Resumo: Ampliação da competência material da Justiça do Trabalho com o advento da Emenda Constitucional nº 45/2004 sob o enfoque do art. 114, incisos I e IX, da Constituição Federal de 1988, pelo qual esta Justiça passou ser competente, também, para apreciar e julgar controvérsias decorrentes da relação de trabalho. Busca-se analisar as correntes doutrinarias a cerca do tema, e definir quais as relações foram abrangidas pela seara Trabalhista. Tal modificação vem gerando entendimentos diferenciados no tocante as relações de consumo, e em relação ao trabalho de profissionais autônomos, principalmente no tocante a competência para a cobrança de honorários.
Palavras-chaves: Competência; Relação de Trabalho; Relação de Emprego; Profissionais Autônomos; Emenda Constitucional nº45.
Abstract: Expansion of the material competence of the Labour Court with the advent of Constitutional Amendment No. 45/2004 from the standpoint of art. 114, sections I and IX of the Federal Constitution of 1988, by which this Court now has jurisdiction also to analyze and judge disputes arising from the employment relationship. The aim is to analyze the current doctrinal about the topic and define which relationships were covered by the Labor harvest. This change has generated different understanding is regarding consumer relations, and in relation to the work of freelance professionals, especially regarding the power to levy fees
Key-words: Competence; Employment Relationship; Employment Relation, Independent Professionals, Constitutional Amendment 45.
SUMÁRIO: Introdução, 1. A Emenda Constitucionalnº45, 1.1. Histórico, 1.2. A EC nº45 e a Justiça do Trabalho, 2. As relações de emprego, trabalho e consumo, 2.1. A relação de emprego, 2.1.1. Pessoalidade, 2.1.2. Não eventualidade, 2.1.3. Onerosidade, 2.1.4. Subordinação, 2.2. A relação de trabalho, 2.2.1. Diferença entre trabalho subordinado e trabalho autônomo, 2.3. A relação de consumo, 2.3.1. Teoria Maximalista, 2.3.2. Teoria Finalista, 2.3.3. Teoria Finalista Aprofundada, 3. Correntes Doutrinárias, 3.1. Corrente Restritiva, 3.2. Corrente Ampliativa, 3.3. Corrente Intermediária, 4. Competência para julgar ações decorrentes da cobrança de honorários, 4.1. Honorários Advocatícios na Justiça do Trabalho, 4.2. Competência para a cobrança dos Honorários, Considerações Finais, Referências.
INTRODUÇÃO
A Emenda Constitucional nº 45 está em vigor a mais de oito anos, e apesar desse tempo, ainda existem dúvidas sobre a nova competência da Justiça do Trabalho, e no que tange a competência da cobrança de honorários por profissionais liberais.
Para que seja possível elucidar tais dúvidas, iremos, num primeiro momento analisar a criação da Emenda Constitucional nº 45 e as transformações no âmbito da Justiça do Trabalho, já que a nova redação dada ao artigo 114 da CF ampliou sensivelmente a competência material da mesma.
Para isso será necessário diferenciar e analisar as expressões relação de emprego, relação de trabalho e relação de consumo.
Posteriormente analisaremos as correntes doutrinarias restritiva, ampliativa e intermediária que surgiram com o intuito de esclarecer qual a real alcance da expressão relação de trabalho inserida no inciso I do artigo 114 da CF. Mostraremos os autores que defendem cada corrente, bem como a posição dos Tribunais a respeito das mesmas.
Por fim iremos debater a questão acerca dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho, e sobre qual Justiça detém a competência para julgar as ações de cobrança dos honorários dos profissionais liberais, após a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45.
Dessa forma, todos os pontos polêmicos serão abordados com o ponto de vista de vários autores além da posição dos Tribunais perante o assunto para que num momento posterior possam ser demonstradas, de forma fundamentada, sobre o tema exposto.
1. A EMENDA CONSTITUCIONAL Nº 45.
1.1 Histórico
Como é sabido, desde que o homem passou a viver em sociedade, o trabalho passou a ter grande relevância nas relações humanas.
As primeiras leis com intuito de proteção ao trabalho surgiram com a revolução industrial da Inglaterra, a qual passou a implantar uma nova ordem econômica e social.
Com a intervenção do Estado na relação de capital-trabalho, surgiu uma nova visão valorativa, reconhecendo os direitos sociais do trabalhador.
No inicio do século XIX surgiram as primeiras leis trabalhista no Brasil, como reflexo do movimento sindical ocorrido na época.
A Justiça do Trabalho foi prevista pela Constituição de 1934, porém, somente em 1939 a Justiça do Trabalho foi criada por meio do Decreto-Lei nº 1.237, sendo instituída em 1941.
Em 1943 a legislação trabalhista esparsa foi reunida na CLT.
Mas apenas em 1946, a Justiça do Trabalho passou a integrar o poder judiciário, pois antes detinha apenas caráter administrativo.
Com a edição da Constituição de 1988 os direitos trabalhistas passaram a estar elencados no capítulo “Dos direitos sociais”, sendo que nas Constituições anteriores tais direitos eram inseridos no âmbito da ordem econômica e social.
O artigo 114 da CF/88 definia a competência da Justiça do Trabalho para todas as lides que em seus pólos figurassem um trabalhador e um empregador.
Em 1992, o deputado Helio Bicudo apresentou a proposta de Emenda Constitucional nº 96 ao Congresso Nacional, e após oito anos de tramitação, tendo como ultima relatora a deputada Zulaiê Cobra a referida PEC foi aprovada em dois turnos e encaminhada ao Senado Federal, onde passou a ter o nº 29/2000.
Devido ao expressivo número de emendas apresentadas ao projeto, o então presidente do Senado Federal, José Sarney, determinou o retorno da PEC nº29/2000 a CCJ para um novo parecer, tendo como novo relator o Senador José Jorge.
Finalmente, após quase 13 anos de tramitação foi aprovada e publicada em 31 de dezembro de 2004, a Emenda Constitucional nº 45, denominada de Reforma do Poder Judiciário.
1.2 A Emenda Constitucional nº45 e a Justiça do Trabalho
A citada Emenda Constitucional tem como fundamentos a viabilização mais concreta da Justiça, buscando para isso reduzir a excessiva duração dos processos, a complexidade dos procedimentos judiciais e a falta de transparência na prestação jurisdicional.
Em conseqüência disso se deu a ampliação da competência material da Justiça do Trabalho.
Antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45, a Justiça do Trabalho era competente para julgar apenas as lides decorrentes da relação de emprego, ou seja, julgavam-se apenas as ações que tivessem como sujeitos o empregador e o empregado. O Art. 114 da CF possuía a seguinte redação:
“Art. 114 – Compete à Justiça do Trabalho conciliar e julgar os dissídios individuais e coletivos entre trabalhadores e empregadores, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta dos Municípios, do Distrito Federal, dos Estados e da União, e, na forma da lei, outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, bem como os litígios que tenham origem no cumprimento de suas próprias sentenças, inclusive coletivas. (…).”
