Resumo: Enquanto categoria de análise os conceitos relacionados aos princípios da territorialidade e universalidade apresentam-se como instrumentos que norteiam as relações nos mbitos interestatais no que se refere ao alcance das leis tributárias. Nesse sentido busca-se identificar e analisar as variações sob as quais ambos os princípios da foram submetidos no ordenamento.
Palavras-chave: Princípios. Territorialidade. Universalidade.
Sumário: 1. Introdução. 2. Princípio da Territorialidade. a .A Concepção Clássica do Princípio da Territorialidade. i. Territorialidade em Sentido Positivo e em Sentido Negativo. ii. Territorialidade em Sentido Pessoal e em Sentido Real. iii. Territorialidade em Sentido Material e em Sentido Formal. b.Crítica a Concepção Clássica ao Princípio da Territorialidade. 3.Elemento de Conexão. a.Princípios da Residência e da Fonte. b.Princípios da Universalidade e da Territorialidade da Obrigação Tributária. 4.O Princípio da Universalidade das Pessoas Físicas. 5.Princípios da Universalidade e da Territorialidade e o Imposto Sobre a Renda. a.Escorço Histórico no Direito Pátrio da Tributação sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e os Princípios da Territorialidade e Universalidade. b.O Princípio da Universalidade e a Lei n 9.249/95. c.A Instrução Normativa n 38/96 e a Lei n 9.532/97. 6.Conclusão. Referências bibliográficas.
1. Introdução
Enquanto categoria de análise, os conceitos relacionados aos princípios da territorialidade e universalidade apresentam-se como instrumentos que norteiam as relações nos âmbitos interestatais. Nesse sentido, busca-se identificar e analisar as variações sob as quais ambos os princípios foram submetidos no ordenamento.
Para tanto, conduzir-se-á a análise do princípio da territorialidade em sua concepção clássica, conforme os sentidos estabelecidos pela doutrina: positivo, negativo, pessoal, real, material ou formal. Desse modo, traçados os limites espaciais decorrentes do princípio da territorialidade, surge para o trabalho a necessidade de se articular os limites do âmbito das leis – elemento de conexão. A partir disso, o trabalho passa a ser estudado sob esses elementos, que desdobrar-se-ão na análise dos princípios da fonte e da residência.
Inicialmente, propõe-se uma abordagem sobre as principais características que norteiam o princípio da territorialidade, partindo-se da caracterização do elemento conexão, bem como a definição de fonte e residência. Aborda-se, também, a crítica a concepção clássica do princípio da territorialidade.
Na segunda parte do trabalho serão analisados os princípio da territorialidade e da universalidade sob a ótica e conceito da literatura pertinente, outrossim, estendendo-se ao conteúdo da obrigação tributária. Logo depois, o paradigma existente entre o princípio da universalidade e as pessoas físicas.
Ato contínuo, no capítulo seguinte, acrescenta-se à análise os aspectos históricos do direito brasileiro sobre a renda das pessoas jurídicas em relação aos princípios da territorialidade e universalidade.
Em seguida, realiza-se o contraponto entre o princípio da universalidade e os preceitos normativos a que se relaciona (Instrução Normativa nº 38/96 Leis nº 9.249/95 e nº 9.532/97).
Por fim, verificar-se-ão as implicações do tema, por uma revisão geral do trabalho em considerações finais.
2. Princípio da Territorialidade
O princípio da territorialidade é o pressuposto que conduz o alcance geográfico das leis tributárias sobre as relações tributárias pertencentes a um dado ordenamento jurídico. Há entre o Estado e o seu território uma limitação para aplicação de suas próprias normas[1].
a. A Concepção Clássica do Princípio da Territorialidade
“Para a determinação e análise do princípio da territorialidade, como descreve Alberto Xavier[2], pressupõe a diferenciação de três fatores, sendo estes fundamentos basilares para a formulação do referido princípio, tais como: (i) territorialidade em sentido positivo e em sentido negativo; (ii) territorialidade e em sentido real e em sentido pessoal; (iii) territorialidade em sentido material e em sentido formal.”
i. Territorialidade em Sentido Positivo e em Sentido Negativo
De maneira geral, em sentido positivo, o princípio da territorialidade consiste na aplicabilidade das leis fiscais internas a todos os indivíduos localizados no território nacional, incluindo- se os estrangeiros.
