Resumo: O objetivo deste trabalho é realizar uma análise acerca do bem público e das terras devolutas. O presente estudo apresentará em sua primeira parte o conceito de domínio público é sua importância no estudo dos bens públicos. Pretende-se ainda historiar de forma sucinta as primeiras referências ao bem público considerando para tanto o direito romano a idade média e a relação dos príncipes com o bem público. No sentido de cumprir com os seus objetivos este trabalho abordará temas sobre o conceito de bem público e suas modalidades com a competente característica de cada um e a diferenciação entre os bens particulares.
Sumário: Introdução. Desenvolvimento. 1. Bens públicos. 1.1 Histórico de bens públicos. 1.2 Domínio público. 1.3 Conceito de bens públicos. 1.4 Críticas ao conceito de bens públicos. 1.5 Classificação de bens públicos. 1.5.1 Bens de uso comum do povo. 1.5.2 Bens de uso especial. 1.5.3 Bens dominicais. 1.6 Características do bem público. 1.6.1 Inalienabilidade. 1.6.1.1 Requisitos para alienação de bem público. 1.6.1.2 Afetação e Desafetação. 1.6.2 Impenhorabilidade. 1.6.3 Imprescritibilidade. 2. Terras devolutas. 2.1 Conceito. 2.2 Breve histórico das terras devolutas nas Constituições. 2.3 Usucapião de terras devolutas. 2.4 Tratamento das terras devolutas. Conclusão. Referências.
Introdução
O objetivo deste trabalho é realizar uma análise acerca do bem público e das terras devolutas
O presente estudo apresentará em sua primeira parte o conceito de domínio público é sua importância no estudo dos bens públicos.
Pretende-se ainda historiar de forma sucinta as primeiras referencias ao bem público, considerando para tanto o direito romano, a idade média e a relação dos príncipes com o bem público.
No sentido de cumprir com os seus objetivos, este trabalho abordará temas sobre o conceito de bem público e suas modalidades com a competente característica de cada um e a diferenciação entre os bens particulares.
Também serão apontadas as principais caraterísticas dos bens públicos, tais como inalienabilidade, imprescritibilidade e impenhorabilidade, bem como será analisada as classificações de bens públicos no Código Civil.
Na segunda parte do trabalho, será feito uma abordagem sobre a situação jurídica das terras devolutas. Primeiramente, serão feitas considerações históricas a respeito do tema, bem como seu surgimento no ordenamento jurídico brasileiro. Após, será estudado seu conceito e analisada sua presença desde as Constituições anteriores até a Constituição de 1988. Por fim, será destacada sua importância e tratamento pela jurisprudência pátria.
1.Bem público
1.1Histórico de bens públicos
A noção de bem público remonta a tempos antigos, sendo que em cada época o bem público adquiriu uma definição e um sentido diferente. É possível vislumbrar a relação com o bem público em diferentes períodos, são eles: Roma, idade média e a relação dos príncipes com o bem público.
No direito romano se fazia referência aos bens públicos, constando da divisão das coisas apresentadas por Caio e Justiniano nas Institutas.
Nas lições de Maria Sylvia Zanella di Pietro(2008)[1], falava-se em res nullius, como coisas extra commercium, dentre as quais se incluíam as res communes (mares, portos, estuários, rios insuscetíveis de apropriação privada), as res publicae (terras, escravos, de propriedade de todos e subtraídas ao comércio jurídico) e res universitatis (fórum, ruas, praças públicas. Segundo a autora, as res publicae pertenciam ao povo.
José Cretella Junior.(1969)[2] entende que a res publicae são as res populi, ou seja, no direito romano os bens públicos pertenciam ao populus romanus, de modo que natural ou civilmente, pudessem estar franqueados ao uso de todos, como os portos, os rios, os caminhos públicos.
Já na Idade Média, ensina Cretella Júnior que, sob o domínio dos bárbaros repartem-se as terras conquistadas entre o rei e os soldados, deixando-se uma parte aos vencidos.
A parte que coube aos soldados combatentes, dada incialmente como um prêmio por tempo determinado passando mais tarde à vitalícia e, finalmente, a hereditária, originando o feudo.
A parte do rei era destinada aos usos da Coroa e à defesa do Estado com nome de jus coronae. Essa propriedade era personificada no príncipe, isto é, os bens públicos eram considerados propriedade do rei, e não mais do povo, como ocorria no Direito Romano.
Mais tarde, aos monarcas, se atribuía o domínio das coisas públicas. Nesse período, nasceram duas principais teorias para explicar o domínio do monarca.
A primeira sustentava que o príncipe era sucessor do populus romanus, e por tal razão, ele teria o domínio da coisa pública.
Já a segunda teoria, atribuía às coisas públicas ao povo, o qual poderia utilizá-la em condições de igualdade. Sob o ponto de vista dessa segunda teoria, o monarca não teria domínio sobre a coisa pública e sim caberia a ele o poder de polícia, a fim de fiscalizar o uso e impedir abuso.
Enquanto se considerou o bem como propriedade da coroa, não houve distinção de regime jurídico segundo às várias espécies de bens. Todavia, com a segunda teoria foram dados os primeiros passos no sentido de uma classificação dos bens públicos.
Segundo Maria Sylvia Zanella Já nos séculos XVII e XVIII, alguns autores consideravam duas categorias de bens públicos: a) as coisas públicas, que eram afetadas ao uso público, como os cursos d’água, rios, estradas, etc, sobre tais bens o rei não tinha direito de propriedade, mas apenas um direito de guarda ou poder de polícia; b) e os bens integrados no domínio da coroa, sobre os quais o monarca detinha a propriedade.
1.2.Domínio Público (Domínio Eminente e Domínio Patrimonial)
Primeiramente deve-se registrar que, o conceito de domínio público é de suma importância no estudo dos bens públicos, uma vez que as coisas públicas formam o domínio público. Porém o conceito de domínio público não é uniforme na doutrina.
Segundo Edgard Penna Amorim Pereira(2003)[3], apesar de não existir um conceito uniforme na doutrina a respeito do tema, é possível perceber com Hely Lopes Meirelles, que as opiniões convergem para o entendimento de que esse domínio, como poder de soberania interna, exercido pelo Estado, enquanto nação politicamente organizada, sobre todas as coisas que se acham em seu território, alcança tanto os bens públicos como as coisas particulares de interesse coletivo, ao passo que como direito de propriedade, o Estado só o exerce sobre os bens pertencentes ás entidades públicas.
O Estado exerce, em decorrência de sua soberania, poder sobre tudo aquilo que se encontre em seu território, porém existe diferença no conteúdo e no exercício desses poderes quando se trata de bem particular e de bem público.
O conceito de domínio público passa por dois desdobramentos: o sentido político denominado domínio público eminente e o sentido jurídico denominado domínio público patrimonial.
O domínio público eminente se refere ao poder estatal de regulamentar todas as coisas de interesse público, inclusive os bens do patrimônio privado, tendo como fonte o exercício dos poderes de Soberania, e o domínio público patrimonial é entendido como o poder de dominação do Estado sobre os bens do patrimônio público, exteriorizando-se em efetivo direito de propriedade.
O domínio público eminente é um domínio geral e potencial sobre bens alheios enquanto que o domínio publico patrimonial é um domínio específico e efetivo sobre bens próprios do Estado, o que o caracteriza como um domínio patrimonial , no sentido de incidir sobre os bens que lhe pertencem.
Diante da análise acima percebemos que os bens públicos são aqueles submetidos ao domínio público patrimonial, sobre o qual o Estado exerce efetivo direito de propriedade pública, sujeito a um regime administrativo especial.
1.3.Conceito de bem público
No item anterior viu-se que domínio patrimonial do Estado ao contrário do domínio eminente, incide efetivamente sobre os bens que lhe são próprios, por isso chamado de bens públicos.
Assim, partiremos para o conceito de bens públicos, que são aqueles submetidos ao domínio público patrimonial, sobre o qual o Estado exerce efetivo direito de propriedade.
Segundo Francisco Amaral(2006)[4], bens públicos são os que pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno ( a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias e as demais entidades públicas). Bens particulares são os outros, seja qual for a pessoa a quem pertencerem (CC, art.98).
Para Amaral, é matéria que classifica e regula os bens em relação a pessoas titulares, interessando ao direito civil e ao direito administrativo.