Ocorre que com as transformações econômicas ocorridas nas últimas décadas no país, o desemprego e a informalidade atingiram números exorbitantes, com isso as relações de emprego regidas pela CLT não eram mais preponderantes, deixando muitos trabalhadores, não empregados, fora da proteção da Justiça especializada no labor humano.
Corroborando desse entendimento Rafael Caldera (1972) pondera que: “o contrato de trabalho já deixou de ser o centro do Direito do Trabalho”.
Visando que a Justiça do Trabalho continue a seguir o principio da proteção ao trabalhador, o constituinte derivado reformador entendeu que, deveria transferir para esta a competência para julgar as lides desses trabalhadores.
Com isso, e em decorrência da EC nº45, o Art. 114 da CF passou a ter a seguinte redação:
“Art. 114. Compete à Justiça do Trabalho processar e julgar:
I – as ações oriundas da relação de trabalho, abrangidos os entes de direito público externo e da administração pública direta e indireta da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.(…)
IX – outras controvérsias decorrentes da relação de trabalho, na forma da lei. (…)”.
Percebe-se que a competência material da Justiça do Trabalho foi ampliada, sendo agora competente para julgar as ações decorrentes das relações de trabalho, bastando, portanto, que em um dos pólos da lide se encontre um trabalhador, não sendo relevantes as características inerentes do vínculo empregatício.
Essa ampliação da competência material da Justiça do Trabalho atende a lógica constitucional e mantém a valorização do trabalho humano, já que o juiz do trabalho está em melhores condições para julgar os conflitos decorrentes do trabalho, independente do regime contratual a que estejam submetidos.
Grijalbo Fernandes Coutinho (2012) conclui que: “Havendo relação de trabalho, seja de emprego ou não, os seus contornos serão apreciados pelo juiz do trabalho. (…) a Justiça do Trabalho passa a ser o segmento do Poder Judiciário responsável pela análise de todos os conflitos decorrentes da relação de trabalho em sentido amplo.”
Corroborando do mesmo entendimento, Rodolfo Pamplona Filho (2012) salienta através de um trocadilho que é preciso lembrar que a Justiça é do trabalho e não da CLT.
2. AS RELAÇÕES DE EMPREGO, TRABALHO E CONSUMO
Em decorrência desta alteração surgiram inúmeras dúvidas a respeito da abrangência da expressão “relação de trabalho”, sobre qual é a real competência material da Justiça do Trabalho hoje.
Portanto, faz-se necessário, neste primeiro momento, definir e diferenciar as expressões relação de emprego, relação de trabalho e relação de consumo.
2. 1. RELAÇÃO DE EMPREGO.
A relação de emprego, segundo Amauri Mascarro Nascimento, pode ser definida como “relação jurídica de natureza contratual tendo como sujeitos o empregado e o empregador e como objeto o trabalho subordinado, continuado e assalariado”. (NASCIMENTO, 2006).
É, portanto, gerada pelo contrato de trabalho, tendo natureza contratual. Sendo, então, um negócio jurídico estabelecido entre empregado e empregador.
Tem como características inerentes a pessoalidade, não eventualidade, onerosidade e subordinação, nos moldes do art. 3º da CLT.[1]
Deve-se ter em mente que apenas as atividades realizadas pela pessoa física são consideradas no âmbito da Justiça do Trabalho, pois os bens jurídicos (vida, saúde, integridade moral, bem-estar, lazer, etc.) tutelados por esta Justiça não podem ser usufruídos por pessoas jurídicas.
2.1.1 PESSOALIDADE
A existência dessa característica nessas relações indica que o contrato é determinado em função de determinada pessoa. O contratado não pode se fazer substituir, e não possui liberdade para subcontratar um terceiro que desempenhe as funções originalmente suas, salvo com o consentimento do empregador.
2.1.2. NÃO EVENTUALIDADE
Essa característica se expressa pela permanência do trabalhador no serviço, realizando-o de maneira contínua e permanente, não sendo, portanto, um trabalho esporádico.
Deve-se deixar claro que a duração e a habitualidade dessa jornada de trabalho não importam para a caracterização da não eventualidade.
2.1.3. ONEROSIDADE
A onerosidade é a existência de uma contraprestação econômica do beneficiado pelo serviço entregue ao seu realizador, com isso há a criação de obrigações recíprocas para as partes, ou seja, o trabalhador recebe um salário mediante a realização de suas obrigações.
2.1.4. SUBORDINAÇÃO
Essa é a característica mais importante para a caracterização da relação empregatícia, esta limita a autonomia do trabalhador, enquanto estiver prestando os serviços, sendo o tomador de serviços quem detém o poder de controle (fiscalização e direção do serviço), organização (meios de prestação do serviço) e disciplinar (sujeição as sanções disciplinares).
Conclui-se, portanto, que para se seja caracterizado relação de emprego é necessário que sejam os sujeitos o empregado e o empregador e que estejam presente todas as características.
2.2 RELAÇÃO DE TRABALHO.
A relação de trabalho refere-se a todas as relações jurídicas caracterizadas por terem sua prestação essencial centrada em uma obrigação de fazer consubstanciada no labor humano.
Deizimar Oliveira (2005) define relação de trabalho como sendo: “vínculo jurídico originado pela prestação de um trabalho humano para um beneficiário qualquer (pessoa física ou jurídica), independente da causa ou origem, sendo irrelevante a retribuição pecuniária e o fator tempo.”
O objeto dessa relação é o trabalho propriamente dito e possui como sujeitos o prestador de serviço e o tomador de serviços.
Para que seja considera relação de trabalho basta que em um dos pólos se encontre um trabalhador. A pessoalidade é uma característica, porém de forma mais amena do que na relação de emprego, bastando, neste caso, que seja realizado por pessoa física, podendo ou não se fazer substituir.
As outras características da relação de emprego, quais sejam: subordinação, onerosidade e não eventualidade, não são requisitos fundamentais na relação de trabalho, já que esta engloba o trabalho eventual, por curto período de tempo ou tempo determinado, trabalho voluntário, trabalho autônomo, entre outros.
Dessas acepções, podemos concluir que “o termo relação de trabalho significa: trabalho prestado por conta alheia, em que o trabalhador (pessoa física) coloca, em caráter preponderantemente pessoal, de forma eventual ou não eventual, gratuita ou onerosa, de forma autônoma ou subordinada sua força de trabalho em prol de outra pessoa (física ou jurídica, de direito público ou privado), podendo o trabalhador correr ou não os risco da atividade que desempenha.” (SCHIAVI, 2007).
