendeu a mencionada resolução; bem como abordar a legitimidade do CFM para disciplinar a ortotanásia.


Sustenta-se que a ortotanásia tem características normativas, posto assegurada constitucionalmente pelo direito à morte digna, expresso pelo princípio da dignidade da pessoa humana.


Visando regulamentar a prática da ortotanásia no âmbito das atividades desenvolvidas pelos profissionais da medicina, o Conselho Federal de Medicina brasileiro editou em 09 de novembro de 2006 a Resolução n. 1.805/2006, a qual dispõe sobre o conceito que aquele Conselho tem de ortotanásia e estabelece todos os procedimentos para que ela seja aplicada, nos casos concretos da relação médico-paciente.


A ortotanásia é definida no preâmbulo da referida resolução deste modo:


“Na fase terminal de enfermidades graves e incuráveis é permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente, garantindo-lhe os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, na perspectiva de uma assistência integral, respeitada a vontade do paciente ou de seu representante legal” (Res. 1.805/2006 CFM).


Esta definição objetiva uma tentativa de assegurar a efetividade das garantias da dignidade da pessoa humana, disposto no artigo 1º, inciso III, e que ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante, artigo 5º, inciso III, previstos na Constituição da República de 1988.


O artigo 1º da Resolução dispõe que,


“Art. 1º É permitido ao médico limitar ou suspender procedimentos e tratamentos que prolonguem a vida do doente em fase terminal, de enfermidade grave e incurável, respeitada a vontade da pessoa ou de seu representante legal.


§ 1º O médico tem a obrigação de esclarecer ao doente ou a seu representante legal as modalidades terapêuticas adequadas para cada situação.


§ 2º A decisão referida no caput deve ser fundamentada e registrada em prontuário.


§ 3º É assegurado ao doente ou a seu representante legal o direito de solicitar uma segunda opinião médica.”


[…] (Res. 1.805/2006 CFM).


Neste dispositivo legal observa-se que além do respeito aos direitos e garantias da dignidade da pessoa humana e da autonomia privada e liberdade, há também o direito ao acesso à informação, em sintonia com o artigo 5º, inciso XIV da Constituição, além de observar os princípios bioéticos da autonomia, beneficência, não-maleficência, e os direitos do paciente ao consentimento informado e da liberdade de uma segunda opinião médica, previsto no Código de Ética Médica.


Nos dispositivos da Resolução acima mencionados, pode-se antever o respeito à autonomia privada do paciente, assegurada com a informação prévia do seu estado de saúde e suas perspectivas ou não de cura. Assim, o paciente, poderá livremente escolher entre abreviar o seu estado de terminalidade ou prolongá-lo, sempre com o apoio médico e psicológico.


Prosseguindo na análise da mencionada Resolução, o artigo 2º assim escreve:


“Art. 2º O doente continuará a receber todos os cuidados necessários para aliviar os sintomas que levam ao sofrimento, assegurada a assistência integral, o conforto físico, psíquico, social e espiritual, inclusive assegurando-lhe o direito à alta hospitalar.”


[…] (Res. 1805/2006 CFM)


Infere-se neste artigo o direito do paciente em receber os tratamentos paliativos, que buscam o alívio das dores e dos sofrimentos da doença.


A exposição de motivos da Resolução esclarece que a Organização Mundial de Saúde preconiza que sejam adotados tais cuidados, ou seja, uma abordagem voltada para a qualidade de vida tanto dos pacientes quanto de seus familiares frente a problemas associados a doenças que põem risco a vida.


É de suma importância também esta assistência integral, com o acompanhamento médico para garantir o conforto físico, psíquico, social e espiritual do paciente terminal. A presença da família e de entes queridos é de grande relevância, que somados trarão melhor qualidade de vida ao doente, e respeito a sua dignidade.


O direito à alta hospitalar permitirá ao paciente ter os seus momentos finais de forma mais digna, em um ambiente ao qual se sinta mais à vontade e feliz, estando mais próximo daqueles que o amam.


Observa-se que o fundamento destas assertivas e do artigo 2º da resolução baseiam-se na filosofia do hospice[1].


Na filosofia do hospice o paciente deve ficar unido aos seus familiares e entes queridos e a equipe interdisciplinar deve cuidar da dor psicológica, espiritual e física, procurando uma melhor qualidade de vida, com a participação da família, inclusive no momento de sua morte. O hospice procura atender as necessidades físicas, emocionais e sociais do doente, respeitando sua integridade, ao dar continuidade ao tratamento e ao permitir que os seus companheiros sejam a imagem e voz de entes queridos e não tubos e ruídos monitores (DINIZ, 2006, p.410-411).


