Resumo: O erro de proibição constitui-se em uma excludente da potencial consciência do injusto e consequentemente da própria culpabilidade do comportamento. Está em erro de proibição quem por erro escusável ou inescusável acaba por realizar a ação ou omissão contrária às proibições e permissões do ordenamento jurídico, justamente por não conhecer ou por não ter se informado, quando poderia, da existência desta relação de contrariedade. Ocorre que, no atual estágio do direito penal, analisado conjuntamente com a evolução dos costumes e da cultura da sociedade, o afastamento da potencial consciência do injusto através da afirmação da existência de erro de proibição no caso concreto, afigura-se situação excludente de difícil configuração. Esta afirmação é corroborada pela existência de dois critérios, a valoração paralela na esfera do profano e o dever de informar-se que impedem na maioria dos casos o reconhecimento da existência do erro de proibição escusável. Deve-se enfatizar que tais critérios não são suficientemente delineados pela doutrina brasileira, o que vem a causar a falsa impressão de que o erro de proibição escusável é uma excludente de culpabilidade facilmente reconhecido no caso concreto, e também nas raras situações em que está presente, o erro de proibição não afasta a culpabilidade por ser confundido com a ignorância da lei.
Palavras-chave: culpabilidade; objeto do conhecimento do injusto; erro de proibição; valoração paralela na esfera do profano; dever de informar-se.
Abstract: The prohibition mistake is constituted in an excluding of the potential conscience of the unjust and consequently of the own guilt of the behavior. He/she is in prohibition mistake who by mistake escusável or inescusável ends for accomplishing the action or omission contrary to the prohibitions and permissions of the juridical ordenamento, exactly for not knowing or for not having if informed, when it was able to, of the existence of this annoyance relationship. He/she happens that, in the current apprenticeship of the penal right, analyzed jointly with the evolution of the habits and of the culture of the society, the removal of the potential conscience of the unjust through the statement of the existence of prohibition mistake in the concrete case, excluding situation of difficult configuration is figured. This statement is corroborated by the existence of two criteria, the parallel valoração in the profane’s sphere and the duty of to inform that impede in most of the cases the recognition of the existence of the mistake of prohibition escusável. It should be emphasized that such criteria are not delineated sufficiently by the Brazilian doctrine, what comes to cause the false impression that the mistake of prohibition escusável is an excluding of guilt easily recognized in the concrete case, and also in the rare situations in that it is present, the prohibition mistake doesn’t move away the guilt for being confused with the ignorance of the law.
Keyword:guilt; object of the knowledge of the unjust; mistake of prohibition; parallel valoração in the profane’s sphere; to owe of informing.
Sumário: 1. Introdução. 2. Teorias delimitadoras do conhecimento do injusto. 2.1 antijuridicidade material como objeto do conhecimento do injusto. 2.2 punibilidade como objeto do conhecimento do injusto. 2.3 antijuridicidade concreta como objeto do conhecimento do injusto. 3. O critério da valoração paralela na esfera do profano. 4. Insuficiência das teorias ou critérios para explicar proibições penais não dotadas de conteúdo moral e o “dever de informa-se” de welzel. 5. O desconhecimento do injusto e o desconhecimento da lei. 6. Considerações finais
1. INTRODUÇÃO
A responsabilidade por comportamentos anti-sociais, assim como a recompensa por comportamentos socialmente úteis, conferem a tônica necessária para que seja possível viver em sociedade. A prática de um comportamento contrário à norma, que cause um dano a um bem juridicamente tutelado, inevitavelmente causa um abalo à ordem jurídico-social, e a conseqüente responsabilização do indivíduo causador deste comportamento anti-social é imprescindível, para que este abalo não venha a se transformar em ruptura do tecido social.
Para que esta ordem jurídico-social seja mantida, possibilitando o existir da sociedade, faz-se necessário que esta responsabilização seja corretamente atribuída ao agente. E isto se realiza – sem prejuízo da análise de uma tipicidade e de uma antijuridicidade – principalmente por um juízo de valoração que permita justificar porque o sujeito é reprovado, afinal o princípio da culpabilidade é um dos pilares do moderno Direito Penal do Estado Democrático de Direito, “Nulla poena sine culpa”.