Fica claro, portanto, que a relação de trabalho engloba toda e qualquer atividade humana em que haja prestação de trabalho, por pessoa física ou tomador de serviço, com ou sem vinculo empregatício.
Carlos Henrique Bezerra Leite (2007) nos ensina que “toda relação de emprego é compreendida com uma relação de trabalho, mas nem todas as relações de trabalho podem ser tidas como relação de emprego.” A relação de trabalho é o gênero da qual a relação de emprego é espécie.
Nesse momento faz-se necessário diferenciar trabalho subordinado de trabalho autônomo:
2.2.1 DIFERENÇA ENTRE TRABALHO SUBORDINADO E TRABALHO AUTÔNOMO.
O trabalho subordinado é o comumente considerado como relação de emprego, sendo necessário que estejam presentes os requisitos da dependência econômica e o poder de direção. É, pois, aquele em que existe subordinação. Havendo a figura do tomador de serviço, sobre quem recai o risco da atividade, e o trabalhador que deve obedecer ao primeiro.
O trabalho autônomo, por sua vez, é aquele em que o trabalhador, por sua conta e risco, define e concretiza a forma de realização do serviço que pactuou prestar. Não há a figura do tomador de serviço, e nem a característica de subordinação, e o objetivo é um resultado e não a atividade em si.
O profissional liberal é uma espécie de trabalhador autônomo, o que os diferencia é o fato do profissional liberal dever obrigatoriamente ter nível universitário ou técnico, e ser registrado em ordem ou conselho profissional, enquanto o autônomo é qualquer individuo que trabalhe por conta própria.
2.3. RELAÇÃO DE CONSUMO
No que tange as relações de consumo, percebe-se que estas têm sua origem ligada às transações de natureza comercial, sendo, devidamente regulamentadas pelo CDC.
A relação de consumo como pode ser definida como “o vínculo jurídico por meio do qual se verifica a aquisição pelo consumidor, de um produto ou serviço, junto ao fornecedor.” (LISBOA, 2006).
No tocante as características inerentes da relação de emprego, a pessoalidade é uma característica amena, sendo necessário que um dos pólos da lide se encontre o consumidor e no outro o fornecedor.
A onerosidade, não eventualidade e a subordinação, podem ou não estar presentes, assim como nas relações de trabalho.
As relações de consumo têm como objeto o produto ou serviço a ser consumido e como sujeitos o fornecedor e o consumidor, diferenciando-se ai das relações de trabalho, que possuem como objeto o trabalho propriamente dito e como sujeitos o trabalhador e o tomador de serviço.
O CDC em seu artigo 3º define fornecedor com: “toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvam atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviço.”
Desse modo, qualquer pessoa física ou jurídica que tenha qualquer função na cadeia de consumo, é fornecedor.
O CDC em seu artigo 2º define consumidor como sendo “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final.”
Segundo Pedro Fauth Manhâes Miranda (2012), existem três teorias para definição do que seja a expressão “destinatário final” no conceito de consumidor.
2.3.1 TEORIA MAXIMALISTA
Para essa teoria não importa qual a destinação final será dada ao produto, podendo ele ser destinado tanto para o uso próprio, como para uso profissional.
Para essa corrente em todas as relações de aquisição de produtos ou serviço há relação de consumo, com exceção apenas, da aquisição de produtos absolutamente indispensáveis para o exercício de determinada atividade econômica, pois neste caso a relação se daria entre fornecedor e fornecedor, não havendo, pois, relação de consumo.
2.3.2 TEORIA FINALISTA
A segunda teoria defende que o consumidor deve ter a necessidade final do produto, retirando o bem do mercado de consumo sem reutilizá-lo. Para esta teoria, o consumidor adquire produto ou serviço para uso próprio ou de sua família.
Neste sentido não bastaria o consumidor ser o destinatário final fático do produto, é necessário ser destinatário final econômico do bem, ou seja, não adquirir o bem ou serviço para revenda ou uso profissional.
2.3.3 TEORIA FINALISTA APROFUNDADA
A terceira corrente, parte do pressuposto de que consumidor é o destinatário final fático e econômico do bem, abrangendo, contudo, os destinatários finais não econômicos desde que vulneráveis frente ao fornecedor.
Essa vulnerabilidade pode se dar de maneira técnica, científica, fática e informativa. A primeira se dá quando o consumidor não possui conhecimentos específicos sobre o produto; a segunda é a falta de conhecimentos específicos sobre algo, como por exemplo, economia; a vulnerabilidade fática se da quando que o fornecedor pelo monopólio, ou grande poder econômico, ou pela essencialidade do produto ou serviço, se impõem sobre o consumidor; e a última, é quando o único detentor da informação é o fornecedor.
Para essa teoria, será considerado destinatário final, todo consumidor que for vulnerável frente ao fornecedor. Sendo necessário uma analise concreta de cada caso.
A teoria finalista aprofundada é a mais aceita pelo Superior Tribunal de Justiça, já que não é extremista e respeita o espírito de proteção do CDC. Vejamos uma decisão do STJ a esse respeito:
“RECURO ESPECIAL– Conceito de consumidor– Critério subjetivo ou finalista – Mitigação – Pessoa Jurídica –Excepcionalidade – Vulnerabilidade – Relação jurídica sob a premissa de tratos sucessivos – Renovação de compromisso – Vício oculto. A relação jurídica qualificada por ser “de consumo” não se caracteriza pela presença de pessoa física ou jurídica em seus pólos, mas pela presença de uma parte vulnerável, de um lado (consumidor), e de um fornecedor, de outro. Mesmo nas relações entre pessoas jurídicas, se da análise da hipótese concreta decorrer inegável vulnerabilidade entre a pessoa jurídica consumidora e a fornecedora, deve-se aplicar o CDC na busca do equilíbrio entre as partes. Ao consagrar o critério finalista para interpretação do conceito de consumidor, a jurisprudência deste STJ também reconhece a necessidade de, em situações específicas, abrandar o rigor do critério subjetivo do conceito de consumidor para admitir a aplicabilidade do CDC nas relações entre fornecedores e consumidores empresários em que fique evidenciada a relação de consumo. São equiparáveis a consumidor todas as pessoas, determináveis ou não, expostas às práticas comerciais abusivas.” (grifo nosso)
Conclui-se, portanto, que o consumidor adquire bens ou contrata prestação de serviços para atender uma necessidade própria, e não com o escopo produtivo. Deste modo a relação de consumo não pode ser considerada como uma espécie da relação de trabalho.
Dirimido os significados das expressões relação de emprego, relação de trabalho e relação de consumo, resta-nos saber se quais modalidades estão abrangidas na nova competência da Justiça do Trabalho.