Os administrativistas, a seu turno, não se afastam do conceito apontado por civilistas, dando, entretanto, em seus conceitos, especial atenção às entidades publicas detentoras dos bens públicos, bem como o regime especial a que são subordinados tais bens.
No conceito de Celso Antônio Bandeira de Mello(1994), bens públicos são todos os bens que pertencem à pessoa jurídica de direito público, isto é, União, Estados, Distrito Federal, Municípios, respectivas autarquias e fundações de direito público, (estas ultimas , aliás, não passam de autarquias designadas pela base estrutural que possuem), bem como os que, embora não pertencentes a tais pessoas, estejam afetados à prestação de um serviço público. O conjunto de bens públicos forma o domínio público, que inclui tanto bens móveis, como imóveis.
Hely Lopes Meirelles(1992)[5], a seu turno, ensina que bens públicos, em sentido amplo, são todas as coisas, corpóreas ou incorpóreas, imóveis, móveis e semoventes, créditos, direitos e ações, que pertençam, a qualquer título, às entidades estatais, autárquicas, fundacionais e paraestatais.
José Cretella Júnior(1984), conceitua bem público como “o conjunto das coisas móveis e imóveis de que é detentora a Administração, afetados quer a seu próprio uso, quer ao uso direto ou indireto da coletividade, submetidos a regime jurídico de direito público derrogatório e exorbitante do direito comum.
A Constituição de 1988 não conceitua bem público, mas tão somente elenca nos seus artigos 20 e 26 quais seriam os bens da União e dos Estados Federados, sendo certo que, no que tange aos bens dos Estados, o conteúdo do artigo 26, não é taxativo, é o que se conclui da leitura do seu caput é a existência de outros bens pertencentes ao Estado. Quanto aos municípios, não há especificação constitucional quanto ao elenco de seus bens, parecendo-nos que o Constituinte adotou a técnica de, delimitando os bens da União e dos Estados Federados, deixar ao campo residual o conjunto de bens municipais.
“Art. 20. São bens da União:
I – os que atualmente lhe pertencem e os que lhe vierem a ser atribuídos;
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;
III – os lagos, rios e quaisquer correntes de água em terrenos de seu domínio, ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países, ou se estendam a território estrangeiro ou dele provenham, bem como os terrenos marginais e as praias fluviais;
IV as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países; as praias marítimas; as ilhas oceânicas e as costeiras, excluídas, destas, as que contenham a sede de Municípios, exceto aquelas áreas afetadas ao serviço público e a unidade ambiental federal, e as referidas no art. 26, II; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 46, de 2005)
V – os recursos naturais da plataforma continental e da zona econômica exclusiva;
VI – o mar territorial;
VII – os terrenos de marinha e seus acrescidos;
VIII – os potenciais de energia hidráulica;
IX – os recursos minerais, inclusive os do subsolo;
X – as cavidades naturais subterrâneas e os sítios arqueológicos e pré-históricos;
XI – as terras tradicionalmente ocupadas pelos índios.
§ 1º – É assegurada, nos termos da lei, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, bem como a órgãos da administração direta da União, participação no resultado da exploração de petróleo ou gás natural, de recursos hídricos para fins de geração de energia elétrica e de outros recursos minerais no respectivo território, plataforma continental, mar territorial ou zona econômica exclusiva, ou compensação financeira por essa exploração.
§ 2º – A faixa de até cento e cinquenta quilômetros de largura, ao longo das fronteiras terrestres, designada como faixa de fronteira, é considerada fundamental para defesa do território nacional, e sua ocupação e utilização serão reguladas em lei.
Art. 26. Incluem-se entre os bens dos Estados:
I – as águas superficiais ou subterrâneas, fluentes, emergentes e em depósito, ressalvadas, neste caso, na forma da lei, as decorrentes de obras da União;
II – as áreas, nas ilhas oceânicas e costeiras, que estiverem no seu domínio, excluídas aquelas sob domínio da União, Municípios ou terceiros;
III – as ilhas fluviais e lacustres não pertencentes à União;
IV – as terras devolutas não compreendidas entre as da União.”
O Código Civil de 1916, em seu art. 65, definia como público os bens de domínio nacional pertencentes a União, aos Estados, ou aos Municípios, prescrevendo, ainda que, por conseguinte, todos os demais outros são particulares, seja qual for a pessoa a quem pertencerem. E de acordo com art. 66 os bens públicos se classificavam em: de uso comum, de uso especial e dominicais ou dominiais.
O Código Civil de 2002, em seu art. 98, dispõe que: são públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.
“Art. 98. São públicos os bens do domínio nacional pertencentes às pessoas jurídicas de direito público interno; todos os outros são particulares, seja qual for a pessoa a que pertencerem.”
1.4.Críticas ao conceito de bem público
Surgiram muitas críticas ao código quanto ao uso do adjetivo nacional contido no art.65 do Código Civil de 1916 e repetido no art. 98 do Código Civil de 2002. Alguns doutrinadores alegavam que o uso do adjetivo estaria equivocado.
Nos ensinamentos de Jose Costa Loures(2003)[6], o adjetivo reiterado só pode ser entendido como se referindo ao substantivo nação como um todo abrangendo os três entes políticos que a compõem: União, Estados e Municípios, excluindo quaisquer outros, mesmo os países estrangeiros, que o restante do enunciado inclui entre os particulares, se aqui possuírem bens.
Segundo Maria Helena Diniz(2003)[7] trata-se de uma classificação dos bens quanto aos sujeitos a que pertencem. Bens Públicos são os que pertencem ao domínio nacional, ou seja, a união e, aos Estados ou aos Municípios. De modo que, conforme a pessoa jurídica de direito público interno a que pertencerem, os bens públicos serão federais, estaduais ou municipais. Os bens particulares são os que tiverem como titular de seu domínio pessoa natural ou jurídica de direito privado.
Também houve muitas críticas à inclusão dos bens públicos na classe do elenco geral de bens, tendo em vista que o código Civil, no Livro II, dividiu os bens em três classes: os bens considerados em si mesmos, os bens reciprocamente considerados e os bens públicos.
Ensina Eduardo Ribeiro de Oliveira(2008)[8], as criticas se deram na medida em que tal classificação não analisa o bem em si ou sua relação com os outros bens, e sim analisa quem é o seu proprietário.
Clóvis Beviláqua defende a classificação afirmando que a distinção é feita considerando-se o modo por que se exerce o domínio e não o proprietário.
Leciona Sergio Ferraz que a caracterização do bem público nada tem a ver com suas propriedades físicas como ocorre com as demais classificações de bens consignadas em doutrinas jurídicas, mas tão apenas com o seu peculiar regime jurídico. Por isso, deve-se priorizar a contribuição doutrinária advinda dos publicistas, designadamente os cultores do Direito Administrativo e do Direito Constitucional, da qual realça a definição de José Cretella Junior sobre bens públicos, extraído do seu tratado de direito administrativo:
“As coisas materiais ou imateriais, assim como as prestações, que pertencem às pessoas jurídicas públicas, objetivam fins públicos e estão sujeitas a um regime jurídico especial, derrogatório do direito comum.”
Conclui Ferraz que, o que realmente tipifica bem público é a circunstância de estarem eles sujeitos a um regime jurídico próprio, de direito público, ainda que, eventualmente, algumas normas componentes desse regime de direito público constem de codificação de direito privado.
Outra crítica refere-se ao fato da matéria de bens públicos ser tratada no código Civil, uma vez que integra o direito público.
Na Exposição de Motivos apresentada por Miguel Reale ao Ministro de Justiça, quando do encaminhamento do Anteprojeto do Código Civil, foram refutadas essas objeções. Aduziu-se que grande número de princípios e normas da Parte Geral são amplamente aplicados no direito público, sendo que os conceitos de bens públicos e privados fazem-se mais precisos quando colocados em confronto.
A inclusão foi justificada á época baseando-se em considerações teóricas de que a Filosofia e a Teoria Geral do Direito mantém distinção entre direito público e privado, sendo distintos, mas substancialmente complementares e até mesmo dinamicamente reversíveis. Apontou-se também que o Código Civil é aplicável às entidades constituídas pelo Poder Público, quando a lei instituidora não lhes conferir ordenação especial.
Percebe-se que a manutenção da classificação de bens públicos e particulares no Código Civil se mostrou benéfica.
Em conformidade com Francisco Amaral, os bens se classificam quanto á pessoa dos titulares, como públicos ou privados (2003)[9].