Segundo Cirino dos Santos (2008, p. 293), o estudo da culpabilidade consiste na pesquisa de defeitos na formação da vontade antijurídica: a) na área da capacidade de vontade, a pesquisa de defeitos orgânicos ou funcionais do aparelho psíquico; b) na área do conhecimento do injusto, a pesquisa de condições internas negativas do conhecimento real do que faz, expressas no erro de proibição; c) na área de exigibilidade, a pesquisa de condições externas negativas do poder de não fazer o que faz: as situações de exculpação, determinantes, determinantes de conflitos, pressões, perturbações, medos etc.
Ressalta-se o elemento estruturante do conhecimento do injusto, como essencial a culpabilidade, sua própria razão de ser, pela imprescindibilidade do autor saber realmente que o que faz é contrário à norma, e para isto, relevante é a questão acerca do que consiste “o substrato psíquico mínimo de conhecimento do injusto para configurar a consciência da antijuridicidade do fato” (CIRINO DOS SANTOS, 2008, pg. 310). Realmente, é imprescindível precisar o que o autor deve saber para ter conhecimento do injusto do fato e, assim, poder existir a reprovação.
Assim, procurou-se no presente trabalho, delimitar o que seria o objeto do conhecimento do injusto, a partir das principais teorias que divergem sobre o assunto, e com base nesta delimitação crítica, buscou-se a análise de critérios (valoração paralela na esfera do profano e dever de informar-se) por vezes esquecidos pela jurisprudência e doutrina, que podem questionar a concretude e real existência das condições internas negativas do conhecimento real do que se faz, expressas no erro de proibição, comumente alegadas e reconhecidas em sentenças absolutórias que afastam a culpabilidade do agente.
2 . TEORIAS DELIMITADORAS DO OBJETO DO CONHECIMENTO DO INJUSTO
Primeiramente deve-se enfatizar que a análise do objeto da consciência do injusto, é condição “sine qua non” para se entender e compreender o que o autor deve saber para ter conhecimento de que seu comportamento é contrário a uma norma de direito penal. “Sem definir o objeto da consciência do injusto qualquer pesquisa sobre erro de proibição é inútil” (CIRINO DOS SANTOS, 2008, p. 310).
A doutrina penal contemporânea não é pacífica em definir o que seja o objeto do conhecimento do injusto. Pode-se destacar três principais teorias, segundo Cirino dos Santos (2008, p. 311-312) e Assis Toledo (1994, p.258-259), o primeiro faz menção a três teorias, quais sejam: tradicional, moderna e intermediária. Já Assis Toledo faz referência à classificação feita por Córdoba Roda, que fala em critério material, formal e intermediário.
Na verdade tais teorias estabelecem cada qual de seu modo, um parâmetro que servirá de modelo para se aferir o comportamento hipotético do sujeito ativo. Então se o sujeito ativo perceber que o seu comportamento vai contrariar este parâmetro pré-definido, e mesmo após a obtenção desta informação ou após reflexão sobre esta contradição, agir, ele estará atuando contra a norma, sendo passível de reprovabilidade, pois agiu com conhecimento do injusto.
2.1 Antijuridicidade material como objeto do conhecimento do injusto
Esta teoria, nominada de tradicional, segundo citação de Cirino Dos Santos (2008, p. 311) define a antijuridicidade material ou danosidade social como objeto da consciência do injusto, consistente no conhecimento da contradição entre o comportamento e a ordem comunitária (valores sociais) ou a ordem moral, que permitiria reflexamente ao leigo saber que o seu comportamento infringe o ordenamento jurídico, independente de conhecer a lesão que o seu atuar causa ao bem jurídico tutelado pela norma, ou ainda, independente de compreender que o seu agir é punível com uma sanção (punibilidade). Ë defendida principalmente por JESCHECK/WEIGEND, tendo ainda por defensores desse posicionamento os que falam em conhecimento da periculosidade e danosidade social (SAURER), em consciência da contrariedade ao valor social (GALLAS), em conhecimento da imoralidade da conduta (HIPPEL e C. ESPÓSITO) e em conhecimento da lesão de um interesse social (KAUFMANN e MAYER), segundo apanhado doutrinário realizado por JUAN CÓRDOBA RODA e citado por Galvão da Silva (2008, p.186).