Nesse diapasão, cumpri mencionar que o sentido positivo deste princípio encontra a sua finalidade na exclusão da nacionalidade, para que não seja permitida que esta constitua elemento hábil a afastar ou motivar a tributação.
Em sentido negativo, o princípio da territorialidade denota que leis tributárias estrangeiras não possuem aplicabilidade em outro Estado, tendo em vista que os ordenamentos jurídicos de cada Estado e a aplicabilidade de suas leis produzem efeitos em seu próprio Estado, não sendo permitido, no entanto, o desencadeamento ou produção de efeitos nas normas tributárias estrangeiras.
Isso, a propósito, no que tange ao sentido negativo, vale ressaltar que em determinadas situações há a possibilidade da regra estrangeira integrar as hipóteses de aplicação da lei interna, tal como ocorre nas questões relativas à residência, nacionalidade e a condição de diplomata.
ii. Territorialidade em Sentido Pessoal e em Sentido Real
Nos primórdios, o entendimento e conceituação da territorialidade eram relacionados aos elementos objetivos dos fatos tributários, como o local dos bens, o local da fonte de produção ou o local do estabelecimento permanente. Ocorreu, no entanto, a fragmentação destes elementos, relacionado a tendência marcada para a personalização dos tributos, ou seja, não mais objetivos, mas sim, com aspectos subjetivos dos impostos.
Nessa mesma linha de idéias, o princípio da territorialidade diretamente conexa pelos elementos objetivos e subjetivos, também pode ser identificada pelo critério da territorialidade real [critério europeu e latino-americano] e pelo critério da pessoalidade [critério anglo-saxônico].
iii. Territorialidade em Sentido Material e em Sentido Formal
A partir da distinção entre territorialidade em sentido material e territorialidade em sentido formal, permite-se verificar a noção de soberania do Estado. Isto porque, o princípio material mantém relações com as normas internas do Estado, permitindo a aplicabilidade destas leis internas com as situações fiscais internacionais. Nesse sentido, Heleno Taveira Tôrres[3] comenta:
“O conceito de territorialidade é imprescindível para o tratamento de qualquer elemento do direito Internacional. Nenhum conceito pode ter maior interesse no direito tributário internacional do que este, pois serve como fundamento para todos os demais contornos dos regimes jurídicos aplicáveis, e em particular pelos vínculos que mantém com a noção de soberania, em face do poder de tributar dos Estados”.
Traçada a designação material do princípio da territorialidade, no que se refere ao sentido formal Alberto Xavier[4] o classifica como um princípio que exatamente por estar em um “[…] sentido formal significa que as leis tributárias só são suscetíveis de execução coerciva no território da ordem jurídica em que se integram”.
Por fim, verifica-se que em ambos os sentidos, o princípio da territorialidade está ligado ao efeito da norma jurídica tributária, no que diz respeito à sua validade no espaço[5].
b. Crítica a Concepção Clássica ao Princípio da Territorialidade
O princípio da Territorialidade apresenta-se, atualmente, no entendimento de Alberto Xavier (2010), como um princípio restrito para a construção e limitação das competências tributárias internacionais, tendo em vista que, em seu sentido estrito, pode funcionar em Estados pouco desenvolvidos, sem estruturas concretas relacionadas aos impostos reais ou alfandegários. Nessa mesma linha de ideias, XAVIER[6] comenta:
“De um modo geral, as hipóteses de incidência dos tributos fundiários, dos impostos de consumo, dos impostos aduaneiros, isto é, a existência de um prédio, o consumo de bens, a passagem pela linha de fronteira, não só oferecem dificuldades de localização, como se verifica no território de um só Estado. E, sendo assim, o princípio da territorialidade fundamenta a delimitação da competência tributária dos Estados”.
O aprimoramento de relações tributárias mais complexas, apontam, maiores incidências sobre a renda global, ocasionando, no entanto, maiores dificuldades, pois os fundamentos se perdem, tendo em vista que a prerrogativa de materialização e conexão com um determinado território, nem sempre se apresenta de forma clara, gerando possíveis conflitos de caráter material.