Ainda segundo Amaral, bens públicos são os que pertencem às pessoas jurídicas de direito público interno (a União, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios, os Municípios, as autarquias e as demais entidades públicas). Bens particulares são os outros, seja qual for à pessoa a que pertencem.
Pela leitura do art. 98 pode-se concluir que a definição de bem particular ocorre por meio de exclusão. Primeiramente, é necessário identificar quais são os bens públicos, e após, os bens remanescentes serão os bens particulares seja qual for à pessoa a quem pertencerem.
Para alguns doutrinadores, o texto legal faz surgir uma indagação acerca da existência de coisas que não são públicas nem particulares, trata-se de res nullius.
Maria Helena Diniz explica res nullius. Há coisas que não são públicas nem particulares, por não pertencerem a ninguém como os animais selvagens, as pérolas de ostras, as águas pluviais não capitadas, as coisas abandonadas. Todavia essa observação não se aplica a imóveis, que nunca serão res nullius, pois pelo art. 1.276 do Código Civil o imóvel abandonado será arrecadado como bem vago e passará ao domínio do município ou do Distrito Federal, se se achar nas respectivas circunscrições, três anos depois se se tratar de imóvel localizado em zona urbana, e à propriedade da união, três anos depois, se situado em zona rural, onde quer que ele se localize.
Eduardo Ribeiro de Oliveira critica o artigo 98. Segundo o autor, ainda que um bem não pertença a ninguém, tratando-se de res nullius ainda assim será bem se atendidos os requisitos de utilidade e possibilidade de apropriação. Diante disso, os bens que não fazem parte da propriedade de pessoa alguma não são públicos nem particulares, o que demonstra uma falha no conceito ofertado pelo Código.
Outro ponto é a qualificação do bem como sendo público através da chamada relação de administração que pode fazer com que um bem particular seja considerado público. Nesse sentido, Marcus Vinicius Corrêa Bittencourt (2007)[10] aduz que a caracterização de um bem como público tem como fundamento a relação de administração.
Segundo Ruy Cirne Lima(1954)[11] : “uma relação jurídica que se estrutura ao influxo de uma finalidade cogente”. Dessa forma, ainda que um bem seja pertencente a um particular, se tal bem for vinculado a uma finalidade pública, será qualificado como bem público. A propriedade, nesses casos, permanece com o particular, mas fica imobilizada em virtude da relação de administração que controla e protege a utilização pública do bem quando indispensável à prestação de serviço público. Exemplo disso são os bens de concessionárias de serviços públicos indispensáveis à prestação dessa atividade.
Nesse mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello(2010)[12] se pronuncia no sentido de que todos os bens que estiverem sujeitos ao mesmo regime público deverão ser havidos como bens públicos. Os bens particulares quando afetados a uma atividade pública (enquanto o estiverem) ficam submissos ao mesmo regime jurídico dos bens de propriedade pública. Logo, têm que estar incluídos no conceito de bem público.
O Código Civil de 2002 apresenta no seu artigo 99 os bens públicos como um gênero compostos por três espécies, quais sejam: os bens públicos de uso comum, os bens públicos de uso especial e os bens públicos dominicais.
“Art. 99. São bens públicos:
I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.”
Em realidade, o artigo 99 do Código Civil de 2002 manteve a mesma estrutura contida no artigo 66 da Codificação de 1916, inovando, entretanto, com a inclusão das autarquias no inciso II do artigo 99 e com a inclusão das entidades paraestatais no parágrafo único do mesmo artigo.
Note-se que a classificação dada pelo art. 99 se faz segundo o modo por que são utilizados os bens, bastando ater-se à letra do dispositivo: bens de uso comum do povo, de uso especial e dominicais.
Pela definição contida no artigo, em qualquer das três categorias, os bens são de domínio nacional, porém, com emprego do adjetivo “tais” o enunciado dos incisos I e II, se tem por apenas exemplificativo e não taxativo.
A atribuição dos bens públicos ou a sua pertinência é determinada ou pela sua natureza, ou pela Lei ou, ainda, pelo Registro público, particularmente quanto aos bens de uso especial e aos dominicais.
Ainda que se tenha constituída uma pessoa jurídica de direito público sob estrutura de direito privado, o parágrafo único do art. 99 qualifica os bens como dominicais, incidindo sobre eles as restrições pertinentes. Tal seria o caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos, ou das estradas de ferro, como estatais.
Ocorre que, com a inclusão das paraestatais no parágrafo único do artigo 99 do Código Civil de 2002 abriu-se margem para a discussão acerca constitucionalidade do referido dispositivo.
Para muitos, há que se analisar o conteúdo do parágrafo único do art. 99 de acordo o inciso II do parágrafo 1o do artigo 173 da Constituição Federal de 1988, in verbis:
“Art. 173. Ressalvados os casos previstos nesta Constituição, a exploração direta de atividade econômica pelo Estado só será permitida quando necessária aos imperativos da segurança nacional ou a relevante interesse coletivo, conforme definidos em lei.
§ 1º A lei estabelecerá o estatuto jurídico da empresa pública, da sociedade de economia mista e de suas subsidiárias que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços, dispondo sobre: (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).
II – a sujeição ao regime jurídico próprio das empresas privadas, inclusive quanto aos direitos e obrigações civis, comerciais, trabalhistas e tributários;”
Se, conforme expõe a vasta doutrina (civil dou administrativa), a noção de bem público, tal como qualquer outra noção de direito, for correlata a um dado regime jurídico, todos os bens que estiverem sujeitos ao mesmo regime público deverão ser havidos como bens públicos.
Por certo que, o conteúdo do parágrafo único do artigo 99 do Código Civil, ao impor tratamento de bem público aos bens pertencentes a pessoa jurídica de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado, parece inconstitucional.
Se o que caracteriza o bem público é a sua sujeição ao regime jurídico especial (público) e a Constituição da República de 1988 impõe que empresas públicas e sociedades de economia mista que explorem atividade econômica de produção ou comercialização de bens ou de prestação de serviços tenham na forma de lei regulamentadora, sujeição a regime jurídico privado, não pode o Código Civil, legislação de natureza infraconstitucional, impor que os bens de tais entidades públicas sejam considerados públicos e, por decorrência, estejam sujeitos ao regime jurídico público.
O inciso II do parágrafo 1º do art. 173 da Constituição da república de 1988 se enquadra na classe das normas jurídicas programáticas com capacidade de chamar a inconstitucionalidade uma norma jurídica infraconstitucional que se oponha ao seu conteúdo, hipótese em que se enquadra o parágrafo único do artigo 99 do Código Civil na opinião de alguns estudiosos do direito.
Nos ensinamento de José Afonso da Silva(1991)[13] a respeito do caráter imperativo das normas programáticas: se elas impõem certos limites à autonomia de determinados sujeitos, privados ou públicos, se ditam comportamentos públicos em razão dos interesses a serem regulados, nisso claramente se encontra seu caráter imperativo; imperatividade que se afere nos limites de sua eficácia reduzida, mas sempre imperatividade.
1.5.Classificação dos bens públicos
Apresentado o conceito de bens públicos, partimos agora para a classificação dos mesmos. É sabido que de início não houve uma classificação de bens públicos.
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro(2006)[14], no Código Civil de Napoleão, de 1804, apenas se declarava que certos bens como rios, estradas etc., eram insuscetíveis de propriedade privada. Segundo alguns, estaria aí o germe da divisão dos bens em duas grandes categorias: os de domínio público e os de domínio privado do Estado.
Ainda segundo Pietro, deve-se a Pardessus a primeira classificação: para ele, existe, de um lado, o domínio nacional, suscetível de apropriação privada e produtor de renda; e, de outro, o domínio público, consagrado, por natureza, ao uso de todos e ao serviço geral, sendo inalienável, imprescritível e insuscetível de servidão. Essa classificação ainda hoje é adotada no sistema francês.
Caio Mario da Silva Pereira (2002)[15] entende que a distinção francesa, na verdade tem origem Romana, eis que a res publicae deu lugar aos bens de domínio público do Estado e as res fisci (as coisas do príncipe, não como propriedade particular, mas em decorrência de sua condição de príncipe) foram substituídas pelos bens de domínio privado.
Na Itália, distingue-se o demanio (domínio público), que corresponde aos bens de uso comum do povo, e os bens patrimoniais, que se subdividem em bens do patrimônio disponível e bens do patrimônio indisponível.