3. CORRENTES DOUTRINÁRIAS A CERCA DA COMPETÊNCIA MATERIAL.
Apesar da Emenda Constitucional estar em vigor a mais de sete anos, ainda não é pacífico o entendimento sobre o alcance da competência material da Justiça do Trabalho, isso se da pelo fato do texto da Emenda não deixar claro qual o real alcance da expressão relação de trabalho. Cabendo, portanto, a doutrina e a jurisprudência o fazerem.
Existem três correntes doutrinárias sobre o tema: a corrente restritiva, a corrente intermediária e a corrente ampliativa, sendo importante salientar que a corrente intermediária é, hoje, a mais aceita pela doutrina e pela jurisprudência.
3.1. CORRENTE RESTRITIVA
Os defensores dessa corrente doutrinária afirmam que não houve alteração da competência material da Justiça do Trabalho.
“A Emenda Constitucional usa a expressão relação de trabalho para indicar relação de emprego. Embora se saiba que aquela como relação contratual de atividade, remunerada ou gratuita, constitua gênero de que esta última é espécie, não raramente se emprega a primeira para designar a segunda (…). A emenda de que agora se cuida manteve-se fiel à terminologia usada na primitiva redação do artigo 114 da Constituição, onde também se falava em relação de trabalho. Esta especiosa interpretação levaria para os juízes tribunais trabalhistas os litígios decorrentes da prestação de serviços dos profissionais liberais, dos empreiteiros, dos autônomos em geral. Incompatível com a própria natureza da Justiça do Trabalho. Ramo especializado do poder judiciário, a sua competência é matéria de interpretação restritiva e haverá de ser delimitada pelos fins a que se destina tal segmento da função jurisdicional.” (BERMUDES, 2005)
De acordo com os ensinamentos de Pedro Fauth Manhâes Miranda (2012), existe uma sinonímia[2] entre os termos relação de emprego e relação de trabalho. O legislador teria se utilizado da mesma expressão imprópria contida no antigo artigo 114 da Constituição Federal, para se referir à competência da Justiça do Trabalho.
É importante salientar que esta corrente não alega total inexistência da ampliação, mas apenas no que diz respeito a outras relações de trabalho que não a empregatícia.
Ressalta-se ainda, como argumento que os incisos I e IX do artigo 114 da Constituição, só fariam sentido se analisados sob a óptica restritiva, pois o primeiro determinaria a competência para julgar as relações de emprego e o último daria a possibilidade ao legislador de ampliar a competência infraconstitucionalmente.
O último argumento dessa corrente seria a desvalorização da Justiça do Trabalho, pois esta deixaria de ser a justiça especializada e passaria a ser justiça comum.
A critica que fazemos a esta corrente é fundada no argumento de que não há razoabilidade que após doze anos de tramitação no Congresso Nacional, o legislador manter o que sempre esteve contido na lei. Se não fosse para ampliar a competência material o legislador deveria ter mantido o inciso I com a mesma redação.
Cumpre salientar ainda que, a Justiça do Trabalho continuaria a julgar as relações em que haja trabalho humano, mantendo, portanto, sua especialização.
Essa corrente não é utilizada pelos Tribunais Superiores.
3.2. CORRENTE AMPLIATIVA
Os defensores dessa corrente defendem a total ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, sendo esta competente para julgar todas as ações decorrentes da relação de trabalho, inclusive as relações de consumo.
De acordo com o Código de Defesa do Consumidor toda prestação de serviço caracteriza uma relação de consumo, ocorre que a prestação de serviço também caracteriza uma relação de trabalho.
Sendo assim, as relações de consumo têm natureza bifronte, podendo ser relações de consumo e trabalho ao mesmo tempo. Assim, a relação de consumo será sempre uma relação jurídica secundária a uma relação previa que é a relação de trabalho.
“Se, pois, a relação contratual de consumo pode ter por objeto a prestação de serviços e, assim, caracterizar também, inequivocamente, uma relação de trabalho em sentido amplo, afigura-se-me inafastável o reconhecimento da competência material da Justiça do Trabalho para a lide que daí emergir, se e enquanto não se tratar de lide envolvendo a aplicação do Código de Defesa do Consumidor. Vale dizer: se não se cuida de litígio que surge propriamente da relação de consumo, mas da relação de trabalho que nela se contém, não atino para a razão de descartar-se a competência da Justiça do Trabalho (…). Eis por que reafirmo que a circunstância de haver subjacente à lide uma relação contratual de consumo não obsta a que profissionais liberais e autônomos em geral doravante demandem, nesta qualidade jurídica, na Justiça do Trabalho, uma vez que o façam como sujeitos de uma relação jurídica que também é de trabalho e a lide não seja concernente a direitos do consumidor. “(DALAZEN, 2005).
Portanto, por mais que haja uma relação contratual de consumo, não há impedimento para que demandem na Justiça do Trabalho em lides nas quais haja uma relação jurídica de trabalho.
Corroborando do mesmo entendimento Fernando Antonio Zorzeon da Silva (2012), disciplina que “as relações de consumo definidas pelo CDC, abrangem praticamente todas as modalidades de prestação de serviço, inclusive aquelas que sempre foram consideradas relações de trabalho.” Assim sendo, afastar tais relações do âmbito de atuação da Justiça do Trabalho ignoraria a intenção do legislador ao modificar a competência material da mesma.
Para essa corrente, sempre que houver pessoa física na prestação de serviço, haverá relação de trabalho. Estariam, então, abrangidas nessa nova competência as relações de emprego, as relações de trabalho e as relações de consumo, desde haja prestação pessoal de serviço.
Cabendo, pois, ao juiz do trabalho, analisar cada caso e buscar a melhor solução, aplicando subsidiariamente o CDC e o CPC.
“A nova regra básica de competência material toma por base, portanto, a qualificação jurídica dos sujeitos envolvidos, não mais, como outrora, identificados somente como empregado (trabalhador subordinado) e empregador, mas sim como trabalhador, genericamente considerado, e tomador desses serviços (seja empregador, consumidor, sociedade cooperativa etc.), Assim, o que importa para delimitação de competência não é o tema discutido ou a legislação a ser aplicada, mas sim a circunstância de versar a lide sobre questão fulcrada diretamente em uma relação de trabalho.” (FILHO, 2012).