Ainda nessa mesma obra, o autor também denota que o princípio da territorialidade, no contexto atual, não é um instrumento capaz de inferir um fato tributário a um determinado território, isto porque, não se verifica em cada fato uma conexão relevante e hábil para determinação da conexão perante a dogmática do Direito Tributário Internacional.
Em suma, a crítica de Alberto Xavier a concepção clássica ao princípio da territorialidade refere-se, exclusivamente, ao sentido de que este princípio é limitado à ocorrência de qualquer conexão com o território, seja ela pessoal ou real. Ou seja, o referido princípio encontra a sua finalidade em impedir o arbítrio das relações tributárias de um outro Estado nas situações em que não possui qualquer conexão, bem como afastar a nacionalidade como elemento de conexão.
Feitas estas distinções das diversas concepções do princípio da territorialidade, é preciso abordar o elemento nuclear em torno do qual se articula os limites do âmbito de eficácia das leis – o elemento de conexão – o que será abordado a seguir.
O elemento de conexão é uma das principais ferramentas para a construção da estrutura de conflitos. Tal elemento é capaz de identificar determinada situação tributária, determinando-a aplicação das leis tributárias do ordenamento jurídico a que faça parte. Nesse sentido, os elementos de conexão podem ser subdivididos em duas relações: subjetiva ou objetiva. A relação subjetiva refere-se às pessoas, tal como a residência ou nacionalidade. A relação objetiva, no entanto, tem relação direta às coisas e aos fatos, assim como o pagamento da renda, o local da situação dos bens, o local da celebração contratual, o lugar do estabelecimento (fonte de produção).
Uma vez estabelecidas as relações do elemento de conexão, cumpre destacar que a lei e os tratados não tratam em seus preceitos normativos de um único elemento de conexão, sendo, porém, verificado uma diversidade de conexões. Considera-se, portanto, o sentido de conexão complexa ou múltipla, este último desdobra-se em três conceitos: subsidiária, alternativa e cumulativa.
A conexão subsidiária estipula duas conexões ou mais, sendo que uma delas somente será aplicada caso não seja aplicado o primeiro elemento de conexão, ou seja, na inaplicabilidade da conexão primária aplica-se a secundária. A partir desta definição, é possível exemplificar por meio do artigo 4º da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico[7] (OCDE), o qual dispõe que no caso de conflito de residências, a pessoa deve ser considerada residente no Estado em que tenha habitação com caráter permanente [conexão primária]. Além estipulação deste elemento, o artigo revela que se a habitação do indivíduo ocorrer em dois Estados ou não possuir habitação considerar-se à residente no Estado onde tenha interesses vitais e, subsidiariamente, no Estado em que for nacional ou permanecer habitualmente.
Já para a conexão alternativa a regra prevê duas conexões hábeis para produção de efeito idêntico. É o que ocorre, por exemplo, na norma portuguesa que preceitua que serão considerados residentes fiscais as sociedades que possuam em Portugal a sua direção efetiva ou sua sede estatutária.
Por fim, a conexão cumulativa, a norma prevê a ocorrência plúrima de elementos de conexão, para tanto, verifica-se a necessidade de que estes elementos sejam simultâneos. Tal como exemplifica Alberto Xavier[8]:
“[…] a norma convencional que estabelece que a convenção apenas se aplica-se o beneficiário dos juros tiver num certo Estado simultaneamente a sua residência e o seu estabelecimento permanente, de tal modo que não se aplica aos juros pagos aos estabelecimentos permanentes que as empresas residentes no primeiro Estado tenham em terceiros Estados”.
Ainda no que tange aos elementos de conexão, outros critérios de classificação são conhecidos no Direito Tributário Internacional: elementos de conexão variáveis e elementos de conexão invariáveis. Os elementos de conexão variáveis são passíveis de modificação no decorrer no tempo (residência, nacionalidade), já os elementos de conexão invariáveis prostram-se no tempo, sem alterações (lugar da situação do imóvel).