No Brasil, a primeira classificação de bens públicos, ainda hoje subsistente, foi feita pelo código Civil de 1916.
O Código Civil de 1916 adotou terminologia própria não seguindo modelos estrangeiros onde é mais comum a bipartição dos bens públicos conforme o regime jurídico dotado.
No art. 66 do CC de 1916 foi feita uma divisão tripartite, vejam:
“I.Os bens de uso comum do povo, tias como mares, rios, estradas, ruas, e praças;
II.Os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos aplicados a serviços ou estabelecimento federal, estadual e municipal;
III.Os dominicais, isto é, os que constituem o patrimônio da União, dos Estados ou dos municípios, como objeto de direito pessoal ou real de cada uma dessas entidades.”
Segundo Pereira(2003) foi o Código civil de 1916 que, pioneira e metodicamente, estabeleceu, no direito positivo brasileiro, uma classificação dos bens públicos (art.66) baseada no critério da destinação ou afetação, sempre muito invocada e que foi mantida no atual código.
Tal classificação foi mantida no CC de 2002, porém incluindo os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público:
O art. 99, do CC de 2002 classificou os bens públicos em três categorias:
“I – os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças;
II – os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias;
III – os dominicais, que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Parágrafo único. Não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado.”
Em regra, classicamente, as doutrinas, civilista e administrativista classificam os bens públicos em: bens de uso comum, bens de uso especial e bens dominicais. Por certo, encontraremos alguns administrativistas que agregam outras classificações aos bens públicos.
Segundo Maria Sylvia Zanella, a o critério dessa classificação é o da destinação ou afetação dos bens: os da primeira categoria são destinados, por natureza ou por lei, ao uso coletivo; os da segunda ao uso da Administração, para consecução dos seus objetivos, como os imóveis onde estão instaladas as repartições públicas, os bens móveis utilizados na realização dos serviços públicos (veículos oficiais, materiais de consumo e navios de guerra), as terras dos silvícolas, os mercados municipais, os teatros públicos, os cemitérios públicos; os da terceira não tem destinação pública definitiva, razão pela qual podem ser aplicados pelo poder público, para obtenção de renda; é o caso das terras devolutas, dos terrenos da marinha, dos imóveis não utilizados pela administração, dos bens móveis que se tornem inservíveis.
Ainda nos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella di Pietro, pelo parágrafo único do artigo 99 do Código Civil de 2002, não dispondo a lei em contrário, consideram-se dominicais os bens pertencentes às pessoas jurídicas de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. A redação do dispositivo permite concluir que, nesse caso, a destinação do bem é irrelevante, pois, qualquer que seja ela, o bem se inclui como dominical só pelo fato de pertencer a pessoa jurídica de direito público a que se tenha dado a estrutura de direito privado, a menos que a lei disponha em sentido contrário. Vale dizer que a lei instituidora da pessoa jurídica pode estabelecer a categoria dos bens consoante a sua destinação.
Por fim, para autora infere dessa classificação, um ponto comum (a destinação pública) nas duas primeiras modalidades, o qual as diferencia da terceira (sem destinação pública) razão porque sugere outra classificação, quanto às modalidades de bens públicos: os do domínio público do estado, abrangendo os de uso comum do povo e os de uso especial; e os do domínio Privado do Estado, abrangendo os bens dominicais.
Hely Lopes Meirelles propõe uma classificação fundada em maior rigor técnico, para efeitos administrativos: bens do domínio público (os de uso comum do povo), bens patrimoniais indisponíveis (os de uso especial); bens patrimoniais disponíveis (os dominicais).
Nas lições de José Edgard Penna Amorim Pereira (2003) da combinação dos artigos 41 e 98 do código civil de 2002 pode-se uma classificação dos bens públicos, segundo a titularidade, tendo-os por federais, estaduais, distritais, territoriais e municipais, conforme a entidade política a que se agreguem.
1.5.1 Bens de uso comum do povo
O código civil, no inciso I de seu artigo 99, no objetivo de conceituar os bens de uso comum do povo, dispõe que: os de uso comum do povo, tais como rios, mares, estradas, ruas e praças, elencando alguns desses bens com objetivo exemplificativo, e não taxativo, para que, a partir dessa amostra exemplificativa, os juristas pudessem construir o conceito de tal modalidade de bem público obedecendo aos limites fixados pela exemplificação legal.
Bens públicos de uso comum do povo são aqueles bens que podem ser utilizados por qualquer um do povo, sem necessidade, em regra, da intermediação de um agente público, como exemplo temos os mares territoriais, rios, estradas, ruas e praças. Essa enumeração é meramente exemplificativa, na medida em que Washington de Barros Monteiro (2005)[16] lembra que também são propriedade do Estado os animais de qualquer espécie, em qualquer fase de desenvolvimento, e que vivam naturalmente fora de cativeiro, constituindo a fauna silvestre (lei n. 5.197, de 3-1-1967, art 1º).
Hely Lopes Meirelles(1992) no trabalho de os conceituar os bens de uso comum, a quem também denomina “bens de domínio público”, afirma que “os locais abertos à utilização pública adquirem esse caráter de comunidade, de uso coletivo, de fruição própria do povo” e complementa, citando Rui Cirne Lima, que sob esse aspecto “pode o domínio público definir-se como a forma mais completa da participação de um bem na atividade de administração pública. São os bens de uso comum, ou do domínio público, o serviço mesmo prestado ao público pela Administração, assim como as estradas, ruas e praças.
Segundo Maria Sylvia Zanella(2006), consideram-se bens de uso comum do povo aqueles que, por determinação legal ou por sua própria natureza, podem ser utilizados por todos em igualdades de condições, sem necessidade de consentimento individualizado por parte da Administração.
Em conformidade com Luiz Paulo Vieira de Carvalho(2008)[17] nos bens de uso comum do povo: “há um domínio sui generis do Poder Público que cabe regulamentar sua utilização, existindo o uso em nome coletivo, pois estes bens podem ser utilizados por quaisquer sujeitos de direito.”
O art. 103, do CC permite que o uso comum seja gratuito ou retribuído, a depender do estabelecido legalmente pela entidade a cuja administração pertencerem. Dessa forma, os bens de uso comum do povo não perdem essa característica se o Poder Público regulamentar seu uso, ou torná-lo oneroso.
Também há possibilidade de fixação de requisitos, além do patrimonial, para a utilização de tais bens, como, por exemplo, a proibição de trânsito de determinados tipos de veículos por determinada estrada, a restrição de acesso a determinados setores de parques públicos, entre outros.
A imposição de tais requisitos é fundada no domínio público eminente que, como já analisamos, é poder estatal de regulamentar todas as coisas de interesse público, inclusive os bens do patrimônio privado, tendo como fonte o exercício dos poderes de Soberania, não se fundando em direito de propriedade, mas em efetivo poder de polícia.
Nas lições de Maria Helena Diniz (2003)[18], os bens de uso comum do povo, embora pertencentes a pessoa jurídica de direito público interno, podem ser utilizados, sem restrição e gratuita ou onerosamente, por todos, sem necessidade de qualquer permissão especial, desde que cumpridas as condições impostas por regulamentos administrativos.
Sendo assim, e em conformidade com Nelson Rosenvald (2011)[19], nada impede que o Poder Público condicione a utilização do bem público a requisitos específicos, como por exemplo, definir horário para ingresso em jardim botânico, exigir o pagamento de taxas para a utilização de bens públicos, como pagamento para entrar em museus e pedágio em estradas.
1.5.2 Bens de uso especial
O inciso II do art.99 do Código Civil de 2002 dispõe que, são bens públicos os de uso especial, tais como edifícios ou terrenos destinados a serviço ou estabelecimento da administração federal, estadual, territorial ou municipal, inclusive os de suas autarquias; tal como acontece com os bens de uso comum, o legislador entendeu por bem apresentar alguns exemplos, para que, a partir daí, a doutrina pudesse descrever o conceito de tal espécie do gênero bem público.
Nas lições de Maria Helena Diniz (2003)[20] bens públicos de uso especial são os utilizados pelo próprio poder público, constituindo-se por imóveis aplicados ao serviço ou estabelecimento federal, estadual ou municipal, como prédios onde funcionam tribunais, escolas públicas, secretarias, ministérios, quartéis etc., são os que têm destinação especial.