O grande problema desta teoria está no fato de que nem sempre as condutas antijurídicas formalmente também são eivadas de antijuridicidade material. Sob um primeiro aspecto, há casos em que uma conduta é antijurídica sob um ponto de vista formal sem que lhe corresponda um injusto material.
Em todos os ordenamentos jurídicos existem várias condutas delitivas às quais não correspondem injustos materiais, especialmente no âmbito das contravenções. O problema se torna ainda mais evidente no atual Direito Penal da sociedade pós-industrial, em que cada vez mais condutas baseadas apenas no desvalor da ação são criminalizadas (direito penal de perigo), como o caso, no Brasil, v.g., do armazenamento da lenha em depósito sem autorização da autoridade administrativa competente ou a utilização de motosserra sem registro ou prévia autorização administrativa (parágrafo único do artigo 46 da lei 9605/98). Nesse caso, a proibição sob ameaça de pena criminal se choca com as normas ético-sociais.[1]
2.2 Punibilidade como objeto do conhecimento do injusto
Podemos afirmar, que é quase pacífico na doutrina contemporânea, o entendimento de que não é suficiente o autor ter consciência de que sua conduta vulnera os princípios ético-sociais ou morais imperantes na sociedade, posto que não é condição necessária nem suficiente para formular uma proibição jurídica de qualquer classe. No entanto, defendemos que essa concepção não se encontra totalmente superada, pois em alguns casos, para se aferir se o agente tem ou não conhecimento do injusto, faz-se necessário o uso do critério da valoração paralela na esfera do profano, ou seja, para que o homem rústico, leigo, atinja esta capacidade de entender o caráter ilícito do fato, faz-se necessário uma consciência anterior da existência de uma ordem social e de valores sociais que se contrariados, acarretarão conseqüências, como sanções ou reprovações por parte da comunidade.
Segundo o entendimento desta teoria faz-se necessário que o agente tenha conhecimento de que seu comportamento é punível por um tipo penal, ou seja, conhecimento de infringir uma prescrição penal (punível), ainda que não se exija conhecimento minucioso dos termos da lei.
Dentre os defensores desta teoria, existem aqueles que entendem não ser necessário o conhecimento da punibilidade penal, mas sim de uma punibilidade genérica. É importante destacar as idéias de NEUMANN sobre o que seria o objeto do conhecimento do injusto, para ele é necessário que o sujeito saiba que a resposta estatal à infração que está cometendo será uma sanção. Consciência do injusto seria consciência da sancionabilidade jurídica do comportamento realizado. Segundo ele, não é suficiente que o sujeito seja conhecedor de que viola uma norma de Direito civil, administrativo ou disciplinador, senão que é preciso o conhecimento de que o comportamento vulnera uma norma que desaprova o fato e o considera merecedor de sanção.[2]
Tenta-se atribuir validade a essa teoria, pela admissão da prevenção geral como uma das funções do Direito Penal. Realmente, se a coação psicológica da pena deve evitar o cometimento do delito, reconhece-se que o autor da conduta tenha conhecimento da norma que optará por violar ou não.
Como crítica a essa teoria, sustenta-se que ela geraria conseqüências realmente insustentáveis, a ponto de se afirmar – ao que parece de maneira exagerada – que somente o jurista seria capaz de delinqüir, deixando de lado a situação do homem rústico, visto que por não ter capacidade técnico-jurídica, quando com seu comportamento infringisse a norma, não seria punido, em razão de existência de erro de proibição direto escusável, ou teria sua pena atenuada pela existência de erro de proibição direto inescusável, ou seja, o homem leigo praticaria um delito e sairia impune, pois sempre poderia alegar erro de proibição.
Exigir um conhecimento técnico-jurídico completo da norma não seria praticável nem, possivelmente, desejável. Porém, a crítica mais factível é feita por ROXIN, em dois principais aspectos. Em primeiro lugar, de índole basicamente prática, a distinção teria muito pouca incidência, pois o cidadão médio identifica quase sempre proibição com proibição penal.
Em segundo lugar, o conhecimento de que um determinado fato está proibido deve ser suficiente para motivar um comportamento conforme o Direito. Se isso é conhecido, o resto seria apenas especulação sobre a mera impunidade que não merece nenhuma atenuação. Para corroborar a crítica, menciona o exemplo daquele que sabe que com a utilização de um veículo alheio esta cometendo uma conduta proibida por ser uma apropriação não permitida pelo Direito Privado, embora não tenha nem idéia de que isso constitua um delito. Tal sujeito não se encontraria em um erro de proibição nem mereceria uma atenuação da pena.
