Resumo: Trata-se de estudo sobre a chamada restrição cadastral interna, muito usada pelas instituições financeiras como forma fator de análise de concessão de crédito. Essa prática é ilegal por ferir princípios básicos como a dignidade humana, a boa fé objetiva, o contraditório e a ampla defesa que deve ser garantido ao consumidor. Esse trabalho também pretende mostrar que essa prática fere o artigo 5º, X e XLVII, b, ambos da Constituição Federal, que versam respectivamente sobre a dignidade da pessoa e da proibição de penas perpétuas. Aborda finalmente a recente decisão em desfavor da Caixa Econômica Federal proibindo-a de negar credito ao cliente sob o fundamento de o cliente ter histórico negativo com a instituição.
Palavras-chave: Bancos; Consumidor, Serasa, Restrição, Crédito.
Abstract: This studyisthe call barringinternalcadastre, widely usedby financial institutionsas afactoranalysis ofcredit.This practiceis illegalfor violatingbasic principlessuch as human dignity, good faith objective, the contradictory andfull defensethat should be availableto the consumer.This work alsoaims to show thatthis practiceviolates Article5,XLVIIX andb, both the Federal Constitution, which focus respectivelyon the dignityof the person andthe prohibition onlife sentences. Finallydiscussesthe recent decisionto the detriment ofCEFforbidding themto denycreditto the customeron the groundsthat thecustomer hasa negative historywith the institution.
Introdução
Em fevereiro próximo o Código de Defesa do Consumidor, Lei 8.078/90 completará onze anos de vigência, apesar de ser uma das leis mais conhecidas pela população, muitas de suas disposições ainda são constantemente desrespeitadas pelas empresas. Infelizmente esse fato gera inúmeras ações judiciais, sobrecarregando a já morosa prestação jurisdicional.
Não resta dúvida que nos Juizados Especiais ou “de pequenas causas” como algumas pessoas ainda o chamam,o maior número de processos versa sobre a relação consumerista, e, em sua maioria, está relacionado ações de indenização por danos morais, em virtude de inclusão indevida do nome do consumidor em bancos de dados restritivos do crédito, como SPC eSERASA.
Ainda desconhecida da maioria da população, porém, há outra modalidade de restrição cadastral muito utilizada pelas empresas, sobretudo aquelas que trabalham diretamente comofomentadoras do crédito, como os bancos e financeiras de um modo geral, trata-se da chamada “restrição cadastral interna”. Essa modalidade de restrição não oferece oportunidade de regularização ao cliente, pois o seu nome ou CPF não ficam registrados nos órgãos de proteção ao crédito, por isso dificilmente o consumidor tomará conhecimento de sua existência, uma vez que se nunca voltar a se relacionar com aquela empresa, nunca poderá se defender e buscar seus direitos.
Não é raro o consumidor se dirigir até uma agência bancária qualquer a procura de determinada linha de crédito, e quando de sua avaliação, ser surpreendido pelo atendente que lhe informa que seu cadastro não foi aprovado. Inconformado, ele indaga o motivo da reprovação, uma vez que estava crente de que não possuía nenhuma pendência cadastral. Educadamente o atendente responde que em outra ocasião quando esse cliente teve algum tipo de relacionamento com aquela instituição, “ficou alguma coisa pra trás”, e isso agora está impedindo uma nova concessão.
Em linguagem bancária, essa restrição acontece devido ao “behaviour credits”, ou comportamento de crédito ou histórico de credito que o cliente mantém com a instituição. É, na verdade uma espécie de termômetro que mede o comportamento do cliente em relações a suas obrigações com o próprio banco. Até aí tudo certo, não vislumbramos nenhuma ilegalidade. É mais do que natural que o credor queira saber da idoneidade de seus clientes, só assim poderá minimizar os riscos de uma concessão mal feita. O problema surge, entretanto quando esse histórico negativo é utilizado como justificativa para a reprovação de uma nova concessão de crédito, em período superior àquele em que o banco poderia manter o nome do cliente registrado nos órgãos de proteção ao crédito, que hoje é de cinco anos.
Nossa Carta Maior consagra em seu Art. 5º, X, que são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurando o direito a uma indenização por dano moral e material, se acaso esses bens forem violados. O que a Constituição faz na verdade é proibir que esses bens sejam desrespeitados, infringidos, pois na verdade eles são sim violáveis, e o são diariamente. Mas procurou o constituinte assegurar que em caso de violação, que haja a pronta reparação.
Não resta dúvida que quando uma instituição financeira restringe o crédito ao cliente sob a alegação de que o comportamento de crédito do cliente não foi satisfatório (behaviour credits) está infringindo o artigo 5º de nossa Magna Carta, e o consumidor deve procurar fazer valer as leis que regem o assunto, sobretudo a Constituição Federal e o Código de Defesa do Consumidor, que procurou disciplinar a matéria referente ao tempo de permanência em que os dados do consumidor podem ficar inseridos nos chamados órgão de proteção ao crédito, e o fez em seu artigo 43,§1º, que transcrevemos abaixo:
Lei 8.078/90, art. 43§1º
§1º Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.(grifo nosso)
Aqui cabe uma informação aoleitor, o fato de o banco ter que retirar o nome do cliente dos órgãos de restrição ao crédito não significa que a dívida está prescrita, como muitos pensam. A prescrição pode ocorrer até mesmo antes desse prazo, vai depender da natureza da obrigação, nesse caso deve consultar os prazos estabelecidos no Código Civil, em seus artigos 206 e 207. O tempo não quita dívida de ninguém.
Nota-se, portanto, que o prazo que tem a instituição financeira para manter o nome dos clientes em bancos restritivos, até mesmos aquelescadastros internos, é de cinco anos. Após esse período, qualquer negativa de acesso ao crédito sob esse fundamento, constitui ofensaaos princípios basilares daConstituição da República e ao Código de Defesa do Consumidor.
Nossa Jurisprudência caminha para a pacificação desse tema, no último dia 05 de outubroa Caixa Econômica Federal foi proibida pela justiça de negar crédito para quem deixou de pagar empréstimo crédito a mais de cinco anos. A decisão veio da Terceira Turma do Tribunal Regional Federal da 5ª Região (TRF-5). O acórdão determinou “que qualquer informação negativa de correntistas inseridas em cadastro ou banco de dados interno antes desse prazo não pode ser usada na concessão de empréstimos e financiamentos” (grifo nosso). A decisão é válida para todo o Brasil e tem como base o Código de Defesa do Consumidor. O Ministério Público Federal, autor da ação, alega que essa norma tem como objetivo impedir que o consumidor fosse eternamente punido por fatos antigos, o que configura pena de caráter perpétuo, proibida pela Constituição Federal. Para o TRF-5, “a decisão não prejudica os riscos de negócio da Caixa, porque a instituição pode continuar a avaliar o perfil, a renda e o endividamento do cliente, desde que não sejam considerados dados de mais de cinco anos” (grifamos).
Essa decisão é histórica, por abrir precedentes para queoutras instituições de créditose abstenhamda utilização desse mecanismo covarde e rancoroso em face de seus clientes.Ainda sobre o acórdão proferido pela justiça, não resta a menor dúvida de que ele servirácomo fundamento para outras ações que versem sobre a restrição cadastral interna. Há de se destacar nesse ponto que não estamos aqui fazendo a defesado caloteiro, daquela pessoa que de maneira intencional e premeditada se propõe a não honrar os compromissos. Entretanto, ainda nesses casos a punição deve ser objetiva, dentro dos parâmetros da legalidade e obedecendo aos princípios emanados da Constituição Federal. Entender queo banco pode indefinidamente restringir o crédito ao consumidor e afrontar o artigo 5º, XLVII, b, que proíbe a pena de caráter perpétuo.
Doutrinadores há que defendem que esse inciso aplica tão somente na seara criminal, não se aplicando, portanto às relações civis e administrativas. Discordamos nesse ponto por entendermos que essa não é a melhor interpretação que se possa dar a esse importante dispositivo constitucional. Vale lembrarque a hermenêutica constitucional vai muito além de uma interpretação meramente gramatical, o trabalho do exegeta exige maiores conhecimentos hermenêuticos. Interpretar gramaticalmente é a maneira mais fácil e menos dispendiosa, por isso, não raras vezes a produzem decisões completamente injustas, talvez legais, talvez. O professor Alexandre de Moraes alerta para a necessidade de buscar a harmonia do texto constitucional com suas finalidades precípuas, adequando-as à realidade e pleiteando a maior aplicabilidade dos direitos, garantias e liberdades públicas. É dizer, ao interpretar nossa Maior Lei, deve-se levar em conta fatores como o sociológico, histórico, buscando sempre o objetivo quemotivou o constituinte a inserir determinado dispositivo na Constituição.
CONCLUSÃO
O tempo é elemento crucial para o Direito, a expressão em latim tão conhecida no meio jurídico, “dormientibus non sucurrit jus” (o direito não socorre aos que dormem) é de uma verdade cristalina. O banco tem um prazo de cinco anos para usar o mecanismo da restrição de crédito e com isso forçar o pagamento por parte do devedor. Mas será que as instituições financeiras cumprem realmente uma política de recuperação de crédito? Quantas tentativas ou propostas de acordo o banco fez ou enviou ao cliente dentro desse quinquênio? Se o banco não cobra adequadamente, não pode punir o cliente a seu bel prazer.
De outra forma, não tem o tempo o condão de extinguir uma dívida ou qualquer outra obrigação, exceto se assim for convencionado entre as partes. Dessa forma, o fato de o lapso temporalde cinco anos ter sido ultrapassado não afasta a obrigação moral que tem o consumidor de pagar seus débitos, que em muitos casos não foram honrados por motivos justos como a perda de emprego, doença na família, enfim, situações atípicasdas quais nenhuns de nós estão imunes. O que não se permite é a aplicação de uma penalidade perpétua em face do consumidor.
Informações Sobre o Autor
Sebastiao Martins Cardoso
Bacharel em Direito pela Fundação Educacional Nordeste Mineiro- FENORD. Pós Graduando em Direito Público pela Universidade UNIDERP/ Anhanguera/IELF- Instituto Educacional Luiz Flávio Gomes. Bancário. Advogado.