De acordo com Eduardo Ribeiro de Oliveira (2008)[21] são aqueles bens que se destinam à execução dos serviços públicos, como exemplo os prédios em que se instalem os ministérios e secretarias, tribunais, repartições públicas, escolas, quartéis. existem casos em que a utilização específica do bem é exatamente concedê-la, privativamente, a uma pessoa determinada, como ocorre com uma casa residencial destinada à moradia de uma autoridade.
Da mesma forma que nos bens de uso comum do povo, os bens de uso especial também são exemplificativos.
De acordo com Maria Sylvia Zanella di Pietro(2008)[22], a terminologia de “uso especial” significa que o bem está afetado à realização do serviço público em sentido amplo, isto é, abrangendo toda atividade de interesse geral exercida sob autoridade ou sob fiscalização do Poder Público. Percebe-se que, adotando o conceito amplo de serviço público, ainda que o bem não seja utilizado diretamente pela Administração e sim por um particular, ainda assim ele será bem público, o que vai ao encontro da definição de bem público proposto por Celso Antônio Bandeira de Mello.
Ainda segunda a autora, são exemplos de bens de uso especial os imóveis onde instaladas as repartições públicas, os bens móveis utilizados pela Administração, museus bibliotecas, veículos oficiais, terras dos silvícolas, cemitérios públicos, aeroportos, mercados e agora, pela nova Constituição, as terras devolutas ou arrecadadas pelo Estado, por ações discriminatórias, necessárias à proteção dos ecossistemas naturais.
Di Pietro critica a expressão “uso especial” para designar essa modalidade de bem, uma vez que se confunde com outro sentido em que é utilizada para indicar o uso privativo de bem público por particular e também para abranger determinada modalidade de uso comum sujeito a maiores restrições, como pagamento de pedágio e autorização para circulação de veículos especiais.
Dando especial atenção ao necessário enfoque da expressão serviço da administração, a autora ensina que quando se fala que o bem de uso especial está afetado à realização de um serviço público, como o faz o art. 99, II do Código Civil, tem-se que entender a expressão serviço público em sentido amplo, para abranger toda atividade de interesse geral exercida sob a autoridade ou sob fiscalização do poder público; nem sempre se destina ao uso direto da Administração, podendo ter por objeto o uso por particular, como ocorre com o mercado municipal, o cemitério, o aeroporto, a terra dos silvícolas etc.
Nesse sentido, Washington de Barros Monteiro (2005)[23] reforça a tese de que serão bens públicos de uso especial aqueles bens explorados exclusivamente por particulares:
“aqueles bens de uso comum que têm regulamentado ou estipulado em preço público para o seu uso, como ocorre com os pedágios nas estradas, as zonas azuis nas vias urbanas. Entram ainda nessa categoria os bens entregues à exploração exclusiva por um particular, mediante remuneração, como a permissão de uso de boxe em mercado público.”
No entanto, há que se registrar que existem alguns autores que entendem que os bens não utilizados diretamente pela Administração não seriam classificados como bens de uso especial.
1.5.3 Bens dominicais
O código civil de 2002, no inciso III do seu artigo 99, praticamente repetiu os termos do inciso III do artigo 66 do Código Bevilácqua, substituindo a expressão “que constituem o patrimônio da União dos estados, ou dos Municípios” pela “que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público”. A modificação se deve à evolução da administração pública, especialmente no que tange à expansão dos órgãos tanto da administração pública direta, onde se integraram as autarquias e as fundações públicas, como da administração pública indireta, como se verifica do próprio conteúdo do parágrafo único do artigo 99 do mesmo diploma legal.
Nos ensinamentos de Maria Helena Diniz (2003)[24], os bens dominicais são os que compõem o patrimônio da União dos Estados ou dos Municípios, como objeto do direito pessoal ou real dessas pessoas de direito público interno. Se a lei não dispuser o contrário, são dominicais os que pertencerem a pessoa jurídica de direito público a que se tenha dado estrutura de direito privado. Abrange bens móveis ou imóveis, como títulos de dívida pública, estradas de ferro, telégrafos, oficinas e fazenda do Estado, ilhas formadas em mares territoriais ou rios navegáveis, terras devolutas, terrenos da marinha e acrescidos, mar territorial, terras ocupadas pelos índios, sítios arqueológicos e pré-históricos, bens vagos, bens perdidos pelos criminosos condenados por sentença proferida em processo judiciário federal, quedas-d’água, jazidas e minério, arsenais com todo o material da marinha, exército e aviação, bens que foram do domínio da coroa. Abrangem, ainda, os títulos de crédito e dinheiro arrecadado pelos tributos. Os bens públicos dominicais podem, por determinação legal, ser convertidos em bens de uso comum ou especial.
De acordo com Francisco Amaral(2003)[25] são também chamados de bens do patrimônio disponível do Estado: os bens dominicais são os que constituem o patrimônio das pessoas jurídicas de direito público, como objeto de direito pessoal, ou real, de cada uma dessas entidades.
Maria Sylvia Zanella di Pietro(2008)[26] traz duas características do bem dominical:
“1. Comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se destinam a assegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma destinação de interesse geral: a conseqüência disso é que a gestão dos bens dominicais não era considerada serviço público, mas uma atividade privada da Administração;
2. submetem-se a um regime jurídico de direito privado, pois a Administração Pública age, em relação a eles, como um proprietário privado.”
Diante disso, no silêncio da lei, os bens dominicais se submetem às regras de direito privado, o que não ocorre com os bens de uso comum do povo e de uso especial, os quais atendem aos princípios gerais de Direito Público.
Nesse viés, Carlos Roberto Gonçalves(2003)[27] ensina que o Poder Público exerce sobre os bens dominicais poderes de proprietário, incluindo-se nessa categoria as estradas de ferro e as terras devolutas que serão estudadas mais adiante. Conforme o autor, os bens dominicais podem ser alienados por meio de institutos de direito privado ou de direito público, observadas as exigências da lei, de acordo com o art. 101, do Código Civil.
Assim, os bens dominiais comportam uma função patrimonial ou financeira, porque se destinam a assegurar rendas ao Estado, em oposição aos demais bens públicos, que são afetados a uma destinação de interesse social; a consequência disso é que a gestão dos bens dominicais não era considerada serviço público, mas uma atividade privada da Administração e submetem-se a um regime jurídico de direito privado, pois a Administração Pública age, em relação a eles, como um proprietário privado.
1.6.Características dos bens públicos
1.6.1.Inalienabilidade
A característica de inalienabilidade não é absoluta, a não ser quando em relação àqueles bens que, por sua própria natureza, são insuscetíveis de valoração patrimonial, como mares e praias.
José Edgard Penna Amorim Pereira ensina que a principal característica, em regra, dos bens públicos de uso comum do povo e de uso especial é a inalienabilidade, de que decorrem a imprescritibilidade (impossibilidade de serem adquiridos por usucapião) e a impenhorabilidade (derivada da previsão constitucional de processo especial de execução contra a Fazenda Pública, da qual se destaca o precatório).
O Código Civil de 1916 declarava que os bens constantes do art.66 (todas as categorias) eram inalienáveis. Tal disposição fomentou a discussão de muitos doutrinadores, os quais defendiam a alienabilidade ora de uma categoria ora de outra.
E o art. 67 do Código de 1916 considerava peculiar aos bens públicos em geral o traço da inalienabilidade, que só se perderia nos casos e na forma que lei prescrevesse. A doutrina, seu turno, sustentava que os bens públicos são, sim, inalienáveis, se e enquanto tivessem afetação pública, isto é, destinação pública específica.
O Código Civil de 2002 tratou a matéria de maneira mais clara no art. 100 que prevê expressamente a inalienabilidade dos bens públicos quando são bens de uso especial ou de uso comum, sendo que o mesmo não ocorre com os bens dominicais.
Essa distinção se justifica pela afetação que é inerente aos bens de uso comum e aos bens de uso especial. Em razão dessa afetação a fins públicos, referidos bens estão fora do comércio jurídico de direito privado, isto é, enquanto estiverem afetados a uma finalidade pública não podem ser objeto de nenhum daqueles negócios jurídicos de direito privado que importam transmissão da propriedade.
De acordo com José Cretella Jr.(1969)[28], a inalienabilidade dos bens públicos está intimamente ligada à afetação, não sendo esta: “uma qualidade que se prolonga para sempre, pois, cessando a causa que a determina, não tem mais razão de ser.” Da mesma forma que um bem pode ser afetado ele pode também sofrer desafetação, vindo a se tornar um bem alienável.