A doutrina internacional estabelece também elementos de conexão por meio de critério da presunção, tal ferramenta é usualmente conhecida no direito alienígena, mas não no ordenamento brasileiro. A referida técnica legitima a presunção de um determinado fato para o apregoamento do elemento de conexão. A técnica de presunção ocorre, por exemplo, quando considera um tripulante de uma aeronave residente no território em que se localiza a direção efetiva da empresa que o explora. O conceito de conexão no exemplo suscitado, não foi constituído pelo lugar da prestação dos serviços ou pela residência do titular, a definição que norteou a presunção referia-se à direção efetiva da empresa.
Em razão da multiplicidade de elementos de conexão, faz-se necessário realizar um breve cotejo entre os elementos de conexão nos impostos sobre a renda e o capital, o que passa a ser feito por ora.
a. Princípios da Residência e da Fonte
A variedade de elementos de conexão adotados pelas leis tributárias dos Estados, muitas vezes, podem resultar em conflitos sobre a relação tributária. Esse conflito é conhecido como dupla tributação internacional.
Este fenômeno pode ocorrer quando dois Estados adotam elementos de conexão distintos, tributando o mesmo rendimento de um determinado sujeito concomitantemente.
Nesse sentido, urge mencionar dois princípios conflituosos que merecem destaque, o princípio da residência e o princípio da fonte. A contenda sobre estes princípios ocorreu em um período em que a regra das leis tributárias eram elaboradas sob ótica de que o Estado menos desenvolvido, era o local da fonte e o Estado considerado mais desenvolvido, [onde localizavam-se as grandes fábricas e indústrias], era o país da residência.
A partir desta dogmática, as relações internacionais ficam situadas em dois patamares, do país da fonte, Estado ou local onde a renda é obtida e do país da residência, Estado em que o sujeito aufere a renda.
Acerca da acepção mais estrita do critério da territorialidade – territorialidade real – já abordado neste trabalho, Alberto Xavier[9] pondera, coerentemente, a seguinte hipótese:
“[…] se a territorialidade em sentido real fosse universalmente respeitado, conduziria á atribuição exclusiva do direito de tributar ao país da fonte e obrigaria o país da residência a isentar (ou declarar fora do âmbito de incidência dos seus tributos) os rendimentos produzidos fora do seu território, ainda que nele auferidos pelos seus residentes: a dupla tributação internacional, se não completa eliminada, seria com certeza um fenômeno de muito mais reduzidas proporções”.
Outrossim, o que se depara atualmente é o inquestionável direito do país da fonte tributar a renda nele produzida, no entanto, essa premissa é mitigada, visto que muitos Estados tributam os rendimentos auferidos pelos residentes fiscais, valendo-se de cinco premissas.
A primeira premissa tem como alicerce nítido o princípio da igualdade, isto porque, assentam-se a prerrogativa da tributação sobre os rendimentos globais do sujeito, sem a consignação dos critérios de fronteira ou origem. Ainda nesta seara, observa-se a adoção da alíquota progressiva sobre a renda global líquida das pessoas física, já que se o Estado não tributar a renda auferida de fonte alienígena, este violaria o princípio da igualdade, em razão da discriminação de seus residentes, ou seja, o Estado não pode tributar apenas na fonte interna.
A segunda premissa decorre da anterior, estabelecendo a noção de que o país da fonte produtora de capitais tem autoridade suficiente para tributar os rendimentos auferidos em seu território, bem como para o país da residência, incluindo-se, no entanto, a prerrogativa da imposição de créditos globais, tanto para as pessoas físicas como para as pessoas jurídicas.
A terceira argumentação refere-se à necessidade de tributação pelo país da residência, com o argumento de evitar a evasão fiscal, tendo em vista que outros Estados possuem atrativos fiscais.
As últimas, quarta e quinta, propõem a ideia de defesa de interesses relacionados à política econômica, pois a tributação sobre os rendimentos de fonte estrangeira representam uma fonte rendosa ao país da residência.
Em consonância com a concepção de Alberto Xavier[10], pode-se inferir que atualmente a residência fiscal e a fonte do rendimento são critérios de conexão que legitimam um determinado país/Estado a tributar.