2.3 Antijuridicidade concreta como objeto do conhecimento do injusto
Esta teoria, denominada pela doutrina, como Teoria Intermediária é, atualmente, dominante na Alemanha, tanto na doutrina como na jurisprudência, tendo como principal representante Claus Roxin (CIRINI DOS SANTOS, 2008, p. 311).
Ter consciência do injusto, equivale à compreensão pelo sujeito ativo, de que seu comportamento está juridicamente proibido. Conhecer a danosidade social ou a imoralidade do comportamento seria insuficiente e conhecer a punibilidade do comportamento, conforme a tória moderna, seria desnecessário. Então, segundo ROXIN, o objeto do conhecimento do injusto seria a chamada antijuridicidade concreta, que se traduz no conhecimento da específica lesão do bem jurídico compreendido no tipo legal respectivo, ou seja, o conhecimento da proibição concreta do tipo de injusto.
Em termos aclaradores, o objeto do conhecimento do injusto, não se refere à consciência de uma antijuridicidade abstrata descrita hipoteticamente no tipo legal, pois se o tipo legal descreve hipoteticamente uma ação ou omissão contrária ao direito, podemos afirmar que o tipo legal descreve a própria antijuridicidade (tipicidade como ratio essendi da antijuridicidade), esta antijuridicidade abstrata e formal, constitui-se em uma qualidade invariável de toda ação típica e antijurídica. Portanto a relação de contrariedade entre o comportamento do sujeito ativo com o conjunto das proibições e permissões do ordenamento jurídico não pode ser considerada como objeto do conhecimento do injusto. O que realmente deve ser considerado como objeto do conhecimento do injusto, é a consciência da efetiva lesão a um bem jurídico, protegida pela prescrição penal, ou seja, é a consciência de que o que se realiza vai causar uma lesão a um bem jurídico tutelado pela norma penal, lesão esta, que não seria causada se o agente obedecesse o imperativo da norma que emoldura o tipo legal descritivo.
3. O CRITÉRIO DA VALORAÇÃO PARALELA NA ESFERA DO PROFANO
Como visto linhas acima, as teorias que tentam delimitar e identificar o objeto do conhecimento do injusto, vão desde afirmar que o objeto do conhecimento do injusto constitui-se na consciência de que a ação do sujeito ativo está em contradição com a ordem moral ou com os valores sociais, passando por considerar como seu objeto o conhecimento da punibilidade específica, até chegar a uma posição intermediária, traduzida na afirmação de que o objeto do conhecimento do injusto seria a contrariedade do comportamento ao ordenamento jurídico, ou seja, do conhecimento da lesão a um bem juridicamente protegido.
A valoração paralela na esfera do profano constitui-se em um critério utilizado para aferir a possibilidade da compreensão da ilicitude da conduta por parte do sujeito ativo no caso concreto. Este critério pode e deve ser considerado, como um elemento de ligação entre a teoria tradicional – que defende como objeto do conhecimento do injusto a contradição do comportamento do sujeito ativo à ordem moral e aos valores sociais – e a teoria intermediária – que defende como objeto do conhecimento do injusto a contrariedade ao ordenamento jurídico. Isto porque, a valoração “paralela” na esfera do “profano” traz no seu bojo de forma explícita um juízo axiomático, realizado de forma (paralela) ao conhecimento técnico jurídico, pelo homem leigo (profano), produzindo assim o conhecimento do injusto, ou seja, a consciência profana, não técnico jurídica, que é suficiente para indicar ao agente leigo que sua conduta é errada.
Esta consciência profana tem como fundamento as normas de cultura que são hauridas no convívio social, da apreensão e compreensão do que é proibido pelo consenso geral. Então a base desta valoração paralela na esfera do profano, tem guarida na contradição do comportamento do sujeito ativo à ordem moral e aos valores sociais.