Como se pode perceber enquanto o código civil de 1916 fixava a regra de inalienabilidade a todos os bens públicos, inclusive os dominicais, especificando no seu artigo 67 que os bens públicos somente perderão a inalienabilidade, que lhes é peculiar, nos casos e forma que a lei prescrever, o Código Civil de 2002, no artigo 101, prevê que os bens públicos dominicais podem ser alienados, observadas as exigências da lei e que os bens públicos de uso comum do povo e os de uso especial são inalienáveis, enquanto conservarem a sua qualificação, na forma que a lei determinar, art. 100, isto é a regra da alienabilidade dos bens dominicais.
Assim, Maria Silvia Zanella explica que os bens dominicais, não estando afetados a finalidade pública específica, podem ser alienados, por meio de institutos de direito privado (compra e venda, doação, permuta) ou do direito público 9investidura, legitimação de posse e retrocessão (concernente a desapropriação).
Outra característica dos bens públicos é o de que sua administração visa, mediata ou imediatamente a objetivos de interesse geral. Apesar dos bens dominicais se destinarem a assegurar renda ao Estado, haja vista sua função patrimonial e financeira, tem sido utilizados ou administrados no benefício de todos, como nos casos de obras públicas, cessão a particular para fim de utilidade pública, terras públicas onde se situam florestas, mananciais ou recursos naturais de preservação permanente.
1.6.1.1.Afetação e Desafetação
Nas lições de Celso Antônio Bandeira de Mello (1994) a afetação é a preposição de um bem a um dado destino categorial de uso comum e especial, assim como desafetação é sua retirada do referido destino.
Ainda segundo o autor, a afetação ao uso comum tanto pode provir de destino natural do bem, como ocorre com os mares, rios, ruas, estradas, praças, quanto por lei ou por ato administrativo que determine a aplicação de um bem dominical ou de uso especial ao uso público.
De acordo com José Cretella Jr. (1969)[29]: “ Desafetação é o fato ou a manifestação de vontade do poder público mediante o qual um bem do domínio público é subtraído à dominialidade pública para ser incorporado ao domínio privado, do Estado ou do administrado.” Já a afetação conforme o autor é: “destinar, consagrar, integrar, anexar, incorporar a um uso.”
Tanto a afetação como a desafetação podem se dar de forma expressa ou tácita. Relativamente à afetação, ela será expressa quando ocorrer por um ato administrativo ou lei, sendo tácita quando a Administração, sem qualquer manifestação expressa de vontade, simplesmente instala uma escola num bem que antes era dominical. Diante disso, percebe-se que a afetação pode ocorrer pelo simples uso do bem.
Para que ocorra a desafetação expressa é necessária uma manifestação de vontade da Administração, sendo diferente o instrumento exigido no caso de tratar-se de bem de uso comum ou de uso especial. Para desafetar um bem de uso comum, é necessário uma lei ou ato do Executivo praticado na conformidade de uma lei. Entende-se que, por possuir destinação natural para uso comum, só um ato de hierarquia superior como a lei poderia desabilitá-lo para tal fim. Já a desafetação de bem de uso especial, pode ocorrer por lei ou por ato próprio do Executivo.
No que se refere à desafetação tácita, conforme Maria Sylvia Zanella di Pietro, não há uniformidade de pensamento. No entanto, alguns autores admitem a desafetação tácita quanto por fato da natureza, como exemplo um terremoto que destrói um prédio onde antes funcionava uma escola. O que não é aceitável é presumir a desafetação pela não utilização do bem, ainda que por período prolongado.
Enquanto os bens estiverem afetados a uma determinada finalidade pública, eles serão inalienáveis. Diante disso, apenas os bens dominiais é que podem ser alienados em conformidade com o art. 101 do CC.
1.6.1.2.Requisitos para alienação de bem público
Para que haja a alienação de bens imóveis é necessária autorização legislativa, declaração de interesse público, avaliação prévia e licitação. A licitação para venda de imóvel será, em regra, na modalidade de concorrência, excepcionalmente, podendo ser concorrência ou leilão se imóvel decorrente de decisão judicial ou de dação em pagamento (art. 19 da lei 8666 de 1993).
Art. 19. Os bens imóveis da Administração Pública, cuja aquisição haja derivado de procedimentos judiciais ou de dação em pagamento, poderão ser alienados por ato da autoridade competente, observadas as seguintes regras:
“I – avaliação dos bens alienáveis;
II – comprovação da necessidade ou utilidade da alienação;
III – adoção do procedimento licitatório, sob a modalidade de concorrência ou leilão. (Redação dada pela Lei nº 8.883, de 1994).”
Já na alienação de bens móveis é necessária a declaração de interesse público, avaliação prévia e licitação.
1.6.2.Impenhorabilidade
Segundo Maria Helena Diniz(2003) os bens públicos são impenhoráveis, porque inalienáveis, sendo, portanto, insuscetíveis de serem dados em garantia. A impenhorabilidade impede que o bem passe do patrimônio do devedor ao credor, ou de outrem, por força de execução judicial (adjudicação ou arrematação).
Uma consequência lógica do disposto no art. 100 da Constituição da República de 1988 é a impenhorabilidade dos bens públicos, na medida em que a própria Constituição prevê forma específica de satisfação de créditos contra o Poder Público inadimplente, qual seja, o precatório.
Diante disso, os bens públicos não podem ser praceados para que o credor seja satisfeito, da mesma forma que não podem ser gravados com direitos reais de garantia.
1.6.3.Imprescritibilidade
De acordo com Celso Antônio Bandeira de Mello, desde o Brasil-Colônia, repelia-se a idéia de usucapião de terras publicas, embora alguns insistissem nesse tópico.
Maria Helena Diniz ensina que bens públicos são imprescritíveis, não podendo ser adquiridos por usucapião. Mas, segundo a autora, há alguns juristas como Silvio Rodrigues, que, ante o disposto na Constituição Federal, art. 188, admitem o usucapião de terras devolutas.
Em que pese as divergências do passado a questão hodiernamente está pacificada.
O Código Civil de 2002, em seu art.102, determina que os bens públicos não estão sujeitos a usucapião. Além disso, a Súmula 340 do Supremo Tribunal Federal consagrou o entendimento de que após a vigência do CC de 2002, os bens dominicais, como os demais bens públicos, não podem ser adquiridos por usucapião.
Em oposição a Spencer Vampré, Clóvis sempre sustentou a tese da imprescritibilidade dos bens públicos, sendo esta a doutrina vitoriosa, agora consagrada no dispositivo do Código Civil de 2002, art. 102. De resto a Constituição da República de 1988 acolheu o princípio, ainda que restrita sua aplicação aos imóveis a teor do art. 191, parágrafo Único da CR/1988.
2.Terras devolutas
2.1.Histórico da propriedade rural no Brasil
O nosso ponto de partida será o Tratado de Tordesilhas assinado em 07 de junho de 1.494.
Com a repartição dos oceanos, os reis de Portugal passaram a ter propriedade das terras ainda a descobrir até uma distância de 370 léguas a oeste das Ilhas de Cabo Verde, numa linha imaginária que dividiria as descobertas, passando do Polo Ártico ao Antártico.
Observe-se que foi assegurada juridicamente a propriedade da futura colônia com todas as suas terras e acessórios com o Tratado de Tordesilhas, restando apenas o exercício da posse, o que foi feito pelo filho da família dos Cabrais no ano de 1500.
Segundo Antônio Maria Claret Maia(1994)[30], vê-se claramente visto, para lembrar Padre Vieira, que a história da propriedade territorial brasileira iniciou-se com um paradoxo: antes de ser descoberto, as terras do Brasil já pertenciam a Portugal.
Quando o Brasil foi descoberto no ano de 1500, as terras da colônia, nada mais eram do que um grande imóvel, uma enorme fazenda integrante do patrimônio da Coroa Portuguesa.
Ainda nas lições de Antônio Maria Claret Maia, sob a regência do Rei, as terras eram administradas e desmembradas através de concessões. As áreas concedidas eram imensas, levando conceituados agraristas a afirmar que a propriedade rural no Brasil nasceu sob o signo do latifúndio.
A história das terras devolutas confunde-se com a própria história da ocupação das terras brasileiras, por isso, o conceito de terras devolutas deve ser buscado dentro do contexto histórico.