“Nessa perspectiva, abre-se, portanto, o questionamento relacionado ao alcance do poder de tributar pelo Estado. Posta esta problemática, faz-se necessário analisar os princípios da universalidade e da territorialidade da obrigação tributária, as quais serão objeto deste estudo nos capítulos seguintes.”
b. Princípios da Universalidade e da Territorialidade da Obrigação Tributária
Conforme já abordados, os princípios da fonte e da residência são de suma importância para identificação do elemento conexão do poder de tributar de um dado país. Ocorre, no entanto, que estes princípios não identificam a extensão do poder tributário do Estado.
Os ordenamentos contemporâneos quando adotam uma obrigação tributária ilimitada – tributação sobre os rendimentos das fontes internas ou externas – tanto para as pessoas jurídicas como para as pessoas físicas, revelam com muita clareza, a aplicação do princípio da universalidade ou world wide income taxation.
Em relação aos países que adotam a obrigação limitada aos não residentes fiscais, estes assumem a posição de apenas tributar os rendimentos de fontes do seu próprio território.
Hodiernamente é certo que o princípio da residência não está associado ao da universalidade, visto que o Estado pode estipular que os residentes sejam tributados em razão dos rendimentos de fonte interna, excluindo-se, portanto, os rendimentos de origem externa e constituindo uma obrigação limitada para com os seus residentes.
Feita a análise do limite espacial, é preciso abordar as questões relacionadas aos rendimentos das pessoas físicas e jurídicas, bem como os princípios que os norteiam, o que passa a ser feito a seguir.
4. O Princípio da Universalidade das Pessoas Físicas
No Direito Tributário brasileiro, a tributação das pessoas físicas é regida pelo princípio da universalidade ou do world wide income taxation. Este princípio encontra as suas origens na lei prussiana de 24 de julho de 1891 e no direito brasileiro por meio do Regulamento do Imposto de Renda de 1980 (RIR/80), em seu artigo 21, o qual dispunha que os rendimentos recebidos no exterior compunham o rendimento bruto.
Nesse diapasão, o princípio da universalidade foi mantido, por meio da Lei nº 7.713 de 22 de dezembro de 1988, materializado no artigo 38 do RIR[11], estabelecendo novos parâmetros e dispondo o seguinte:
“Art. 38. A tributação independe da denominação dos rendimentos, títulos ou direitos, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem dos bens produtores da renda e da forma de percepção das rendas ou proventos, bastando, para a incidência do imposto, o benefício do contribuinte por qualquer forma e a qualquer .título”. (grifos meus)
Depreende-se do texto legal a consolidação do princípio da universalidade, principalmente, quando menciona que a tributação independe do local, da nacionalidade ou da fonte do rendimento. Diante dessas prerrogativas, faz-se mister realizar algumas distinções.
Além da localização da fonte, o dispositivo acima mencionado considera irrelevante a condição jurídica e a nacionalidade da fonte. No que tange à condição jurídica, deve-se compreender como a natureza jurídica da fonte pagadora, podendo ser pessoa jurídica ou pessoa física.
No que concerne à forma de pagamento, o dispositivo abarca os rendimentos auferidos e ganhos no exterior, no entanto, estes rendimentos podem ser transferidos, creditados ou pagos no Brasil, excluindo-se, para esta última situação a isenção de tributos, é o dispõe o caput do artigo 6º da Instrução Normativa SRF nº 208/02 (INSRF)[12]:
“Art. 16. Os demais rendimentos recebidos de fontes situadas no exterior por residente no Brasil, transferidos ou não para o País, estão sujeitos à tributação […]”.
Ocorre também, que para as pessoas físicas que receberem de fontes estrangeiras, sejam rendimentos ou ganho de capital que não foram tributados na fonte pelo país de origem, estará sujeita ao regime de tributação definitiva quanto aos seus rendimentos, devendo, no entanto, compensar o imposto pago no exterior na apuração do valor mensal a recolher, é o que prerrogam os artigos 8º e 25 da Lei 7.7713/1998 e os artigos 14, 15 e 16 da INSRF nº 208/02.