Não é diferente a opinião de Assis Toledo (1994) quando afirma categoricamente que:
“Para que se possa, mediante algum esforço da consciência, atingir o caráter injusto de uma ação é necessário que a matéria desse injusto já tenha penetrado anteriormente na consciência, o que só seria possível por meio das normas de cultura, únicas acessíveis ao leigo” (ASSIS TOLEDO, 1994. p. 259)
Pode-se afirmar então, que a teoria intermediária é insuficiente para delimitar e identificar quando ocorrerá ou não o erro de proibição, ou talvez seja até verossímel a afirmação de que a teoria intermediária tenha um parentesco íntimo com as teorias tradicional e moderna, pois pela teoria tradicional, temos que o homem rústico pode apreender o conhecimento do injusto pela valoração paralela na esfera do profano e pela teoria moderna, que tem como objeto a punibilidade do comportamento, temos que na maioria das vezes apenas o homem que tem conhecimento técnico jurídico pode apreender o conhecimento do injusto. Porque se afirmarmos que ter conhecimento do injusto, significa compreender a contrariedade do fato com o ordenamento jurídico, como ficará o homem leigo, que muitas das vezes não terá este conhecimento técnico jurídico. Logicamente para que o leigo possa saber que o seu comportamento lesa um interesse juridicamente protegido pela norma penal, faz-se necessário um juízo de valoração que se desenvolve de forma paralela a um possível e desejado conhecimento técnico jurídico, fundamentado em normas de cultura, na concepção da teoria tradicional, que tem como objeto do conhecimento do injusto a ordem moral e os valores sociais.
No clássico pensamento egotista de Binding citado por Assis Toledo(1994, p. 259), ao considerar errada a conduta porque não gostaria que lhe fizessem, o ser humano já tem suficiente noção do caráter ilícito da conduta para merecer censura pelo universo do direito penal. Deste modo a consciência da ilicitude surge com “a naturalidade do ar que se respira”, pelo próprio convívio social e universo comunicativo que circunda o agente.
Vê-se então que a teoria intermediária não abandona de vez a teoria moderna, (pois para determinados agentes o conhecimento de que seu comportamento contraria o ordenamento jurídico é encontrado através de um conhecimento técnico jurídico) e é complementada pela teoria tradicional, em decorrência da aplicação da valoração paralela na esfera do profano, que impõe ao julgador que, quando da análise da existência ou não do erro de proibição, verifique em que condições sócio culturais o agente realizou a valoração.
É importante destacar, neste momento do presente trabalho, a seguinte indagação: Se um agente realiza um comportamento em contrariedade com o ordenamento jurídico, ou seja, um comportamento definido como crime, não tendo conhecimento técnico jurídico e nem podendo se comportar de acordo com a norma, em virtude de ser impossível a valoração paralela na esfera do profano, pelo fato da proibição penal não coincidir com a ordem moral e os valores sociais, podemos afirmar que tal agente agiu em erro de proibição? A resposta a esta indagação ainda deve ser negativa, em virtude da existência do critério criado por WELZEL, qual seja, “o dever de informar-se”, que será analisado logo abaixo.
4. INSUFICIÊNCIA DAS TEORIAS OU CRITÉRIOS PARA EXPLICAR PROIBIÇÕES PENAIS NÃO DOTADAS DE CONTEÚDO MORAL E O “DEVER DE INFORMA-SE” DE WELZEL
As teorias que procuram explicar e identificar qual é o objeto do conhecimento do injusto tem em comum a necessidade do sujeito ativo da conduta saber que seu comportamento contraria um parâmetro pré-definido. Esta consciência da contrariedade entre o comportamento e o valor pré-definido de acordo com a teoria, é o objeto do conhecimento do injusto, ou seja, o agente que atua sabendo que o seu comportamento é errado (contrariedade como relação ao parâmetro) atua com conhecimento do injusto, e consequentemente, temos a concretização da presença no agente da consciência atual da ilicitude, que constitui-se em um dos elementos da culpabilidade.
Caso o agente atue sem saber que seu comportamento contraria um parâmetro pré-definido, segundo qualquer das três teorias, podemos afirmar que atuou sem o conhecimento atual da ilicitude, incidindo em erro acerca da contrariedade entre o seu comportamento e o parâmetro considerado, a isto se dá o nome de erro de proibição, que afasta a consciência atual da ilicitude, afastando consequentemente a culpabilidade. Mas segundo ensinamento de BINDING, citado por Assis Toledo (1994):
“Na quase totalidade dos casos a invocação do desconhecimento da norma não passa duma mentira grosseira e transparente. É que o egoísmo nos revela quais são os atos que não precisamos tolerar, e via de regra nossa razão conclui acertadamente que tais atos devem estar proibidos quando praticados por outrem face à nossa pessoa, ou por nós face a outrem. Essa suposição da existência de uma proibição, que se funda na realidade, basta perfeitamente para produzir um conhecimento suficiente da norma. Por outro lado, é bastante freqüente que o dever jurídico chegue a nós através da chamada lei moral, que basta ao conhecimento da norma, desde que se só se proíba aquilo que realmente é vedado no consenso geral e o procedimento contrário à moral seja proibido no terreno jurídico” (ASSIS TOLEDO, 1994. p. 259).