No início, todas as terras existentes no Brasil eram públicas e pertencentes a Portugal. Com a descoberta do Brasil por Portugal todo o território brasileiro passou a ser do domínio da Coroa Portuguesa, cabendo a esta nortear as formas de ocupação e de distribuição do território.
A partir daí, Portugal começou a conceder partes da terra do Brasil-Colônia através do regime das capitanias hereditárias, incluindo entre os direitos outorgados aos donatários o de distribuir sesmarias, assim, consideradas as glebas de terras públicas que eram concedidas aos particulares interessados em cultivá-las, mediante o pagamento de uma renda calculada sobre os frutos.
Portugal desejava que os concessionários tornassem a terra produtiva, evitando-se as indesejáveis invasões. Entretanto, as enormes porções de terras concedidas implicavam em grandes dificuldades para o seu beneficiário que, obrigatoriamente, deveria contar com imensa mão de obra e consequentemente de muito dinheiro, sem falar nos assédios constantes dos índios que aqui residiam.
Assim, é que por inadimplência dos concessionários, as terras concedidas revertiam sempre à Coroa Portuguesa.
Além do Governador-Geral, também tinham o poder de conceder sesmarias, os donatários e o Capitão-mor Martim Afonso de Souza, a quem fora concedido tal poder pela Coroa Lusitana numa das três cartas régias trazidas por ele para o Brasil quando de sua expedição de 1530.
Pelo regime de sesmarias, ao sesmeiro era entregue uma porção de terra, a que precisava ocupar e, em contraprestação, pagar o tributo do dízimo à Ordem de Cristo, o que restou por fracassar, quando, então, Dom João III, criou, em 1548, o Governo-Geral.
Em 1549 o regime de concessão de sesmarias sofreu alterações com a imposição do pagamento de um “foro”, além do dízimo, e em 1795, com o Alvará de 05 de outubro daquele ano, passaram a ser exigidas medições e demarcações, além de restrições ao tamanho das sesmarias concedidas. O não cumprimento das exigências para a manutenção das sesmarias levava a perda das mesmas pelo sesmeiro.
Nos ensinamentos de Maria Sylvia Zanella Di Pietro(2006)[31], em 1822, pouco antes da independência, foi suspensa a concessão de sesmarias, iniciando-se a segunda fase, de ocupação, como não havia legislação disciplinando o uso das terras, as pessoas tomavam posse e começavam a cultivá-las, a partir de então, a morada habitual e o cultivo da terra passaram a ser considerados fatores essenciais à legitimidade da posse. Desse modo, enquanto o regime de sesmarias favoreceu os grandes proprietários, que acabavam por não cultivar adequadamente a terra, o período de ocupação beneficiou o pequeno colono que, fazendo da terra sua morada habitual, cultivando-a com o próprio trabalho e de sua família.
Objetivando regularizar a situação, evitar os abusos cometidos nos apossamentos e legitimar as ocupações, foi promulgada, em 18 de setembro de 1850 a primeira lei de terras no Brasil, Lei nº 601. A principal intenção que decorria da lei era a de legitimar as posses que apresentassem os requisitos da morada habitual e cultivo da terra. Mesmo com relação às sesmarias concedidas irregularmente, podiam ser revalidadas desde que apresentassem os mesmos requisitos da cultura efetiva e da morada habitual.
A primeira lei de terras foi um verdadeiro divisor de águas na legislação agrária brasileira, vez que com o encerramento do regime de sesmarias, surgiu um “vácuo” na legislação que acabou por tornar confusa a situação fundiária no Brasil.
Esclareça-se que, com a independência do Brasil, em 7 de setembro de 1822, o domínio das terras brasileiras passou a pertencer à nação brasileira.
A dita Lei 601 de 1850 é muito importante, vez que proibiu o apossamento de novas terras e a aquisições de terras devolutas por outro título que não seja o de compra, salvo nas zonas de fronteira com outros países, em uma zona de dez léguas, local onde seriam possíveis as doações.
2.2.Conceito de terras devolutas
Antes de se apontar os diversos conceitos proporcionados pelos autores, colaciona-se o art. 3º da lei 601 de 1850:
“Art. 3º São terras devolutas:
§ 1º As que não se acharem aplicadas a algum uso publico nacional, provincial, ou municipal.
§ 2º As que não se acharem no domínio particular por qualquer titulo legitimo, nem forem havidas por sesmarias e outras concessões do Governo Geral ou Provincial, não incursas em comisso por falta do cumprimento das condições de medição, confirmação e cultura.
§ 3º As que não se acharem dadas por sesmarias, ou outras concessões do Governo, que, apesar de incursas em comisso, forem revalidadas por esta Lei.
§ 4º As que não se acharem ocupadas por posses, que, apesar de não se fundarem em titulo legal, forem legitimadas por esta Lei.”
Segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro(2006)[32], vale dizer que, pelo conceito legal, terras devolutas eram terras vagas, abandonadas, não utilizadas quer pelo Poder Público quer por particulares. Essa concepção corresponde ao sentido etimológico do vocábulo devoluto: devolvido, vazio, desocupado.
Leciona Antônio Maria Claret Maia(1994) que, o saudoso Prof. Fajardo Nogueira de Souza definiu terras devolutas como sendo: as terras que, com o descobrimento, se incorporaram ao patrimônio da Coroa Portuguesa e, com a Independência, passaram ao domínio nacional e não se encontram no domínio particular, por título legítimo e nem constituem próprios da União ou dos Estados ou dos Municípios.
José Edgard Penna Amorim Pereira (2003)[33], a doutrina é tão vasta quanto divergente quanto à definição de “terras devolutas”. No entanto, segundo o autor, costuma-se dizer que devolutas: “são aquelas terras que, com a extinção do regime de concessão de capitanias, retornaram, foram devolvidas ao patrimônio da Coroa Portuguesa.”
O texto da lei utilizou-se de critério enumerativo negativo, isto é, definiu o que seriam terras devolutas por meio de exclusão, sem dar um conceito exato do tema. Diante disso, fica fácil entender a razão do conceito de terras devolutas não ser pacífico.
De acordo com Antônio de Morais e Silva[34] o termo devoluto se define da seguinte forma:
“DEVOLUTO, adj. (do Lat. Devoutus, PP. De devolvire). Adquirido por devolução, quando o inferior ou coletor ordinário não confere, e se devolve ao superior o direito de conferir; benefício devoluto, § Que passa ao senhor superio, donde procedeu: o feudo ficou devoluto ao império: o ducado devoluto ao imperador. § Vazio, desocupado, sem dono (por abandonado, perdido por crimes, etc. : herdades que na ilha ficaram devolutas com a fugida dos mouros” B. 3-1-9 e 4-7-6- como faltarão os descendentes do instituidor, ficou nesta capela devoluta (i.e. sem administrador dos chamados pelo instituidor) Sever. Disc. Var..p.92. § Que ficou sem efeito: ficar a causa (da sucessão no governo) devoluta, até se averiguar por justiças. Couto, 4-3-6.§ Casa devoluta: a que não se acha habitada; a que não tem inquilino. § Égua devoluta; a que não teve cria, e descansou este ano. Leão, Coll. § Terra devoluta: não cultivada. Vieira, 12.226.”
Hely Lopes Meirelles (2005)[35] entende que terras devolutas são: “todas aquelas que, pertencentes ao domínio público de qualquer das entidades estatais, não se acham utilizadas pelo Poder Público, nem destinadas a fins administrativos específicos.”
Já Celso Antônio Bandeira de Mello define a origem das terras devolutas:
“ Com a descoberta do país, todo o território passou a integrar o domínio da Coroa portuguesa. Destas terras, largos tratos foram trespassados aos colonizadores, mediante as chamadas concessões de sesmarias e cartas de data, com a obrigação de medi-las, demarcá-las e cultivá-las (quando então lhes adviria a confirmação, o que, aliás, raras vezes sucedeu), sob pena de “comisso”, isto é, de reversão delas à Coroa, caso fossem descumpridas as sobreditas obrigações. Tanto as terras que jamais foram trespassadas, como as que caíram em comisso, se não ingressaram no domínio privado por algum título legítimo e não receberam destinação pública, constituem as terras devolutas.”
Percebe-se, portanto, que não existe um conceito bem definido do que seriam as terras devolutas.
2.3. Breve histórico das terras devolutas nas Constituições
A Constituição Republicana de 1891 repassou as terras devolutas aos estados membros, conforme se depreende da leitura do seu art. 64:
“Art 64 – Pertencem aos Estados as minas e terras devolutas situadas nos seus respectivos territórios, cabendo à União somente a porção do território que for indispensável para a defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais.