Além desta forma de tributação, urge mencionar que o disposto no artigo 103 da RIR revela uma certa mitigação ao princípio da universalidade, visto que estabelece a outorga unilateral ao crédito do imposto, desde que haja reciprocidade entre os Estados. Assim dispondo:
“Art. 103. As pessoas físicas que declararem rendimentos provenientes de fontes situadas no exterior poderão deduzir, do imposto apurado na forma do art. 86, o cobrado pela nação de origem daqueles rendimentos, desde que:
I – em conformidade com o previsto em acordo ou convenção internacional firmado com o país de origem dos rendimentos, quando não houver sido restituído ou compensado naquele país; ou
II – haja reciprocidade de tratamento em relação aos rendimentos produzidos no Brasil.
§ 1º A dedução não poderá exceder a diferença entre o imposto calculado com a inclusão daqueles rendimentos e o imposto devido sem a inclusão dos mesmos rendimentos”.
Nesse mesmo raciocínio, pode-se constatar que o artigo mencionado estipula que o imposto apurado não poderá ser restituído ou compensado no país de origem, bem como não poderá exceder a diferença entre o imposto calculado com a inclusão daqueles rendimentos.
5. Princípios da Universalidade e da Territorialidade e o Imposto Sobre a Renda
a. Escorço Histórico no Direito Pátrio da Tributação sobre a Renda das Pessoas Jurídicas e os Princípios da Territorialidade e Universalidade
O ordenamento jurídico pátrio adotava o princípio da territorialidade em relação ao imposto de renda das pessoas jurídicas, tributando exclusivamente as rendas produzidas em seu próprio território.
Nesse sentido, cabe destacar que a origem histórica do princípio da territorialidade foi ilustrada de forma suficiente por Bulhões Pereira[13], o qual ponderou o seguinte:
“O imposto de renda brasileiro, desde a sua implantação, em 1924, adotou o critério territorial para definir os sujeitos passivos do imposto, que são apenas as pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no país. Quanto à definição de renda sujeita ao imposto, a legislação também adotou o critério territorial na tributação das pessoas jurídicas domiciliadas no País e das pessoas físicas e jurídicas residentes ou domiciliadas no exterior; apenas para as pessoas físicas residentes no País passou – a partir de 1939 – a adotar o critério político. As primeiras Leis sobre o imposto (nº 4.625, de 1922, e 4.783, de 1923) e RIR de 1924 adotavam o critério de territorialidade para todas as hipóteses de incidência, definindo como tributáveis apenas os rendimentos produzidos no País”.
Em 22 de dezembro de 1987, por meio do Decreto-Lei nº 2.397, houve a tentativa da implementação do princípio da universalidade, prevendo em seu artigo 7º que “serão computados no lucro real das pessoas jurídicas de direito privado domiciliadas no País os resultados os resultados obtidos no exterior”.
Ocorre, no entanto, que o princípio da universalidade não durou por muito tempo, visto que em 15 de abril de 1988, por meio do Decreto-Lei nº 2.429, revogou este princípio restabelecendo o princípio da territorialidade[14].
O princípio da territorialidade foi amplamente consolidado até o ano de 1995, quando então, entrou em vigor a Lei nº 9.249/95, instituindo o princípio da universalidade sobre o imposto de renda das pessoas jurídicas.
b. O Princípio da Universalidade e a Lei nº 9.249/95
Conforme abordado anteriormente, no direito pátrio tinha-se como principal característica a adoção do princípio da territorialidade, o qual estipulava que nenhuma fonte produção advinda do exterior poderia recair no âmbito do imposto de renda das pessoas jurídicas, sejam elas filiais, sucursais ou relacionadas à atividade jurídica no exercício de direitos, tais como: royalties, juros e dividendos.
Em 26 de dezembro de 1995 por meio da Lei nº 9.249, foi instituído o princípio da universalidade ou world wide taxation em substituição ao princípio da territorialidade, retomando assim a isonomia tributária dos residentes que auferem renda no exterior com aqueles que auferem no próprio País.
O artigo 25 da referida Lei[15] passou a estabelecer:
“Art. 25. Os lucros, rendimentos e ganhos de capital auferidos no exterior serão computados na determinação do lucro real das pessoas jurídicas correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro de cada ano. […]
§ 2º Os lucros auferidos por filiais, sucursais ou controladas, no exterior, de pessoas jurídicas domiciliadas no Brasil serão computados na apuração do lucro real com observância do seguinte:
I – as filiais, sucursais e controladas deverão demonstrar a apuração dos lucros que auferirem em cada um de seus exercícios fiscais, segundo as normas da legislação brasileira;
II – os lucros a que se refere o inciso I serão adicionados ao lucro líquido da matriz ou controladora, na proporção de sua participação acionária, para apuração do lucro real”.
O artigo em sobejo contempla a tributação universal, tendo em vista que toda a renda externa da pessoa jurídica domiciliada no Brasil estará submetida à tributação, seja esta renda obtida por filiais, sucursais ou controladas.
Ocorre, no entanto, que a tributação sobre a renda das pessoas jurídicas não foi estendida para a apuração da contribuição social sobre o lucro líquido (CSLL), mantendo-se sob a égide do princípio da territorialidade.
Ainda, no que tange ao artigo 25, observa-se que os lucros auferidos pela matriz ou controladora, foram incluídos na a apuração do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro de cada ano[16]. Tal regra, no entanto, foi modificada pela instrução normativa nº 38/96, o que adiante se analisará.
c. A Instrução Normativa nº 38/96 e a Lei nº 9.532/97
Conforme já fora dito, a Lei nº 9.249/95 suprimiu o princípio da territorialidade e adotou o princípio da universalidade no que tange ao imposto de renda das pessoas jurídicas. Logo após esta inovação, o Secretário da Receita Federal (SRF) estipulou, por meio da Instrução Normativa nº 38 de 27 de julho de 1996[17], o seguinte:
“Art. 2º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido do período-base, para efeito de determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado em 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados.
§ 1º Consideram-se disponibilizados os lucros pagos ou creditados à matriz, controladora ou coligada, no Brasil, pela filial, sucursal, controlada ou coligada no exterior.
§ 2º Para efeito do disposto no parágrafo anterior, considera-se:
I – creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior;
II – pago o lucro, quando ocorrer:
a) o crédito do valor em conta bancária em favor da matriz, controladora ou coligada, domiciliada no Brasil;
b) a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;
c) a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;
d) o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da filial, sucursal, controlada ou coligada, domiciliada no exterior.[…]
§ 9º Na hipótese de alienação do patrimônio da filial ou sucursal, ou da participação societária em controlada ou coligada, no exterior, os lucros ainda não tributados no Brasil deverão ser adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real da alienante no Brasil”.
Pode-se depreender que a Instrução Normativa, inovando os preceitos normativos, estipulou que os lucros auferidos no exterior somente seriam adicionados na determinação do lucro real, caso estes tenham sidos disponibilizados pela pessoa jurídica residente no Brasil.
A Instrução Normativa nº 38/96 também regrou a possibilidade das empresas controladas ou coligadas no exterior, postergarem a tributação de seus lucros, valendo-se da regra de disponibilização.
Levando-se em conta esse paradigma, a Lei nº 9.253 de 1997[18] fez, certamente, ao ajustar o momento da disponibilização com o momento da apuração, assinalando que:
“Art. 1º Os lucros auferidos no exterior, por intermédio de filiais, sucursais, controladas ou coligadas serão adicionados ao lucro líquido, para determinação do lucro real correspondente ao balanço levantado no dia 31 de dezembro do ano-calendário em que tiverem sido disponibilizados para a pessoa jurídica domiciliada no Brasil.
§ 1º Para efeito do disposto neste artigo, os lucros serão considerados disponibilizados para a empresa no Brasil:
a) no caso de filial ou sucursal, na data do balanço no qual tiverem sido apurados;
b) no caso de controlada ou coligada, na data do pagamento ou do crédito em conta representativa de obrigação da empresa no exterior.
c) na hipótese de contratação de operações de mútuo, se a mutuante, coligada ou controlada, possuir lucros ou reservas de lucros;
d) na hipótese de adiantamento de recursos, efetuado pela coligada ou controlada, por conta de venda futura, cuja liquidação, pela remessa do bem ou serviço vendido, ocorra em prazo superior ao ciclo de produção do bem ou serviço.
