Da inclusão dos alunos com necessidades especiais na escola regular

Resumo: – O objetivo deste artigo é demonstrar que é direito da pessoa com necessidade especial frequentar a escola regular, bem como que o atendimento educacional especial não substitui a escolarização, somente suplementa e/ ou complementa a formação dos alunos, objetivando a independência e autonomia dos mesmos.

Abstract: The purpose of this article is to show the right of the person with special needs attend regular school and the special education service does not replace the school, only supplements and / or complements the training of students, aiming at the independence and autonomy of the same.

Palavras-chave: Educação – Inclusão – Escola Regular.

Keywords: Education – Inclusion – Regular School.

Sumário: Introdução. 1. desenvolvimento. 1.1. Fundamentação Jurídica. 1.2. Da Educação Especial. Conclusão. Referência.

Introdução

A convenção das nações unidas sobre os Direitos da Criança, de 20.11.1989, estabeleceu, dentre outras coisas, que a educação da criança deve destinar-se a promover o desenvolvimento da personalidade da criança, dos seus dons e aptidões mentais e físicos na medida das suas potencialidades; preparar a criança para assumir as responsabilidades da vida numa sociedade livre, num espírito de compreensão, paz, tolerância, igualdade entre os sexos e de amizade entre todos os povos, grupos étnicos, nacionais e religiosos e com pessoas de origem indígena;

Já a declaração de Salamanca, tem como princípio orientador de sua Estrutura de Ação em Educação Especial, que as escolas deveriam receber todas as crianças independentemente de suas condições físicas, intelectuais, sociais, emocionais, linguísticas ou outras, incluindo, ainda, crianças deficientes e superdotadas, desenvolvendo uma pedagogia centrada na criança e capaz de educar todas elas, incluindo as que “possuam desvantagens severas”.

Neste aspecto, a atual tendência do nosso ordenamento jurídico, e especialmente do Direito à Educação das pessoas com necessidades especiais, é de buscar uma vida digna, visando o pleno desenvolvimento, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho.

Com intuito de alcançar tais “metas”, a Política Nacional de Educação Especial, na perspectiva da Educação Inclusiva, estabelece que o atendimento educacional especial não substitui a escolarização, somente suplementa e/ ou complementa a formação dos alunos, objetivando a independência e autonomia dos mesmos.

Dentro desta perspectiva, o legislador teve o cuidado de estabelecer, na Constituição Federal, que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e um dos princípios é “a igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (art. 206, inciso I). Ademais, o Estado é responsável por oferecer atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência (art. 208, inciso III).

Dessa forma, temos, então, um problema: As escolas regulares tem a obrigação de receber os alunos com deficiência? Em caso positivo, as escolas particulares também são obrigadas a recebê-los? Os pais podem escolher qual escola os filhos especiais vão freqüentar? 

A grande polêmica gerada em torno do tema é o motivo pelo qual é necessário um estudo sobre o caso para que se tenha a melhor solução para o conflito.

1 – Desenvolvimento

1.1 – Fundamentação Jurídica

O art. 205, da CRFB/88, dispõe que a educação é direito de todos e dever do Estado e da família e um dos princípios é “a igualdade de condições de acesso e permanência na escola” (art. 206, inciso I). Ademais, o Estado é responsável por oferecer atendimento educacional especializado às pessoas com deficiência (art. 208, inciso III). De acordo com o art. 209, caput, ainda da CRFB/88, o ensino é livre à iniciativa privada. Ainda assim, é necessário que se atendam determinadas condições como o cumprimento das normas gerais da educação nacional (segundo o art. 209, inciso I, da CRFB/88). Exatamente por isso, dispôs o constituinte originário no art. 211, da CRFB/88, que União, Estados, Distrito Federal e Municípios organizarão, em regime de colaboração, seus sistemas de ensino.

A liberdade conferida à iniciativa privada também é prevista no art. 7º, inciso I, da Lei Federal 9.394, de 20 de dezembro de 1996 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB). Entretanto, há certa restrição nessa liberdade, na medida em que, de acordo com o art. 8º, § 1º, da LDB, caberá à União a coordenação da política nacional de educação, com articulação dos diferentes níveis e sistemas, além do exercício das funções normativa, redistributiva e supletiva quanto às demais instâncias educacionais.