Parágrafo único – Os próprios nacionais, que não forem necessários para o serviço da União, passarão ao domínio dos Estados, em cujo território estiverem situados.”
A União apenas reservou para si as terras indispensáveis à defesa das fronteiras, fortificações, construções militares e estradas de ferro federais, que não passaram ao domínio dos estados.
A Constituição Federal de 1934 não explicitou as terras devolutas como bens pertencentes à União, conforme se constata pela leitura de seu art. 20:
“Art 20 – São do domínio da União:
I – os bens que a esta pertencem, nos termos das leis atualmente em vigor;
II – os lagos e quaisquer correntes em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limites com outros países ou se estendam a território estrangeiro;
III – as ilhas fluviais e lacustres nas zonas fronteiriças.”
De acordo com Denderá Haydée, a Constituição de 1937, da mesma forma que a Constituição Federal de 1934, também não incluiu as terras devolutas entre os bens da União.
Já a Constituição Federal de 1946, incluiu as terras devolutas entre os bens da União, conforme observado pela leitura do art. 34:
“Art 34 – incluem-se entre os bens da União:
I – os lagos e quaisquer correntes de água em terrenos do seu domínio ou que banhem mais de um Estado, sirvam de limite com outros países ou se estendam a território estrangeiro, e bem assim as ilhas fluviais e lacustres nas zonas limítrofes com outros países;
II – a porção de terras devolutas indispensável à defesa das fronteiras, às fortificações, construções militares e estradas de ferro.”
A Constituição Federal de 1988, em seu art. 20, II, prevê expressamente que as terras devolutas são bens da União:
“Art. 20. São bens da União:
II – as terras devolutas indispensáveis à defesa das fronteiras, das fortificações e construções militares, das vias federais de comunicação e à preservação ambiental, definidas em lei;”
A lei 4.504 de 1964 dispôs sobre convênios a serem celebrados entre a União e municípios para a discriminação das terras devolutas municipais. Nesse sentido, aponta Hely Lopes Meirelles (2005)[36] dá exemplo do Estado de São Paulo que concedeu às municipalidades: “as terras devolutas adjacentes às povoações de mais de mil almas em raio de círculo de seis quilômetros, a partir da praça central”(art. 38, §1º, lei 16, de 13.11.1891). Cumpre observar que esse raio foi aumentado para 12km na capital e 8km nos demais municípios (Dec. 14.916, de 6.8.45)
No entanto, de acordo com Denderá Haydée, a Constituição de 1967 e a Emenda Constitucional n.1, de 1969, artigos 4º,I e 5º extinguiram as terras devolutas municipais, na medida em que resguardou-se as terras devolutas da União indispensáveis à segurança e concedeu-se aos estados as demais terras devolutas:
“Art 4º Incluem-se entre os bens da União:
I.A porção de terras devolutas indispensável à segurança e ao desenvolvimento nacionais;
Art. 5º Incluem-se entre os bens dos Estados e Territórios os lagos em terrenos de seu domínio, bem como os rios que neles têm nascente e foz, as ilhas fluviais e lacustres e as terras devolutas não compreendidas no art. anterior”
Diante disso, a jurisprudência não é pacífica a respeito da possibilidade dos municípios serem detentores de terras devolutas.
2.4.Usucapião de terras devolutas
Como já dito, as terras devolutas são incluídas nos bens públicos dominicais, e, por tal razão, seriam insusceptíveis de serem adquiridas por meio de usucapião, sendo este o entendimento da doutrina majoritária. No entanto, há uma corrente minoritária que entende as terras devolutas fora da classificação de bens públicos com base no art. 188, da CR:
“Art. 188 A destinação de terras públicas e devolutas será compatibilizada com a política agrícola e com o plano nacional de reforma agrária.
§1º A alienação ou a concessão, a qualquer título, de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares a pessoa física ou jurídica, ainda que por interposta pessoa, dependerá de prévia aprovação do Congresso Nacional.
§2º Excetuam-se do disposto no parágrafo anterior as alienações ou as concessões de terras públicas para fins de reforma agrária.”
Pela análise do caput do artigo colacionado acima, alguns autores entendem que o texto constitucional procedeu a uma distinção entre terras públicas e terras devolutas, não sendo esta uma espécie daquela. As terras devolutas seriam um espécie nova de bens, sendo que segundo o maior expoente dessa tese Celso Ribeiro Bastos, terras devolutas seriam bens não-públicos.
Diante de tais considerações, terras devolutas não seriam bens públicos, não teriam uma destinação pública, razão pela qual não se submeteriam à isenção constitucional de usucapião assegurada aos imóveis públicos prevista no parágrafo único do art. 190, da CR.
Essa tese é debatida com o argumento de que o art.188, da CR possui dois parágrafos que não fizeram mencionada distinção. Dessa forma, tudo indica que ocorreu uma explicitação no caput do artigo e não uma diferenciação como quer a corrente minoritária.
2.5.Tratamento das terras devolutas
As terras devolutas são bens públicos dominicais, uma vez que não são aplicadas ao uso comum nem ao uso especial.
Um ponto interessante que merece atenção se refere a não presunção de que terras sem registro são terras devolutas. Em recente julgado, o STJ decidiu dessa forma:
“DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. USUCAPIÃO. IMÓVEL URBANO. AUSÊNCIA DE REGISTRO ACERCA DA PROPRIEDADE DO IMÓVEL. INEXISTÊNCIA DE PRESUNÇÃO EM FAVOR DO ESTADO DE QUE A TERRA É PÚBLICA.
1. A inexistência de registro imobiliário do bem objeto de ação de usucapião não induz presunção de que o imóvel seja público (terras devolutas), cabendo ao Estado provar a titularidade do terreno como óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva. 2. Recurso especial não provido.
REsp 964223/RN. Relator Ministro Luis Felipe Salomão. Quarta turma. Julgamento 18/10/2011. DJe 04/11/2011”
Nesse mesmo sentido podemos citar o informativo 0485 do STJ do período de 10 a 21 de outubro de 2011:
“Quarta Turma
USUCAPIÃO. IMÓVEL URBANO. REGISTRO. AUSÊNCIA
A Turma reiterou que a inexistência de registro imobiliário do bem objeto de ação de usucapião não induz presunção de que o imóvel seja público (terras devolutas), cabendo ao Estado provar a titularidade do terreno como óbice ao reconhecimento da prescrição aquisitiva. Precedentes citados do STF: RE 86.234-MG, DJ 5/12/1976; do STJ: REsp 113.255-MT, DJ 8/5/2000, e REsp 674.558-RS, DJe 26/10/2009. REsp 964.223-RN, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, julgado em 18/10/2011.”
Diante disso, percebe-se que as terras devolutas continuam sendo discutidas na jurisprudência, sendo que cada vez mais chegamos a conclusões diversas a respeito de sua importância.
Conclusão
O presente trabalho propôs-se a realizar um estudo sobre os bens públicos e as terras devolutas.
Concluiu-se que o Código Civil foi muito claro ao estabelecer o que seriam bens públicos, bem como suas classificações em de uso comum do povo, de uso especial e dominicais.
Além disso, pode-se perceber que os bens públicos possuem regime diverso dos bens particulares com peculiaridades próprias, tais como a imprescritibilidade, a impenhorabilidade e a alienabilidade condicionada à desafetação.
No que se refere às terras devolutas, foi possível perceber que o conceito dado pela lei foi meramente um conceito de exclusão, não podendo se chegar a um conceito unânime. Nesse ponto, percebe-se que a doutrina é vasta ao tentar definir o que são as terras devolutas.
Além do mais, infere-se que as terras devolutas foi um tema presente em quase todas as Constituições, sendo de extrema importância quando se discute a falta de registro de tais terras, na medida em que o STJ decidiu não haver uma presunção de que terra sem registro é terra devoluta.
FARIAS, Cristiano Chaves de; ROSENVALD, Nelson. Curso de Direito Civil – parte geral. Salvador: JusPodivm, 2011.p.508.
Informações Sobre o Autor
Cláudia Aparecida Maciel Carneiro
Bacharel em Direito pela Faculdade de Direito Milton Campos. Pós-Graduação Lato Sensu em Direito do Trabalho pela Faculdade de Direito Milton Campos.