§ 2º Para efeito do disposto na alínea "b" do parágrafo anterior, considera-se:
a) creditado o lucro, quando ocorrer a transferência do registro de seu valor para qualquer conta representativa de passivo exigível da controlada ou coligada domiciliada no exterior;
b) pago o lucro, quando ocorrer:
1. o crédito do valor em conta bancária, em favor da controladora ou coligada no Brasil;
2. a entrega, a qualquer título, a representante da beneficiária;
3. a remessa, em favor da beneficiária, para o Brasil ou para qualquer outra praça;
4. o emprego do valor, em favor da beneficiária, em qualquer praça, inclusive no aumento de capital da controlada ou coligada, domiciliada no exterior”.
Os artigos retromencionados consideraram os lucros disponibilizados na data do balanço no qual foram tiverem sido apurados, combinando o momento da apuração com o momento da disponibilização.
Dessa forma verifica-se que a Lei confere limites à esta Instrução Normativa, principalmente, aos fatos geradores que identificam a disponibilização do lucro pela empresa no exterior.
Logo após, com o advento da Medida Provisória 2.158-35/2001, estipulou-se que o lucro auferido pela coligada ou controlada seria considerado como disponibilizado no Brasil na data do balanço no qual tivesse sido apurado, resultando, no entanto, segundo Taciana Alves[19] como: “extrapolação ao próprio conceito de universalidade, na medida em que, enquanto os rendimentos não forem disponibilizados para a sociedade brasileira, o Estado nacional acaba tributando renda de titularidade de empresas independentes (que não possuem conexão pessoal com o ordenamento nacional), não havendo, nessa hipótese, sequer a existência de uma conexão material da fonte (ainda não disponibilizada) com o ordenamento pátrio.
Por fim, urge mencionar que o princípio da universalidade enquanto fundamento do ornamento jurídico brasileiro, é o princípio capaz de gerar tributação aos fatos ocorridos no exterior, revelando-se, portanto, como ferramenta de efetivação do princípio da renda mundial.
O princípio da territorialidade anteriormente vigente no Brasil, o qual dispunha que nenhuma renda advinda de fonte do exterior incidiria sobre o imposto de renda das pessoas jurídicas, foi substituído por outro no sentido oposto, segundo o qual dispõe que toda a renda externa da pessoa jurídica deve ser tributada no país de domicílio.
Assim, partindo-se dos diversos enfoques dados ao princípio da territorialidade, é possível estipular os limites e alcance das leis tributárias no espaço. É sob esta perspectiva, não apenas de um único conceito de territorialidade, mas dos diversos posicionamentos relacionados a ele, revela que sua dogmática na doutrina hodierna passou a ter valia mitigada, visto que o próprio Direito Tributário Internacional adotou novas diretrizes, no entanto, verifica-se que o princípio da territorialidade ainda oferece elementos valiosos para o estudo desta disciplina.
Sob esta ótica, verifica-se que Estado brasileiro passou adotar o princípio da universalidade a partir do advento da Lei nº 9.249/95, incluindo a tributação das rendas externas.
Nessa mesma linha de ideias, o trabalho traçou um panorama entre o princípio da universalidade e a tributação das pessoas físicas. O estudo cingiu a sua análise a partir dos fatos históricos até a descrição analítica dos principais fundamentos normativos atinentes.
Nesse sentido, os princípios da territorialidade e universalidade sobre a renda das pessoas jurídicas revelam-se paradigmáticos para o Direito Tributário Internacional, cujas relações no ornamento jurídico brasileiro trazem a seguinte relação: a territorialidade fundamenta-se na conexão material da fonte de produção de renda com o ordenamento em que se situa, já a universalidade atribui o alcance extraterritorial às leis tributárias internas, em razão da sua conexão pessoal do sujeito que produz a renda com o ordenamento jurídico.
Informações Sobre o Autor
Tamer Mahmoud Abd Ellatif Mahmoud El Khatib
Advogado formado em 2009 pela Faculdade de Direito de São Bernardo do Campo