A LDB estabelece, em seu art. 8º e ss., que três são os sistemas de ensino (federal, estadual e municipal). O Distrito Federal, por sua vez, em conformidade com o disposto no art. 10, Parágrafo Único, exercerá competências de estados e municípios. O Título V, da LDB dispõe acerca dos Níveis e das Modalidades de Educação e Ensino. O art. 21 trata genericamente dos Níveis da Educação Escolar (a saber, Educação Básica e Educação Superior).

“Art. 21. A educação escolar compõe-se de:

I – educação básica, formada pela educação infantil, ensino fundamental e ensino médio;

II – educação superior.”

Modalidades são categorias definidas pela LDB e referem-se a determinadas formas de educação presentes nos diferentes níveis da Educação Escolar, desde a Educação Básica até a Educação Superior. Segundo a LDB, quatro são as modalidades: Educação de Jovens e Adultos (EJA), Educação Profissional, Educação à Distância (EAD) e Educação Especial. Dessa forma, a Educação Especial, por exemplo, deve ser oferecida tanto na Educação Básica quanto na Educação Superior.

1.2 – Da Educação Especial

Especialmente em relação à educação especial, a LDB dispõe, em seu art. 58, § 1º:

Art. 58.  Entende-se por educação especial, para os efeitos desta Lei, a modalidade de educação escolar oferecida preferencialmente na rede regular de ensino, para educandos com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.  (Redação dada pela Lei nº 12.796, de 2013)

§ 1º Haverá, quando necessário, serviços de apoio especializado, na escola regular, para atender às peculiaridades da clientela de educação especial.”

Com base no art. 59, da LDB, os sistemas de ensino – federal, estadual e municipal – assegurarão a alunos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, de modo a atenderem às suas necessidades (inciso I) e professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração dos alunos nas classes comuns (inciso III), entre outras garantias.

De acordo com o artigo 21, da LDB, a Educação Escolar compõe-se de Educação Básica, formada pela Educação Infantil, Ensino Fundamental e Ensino Médio (inciso I) e da Educação Superior (inciso II) e cada ente deve organizar, manter e desenvolver os órgãos e instituições oficiais dos seus sistemas de ensino (artigo 8º, da LDB).

Especificamente no que tange à Educação Especial, dispõe o art. 58, caput, da LDB, que se trata de modalidade da Educação Escolar (e que, portanto, perpassa todos os níveis da educação), a ser oferecida preferencialmente na rede regular de ensino para alunos com necessidades especiais. Para FÁVERO, PANTOJA & MANTOAN[1], o advérbio “preferencialmente” se refere ao atendimento educacional especializado, “ou seja, aquilo que é necessariamente diferente no ensino escolar para melhor atender às especificidades dos alunos com deficiência”.

O conceito de Educação Especial é concebido como uma modalidade de educação escolar e também como atendimento educacional especializado (AEE) – serviços de apoio oferecidos preferencialmente na escola regular, quando verificada a necessidade, para atender às peculiaridades da clientela de Educação Especial (conforme o artigo 58, § 1º, da LDB). Com base no artigo 59, da LDB, os sistemas de ensino – federal, estadual e municipal – assegurarão a alunos com necessidades especiais currículos, métodos, técnicas, recursos educativos e organização específicos, de modo a atenderem às suas necessidades (inciso I) e professores com especialização adequada em nível médio ou superior, para atendimento especializado, bem como professores do ensino regular capacitados para a integração dos alunos nas classes comuns (inciso III).

Ainda de acordo com a LDB, o AEE deve ser oferecido por professores das classes comuns e também da Educação Especial, capacitados e especializados, respectivamente. De natureza complementar, o AEE especializado tem por objetivo o desenvolvimento de competências e habilidades do aluno (por isso não substitui o conteúdo oferecido no turno de escolarização) e deverá ser oferecido no contra-turno escolar.

Constatada a necessidade, dever-se-á oferecer o AEE a fim de que os alunos com necessidades especiais tenham assegurado seu direito de permanência e de percurso escolar em igualdade de condições com os demais alunos.