“O TRT da 3ª região, em 2008, prolatou uma sentença nesse sentido, vejamos:
COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO EM RAZÃO DA MATÉRIA- RELAÇÃO JURÍDICA DE NATUREZA CIVIL- É perfeitamente caracterizável a hipótese, na qual de um lado, o sujeito jurídico é pessoa física que presta serviço com habitualidade e reiteração (profissionais liberais, por exemplo) e do outro um sujeito jurídico que é beneficiário do serviço, seu destinatário final (clientes daqueles profissionais). Haverá de um lado o fornecedor-trabalhador e do outro um tomador-consumidor, ou seja, uma relação jurídica que, simultaneamente é qualificado como relação de consumo e relação de trabalho. Essa estrutura exige uma apreciação integrada da relação jurídica para a solução judicial dos conflitos dela decorrentes. A reforma do Judiciário (EC nº45/2004) trouxe para a Justiça do Trabalho o fato social em sua inteireza.”
Algumas críticas são feitas a essa corrente, uma delas é que o legislador ao alterar o art. 114 da CF tinha por objetivo amparar os trabalhadores, não empregados, que se encontravam a margem da Justiça do Trabalho, não parece lógico estender tal prerrogativa aos fornecedores de serviços, que têm suas demandas de consumo solucionadas de forma ágil e eficaz nos Juizados Especiais.
Outra crítica reside no fato de que tudo na sociedade decorre do trabalho humano, e se, somente por esse motivo, tais demandas passarem a ser competência da Justiça do Trabalho, ocorrerá o assoberbamento processual da mesma, e esta deixaria de ser uma Justiça célere e especializada.
3.3. CORRENTE INTERMEDIÁRIA
Para os defensores dessa corrente o termo relação de trabalho referido na nova redação do artigo em tela, refere-se à generalidade da expressão, traduzindo assim a intenção do legislador em ampliar tal competência.
A Justiça do Trabalho deixaria de ser a Justiça do emprego e passaria a cuidar do trabalhador em geral. Assim sendo, não será mais admitido que diferentes esferas do Poder Judiciário apreciem conflitos que, na essência, têm a mesma origem, com isso, não haverá valorações diversas ou conflitantes nas demandas dos trabalhadores (empregados ou não).
Marco Túlio Viana (2005) nesse sentido se manifesta: “A vantagem desse descolamento de competência esta em que o juiz do trabalho tem um olhar mais sensível para as questões sociais. Além disso, é mais experiente, mais ágil e menos formalista.”
Outra justificativa usada pelos defensores dessa corrente reside no fato do inciso IX do artigo em tela, onde a expressão “outras controvérsias da relação de trabalho” deve ser entendida no sentido de o legislador, poder, a seu critério ampliar, ainda mais, a competência material. Assim sendo, o inciso IX não seria contraditório frente ao inciso I do art. 114 da Constituição.
Jorge Luiz Souto Maior (2006) ao defender essa corrente nos ensina que ”Não prevalecendo a negativa da ampliação da competência da Justiça do Trabalho, há de se reconhecer, pelo menos, que a competência da Justiça do Trabalho limita-se natural e logicamente, às relações de trabalho que sejam próximas de uma relação de emprego, nas quais se possa vislumbrar uma espécie de exploração do trabalho alheio para a consecução de objetivos determinados (sendo marcante o conflito capital-trabalho ainda que com outra roupagem). Como critérios determinantes dessa limitação, alguns aspectos devem ser, necessariamente, observados: a pessoalidade na prestação de serviços (ainda que sob a forma de pessoa jurídica); a precariedade empresarial do prestador de serviços; a exploração da mão-de-obra para satisfação dos interesses empresariais ou econômicos de outrem (…). A competência estaria ampliada, portanto, para julgar conflitos como representantes comerciais; trabalho autônomo, cujo trabalho é explorado economicamente por outrem (um médico e o Hospital; um advogado e o escritório de advocacia; um escritor e o jornal), o trabalhador autônomo que presta serviços e que constitui uma atividade empresarial precária (o encanador; o jardineiro, o pequeno empreiteiro, etc.)”.
Seguindo o entendimento de que a Justiça do Trabalho é competente para julgar todas as demandas relativas às relações de trabalho, a 4ª Turma do TRT da 3ª região prolatou a seguinte decisão:
“EMENTA: COMPETÊNCIA MATERIAL DA JUSTIÇA DO TRABALHO – RELAÇÃO DE TRABALHO – GÊNERO QUE NÃO SOFRE RESTRIÇÃO POR INTERCESSÃO DE OUTROS PRESSUPOSTOS – A relação de trabalho é o gênero de determinado tipo contratual que não sofre a purificação de outros pressupostos mais específicos para a sua configuração, uma vez que seu núcleo matricial é o trabalho humano. Nos termos das alterações introduzidas ao artigo 114 da Constituição Federal, pela Emenda n. 45/04, a Justiça do Trabalho é competente para conciliar, instruir e julgar toda e qualquer controvérsia que envolva o trabalho, isto é, que encerre a atividade psico-física da pessoa humana, independentemente da sua natureza específica – relação de emprego – desde que o serviço seja prestado pessoal e onerosamente, em benefício de outra pessoa física ou jurídica. A partir da alteração constitucional retro mencionada, a Justiça do Trabalho resgatou a sua completa vocação, fazendo jus, até semanticamente, ao que sempre deveria ter sido: competente para conciliar, instruir e julgar os dissídios e as controvérsias individuais, singulares e plúrimas, decorrentes ou oriundas do trabalho da pessoa humana, portanto, dos trabalhadores (gênero) e não apenas do empregado (espécie). Essa amplidão competencial dilatou, alargou, alongou as tímidas fronteiras da Justiça do Trabalho e trouxe para o seu eixo de rotação cotidiana o trabalho da pessoa humana, inclusive no que tange ao trabalho, manual, técnico ou intelectual, a respeito dos quais ou entre os respectivos profissionais, o art. 7º, inciso XXXII proíbe qualquer distinção, agora plena, à luz de uma interpretação dirigente, sistêmica, lógica e coerente com o art. 114, da Constituição Federal. Toda e qualquer interpretação faz-se dentro e além das palavras, sem ambivalência perceptiva, imprimindo-se efetividade ao desejo do legislador, que é tão importante na sua atribuição constitucional quanto à visão social do intérprete, que, em hipótese alguma, pode reduzir a extensão do avanço social implementado na Lei Maior”. (grifo nosso).
Depreende-se que é competência da Justiça do Trabalho toda relação de trabalho que seja próxima da relação de emprego, bastando que haja trabalho humano em beneficio de outrem, ficando excluídas dessa competência as relações de consumo.
O principal argumento dos defensores dessa corrente para excluir a relação de consumo do âmbito de atuação da Justiça do Trabalho é o fato do objeto da relação de consumo ser o produto ou serviço, e não o trabalho propriamente dito.
O CDC em seu artigo 3º, §1º define produto como: “qualquer bem, móvel ou imóvel, material ou imaterial”, e em seu § 2º define serviço como: “qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.” (grifo nosso).