A teoria tradicional que tem como objeto do conhecimento do injusto, a ordem moral e os valores sociais, alinha-se perfeitamente com a valoração paralela na esfera do profano, pois é através dela que o leigo apreende a consciência de que seu comportamento contraria a norma, desde que esta proibição normativa corresponda também a uma proibição de natureza moral. Já a teoria moderna, que tem como objeto do conhecimento do injusto a punibilidade, exige um conhecimento técnico jurídico, que com toda a certeza o leigo não possui. Por fim a teoria intermediária, dominante na doutrina pátria, que tem como objeto do conhecimento do injusto a contrariedade do comportamento com a ordem jurídica, não dispensa na aferição da presença ou ausência do conhecimento da ilicitude, o uso do critério da valoração paralela na esfera do profano.
Mas, todas estas teorias falham ao tentar explicar a ausência do conhecimento da ilicitude por parte do agente quando atua em contrariedade a normas (proibições) que não são dotadas de um conteúdo moral, que não correspondem a uma concepção de injusto material, as chamadas ações moralmente inocentes, como por exemplo o delito de fabricar açúcar, de pesca proibida (ter o agente retirado planta hidrófila, como tal a vitória régia) ou armazenar lenha em depósito sem licença da autoridade administrativa competente. Como afirma Assis Toledo (1994):
“Como exigir-se, nesse caso, por parte do agente, que se supõe não ser jurista, motivar-se pelo conhecimento da norma, ou pela antisocialidade, ou pela imoralidade de uma conduta totalmente neutra, ou, ainda, que encontre na “consciência” profana, com algum esforço, o que nela nunca esteve e não está” (ASSIS TOLEDO, 1994. p. 259-260).
A falta de resposta a estas indagações, levou WELZEL a reelaborar o conceito normativo de conhecimento do injusto, introduzindo-lhe um novo elemento, o chamado “dever de informar-se”, para transformá-lo na “potencial consciência da antijuridicidade”. Segundo Bitencourt ( a culpabilidade penal exige não apenas a consciência da ilicitude, mas a potencial consciência desta ilicitude. Em outros termos, não basta, simplesmente, não ter consciência do injusto para inocentar-se. É preciso indagar-se se havia possibilidade de adquirir tal consciência e, havendo essa possibilidade, se ocorreu negligência(censurável desatenção) em não adquiri-la ou falta ao dever concreto de procurar esclarecer-se sobre a ilicitude da conduta praticada (falta do dever cívico de informar-se).
Não podemos esquecer que a culpabilidade é basicamente um juízo de censurabilidade sobre a ação humana, e sendo assim, só haverá erro de proibição inevitável no caso concreto, se este mesmo juízo valorativo por parte do julgador constatar que nas circunstâncias, não está presente uma censurável desatenção ou a falta de um dever cívico de informar-se.
O Código Penal Brasileiro em seu artigo 21, parágrafo único, deixa claro a adoção deste novo elemento, “dever de informar-se”, introduzido sob os auspícios da doutrina finalista. “Considera-se evitável o erro se o agente atua ou se omite sem a consciência da ilicitude do fato, quando lhe era possível, nas circunstâncias, ter ou atingir esta consciência.”
Interessante mencionar, que a presença no agente, quando do comportamento contrário à norma, da censurável desatenção ou da falta do dever cívico de informar-se, impede que se reconheça o erro de proibição inevitável, excludente da atual e da potencial consciência da antijuricidade e consequentemente da culpabilidade. Mas, se presente estes dois elementos acima descritos, que consubstanciam o dever de informar-se de WELZEL, temos o reconhecimento do erro de proibição evitável, que não exclui a culpabilidade, mas tem o poder de atenuá-la.