A perspectiva do AEE pode, ainda, ser entendida a partir da noção de atendimento prioritário. Nesses termos, a Lei Federal 10.048, de 08 de novembro de 2000 dispõe, em seu art. 1º:

“Art. 1º. As pessoas portadoras de deficiência física, os idosos com idade igual ou superior a sessenta e cinco anos, as gestantes, as lactantes e as pessoas acompanhadas por crianças de colo terão atendimento prioritário, nos termos desta Lei.”

Cumpre ressaltar que se o dispositivo trata, de maneira expressa, das pessoas com deficiência física, o atendimento prioritário deve ser prestado a qualquer pessoa com deficiência, independentemente da modalidade apresentada. O Decreto Federal 5.296, de 02 de dezembro de 2004, que regulamenta a supramencionada lei, dispõe, em seu art. 5º, caput:

“Art. 5º. Os órgãos da administração pública direta, indireta e fundacional, as empresas prestadoras de serviços públicos e as instituições financeiras deverão dispensar atendimento prioritário às pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida.” (grifos nossos)

O supramencionado Decreto ainda dispõe, em seu art. 24, § 1º, inciso II:

“Art. 24. Os estabelecimentos de ensino de qualquer nível, etapa ou modalidade, públicos ou privados, proporcionarão condições de acesso e utilização de todos os seus ambientes ou compartimentos para pessoas portadoras de deficiência ou com mobilidade reduzida, inclusive salas de aula, bibliotecas, auditórios, ginásios e instalações desportivas, laboratórios, áreas de lazer e sanitários.

§ 1º. Para a concessão de autorização de funcionamento, de abertura ou renovação de curso pelo Poder Público, o estabelecimento de ensino deverá comprovar que:(…)

II – coloca à disposição de professores, alunos, servidores e empregados portadores de deficiência ou com mobilidade reduzida ajudas técnicas que permitam o acesso às atividades escolares e administrativas em igualdade de condições com as demais pessoas;” (grifo nosso)

Ademais, a Lei nº 8.069/1990 o Estatuto da Criança e Adolescente – ECA estabelece em seu artigo 4º que:

“Art. 4º É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do Poder Público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade ao respeito, à liberdade e a convivência familiar e comunitária”.

O artigo 5º do citado Estatuto impõe que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência ou discriminação, determinando a punição na forma da lei de qualquer atentado, por ação ou omissão, aos seus direitos fundamentais.

O ECA assegura, ainda, à criança e ao adolescente a igualdade de condições para o acesso e permanência na escola objetivando o seu pleno desenvolvimento, no inciso I do seu artigo 53.

Note-se, pois, que os dispositivos supramencionados não obrigam apenas as escolas da rede pública à oferta de serviços de apoio especializado, vez que utilizam a expressão generalizada escola regular. Por conseguinte, a oferta de serviços de atendimento educacional especializado é dever de todas as instituições de ensino – sejam públicas ou privadas. Assim, em nosso entendimento, a legislação obriga qualquer escola, inclusive da rede privada, a oferecer atendimento educacional especializado aos alunos com deficiência.

Por fim, com o objetivo de sanar as dúvidas ainda persistentes acerca da obrigatoriedade de se oferecer AEE, importante colacionar o art. 1º e art. 2º, do Decreto Federal 7.611, de 17 de novembro de 2011, que dispõe sobre a educação especial, o atendimento educacional especializado e dá outras providências:

“Art. 1o  O dever do Estado com a educação das pessoas público-alvo da educação especial será efetivado de acordo com as seguintes diretrizes:

I – garantia de um sistema educacional inclusivo em todos os níveis, sem discriminação e com base na igualdade de oportunidades;

II – aprendizado ao longo de toda a vida;

III – não exclusão do sistema educacional geral sob alegação de deficiência;

IV – garantia de ensino fundamental gratuito e compulsório, asseguradas adaptações razoáveis de acordo com as necessidades individuais;

V – oferta de apoio necessário, no âmbito do sistema educacional geral, com vistas a facilitar sua efetiva educação;

VI – adoção de medidas de apoio individualizadas e efetivas, em ambientes que maximizem o desenvolvimento acadêmico e social, de acordo com a meta de inclusão plena;

VII – oferta de educação especial preferencialmente na rede regular de ensino; e

VIII – apoio técnico e financeiro pelo Poder Público às instituições privadas sem fins lucrativos, especializadas e com atuação exclusiva em educação especial.

§ 1o  Para fins deste Decreto, considera-se público-alvo da educação especial as pessoas com deficiência, com transtornos globais do desenvolvimento e com altas habilidades ou superdotação.

§ 2o  No caso dos estudantes surdos e com deficiência auditiva serão observadas as diretrizes e princípios dispostos no Decreto no 5.626, de 22 de dezembro de 2005.

Art. 2o  A educação especial deve garantir os serviços de apoio especializado voltado a eliminar as barreiras que possam obstruir o processo de escolarização de estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento e altas habilidades ou superdotação.

§ 1º  Para fins deste Decreto, os serviços de que trata o caput serão denominados atendimento educacional especializado, compreendido como o conjunto de atividades, recursos de acessibilidade e pedagógicos organizados institucional e continuamente, prestado das seguintes formas:

I – complementar à formação dos estudantes com deficiência, transtornos globais do desenvolvimento, como apoio permanente e limitado no tempo e na frequência dos estudantes às salas de recursos multifuncionais; ou

II – suplementar à formação de estudantes com altas habilidades ou superdotação.

§ 2o  O atendimento educacional especializado deve integrar a proposta pedagógica da escola, envolver a participação da família para garantir pleno acesso e participação dos estudantes, atender às necessidades específicas das pessoas público-alvo da educação especial, e ser realizado em articulação com as demais políticas públicas.”

Conclusão

Por todo o exposto, no meu entendimento, cabe às escolas da rede regular de ensino, inclusive as privadas, receberem os alunos com deficiência, fornecendo o atendimento necessário para sua permanência em sala de aula e alcance do seu desenvolvimento.

Note-se que a recusa de inscrição de aluno em estabelecimento escolar por motivo derivado de sua deficiência constitui crime nos termos do artigo 8º, inciso I, da Lei nº 7.853/1989.

Outrossim, a Educação Especial deve ser oferecida concomitantemente à matricula no sistema regular de ensino, no qual o aluno com deficiência frequentará as aulas da escola comum, e pode ser ministrada em salas de recursos multifuncionais na própria escola regular do sistema de ensino ou em centros de atendimento educacional especializado de institutos comunitários, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos, quando o caráter preferencial da rede de ensino não puder ser atendido. Destaco ser este direito pertencente aos alunos com deficiência, nos moldes expostos acima, não havendo, portanto, opção dos pais em escolher o local onde matricularão seus filhos, sendo certo também que a Constituição Federal e leis federais contemplam a educação especial, não havendo respaldo para as escolas especiais.

 

Referências
BRASIL. Constituição (1988). Disponível em: http://www.presidencia.gov.br/legislacao.
Convenção das Nações Unidas Sobre os Direitos da Criança (1989).
Declaração de Salamanca.(1994) – Sobre Princípios, Políticas e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais.
Lei nº 7.853/1989 – Lei de Apoio às Pessoas com Deficiência
Lei 8.069/90 – Estatuto da Criança e do Adolescente.
Lei Federal 9.394/96 – Lei de Diretrizes e Bases da Educação.
Lei Federal 10.048/00 – Prioridade no Atendimento.
Decreto Federal 5.626/05 – Dispõe Sobre a Língua Brasileira de Sinais.
Decreto Federal 7.611/2011, que dispõe sobre a educação especial.
FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga; PANTOJA, Luisa de Marillac P.; MANTOAN, Maria Tereza Eglér. O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular. Brasília: Ministério da Educação, 2004. pág. 08.
 
Nota:
[1] FÁVERO, Eugênia Augusta Gonzaga; PANTOJA, Luisa de Marillac P.; MANTOAN, Maria Tereza Eglér. O acesso de alunos com deficiência às escolas e classes comuns da rede regular. Brasília: Ministério da Educação, 2004. pág. 08.


Informações Sobre o Autor

Ana Paula Valentim de Araujo

Bacharel em Direito Assessora Jurídica no Ministério Público do Estado de Minas Gerais Pós-Graduada em Direito de Família Direito Processual e Direito Penal


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