Arion Sayão Romita (2005) corroborando desse entendimento salienta que: “serviço no âmbito da relação de consumo é algo equiparado a mercadoria, tanto que pressupõe seja ele fornecido no mercado de consumo. (…) Na relação de trabalho o tomador de serviço remunera a atividade prestada em seu proveito, não se cogitando o mercado de consumo.”
E finaliza explicando que o Profissional Liberal não é fornecedor de serviço no sentido que o CDC o define, é sim, um trabalhador autônomo, portanto, a relação jurídica gerada pela prestação de serviço é relação de trabalho e não de consumo.
Para os defensores desta corrente, se o legislador quisesse incluir as relações de consumo no âmbito de atuação da Justiça do Trabalho teria o feito de maneira expressa, como isso não ocorreu não cabe a doutrina fazer tal alteração.
É inegável que em algumas situações as relações de trabalho e de consumo estão ligadas, porém, há que se distingui-las, deve-se analisar se o objeto do litígio é a prestação de trabalho, ou se esta e apenas uma circunstância necessária a viabilização da relação.
Finalizando os argumentos da corrente ampliativa, sempre que houver relação de trabalho, esta será apreciada pelo juiz do trabalho, já as relações de consumo continuaram sendo julgadas na justiça comum com base no CDC.
Grande parte dos Tribunais Regionais do Trabalho corrobora da posição doutrinária dessa corrente, como é o exemplo do TRT da 18ª região na seguinte decisão:
“EMENTA. RELAÇÃO DE TRABALHO E RELAÇÃO DE CONSUMO. COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA TRABALHISTA. Dá-se a relação de trabalho quando um ser humano coloca sua força de trabalho à disposição de outrem, inserindo-se na órbita produtiva deste, recebendo contraprestação pecuniária ou não. Já a relação de consumo é verificada quando estão presentes um consumidor, assim entendido a 'pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final' (art. 2º da Lei 8.078/90), e um fornecedor, qual seja, 'pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produtos ou prestação de serviços' (art. 3º da Lei 8.078/90). A relação de consumo se dá, portanto, quando o produto produzido ou comercializado pelo fornecedor atinge seu destinatário final, que é o consumidor. As relações de trabalho são objeto da competência da Justiça do Trabalho, conforme disposto pelos incisos I e IX do art. 114 da CF, situação que não se repete quando estiver presente uma relação de consumo na situação analisada.”
Após toda explanação acerca das correntes doutrinarias é fato, que a Justiça do Trabalho passou a ser competente para julgar todas as lide decorrentes da relação de trabalho, sendo perfeitamente possível que o prestador de serviço tenha suas lides julgadas na Justiça do Trabalho.
A dúvida, agora, reside no fato de saber se este trabalhador pode ingressar na Justiça do Trabalho para cobrar pelo recebimento do seu serviço prestado, principalmente no tocante aos honorários advocatícios.
4. COMPETÊNCIA PARA JULGAR AÇÕES DECORRENTES DA COBRANÇA DE HONORÁRIOS.
Desde a entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45 a questão da cobrança dos honorários vem sido discutida na doutrina, vejamos:
Sérgio Pinto Martins (2005) nos ensina que: “relação entre o prestador de serviço e o tomador dos serviços sobre o preço do serviço ou honorários profissionais é de trabalho, pois diz respeito à remuneração pelo trabalho prestado.”
Por sua vez, José Antonio Pancotti (2005) preleciona que “A relação de consumo vincula, de um lado, o consumidor e de outro lado, o fornecedor, incluindo-se os de natureza bancária, financeira, creditícia e securitários. De sorte que se caracterizam como oriundas de relação de consumo as hipóteses, em que o tomador de serviços seja o consumidor final, como no caso das ações de cobrança de honorários por serviços advocatícios, médicos, odontológicos, engenheiros; preço de serviços de alfaiate, modista, cabeleireiro, manicura, pedicure, do podólogo, fotógrafo, execução de tarefas de transporte, como o taxista, o caminhoneiro etc.”
Neste momento, faz-se necessário explanar a cerca dos honorários advocatícios na Justiça do Trabalho
4.1. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO
É preciso diferenciar, primeiramente, os honorários contratuais dos honorários de sucumbência.
Os honorários contratuais são devidos em razão do contrato firmado com o cliente, para utilização dos serviços profissionais do advogado, independente do resultado obtido com a demanda. Tais honorários têm caráter alimentar, ressaltando, assim, a relação de trabalho existente entre advogado e cliente.
Já os honorários de sucumbência, são os que decorrem do sucesso do trabalho realizado pelo advogado, sendo de ordem remuneratória e disponível. Seria, portanto, o ônus imposto ao vencido. Convém ressaltar que os de sucumbência não excluem os contratuais.
O princípio da sucumbência proclama que a parte vencida no processo é obrigada a arcar com as custas judiciais e com os honorários advocatícios da parte vencedora.
Tal princípio é justificado pelo fato de que a atuação da lei não deve representar uma diminuição patrimonial para a parte cujo direito se efetiva.
O art. 791 da CLT nos ensina que: “os empregados e empregadores poderão reclamar pessoalmente perante a Justiça do Trabalho e acompanhar as suas relações até o final.”
Percebe-se, portanto, a previsão do jus postulandi na Justiça do Trabalho, ou seja, não é obrigatória a contratação de um advogado nas lides decorrentes da relação de emprego, inexistindo portando o princípio da sucumbência.
Antes da entrada em vigor da Emenda Constitucional nº45, a Justiça do Trabalho era competente para julgar apenas as relações de emprego, por tanto, seus dispositivos legais, regulavam somente essas relações. Fato que ocorre com a questão dos honorários.
A legislação processual trabalhista não possui norma específica que verse sobre os honorários advocatícios em todas as situações, mas apenas em relação aos casos de assistência sindical.
Nesse sentido a Súmula 219 do TST nos orienta sobre a cobrança de honorários de sucumbência nas relações de emprego, vejamos:
“Honorários Advocatícios – Cabimento- Na Justiça do Trabalho, a condenação em honorários advocatícios, nunca superiores a 15%, não decorre pura e simplesmente da sucumbência, devendo a parte estar assistida por Sindicato da categoria profissional e comprovar a percepção de salário inferior ao dobro do mínimo legal, ou encontrar-se em situação econômica que não lhe permita demandar sem prejuízo do próprio sustento ou da respectiva família.”
Em fevereiro de 2005 o TST editou a Instrução Normativa nº 27, que dispõem que: “exceto nas lides decorrentes da relação de emprego, os honorários de sucumbência são devidos pela mera sucumbência.”