Tudo isto em virtude do pressuposto básico para que se reconheça o erro de proibição justificável, inevitável, ou seja, a impossibilidade de o agente alcançar o entendimento da ilicitude de seu comportamento. E em face da existência do dever de informar-se, este pressuposto básico do erro de proibição inevitável fica prejudicado, pois, no caso concreto era possível ao agente ter ou atingir o conhecimento do injusto, embora não se possa afirmar que o agente atuou com o conhecimento do injusto, ao contrário, deve-se afirmar que no caso de erro de proibição evitável o agente atuou sem o conhecimento de que seu comportamento era contrário à norma, mas as circunstâncias indicam que era possível àquele agente ter ou atingir este conhecimento, demonstrando assim a existência de uma potencial consciência da antijuridicidade.
A contrariedade de seu comportamento com a norma traz uma culpabilidade mitigada, atenuada, pois apesar de não possuir o conhecimento atual do injusto, possui o potencial conhecimento do injusto, traduzido pela censurável desatenção ou pela falta do dever cívico de informar-se.
5. O DESCONHECIMENTO DO INJUSTO E O DESCONHECIMENTO DA LEI
A falta de conhecimento do injusto por parte do autor, em razão: da falta de um conhecimento técnico jurídico, da impossibilidade de se adquirir este conhecimento através da valoração paralela na esfera do profano (problema dos comportamentos proibidos que não guardam correspondência com as proibições morais), da ausência do dever de informar-se consubstanciada na ausência de uma censurável desatenção e do dever cívico de informar-se, deveria ocasionar o reconhecimento do erro de proibição inevitável, que afasta a culpabilidade do agente. Ocorre que, de acordo com a doutrina e a jurisprudência nacional, isto nem sempre é possível, pois o desconhecimento da lei é inescusável.
Explicando de outra forma, tomemos o exemplo acima referido, do delito de armazenar lenha em depósito sem licença da autoridade administrativa competente (parágrafo único do artigo 46 da lei 9605/98), situação esta, em que a norma proibitiva não corresponde a uma proibição moral. Embora o agente não tenha nenhum óbice dos critérios acima referidos para se reconhecer que agiu sem o conhecimento do injusto, portanto em erro de proibição, parte importante da doutrina insiste que ele deve responder pelo delito, pois, não pode alegar que cometeu o delito por não saber que a conduta era proibida, em razão de que a todos é obrigatório o conhecimento da lei.
Este entendimento parece ter como fundamento, a distinção criada pela doutrina entre erro de proibição e ignorância da lei, bem como a interpretação acerca do artigo 21 do Código Penal Brasileiro, que define em sua primeira parte, que o desconhecimento da lei é inescusável, ou seja, ninguém poderá alegar erro sobre a proibição que afasta ou diminui o juízo de reprovação, se este erro advier de falta de conhecimento do dispositivo legislado. O que pode escusar, de acordo com este mesmo artigo é o desconhecimento do injusto, que se inevitável isenta de pena, e se evitável reduz a pena imposta.
Ocorre que sustentar a máxima “ignorantia legis neminem excusat”, é fazer “tabula rasa” do princípio da culpabilidade, é condenar mesmo que não seja possível estabelecer de forma induvidosa um juízo de reprovação sobre o agente.
A correta interpretação do artigo 21 do Código Penal Brasileiro, é que realmente o desconhecimento da lei é inescusável, salvo se a ignorância é inevitável. E em decorrência da inevitabilidade desta ignorância não se pode compreender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com este entendimento, em virtude de que nos comportamentos proibidos que não guardam correspondência com as proibições morais, só se pode chegar ao conhecimento da norma se for possível o conhecimento do tipo penal respectivo, pois aqui não se aplica a valoração paralela na esfera do profano e muito menos conhecimento técnico-jurídico, pois nem mesmo os mais destacados juristas podem conhecer a infinidade dos tipos penais existentes.
Então a máxima “ignorantia legis neminem excusat” só pode ser aplicada nas situações em que há correspondência entre a proibição legal e a ordem moral e os valores sociais, pois assim é possível a aplicação de outros critérios para se constatar se há ou não a presença do conhecimento do injusto. A interpretação mais consentânea com a realidade social brasileira, deve ser no sentido de que o desconhecimento do injusto se inevitável, sempre deve isentar de pena, mesmo que a falta do conhecimento do injusto decorra inevitavelmente do desconhecimento da lei, isto porque, a obrigatoriedade de se conhecer as leis é uma ficção jurídica que não pode prevalecer sobre uma verdade constatada no caso concreto, que é o desconhecimento do injusto.
Assim, segundo Galvão da Silva (2008, p. 196), o conhecimento do injusto, elemento principal da culpabilidade, é que comanda o princípio da irrelevância do desconhecimento da lei e lhe assinala o seu sentido e limites. Não se pode mais admitir que com base em uma máxima destituída de fundamentos concretos e plausíveis continuem a existir condenações em casos em que o autor não tinha conhecimento do injusto e, assim, agiu sem culpa, violando-se um dos principais pilares do Direito Penal Moderno.
6 . CONSIDERAÇÕES FINAIS
Podemos então afirmar, em virtude do raciocínio até aqui exposto, que a total falta do conhecimento da contrariedade do comportamento com a norma (atual e potencial consciência do injusto – antijuridicidade concreta como objeto do conhecimento do injusto) isenta de pena, mas é de difícil configuração.
Para se reconhecê-la e consequentemente excluir a culpabilidade do comportamento do agente, é preciso primeiramente que o juízo de censurabilidade realizado pelo julgador tendo como objeto o comportamento do agente, procure primeiramente identificar se o agente tinha conhecimento técnico-jurídico (conhecimento da punibilidade do comportamento como objeto do injusto), para avaliar se sua conduta contrariava a norma.
Se não existia este conhecimento técnico-jurídico o julgador deve perscrutar se teria sido fácil para ele, nas circunstâncias, através de uma reflexão, obter esta consciência com algum esforço de inteligência e com os conhecimentos auridos da vida comunitária de seu próprio meio (critério da valoração paralela na esfera do profano – teoria da ordem moral e dos valores sociais como objeto do conhecimento do injusto).
O julgador ao perceber que nem com conhecimento técnico jurídico, nem com a valoração paralela na esfera do profano, o agente podia atingir o conhecimento do injusto, em virtude de se estar frente a uma ação moralmente inocente, ou seja, comportamento criminalizado que não corresponde a nenhuma proibição moral, terá de identificar a presença ou a ausência de censurável desatenção ou falta do dever cívico de informar-se (dever de informar-se de WELZEL), se presente o dever de informar-se, teremos a falta da atual consciência do injusto, mas em contrapartida a presença da potencial consciência do injusto, que não afasta a culpabilidade, mas a atenua. Ausente este dever de informar-se, teremos finalmente configurado o chamado erro de proibição inevitável que como vimos afasta a atual e a potencial consciência do injusto, impedindo assim que a realidade de fato psicológica se eleve ao conceito de culpabilidade.
Por fim, nos comportamentos proibidos que não guardam correspondência com as proibições morais – as chamadas ações moralmente inocentes mas penalmente proibidas – onde só se pode chegar ao conhecimento da norma se for possível o conhecimento do tipo penal respectivo, não se poderá aplicar a máxima “ignorantia legis neminem excusat”, pois, nestes casos deve-se entender que o desconhecimento do injusto sobreleva-se em importância em relação ao desconhecimento da lei, tendo como conseqüência inarredável o reconhecimento de que não deve haver juízo de reprovação sobre o comportamento do agente, em virtude deste não possuir o conhecimento do injusto.
E em uma ênfase redundante, mas necessária, devemos ter em mente que: o conhecimento do injusto, elemento principal da culpabilidade, é que comanda o princípio da irrelevância do desconhecimento da lei e lhe assinala o seu sentido e limites, então, se ausente o desconhecimento do injusto – mesmo que haja o desconhecimento da lei – podemos afirmar que não deve haver juízo de reprovação ao comportamento do agente, não prevalecendo assim a máxima de que ninguém se escusa de cumprir a lei alegando que não a conhece, pois, o que deve prevalecer, limitando a máxima “ignorantia legis neminem excusat”, é o erro de proibição inevitável.
Informações Sobre o Autor
Nelson Vidal
Delegado de Polícia em Santa Catarina. Especialista em Direito Penal e Processo Penal pela Faculdade Anhanguera de Taubaté. Especialista em Processo Civil pela Universidade de Taubaté – UNITAU.