Infere-se, portanto, que a resolução não viola dispositivo constitucional, pois visa somente regulamentar um direito que é inerente à pessoa humana, o morrer com dignidade. Trata-se de um documento que busca a transparência da prática da ortotanásia, que rompe a relação de subordinação do paciente ao médico.


2.1 O CFM como órgão autorizado a expedir a Resolução n.1.805/2006


A ação ajuizada pelo Ministério Público Federal traz como um dos fundamentos principais para o pedido de suspensão da referida Resolução n.1.805/2006 a legitimidade do Conselho Federal de Medicina para regulamentar matéria de direito constitucional e a legalidade da mencionada resolução.


Com base neste argumento, a 14ª Vara Federal da Justiça Federal do Distrito Federal julgou favorável a antecipação de tutela, em que os efeitos da Resolução n.1.805/2006 foram suspensos até o julgamento final do processo.


O Conselho Federal de Medicina[2] integra a Administração Pública indireta, submetida aos princípios previstos no artigo 37, caput, da Constituição da República de 1988, podendo expedir atos normativos, válidos e vinculantes a todo e qualquer médico, no exercício de sua profissão.


De acordo com Ronaldo Pinheiro de Queiroz,


“As atividades do CFM são típicas da Administração Pública. Os conselhos são órgãos delegados do Estado para o exercício da regulamentação e fiscalização das profissões liberais. A delegação é federal tendo em vista que, segundo a Constituição da República, a teor do art. 21, XXIV, compete à União Federal organizar, manter e executar a inspeção do trabalho, atividade típica de Estado que foi objeto de descentralização administrativa, colocando-a no âmbito da Administração Indireta, a ser executada por autarquia, pessoa jurídica de direito público criada para esse fim” (QUEIROZ, 2006).


O CFM é uma autarquia federal criada a partir do Decreto-Lei n. 7.955/45, que foi revogado pela Lei n. 3.268/57 e regulamentado pelo Decreto n.4.045/58 com o objetivo, conforme o artigo 2º da Lei n.3.268, de supervisionar o exercício da profissão médica em todo o país, bem como julgar faltas no decorrer da atividade profissional e pelo seu bom conceito, atinentes à ética médica.


Conforme Maria Sylvia Zanella Di Pietro,


“Há consenso entre os autores ao apontarem as características das autarquias: 1. criação por lei; 2. Personalidade jurídica própria; 3. capacidade de autoadministração; 4. especialização dos fins ou atividades; 5. Sujeição a controle ou tutela” (DI PIETRO, 2010, p.429).


Neste diapasão, coaduna-se com o entendimento de que o CFM é uma autarquia federal, classificado pela sua estrutura como autarquia corporativa (DI PIETRO, 2010, p.432-433); que foi criado por lei, possuindo, portanto, personalidade jurídica própria, com capacidade de autoadministração; especialização de seus fins para regulamentação e fiscalização das atividades dos profissionais médicos; e sujeito a controle ou tutela, submetendo-se à fiscalização pelo Tribunal de Contas. 


É adepto deste entendimento, Ronaldo Pinheiro de Queiroz, para quem,


“Os conselhos fiscais de profissões regulamentadas são criados por meio de lei federal, em que geralmente se prevê autonomia administrativa e financeira, e se destinam a zelar pela fiel observância dos princípios da ética e da disciplina da classe dos que exercem atividades profissionais afetas a sua existência.


Não raro, na própria lei de constituição dos conselhos vem expresso que os mesmos são dotados de personalidade jurídica de direito público, sendo que outras leis preferem apontá-los, desde logo, como autarquias federais.


Todos os conselhos profissionais são criados por lei, dotando-os de personalidade jurídica. Citem-se, a título de exemplo, os conselhos federais de farmácia e de medicina, criados respectivamente pelas Leis 3.820/60 e 3.268/57” (QUEIROZ, 2006).


Justifica ainda o autor, em face da natureza jurídica de direito público do CFM, devido a sua arrecadação tributária que,


“Além disso, os conselhos de fiscalização são detentores de autonomia administrativa e financeira, característica essencial de uma autarquia, cujo patrimônio, próprio deles, é constituído pela arrecadação de contribuições sociais de interesse das categorias sociais, também chamadas de contribuições parafiscais, tendo nítido caráter tributário. Nesse ensejo, cabe enfatizar que, já que as contribuições possuem natureza tributária, segundo o art. 119 do Código Tributário Nacional, “sujeito ativo titular da obrigação é a pessoa jurídica de direito público titular da competência para exigir o seu cumprimento.” (QUEIROZ, 2006).


Entretanto, há divergências entre a doutrina e jurisprudência acerca da classificação do CFM como autarquia federal, bem como da sua natureza jurídica de direito público, posição defendida nestes estudos. Há quem entenda que os conselhos de fiscalização, como é o caso CFM, poderiam ser enquadrados como autarquias especiais, autarquia sui generis, entidades paraestatais ou até mesmo entidades dotadas de personalidade jurídica de direito privado.


Segundo Ricardo Luiz Alves,


“Durante muitos anos os referidos órgãos foram considerados por ilustres doutrinadores e juristas de peso como sendo entidades para-estatais sui generis, na medida em que desempenhavam, e ainda desempenham, por delegação estatal, funções de cunho regulatório supletivo e fiscalizatório de determinadas profissões, sobretudo as assim denominadas profissões liberais (advocacia, medicina, odontologia, economia, etc.) “(ALVES, 2005).


Contrariando a posição defendida neste artigo, Ricardo Luiz Alves afirma que,


“Data venia das doutas opiniões divergentes, incluo-me na corrente jurisprudencial que vê os conselhos profissionais regulatórios como pessoas jurídicas de direito privado. O fato de exercerem uma atividade inerente ao poder público não torna os conselhos profissionais regulatórios, por si só, órgãos integrantes da Administração Pública.


No tocante a segunda questão, uma leitura atenta do parágrafo 3º. da Lei nº. 9.649/98 permite concluir que os empregados dos conselhos profissionais regulatórios são submetidos ao regime da CLT e não ao regime estatutário ou ao regime de trabalho especial.


Neste diapasão, os conselhos profissionais regulatórios são entes jurídicos que possuem patrimônio e renda própria e que tem completa autonomia jurídica para gerir a contratação e demissão do seu pessoal respeitando, é claro, os limites legais estabelecidos pela legislação obreira “(ALVES, 2005).


Todavia, é também do entendimento do Supremo Tribunal Federal que o CFM é uma autarquia federal, pessoa jurídica de direito público, submetido à fiscalização do Tribunal de Contas, conforme as jurisprudências abaixo colacionadas,


“DEFINIDO POR LEI COMO AUTARQUIA FEDERAL, O CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA ESTA SUJEITO A PRESTAR CONTAS AO TRIBUNAL DE CONTAS DA UNIÃO.


(MS 10272, Relator(a):  Min. VICTOR NUNES, TRIBUNAL PLENO, julgado em 08/05/1963, DJ 11-07-1963 PP-00053 EMENT VOL-00544-01 PP-00052 RTJ VOL-00029-01 PP-00124)


EMENTA: Mandado de segurança. – Os Conselhos Regionais de Medicina, como sucede com o Conselho Federal, são autarquias federais sujeitas à prestação de contas ao Tribunal de Contas da União por força do disposto no inciso II do artigo 71 da atual Constituição. – Improcedência das alegações de ilegalidade quanto à imposição, pelo TCU, de multa e de afastamento temporário do exercício da Presidência ao Presidente do Conselho Regional de Medicina em causa. Mandado de segurançaindeferido.” (MS 22643, Relator(a):  Min. MOREIRA ALVES, Tribunal Pleno, julgado em 06/08/1998, DJ 04-12-1998 PP-00013 EMENT VOL-01934-01 PP-00106).


A Resolução n. 1.805/2006 expedida pelo CFM, o qual é uma autarquia, ente da Administração Pública, é um ato administrativo[3], que tem caráter de imperatividade[4], gera a sua vinculação a todos os administrados[5]. Os atos administrativos, como as resoluções expedidas pelo CFM, são definidos por Hely Lopes Meirelles, nos seguintes termos,


“Ato administrativo é toda manifestação unilateral de vontade da Administração Pública, que, agindo, nessa qualidade, tenha por fim imediato adquirir, resguardar, transferir, modificar, extinguir e declarar direito, ou impor obrigações aos administrados ou a si própria” (MEIRELLES,1991, p.126).


É dentro dessa esfera de competência que o CFM elaborou, aprovou e publicou a Resolução n. 1.805 no Diário Oficial da União de 28 de novembro de 2006.blico, criando, mantendo, modificando ou extinguindo relaçteresse preito, ou impor obrigaç8888888888888888888888888888888888888


A Resolução n. 1.805, como ato administrativo, vincula-se à lei[6], e para tanto, está vinculada de forma coerente à Constituição.


Ratifica esta assertiva Iberê Anselmo Garcia (2007, p.273), o qual afirma que a Resolução n.1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina é perfeitamente constitucional e legal, não ferindo as normas infraconstitucionais.


Além disso, a matéria regulamentada na Resolução n. 1.805 é atinente à ética médica, respaldada no artigo 2º da Lei n. 3.268 de 30 de setembro de 1957.


“Art. 2º O conselho Federal e os Conselhos Regionais de Medicina são os órgãos supervisores da ética profissional em toda a República e ao mesmo tempo, julgadores e disciplinadores da classe médica, cabendo-lhes zelar e trabalhar por todos os meios ao seu alcance, pelo perfeito desempenho ético da medicina e pelo prestígio e bom conceito da profissão e dos que a exerçam legalmente” (SENADO, 1957).


A ação civil pública ajuizada pelo MPF pondera que o CFM não possui poder regulamentar para dispor sobre o direito à vida.


Note-se que a Resolução n. 1.805 não dispõe sobre o direito à vida, a resolução regulamenta a prática da ortotanásia, um ato médico, que trata da ética médica. O direito à vida já está disciplinado na Constituição.


Compreende-se que na verdade ocorre um conflito de princípios, onde a dignidade da pessoa humana, aliada à autonomia privada sobrepõe-se à vida sem qualidade, fundada em tratamentos desumanos e degradantes, os quais são vedados pelo texto constitucional. O que ocorre é uma interpretação principiológica da Constituição.


Segundo Gomes Canotilho,


“Consideram-se princípios jurídicos fundamentais os princípios historicamente objectivados e progressivamente introduzidos na consciência jurídica e que encontram uma recepção expressa ou implícita no texto constitucional. Pertencem à ordem jurídica positiva e constituem um importante fundamento para a interpretação, integração, conhecimento e aplicação do direito positivo” (CANOTILHO, 1993, p.171).


Havendo um vazio legislativo, a legalidade pode ser conferida à Resolução, sob a premissa de que deve ser dada a máxima efetividade à aplicação da norma constitucional, de acordo com o princípio da eficiência ou máxima efetividade[7].


Conforme Iberê Anselmo Garcia, tratando deste vazio legislativo sobre a disposição legal da ortotanásia,


“[…] Para dirimir dúvidas, os projetos de lei que excluem a ilicitude da ortotanásia de forma clara e inequívoca, disciplinando-a em texto legal deveriam ter sua discussão retomada pelo Congresso Nacional, para que os profissionais pudessem tratar os pacientes terminais de forma tranqüila” (GARCIA, 2007, p.273).


Assim, na falta da atividade legiferante pelo Poder Legislativo, no sentido de positivar e disciplinar o direito à morte digna, pela prática da ortotanásia, a Resolução n. 1.805/2006 pode ser um marco importante para tentar trazer efetividade do texto constitucional, ao assegurar principalmente a dignidade e a autonomia do paciente terminal.


Não se olvida de que a Resolução n. 1.805/2006 cumpre o objetivo do Estado Democrático de Direito, permeado pela Constituição, pois busca não restringir os projetos individuais de vida daqueles que querem morrer no tempo certo, evitando tratamentos fúteis, que violem sua dignidade.


Coaduna com este entendimento também, Maria de Fátima Freire de Sá, para quem:


“Levantar bandeiras de um Estado Democrático de Direito e desconsiderar a participação daquele que busca a materialização de seu direito nada mais é que bradar por algo oco em sentido, desprovido, exatamente, das características que lhe conferem rótulo e sustentam seus contornos lexicais. Não há como se falar em democracia, desconsiderando a pluralidade e esta não existe se excluídos os rasgos da diferença” (SÁ, 2008, p.149).


Neste sentido, urge-se pelo direito à morte digna, pois a Resolução n. 1805/2006 regulamenta a ortotanásia, que não está disciplinada em lei-infraconstitucional, mas implícita pela Constituição, como co-extensão da dignidade da pessoa humana.


3 ORTOTANÁSIA E O CÓDIGO PENAL BRASILEIRO


A ação civil pública n. 2007.34.00.014809-3, ajuizada pelo Ministério Público Federal, noticiada no capítulo antecedente tem, entre outros, o fundamento para o pedido de suspensão dos efeitos da Resolução n.1805/2006 o fato de que a ortotanásia é considerada homicídio pelo Código Penal Brasileiro (CPB). Neste liame, a mencionada Resolução acabou por ser suspensa, em decisão liminar pela 14ª Vara Federal/DF, por entender também que existe um aparente conflito entre a referida resolução e o Código Penal.


O artigo 121 e seu §1º do CPB dispõe que:


“Art. 121. Matar alguém. Pena – Reclusão, de seis a vinte anos.


§1º Se o agente comete o crime impelido por motivo de relevante valor social ou moral, (…) o juiz pode reduzir a pena de um sexto a um terço”.


Em que pese os argumentos postos na decisão judicial, a cominação da norma penal acima descrita deve ser interpretada tomando como critério hermenêutico a Constituição Brasileira. A partir desta interpretação, forçoso concluir que o mencionado dispositivo penal não pode ser aplicado à ortotanásia, vez que esta – considerando o texto da Resolução n.1805/2006 resultaria em uma conduta típica e lícita perante o Código Penal, posto caracterizado como exercício regular da medicina.


Segundo Maria de Fátima Freire de Sá,


“[…] Entende-se que a eutanásia passiva, ou ortotanásia, pode ser traduzida como mero exercício regular da medicina e, por isso mesmo, entendendo o médico que a morte é iminente, o que poderá ser diagnosticada pela própria evolução da doença, ao profissional seria facultado, a pedido do paciente, suspender a medicação utilizada para não mais valer-se de recursos heróicos, que só tem o condão de prolongar sofrimentos (distanásia)” […] (SÁ, 2005, p.134).


Ainda, posiciona a autora (2005, p.135) que, em caso de eutanásia passiva, uma vez presente o pedido do paciente ou, na impossibilidade deste, observada a consulta à família, nem sequer haveria que se falar em imputação de qualquer penalidade.


No caso concreto, entendendo o médico de praticar a ortotanásia a pedido do paciente terminal ou de seu representante legal, o profissional optando pela obstinação terapêutica (distanásia) talvez incorresse no crime de constrangimento ilegal, previsto no artigo 146 do Código Penal.


De acordo com este posicionamento, Tereza Rodrigues Vieira afirma que,


“Vale salientar que o médico deve assistência ao paciente, cabendo-lhe respeitar o desejo de morrer do doente terminal (abstendo-se de técnicas ilusórias e penosas), administrando medicamentos sedativos que aliviam e aceleram a chegada da morte, a qual deverá ser o mais digna e confortável possível” (VIEIRA, 2006, p.36).


 Outrossim, verifica-se o atraso do Código Penal Brasileiro vigente (de 1941), se não interpretado de acordo com a Constituição, pode levar à supressão de direitos e garantias fundamentais, como a dignidade da pessoa humana e a liberdade.


De acordo com Hans Kelsen, a norma inferior deve ser produzida de acordo com a norma superior,


“A norma que regula a produção é a norma superior, a norma produzida segundo as determinações daquela é a norma inferior. A ordem jurídica não é um sistema de normas jurídicas ordenadas no mesmo plano, situadas umas ao lado das outras, mas é uma construção escalonada de diferentes camadas ou níveis de normas jurídicas. A sua unidade é produto da conexão de dependência que resulta do fato de a validade de uma norma, que foi produzida de acordo com outra norma, se apoiar sobre essa outra norma, cuja produção, por sua vez, é determinada por outra” […] (KELSEN, 1998, p.155).


Se o Código Penal, lei infra-constitucional de 1941, repita-se, não está sendo interpretado de acordo com a Constituição, sua validade e eficácia são derrogadas pela Lei Maior.


O último anteprojeto de lei, visando à reforma da parte especial do Código Penal, de 1999, tratava também da descriminalização da ortotanásia. Com a modificação do artigo 121, o parágrafo 4º teria a seguinte redação:


‘Art. 121, § 4º: Não constitui crime deixar de manter a vida de alguém por meio artificial, se previamente atestada por dois médicos a morte como iminente e inevitável, e desde que haja consentimento do paciente, ou em sua impossibilidade, de cônjuge, companheiro, ascendente, descendente ou irmão”.


No entanto, não há necessidade de lei para descriminalizar a ortotanásia, pois é uma prática lícita, viezada pelo direito à morte digna, assegurado pela Constituição. A Resolução n. 1.805/2006 somente procura enquadrar-se segundo o modelo teórico do Estado Democrático de Direito, procurando garantir ao médico e ao paciente maior segurança, diante de situações de grande tensão.


Coaduna com este entendimento Iberê Ancelmo Garcia (2007, p. 273), para quem a Resolução n. 1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina é perfeitamente constitucional e legal, não ferindo as normas infraconstitucionais, especialmente o Código Penal.


Conclui-se, pois, que não existe nenhum conflito, mesmo aparente, entre o Código Penal vigente e a Resolução n. 1.805/2006 do CFM, tanto que, finalmente, em 06 de dezembro de 2010, o juízo da 14ª VF/DF julgou improcedente a ação civil pública e revogou a decisão liminar.


4 A ORTOTANÁSIA NO DIREITO ESTRANGEIRO


Apesar de no Brasil não haver legislação específica acerca do direito à morte digna, afora, é claro, a Resolução n.1.805/2006 do Conselho Federal de Medicina que, entretanto, encontra-se com seus efeitos suspensos por decisão judicial, como informado no capítulo anterior, vários países não só aceitam a ortotanásia, como também a eutanásia e o suicídio assistido.


Nos Estados Unidos, a Suprema Corte Americana admite a aplicação do ato da morte com dignidade (death with dgnity act) com o plebiscito que aprovou por 51% a lei de 1994 no Estado de Michigan, que permite ao médico a administração de substância letal a paciente que deseja morrer, legalizando o suicídio assistido (DINIZ, 2006, p.382).


No Estado de Oregon, o departamento de saúde paga 45 dólares a cada paciente terminal que, após aprovação médico-psiquiátrica, deseja participar do programa de suicídio assistido, aprovado em referendo popular, financiando conseqüentemente, os custos hospitalares (DINIZ, 2006, p. 382).


A lei de 1990 de Nova York admite que o cidadão indique um amigo, ou parente, para decidir, caso se torne paciente terminal e não puder fazê-lo, a interrupção do tratamento ou não (DINIZ, 2006, p.393).


Maria de Fátima Freire de Sá (2005, p.36-37) noticia a existência da PSDA (Pacient Self-Determination Act) ou Ato de Auto-Determinação do Paciente, lei aprovada pelo Congresso dos Estados Unidos que entrou em vigor a partir de 1º de dezembro de 1991.


Esta lei reconhece a recusa do tratamento médico, reafirmando a autonomia do paciente, em que da sua entrada nos centros de saúde, serão registradas as objeções e opções de tratamento em caso de incapacidade superveniente do doente. Estas manifestações de vontade são realizadas de três formas: o living will (testamento em vida), documento o qual o paciente dispõe em vida os tratamentos ou a recusa destes quando estiver em estado de inconsciência; o durable power of attorney for health care (poder duradouro do representante para cuidados com a saúde), documento no qual, por meio de um mandato, se estabelece um representante para decidir e tomar providências em relação ao paciente; e o advanced core medical directive (diretiva do centro médico avançado), que consiste em um documento mais completo, direcionado ao paciente terminal, que reúne as disposições do testamento em vida e do mandato duradouro, ou seja, é a união dos outros dois documentos.


Segundo a autora, o PSDA acompanhou as transformações ocorridas na relação médica, que redefiniram a posição do paciente, inserindo-o como partícipe do processo decisório e atribuindo-lhe direitos.


Na Espanha, há disposição do consentimento prévio do paciente, pela Lei Geral de Saúde (LGS – Ley General de Sanidad, de 25/04/1989), inclusive o direito à livre escolha entre as opções apresentadas pelo médico, sendo necessário o consentimento por escrito do doente para qualquer intervenção. Em caso de incapacidade, caberá a decisão aos familiares ou representantes legais (BORGES, 2001, p.300).


Na Holanda e na Suíça, o suicídio assistido constitui prática institucionalizada, pela injeção de uma única dosagem letal. (DINIZ, 2006, p.381).


Em 1º de abril de 2002, o Parlamento holandês aprovou a lei que legaliza a eutanásia e o suicídio assistido. A eutanásia apenas poderá ser praticada se o paciente não tiver a menor chance de cura e estiver submetido a insuportável sofrimento. O paciente deverá solicitar o procedimento, e não só ele como o seu médico deverão ter certeza que não existe outra alternativa, confirmada por outro médico e por uma equipe de especialistas (DINIZ, 2006, p.388).


O Uruguai foi um dos primeiros países a legislar sobre a eutanásia. O Código Penal uruguaio trata o homicídio piedoso como causa de impunidade, desde que o agente tenha sido levado a praticar o ato por compaixão, mediante reiteradas súplicas da vítima, por meio da concessão do perdão judicial. É também previsto no Código Penal da Colômbia, desde que realizada com a anuência expressa do paciente terminal (DINIZ, 2006, p.387).


Percebe-se que junto aos avanços da Medicina, o Direito, sob a ótica do Biodireito, busca tentar propor soluções para garantir e assegurar a dignidade do indivíduo e sua autonomia no processo da terminalidade da vida.


Assim, verifica-se que alguns países, pela sua própria cultura e desenvolvimento, como a Holanda, são mais flexíveis ao legalizar a eutanásia e o suicídio assistido. Já outros, como o Brasil, ainda vê-se amarrado por um conjunto normativo não compatível com a Constituição Brasileira de 1988, como é o caso do Código Penal, que é de 1941, do que resulta que o diploma punitivo não se coaduna com a modernidade trazida pelo texto constitucional, e conseqüentemente, se não se levar em conta a Constituição como “locus” hermenêutico pode gerar violações de direitos fundamentais ao indivíduo que se encontra em um estágio de angústia, dores e sofrimentos, e que pede socorro para morrer em paz.


5 O PROJETO DE LEI DO SENADO BRASILEIRO N.524/2009: TENTATIVA DE REGULAMENTAÇÃO LEGAL DA ORTOTANÁSIA


O projeto de lei do Senado brasileiro n. 524/2009, de autoria do senador Gerson Camata, visa dispor sobre os direitos em fase terminal de doença. Este documento tem objetivo de regulamentar a prática da ortotanásia, via devido processo legislativo, ampliando a participação do Parlamento brasileiro no assunto.


Em consulta ao site do Senado, em 30/03/2010, este projeto encontra-se aguardando manifestação do relator na Comissão de Constituição e Justiça (SENADO, 2010).


O referido projeto basicamente possui os mesmos dispositivos da Resolução n. 1.805/2006 do CFM, porém de forma mais detalhada.


Porém, pelo disposto no artigo 6º, §1º, caso o paciente tenha se manifestado contrário à limitação ou suspensão do tratamento antes de se tornar incapaz, esta vontade deverá ser respeitada. O próprio artigo 6º trata da autonomia privada do paciente, ou na sua falta, dos seus familiares ou representante legal, e da fundamentação da suspensão ou limitação do tratamento em prontuário médico, submetido à análise médica revisora.


Em entrevista à Pastoral Familiar, vinculada à CNBB, o Padre Luiz Antônio Bento, em relação ao projeto de lei n. 524/2009, afirmou que,


“Parece-nos que haveria consenso quanto ao PLS 116/2000, tal qual aprovado no Senado e quanto ao PLS 524/2009. Faz-se necessário garantir às pessoas em fase terminal de doença (e suas famílias), em situação de morte próxima e inevitável, os cuidados e procedimentos ordinários, básicos e proporcionais, tais como alimentação, hidratação, higiene e sedação da dor. E, também, atendidas as condições estabelecidas em lei, a possibilidade de não utilização de meios extraordinários e desproporcionais, gravosos para o paciente e sua família” (PASTORAL FAMILIAR, 19/01/2010).


O Projeto de Lei n. 116/2000, também de autoria do senador Gerson Camata, teve em 02 de dezembro de 2009 sua aprovação pelo Senado Federal, e agora aguarda aprovação na Câmara dos Deputados. O referido projeto exclui a ilicitude da ortanásia.


Conforme o site do jornal “Estadão”, o senador Gerson Camata sobre fala sobre a possível aprovação de seu projeto de lei pela Câmara dos Deputados, que ficou arquivado por quase 10 anos:


“Cada vez com mais freqüência a morte tem lugar em hospitais crescentemente orientados ao cuidado intensivo por meio de utilização de tecnologia agressiva, o que tem levado à profanação do corpo humano em homenagem às ciências e técnicas médicas, com a conseqüente perda da naturalidade e espontaneidade que a morte tinha em tempo não longínquo” (AGÊNCIA ESTADO, 02/12/2009).


Destarte, como defendido neste estudo, não se faz necessária a criação de uma lei para legalizar a ortotanásia, nem mesmo ato administrativo do CFM regulamentando-a, visto que o direito de morrer com dignidade encontra-se assegurado pela Constituição de 1988.


Porém, a fim de assegurar a segurança da atividade do profissional médico, e do próprio paciente, é importante que haja uma legislação sobre a ortotanásia complementando aquela expedida pelo Conselho Federal de Medicina Brasileiro.


Todavia, até que haja uma lei editada pelo Congresso Nacional, pode-se adotar o conteúdo da Resolução n. 1.805/2006, seja porque dotado de força de ato administrativo com caráter imperativo, seja por não ferir norma constitucional e, principalmente, por tentar garantir a dignidade da pessoa humana e a autonomia privada do paciente terminal.


Frisa-se, contudo, que não existem decisões judiciais que tratam especificamente sobre a interrupção da vida em pacientes terminais ou de doenças graves, carecendo os doentes e os médicos de proteção processual para prática da ortotanásia.


6 CONSIDERAÇÕES FINAIS


Conclui-se que a ortotanásia, que visa a “morte no tempo certo”, é o procedimento pelo qual o médico suspende o tratamento, ou somente realiza terapêuticas paliativas, para evitar mais dores e sofrimentos ao paciente terminal que já não tem mais chances de cura, desde que esta seja a vontade do paciente, ou de seu representante legal.


Diante dos estudos ora aqui apresentados, observa-se que o Direito, representado pelo Biodireito, ainda não consegue acompanhar o avanço da Medicina, o que submete a um conselho de classe, como o Conselho Federal de Medicina, regulamentar procedimentos que envolvam princípios constitucionais e bioéticos, como a ortotanásia.


A Resolução n.1.805/2006, que regulamenta a ortotanásia, é um marco importante para a efetivação da dignidade da pessoa humana, pelo direito à morte digna. No sentido de que é assegurada a dignidade, como princípio geral do Estado Democrático de Direito, e que ninguém será submetido a tratamentos desumanos e degradantes, conforme a Constituição de 1988, pode-se admitir que a ortotanásia não viola dispositivo constitucional e infra-infraconstitucional, especialmente o Código Penal.


No sentido de garantir a efetividade do texto constitucional, a Resolução n. 1.805/2006, seria constitucional, ainda que não exista lei ordinária criada pelo devido processo legal que discipline a ortotanásia. Sendo o CFM, autarquia federal, pessoa jurídica de direito público, posição defendida nestes estudos, com a finalidade prevista em lei de regulamentar atos e procedimentos médicos, como a ortotanásia, este conselho de classe teria legitimidade para discipliná-la, conferindo-lhe a legalidade até que haja uma lei criada pelo devido processo legislativo que complementaria aquele dispositivo.


Neste sentido, torna-se importante a aprovação do PLS n.524/2009, em tramite no parlamento brasileiro que, nos moldes da legalização da eutanásia e do suicídio assistido na Holanda, garantiria a vontade soberana do povo, pela via legítima do devido processo legal, adequando-se ao modelo instituído pelo Estado Democrático de Direito.


 


Referências bibliográficas:

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Wikipédia, a enciclopédia livre. Conselho Federal de Medicina. Disponível em. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Federal_de_Medicina>. Acesso em: 20 Abr. 2010.

 

Notas:

[1] O hospice não é um hospício, é uma instituição voltada para os cuidados daqueles que têm de enfrentar a morte, de forma humana e carinhosa. A tradução para o português seria hospital-lar, onde a palavra, hopes, de origem latina, significa hóspede, convidado (BARCHIFONTAINE, 2002, p.290).

[2] Nos últimos 50 anos, o Brasil e a categoria médica mudou  muito, e hoje, as atribuições e o alcance das ações deste órgão estão mais amplas, extrapolando a aplicação do Código de Ética Médica e a normatização da prática profissional. Atualmente, o Conselho Federal de Medicina exerce um papel político muito importante na sociedade, atuando na defesa da saúde da população e dos interesses da classe médica.O órgão traz um belo histórico de luta em prol dos interesses da saúde e do bem estar do povo brasileiro, sempre voltado para a adoção de políticas de saúde dignas e competentes, que alcancem a sociedade indiscriminadamente. Ao defender os interesses corporativos dos médicos, o CFM empenha-se em defender a boa prática médica, o exercício profissional ético e uma boa formação técnica e humanista, convicto de que a melhor defesa da medicina consiste na garantia de serviços médicos de qualidade para a população. Disponível em. <http://pt.wikipedia.org/wiki/Conselho_Federal_de_Medicina> Acesso em 20 Abr. 2010.

[3] Visto que o ato administrativo é espécie de ato jurídico, cumpre apresentar os atributos que o distinguem dos atos de direito privado, ou seja, as características que permitem afirmar que ele se submete a um regime jurídico administrativo ou a um regime jurídico de direito público (DI PIETRO, 2010, p.197).

[4] Como um dos atributos do ato administrativo, imperatividade é o atributo pelo qual os atos administrativos impõem a terceiros, independentemente de sua concordância. É uma das características que distingue o ato administrativo do ato de direito privado; este último não cria qualquer obrigação para terceiros sem a sua concordância (DI PIETRO, 2010, p.200).

[5] Em relação aos destinatários, os atos administrativos como atos gerais atingem todas as pessoas que se encontram na mesma situação; são os atos normativos praticados pela Administração, como regulamentos, portarias, resoluções, circulares, instruções, deliberações, regimentos (DI PIETRO, 2010, p.223).

[6] Como um dos atributos do ato administrativo, a presunção de legitimidade diz respeito à conformidade do ato com a lei; em decorrência desse atributo, presumem-se, até prova em contrário, que os atos administrativos foram emitidos com observância da lei (DI PIETRO, 2010, p.197-198).

[7] Acerca deste princípio J.J Gomes Canotilho discorre que a uma norma constitucional deve ser atribuído o sentido que maior eficácia lhe dê. É um princípio operativo em relação a todas e quaisquer normas constitucionais, e embora a sua origem esteja ligada à tese da actualidade das normas programáticas (Thoma), é hoje sobretudo invocado no âmbito dos direitos fundamentais (no caso de dúvidas deve preferir-se a interpretação que reconheça maior eficácia aos direitos fundamentais) (CANOTILHO, 1993, p.227).


Informações Sobre o Autor

Tiago Vieira Bomtempo

Mestre em Direito Privado pela PUC Minas. Especialista em Direito Público pelo IEC PUC Minas. Advogado e membro da Comissão de Bioética e Biodireito da OAB/MG. Biotécnico. Professor universitário.


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