Com isso se percebe que há uma limitação da condenação de honorários de sucumbência nas lides decorrentes da relação de emprego, sendo beneficiado com isso apenas o empregador mal pagador, e não o empregado que é a parte hipossuficiente na relação.
Por exemplo, o empregado desempregado que ingressar na Justiça do Trabalho, sem assistência sindical, para cobrar eventuais verbas trabalhista que tenha a receber, não será beneficiário do princípio da sucumbência, pois se trata de relação de emprego, sem assistência do sindicato. Já um profissional autônomo que esteja pleiteando a cobrança de honorários, fará jus ao princípio, pois se trata de relação de trabalho.
Com o intuito de se enquadrar na nova da competência material da Justiça do Trabalho, não fazendo diferença entre trabalhador e empregado, foi editado o enunciado nº 79 na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho na Justiça do Trabalho[3], dispondo sobre os honorários de sucumbência:
“HONORÁRIOS SUCUMBENCIAIS DEVIDOS NA JUSTIÇA DO TRABALHO: I- HONORARIOS DE SUCUMBENCIA NA JUSTIÇA DO TRABALHO: As partes em reclamatória trabalhista e nas demais ações da competência da Justiça do Trabalho, na forma da lei, têm direito em demandar em juízo através de procurador de sua livre escolha, forte no principio da isonomia. Sendo em tal caso, devidos os honorários de sucumbência, exceto se a parte sucumbente estiver ao abrigo do beneficio da justiça gratuita.”
É importante salientar, ainda, que o exercício da advocacia goza do múnus público atribuído pelo artigo 133 da Constituição Federal, sendo o advogado indispensável à administração da Justiça. Em virtude dessa característica, não é permitido ao advogado as práticas de mercantilismo, angariar ou captar causas, utilizar-se do marketing ou fazer propaganda; práticas essas não permitidas pelo Estatuto da OAB.
Conclui-se que a relação entre o advogado e o cliente não pode ser considerada de consumo, pois o advogado não esta oferecendo seus serviços no mercado, características essencial da relação de consumo.
Apesar disso os Tribunais Superiores não vem seguindo o Enunciado nº 79, supra citado, vejamos a decisão do TRT da 2ª região:
“COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO–COBRANÇA DE HONORARIOS ADVOCATICIOS DE SUCUMBÊNCIA – Sem qualquer razão o Autor. Na Justiça do Trabalho, em se tratando, como na espécie, de ação ajuizada por típico trabalhador empregado, a assistência judiciária rege-se pelas disposições do art. 14 da Lei nº 5.584/70, que condiciona o deferimento dos honorários advocatícios ao preenchimento concomitante de dois requisitos, quais sejam: 1) estar à parte assistida pelo Sindicato de sua categoria profissional, e, 2) comprovar ou declarar validamente a sua miserabilidade jurídica. Têm pertinência na espécie as Súmulas nº. 219 e 329, bem como a Orientação Jurisprudencial nº 305 da SBDI-1, todas do C. TST, que se sobrepõem, pelo princípio da especialidade, ao preceito da Súmula do E. STF invocada no Apelo. No caso dos autos, o Autor não colmata cumulativamente todas as exigências legais, pois apesar de haver declarado a sua miserabilidade jurídica a fl. 30, ajuizou a presente demanda representado por advogados particulares (fls. 28 e 29). Não possuem efeito vinculante, e nem tampouco expressam o entendimento perfilhado por este Juízo, os Enunciados nºs 53 e 79 da 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho da ANAMATRA, reproduzidos a fl. 235.”
4.2. COMPETÊNCIA PARA A COBRANÇA DOS HONORÁRIOS
O Tribunal Superior do Trabalho, em junho de 2005, compartilhando do entendimento de que a relação entre cliente e advogado não pode ser considerada como relação de consumo, cancelou a Orientação Jurisprudencial nº138 da SBDI-2[4], que afirmava que a Justiça do Trabalho não era competente para apreciar ação de cobrança de honorários advocatícios.
Com o cancelamento dessa Orientação Jurisprudencial o TST se mostrou favorável a tendência da ampliação da competência material da Justiça do Trabalho, e trouxe para o seu grau de atuação a cobrança dos honorários dos profissionais liberais.
Seguindo o mesmo entendimento foi estabelecido na 1ª Jornada de Direito Material e Processual do Trabalho na Justiça do Trabalho o enunciado nº 23:
“COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. AUSÊNCIA DE RELAÇÃO DE CONSUMO: A Justiça do Trabalho é competente para julgar ações de cobrança de honorários advocatícios, desde que ajuizada por advogado na condição de pessoa natural, eis que o labor do advogado não é prestado em relação de consumo, em virtude de lei e de particularidades próprias, e ainda que o fosse, porque a relação consumeirista não afasta, por si só, o conceito de trabalho abarcado pelo artigo 114 da CF”.
Assim, alguns tribunais passaram a decidir a questão da competência para julgar a cobrança de honorários como da Justiça do Trabalho, em 2007 o TST seguindo esse pensamento prolatou a decisão abaixo:
"COMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO – COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS- Nos termos do inciso IX do art. 114 da CF, incluído pela Emenda Constitucional 45/2004, compete à Justiça do Trabalho processar e julgar as controvérsias decorrentes das relações de trabalho. Pode-se definir a relação de trabalho como uma relação jurídica de natureza contratual entre trabalhador (sempre pessoa física) e aquele para quem presta serviço (empregador ou tomador dos serviços, pessoas físicas ou jurídicas), que tem como objeto o trabalho remunerado em suas mais diferentes formas. Assim, essa relação não se confunde com a relação de consumo, regida pela Lei 8.078/90, cujo objeto não é o trabalho realizado, mas o produto ou serviço consumível, tendo como pólos o fornecedor (art. 3º) e o consumidor (art. 2º), que podem ser pessoas físicas ou jurídicas; O divisor de águas entre a prestação de serviço regida pelo CC, caracterizada como relação de trabalho, e a prestação de serviço regida pelo CDC, caracterizada como relação de consumo, está no intuitu personae da relação de trabalho, pelo qual não se busca apenas o serviço prestado, mas que ele seja realizado pelo profissional contratado. Nesse contexto, o liame entre o advogado e seu representado revela-se uma típica relação de trabalho, na qual o trabalhador, de forma pessoal e atuando com independência relativa, administra os interesses de outrem por meio de mandato, na forma dos arts. 653 a 692 do CC. Assim, que ampliada pela EC 45/2004, conferiu nova redação ao art. 114 da Constituição Federal, a atual competência da Justiça do Trabalho abrange as controvérsias relativas ao pagamento de honorários advocatícios decorrentes da atuação do advogado em juízo, por se tratar de ação oriunda de relação de trabalho. Ressalte-se que, em face do cancelamento da Orientação Jurisprudencial 138 da SBDI-2 do TST, não tendo sido ainda editada uma nova diretriz por esta Corte, resta ao julgador adotar seu posicionamento em cada caso concreto, até que se gere uma nova jurisprudência pacífica sobre a matéria. Assim sendo, DOU PROVIMENTO ao recurso, para determinar o retorno do presente feito à Vara do Trabalho de origem, para que o analise como entender de direito.”
Porém, o STJ, em 2008 lançou a Súmula 363 que dispõem: “Compete a Justiça Estadual processar e julgar a ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente.”
É visível que tal súmula esta indo na contramão das mudanças trazidas pela EC nº45. Segundo Alexandre Reis Pereira de Barros (2008), o STJ ao analisar os incidentes[5] que deram origem a referida súmula, utilizou como marco diferenciador entre a relação de emprego e a relação de trabalho, apenas a natureza do pedido, ou seja, se a questão versava sobre reconhecimento de vinculo de emprego ou se tratava de verba trabalhista típica.
O equivoco cometido pelo STJ reside no fato de delimitar a competência da Justiça do Trabalho, em função da natureza dos pedidos formulados na demanda.
Outro equivoco cometido pelo STJ é que parte dos incidentes utilizados como pilares para a edição da referida súmula, são anteriores as modificações trazidas pela Emenda Constitucional nº 45. Percebe-se com isso que não houve utilização dos elementos sistemáticos, históricos e teleológicos quando da analise dos mesmos.
Anteriormente, doutrina e jurisprudência divergiam a competência trabalhista quando o pedido formulado em reclamação trabalhista não versasse sobre salário ou sobre os direitos previstos na CLT. Porém, antes mesmo da ampliação da competência material da Justiça do Trabalho essa divergência já havia sido solucionada.
Vejamos uma decisão do STF, do ano de 1991:
“À determinação da competência da Justiça do Trabalho não importa que dependa a solução da lide de questões de direito civil, mas sim, no caso, que a promessa de contratar, cujo alegado conteúdo é o fundamento do pedido, tenha sido feita em razão da relação de emprego, inserindo-se no contrato de trabalho”.
Fato é que toda demanda, que tiver conteúdo de relação de trabalho, independente do ramo do direito ao qual se enquadra o pedido formulado na inicial, é competência da Justiça do Trabalho. Não se podendo presumir, que se a pretensão for de natureza civil esta afastada a competência da Justiça Laboral.
Percebe-se, ainda, que o STJ adotou a corrente restritiva no tocante a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, é sabido, porém, que esta não é a corrente majoritária sobre o tema. Com isso, têm se ferido a nova realidade constitucional trazida pela EC nº45.
Com isso, o TST que outrora havia decidido como competência da Justiça do Trabalho a cobrança de honorários, teve que enquadrar seu posicionamento em decorrência da súmula do STJ. Podemos verificar na decisão abaixo:
“AÇÃO DE COBRANÇA DE HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS CONTRA CLIENTE. INCOMPETÊNCIA DA JUSTIÇA DO TRABALHO. Trata-se de matéria já pacificada nesta Justiça Especializada, após a edição da Súmula nº 363 do Superior Tribunal de Justiça, que dispõe ser de competência da Justiça Estadual o processamento e julgamento de ação de cobrança ajuizada por profissional liberal contra cliente”.
Há que se lembrar ainda que a Constituição Federal em seu art. 105, I, d, preceitua ser competência do STJ firmar competência ante a divergência estabelecida entre tribunais diversos, desde que esta divergência não verse sobre matéria constitucional. Sendo a divergência sobre matéria constitucional, a competência seria do STF, de acordo com a o art. 102, I, o[6] da Carta Magna. Porem, o STF não se posicionou a respeito do tema até o momento.
Portanto, devemos seguir o enunciado da Súmula 363 do STJ.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Parece-nos que a finalidade do texto constitucional foi incluir no âmbito da Justiça Especializada trabalhadores do mercado informal, trabalhadores que prestam serviços pessoais, contínuos e onerosos, e que se encontram em zonas fronteiriças entre o trabalho subordinado, autônomo e eventual.
Já, as relações de consumo estão fora do âmbito de competência da Justiça do Trabalho. Na relação de consumo, o serviço prestado é episódico, exaure-se muitas vezes em um dia ou em algumas horas, e o consumidor que dele se utiliza o faz para satisfazer a uma necessidade própria, e não a uma atividade produtiva.
Definida pela Justiça do Trabalho a natureza do vínculo, e versando a lide sobre trabalho humano, fará jus aos direitos trabalhistas, caso contrário, as reparações serão as do Direito Civil ou do Direito Comercial.
As alterações no texto constitucional vieram para valorar a Justiça do Trabalho, aprimorando a especialização da mesma, e por consequência o valor social do trabalho bem como para tentar trazer a dignidade para a pessoa do trabalhador, parte hipossuficiente, que agora pode contar com a Justiça especializada para dirimir seus conflitos.
Com isso corroboramos do entendimento da corrente doutrinária intermediária a cerca da real competência material imposta a Justiça do Trabalho com o advento da Emenda Constitucional nº45.
No que tange a competência para julgar a cobrança de honorários, entendemos que súmula 363 do STJ está indo na contramão das mudanças trazidas pela Emenda Constitucional nº45, as quais apresentam um aspecto teleológico nítido diante dos anseios sócio-jurídicos atuais
A nosso ver, seria Justiça do Trabalho a mais competente para julgar tais lides, porém o entendimento do STJ é de que a competência deve ser da Justiça Comum.
A se pensar de outra forma, estaríamos afirmando ser o Direito uma ciência proibitiva quanto à comunicação entre seus diversos ramos, o que inviabilizaria a prestação efetiva da tutela jurisdicional pelo magistrado, bem como a obtenção da Justiça, enquanto fim a ser alcançado pelo jurisdicionado, quando da procura pelo Judiciário.
Como o STF, que é quem possui competência para dirimir divergências estabelecidas entre Tribunais Superiores sobre matérias constitucionais, ainda não se manifestou a respeito, devemos seguir o enunciado da referida súmula.
No instante em que a Justiça do Trabalho concentrou a competência para conhecer e julgar as lides nucleares e conexas que tenham fulcro na relação de emprego, o nosso ordenamento jurídico ganhou uma face progressista, democrática com a finalidade da busca pela justiça social.
Um sistema legal trabalhista coerente e eficiente é essencial para a conquista da efetividade do Direito do Trabalho em nosso Estado de Direito.
Informações Sobre o Autor
Isabela Naves Costa Ribeiro
Advogada trabalhista, membro da Comissão de Direito e Defesa dos Idosos da OAB/MG, graduada pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais, e pós graduada em Direito Material e Processual do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp