A responsabilidade internacional frente às violações de normas imperativas de Direito Internacional. Crítica à falta de penalização ao Estado infrator

Resumo: Tendo em vista o objetivo principal da Comunidade Internacional dos Estados – ONU, em manter a paz e a segurança internacional, a Convenção de Viena estabeleceu as normas referentes ao direito dos Tratados, estabelecendo entre elas algumas disposições aplicadas quando se trata de descumprimento de normas pelos Estados, normas estas dentre as quais encontramos as normas de Jus Cogens, que são consideradas de cunho obrigatório para todos os Estados, e tidas como fundamentais. Perante esta característica, ao descumprimento destas normas tentou-se estabelecer um projeto de artigos onde as penalizações a estes descumprimentos se daria de forma mais grave, entretanto o que se nota é que em realidade não há esta diferença entre penalização de normas digamos ordinárias e estas de jus cogens.*


Palavras-chave: Jus Cogens. Direito Internacional. Responsabilidade Internacional.


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Abstract: Given the main objective of the international community of states – the United Nations in maintaining international peace and security, the Vienna Convention established standards for the Law of Treaties, establishing between them a number of provisions apply when it comes to breach of rules by the Member , these standards among which we find the norm of jus cogens, which are considered mandatory nature for all States, and regarded as fundamental. Given this characteristic, the breach of these standards attempted to establish a design articles where the penalties for these breaches would be more serious, however what you notice is that in reality there is this difference between penalty and these common standards say of jus cogens.


Keywords: Jus cogens. International Law. International responsability.


Sumário: 1- Introdução. 2- As Normas Imperativas de Direito Internacional. 3- Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados. 4- Responsabilidade Internacional dos Estados. 5- Conseqüências legais dos atos internacionalmente ilícitos. 6- Violações de normas imperativas de Direito Internacional Geral. 7- Efeitos e conseqüências da violação grave de uma norma de Jus Cogens. 8- Conclusão. 9- Bibliografia.


1- Introdução


A Comunidade Internacional, representada pela ONU (Organização das Nações Unidas), reconheceu através da instituição da Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 1969, a existência do jus cogens dentro do Direito Internacional geral, sendo que estas normas imperativas possuem eficácia erga omnes e somente podem ser alteradas em função de outra norma ulterior da mesma natureza.


Entretanto o que se nota é uma constante violação destas normas de jus cogens pelos Estados, o que nos força a discorrer sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados por Ato Internacionalmente Ilícito. Essa responsabilidade vem a muito sendo discutida pela ONU, que acabou aprovando no ano de 2001 um Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados por Ato Internacionalmente Ilícito.


O objetivo de um regime como esse seria assegurar um maior respeito às normas imperativas, dentre as quais estão os direitos fundamentais do homem, a igualdade jurídica entre os Estados, o princípio da não intervenção, a proibição do uso da força nas relações internacionais e a obrigação da solução pacífica das controvérsias, com o intuito de garantir o objetivo maior dos objetivos da ONU, que segundo o autor CLÉMENT (pág 01) és “mantener la paz y seguridad internacionales”.[1]


Desta maneira, tendo em conta que a violação de tais normas aqui tratadas atingem diretamente a coletividade dos Estados, o objetivo deste trabalho é analisar o Projeto de Artigos da ONU sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados, buscando saber se as conseqüências e os efeitos previstos no projeto se tornam por si só suficientes para reparar e inibir as violações de tais normas imperativas.


2- As Normas Imperativas de Direito Internacional


Inicialmente nota-se que nos dias atuais o mundo encontra-se em total desenvolvimento, fruto da globalização que se faz presente entre os objetivos da Comunidade Internacional. Entretanto, diante deste imenso avanço e do desenvolvimento em âmbito mundial, nota-se que não existe uma instituição superior quando se trata de Direito Internacional, e devido à soberania dos Estados, uma norma somente é exigida destes, desde que tenham participado do processo de desenvolvimento desta norma, ou que tenha eles (os Estados) aceitado-a como norma. Isto nos leva a crer então, que nenhuma norma é universalmente aplicável.


O que acontece então é que estamos diante de uma intensa relação inter-estatal entre uma comunidade de Estados soberanos, o que nos coloca diante de um sistema jurídico internacional cada vez menos anárquico, e que busca efetivamente uma colaboração entre esta comunidade de Estados, fazendo surgir a partir daqui uma idéia não de comunidade de Estados soberanos, mas sim uma idéia de comunidade internacional de Estados como um todo, aflorando uma idéia maior e mais ampla da solidariedade e unidade da sociedade internacional.


Daí o surgimento do jus cogens, que se deve ao desenvolvimento histórico e social da comunidade internacional, onde o crescimento das relações inter-estatais criou uma situação que não mais permitia uma coexistência ordenada sem a existência de uma ordem pública internacional com determinadas normas específicas e rigorosas, chamadas aqui de normas imperativas, como é o caso da Convenção de Viena de 1969, que será tratada adiante, e também aquelas normas que tratam a proibição de crimes como a agressão, o genocídio, a escravidão, a discriminação racial, os crimes contra a humanidade e a tortura, dentre outros, tendo em vista não tratar-se de uma enumeração exaustiva, conforme dito por JULIO BARBOSA:


“… Esta enumeración no es exhaustiva, ya que puede haber otros ejemplos y además crearse nuevas en el futuro.”[2]


Segundo o mesmo JULIO BARBOSA (PAG 452), as normas imperativas, ou o jus cogens


“se centran en el alcance y la prioridad que ha de darse a un cierto número de obligaciones fundamentales, mientras que en las otras el centro de atención es esencialmente el interés jurídico de todos los países en su cumplimiento.”[3]


Daí pode-se falar em uma divergência forte quanto à utilidade e até mesmo quanto à existência destas normas de jus cogens, onde alguns autores defendem que o sistema normativo internacional nada mais é do que um instrumento que assegura a cada Estado a sua soberania e regula as relações inter-estatais de coexistência e cooperação.


Por outro lado há os autores que negam veementemente a existência destas normas imperativas, tendo em conta que a existência destas normas estão condicionadas à existência também de uma estrutura judicial e legislativa que sejam capazes de formular estas regras de política pública, até então inexistente no nosso sistema de comunidade internacional, onde somente existe uma razoabilidade por parte dos Estados, criando um ar de uma ordem de notável estabilidade dentro das relações inter-estatais.


Fato é que há muito já se discutia a proibição de tratados contrários às normas de jus cogens, com o intuito de garantir uma coexistência moral e racional dos membros da comunidade internacional, onde foram inclusive discutidos e publicados alguns artigos como exemplos de tratados que fossem contrários à moralidade, e que deveriam por isso serem anulados caso fossem celebrados pelos Estados, tais como aqueles tratados que obrigam um Estado a reduzir a sua polícia, aqueles que obrigam a redução do exército, e outro mais.


Esses exemplos, quando da Convenção de Viena, que tratou novamente o assunto agora sob o novo prisma do jus cogens, introduzido pela carta, foram novamente citados, influenciados agora pelas obrigações imperativas dos Estados dentro do Direito Internacional moderno.


3- Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados


A Convenção de Viena sobre os Direitos dos Tratados, adotada em 22 de maio de 1969, veio a codificar o direito internacional consuetudinário referente aos tratados, regulamentando e normatizando a produção destes tratados e criando procedimentos acerca da conclusão de acordos internacionais.


Entretanto, para JULIO BARBOZA, as normas expressas na Convenção de Viena obrigavam tão somente aqueles países partes de um Tratado, tendo em vista que assim foi concedida a presente convenção. Por outro lado, o próprio autor vem nos trazer que já foi estabelecido que isso não acontece, e que a Convenção, hoje em dia, já é tratada como um direito consuetudinário na esfera internacional. Vejamos:


“Suele mencionar la paradoja de que las reglas que rigen los tratados estén contenidas a su vez en un tratado, que como tal solamente obliga a los Estados que son sus miembros. Hoy en día, sin embargo, parece innegable que las normas contenidas en la Convención de Viena, hayan o no reflejado el derecho consuetudinario en el momento de su entrada en vigencia, han sido hoy recogidas y aceptadas por la comunidad internacional y forman parte del derecho consuetudinario de nuestra época.[4]


A Convenção trouxe em seu texto alguns poucos dispositivos que vieram a tratar do jus cogens, expressos nos artigos 44, 53, 64, 66 e 71, sendo que o artigo 53 é aquele que merece maior destaque, sendo ele o que traz expresso o conceito do que é uma norma imperativa. Vejamos:


“Artigo 53: Tratado em Conflito com uma Norma Imperativa de Direito Internacional Geral (jus cogens). É nulo um tratado que, no momento de sua conclusão, conflite com uma norma imperativa de Direito Internacional geral. Para os fins da presente Convenção, uma norma imperativa de Direito Internacional geral é uma norma aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo, como norma da qual nenhuma derrogação é permitida e que só pode ser modificada por norma ulterior de Direito Internacional geral da mesma natureza.[5]


O termo “norma imperativa” caracteriza normas cujo intento é a proteção dos interesses fundamentais, comunitários e gerais de toda a comunidade, ou valores e interesses vitais da comunidade internacional de Estados.


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Em outras palavras, a norma imperativa é aquela cujo respeito reveste uma importância fundamental para a comunidade internacional, implicando portanto uma criação de obrigações erga omnes. Portanto o jus cogens nos remete a uma idéia de universalidade, que deve ser aceita e reconhecida pela comunidade internacional dos Estados como um todo.


Entretanto, um ponto a ser destacado quanto às normas de jus cogens da Convenção de Viena, é que ela nos coloca somente o conceito destas normas, deixando de exemplificá-la. Portanto não é o aspecto formal da norma geral de direito internacional que dá a ela a natureza de jus cogens, mas sim a natureza particular do objeto que ela trata.


Dessa forma, o conteúdo dessas normas são elaborados na prática e na jurisprudência dos Tribunais Internacionais, opção esta dada pela Comissão de Direitos Internacionais da ONU.


Assim, para se compreender a real importância do jus cogens, o conteúdo destas normas devem ser levados em conta. Um dos princípios mais importantes para a comunidade internacional, aquele que proíbe o uso da força tem natureza de norma imperativa principalmente por causa daquele objetivo já citado aqui, de manutenção da paz, que é o principal dentre os muitos objetivos da comunidade internacional.


4- Responsabilidade Internacional dos Estados


A responsabilidade internacional dos Estados é o instituto jurídico em virtude do qual o Estado a que é imputado um ato ilícito segundo o direito internacional, deve uma reparação ao Estado contra o qual este ato foi cometido. Ou seja, a responsabilidade internacional do Estado decorre de uma transgressão a norma jurídica internacional, bem como a incidência de uma conduta de natureza dolosa ou culposa do autor, ensejando assim a discussão sobre a responsabilidade subjetiva e objetiva.


Pela subjetiva, além do descumprimento de uma norma ou obrigação jurídica internacional por parte de um Estado, deve este também ter agido com dolo ou culpa para que seja considerado responsável no plano internacional.


No que tange à responsabilidade objetiva do Estado, esta é constituída pelo descumprimento de uma obrigação jurídica internacional independentemente da existência de culpa ou dolo, garantindo portanto maior segurança jurídica no campo da relações internacionais.


A este respeito CELSO DE MELLO nos diz que:


“a responsabilidade internacional apresenta características próprias em relação à responsabilidade no direito interno: a) ela é sempre uma responsabilidade com a finalidade de reparar o prejuízo; o DI praticamente não conhece a responsabilidade penal (castigo etc.); b) a responsabilidade é de Estado a Estado, mesmo quando é um simples particular as vítima ou o autor do ilícito; é necessário, no plano internacional que haja o endosso da reclamação do Estado nacional da vítima, ou ainda, o Estado cujo particular cometeu o ilícito é que virá a ser responsabilizado.”[6]


Entretanto, há certas e determinadas condições que devem ser observadas afim de verificar a responsabilidade do Estado no plano internacional, são elas: a) violação de uma regra jurídica de caráter internacional; b) que a transgressão da regra ocasione um dano; e c) que a ofensa seja imputável ao estado.


Dessa forma, caso um Estado pratique ato ou fato ilícito contra uma norma jurídica ou obrigação internacional, afetando assim um outro Estado ou súditos deste, ou ainda mesmo à comunidade internacional como um todo, incorrerá na responsabilidade internacional, ensejando assim uma reparação pelo cometimento deste ato ilícito. Reparação esta que culmina na restauração do restabelecimento da ordem jurídica anterior ao fato ou ato contrários a uma norma tida e aceita como de Direito Internacional, com o fim de garantir a integridade do direito ferido e a reparação dos prejuízos sofridos.


Outro ponto que merece destaque, que também destaca o autor CELSO DE MELLO[7], é o fato de que para ensejar essa responsabilidade, o ato deve ser ilícito perante o direito internacional, independente portanto do tratamento dado no direito interno.


Em outras palavras, uma norma que é lícita no direito interno de um determinado Estado pode ser ilícita internacionalmente, e seu descumprimento invocar a responsabilidade internacional, não podendo o Estado argüir a legalidade do ato dentro de seu direito interno afim de escapar da responsabilidade internacional.


Vale ressaltar aqui que as obrigações ou normas não resultam tão somente de Tratados ou acordos firmados entre os Estados e a comunidade internacional, mas que também surgem e resultam dos costumes (direito consuetudinário) e dos princípios gerais do direito.


O objetivo principal da responsabilidade internacional é a reparação do dano, que se configura como elemento essencial e que pode ser dar tanto como moral, tanto como patrimonial. É portanto fato gerador da responsabilidade por ato ilícito internacional cometido por um Estado.


O artigo 12 do Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade Internacional do Estado por atos Internacionalmente Ilícitos, caracteriza-se como sendo capaz de abranger diversas maneiras que uma obrigação pode ser expressa, bem como as diversas formas que a violação pode tomar. Vejamos:


“Art. 12. Existência de uma violação de uma obrigação internacional. Há uma violação de uma obrigação internacional por um Estado quando um ato daquele Estado não está em confor­midade com o que é requerido dele por aquela obrigação, seja qual for a origem ou natureza da obrigação.”[8]


Em síntese, a violação de uma obrigação internacional consiste na desconformidade entre o comportamento exigido do Estado por esta obrigação e a conduta efetivamente adotada por ele, sendo que a conduta de um Estado pode ser considerada como uma violação a suas obrigações, ainda que sua conduta seja apenas parcialmente contrária à obrigação que incumbe a ele.


5- Conseqüências legais dos atos internacionalmente ilícitos.


Discute-se bastante sobre a questão que surge sobre as conseqüências legais adotadas contra um Estado quando este viola uma obrigação internacional, tais como a reparação do dano ou o prejuízo à vítima e o futuro da relação jurídica afetada pelo fato.


Para isto, o artigo 29 do Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade Internacional dos Estados estabelece que o dever contínuo do Estado em executar a obrigação que tenha violado não é afetada tendo em vista as conseqüências da violação ocorrida.


Vejamos o que diz o artigo 29:


“Art. 29. Continuidade do dever de cumprir a obrigação. As conseqüências jurídicas de um ato internacionalmente ilícito de acordo com esta Parte não afetam a continui­dade do dever do Estado responsável de cumprir a obrigação violada.”[9]


 


Em outras palavras, devemos reconhecer que por tal violação novas relações jurídicas surgem sim entre os Estados. Entretanto esse novo conjunto de relações que se impõe não significa a extinção daquelas que já existiam, ou seja, aquelas que foram violadas, que apesar de tal violação continuam a existir.


É de se ressaltar também que, ainda que o Estado que violou suas obrigações venha a reparar todos os prejuízos causados pelo ato ilícito, este mesmo Estado não vai se ver livre do dever que ainda tem de executar a obrigação violada, o que nos dá uma idéia de continuidade daquela obrigação assumida pelo Estado.


Por outro lado, tanto o Estado vítima da violação de uma obrigação por um Estado, senão também a comunidade internacional através da ONU, buscam em primeiro plano, com o intuito de manter a eficácia e a validade da norma, cessar a conduta que viola uma obrigação internacional – cessação esta tida como um dos requisitos, senão o primeiro, para a eliminação das conseqüências da conduta ilícita – , visando sempre a proteger os interesses do Estado vítima e consequentemente os interesses da comunidade internacional.


Nota-se também que como efeito do ato ilícito, o Estado autor deve buscar uma restauração da confiança antes estabelecida em face de outro Estado, bem como também a continuidade da relação que ensejou o ato ilícito, abaladas pela violação da obrigação.


Buscando resolver esses efeitos, o Projeto de Artigos instituiu em seu artigo 30 a obrigação que tem o Estado responsável de oferecer promessas de segurança apropriadas e garantias de não repetição do fato ilícito, sempre que necessárias. Vejamos o que diz o referido artigo:


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“Art. 30. Cessação ou não repetição. O Estado responsável pelo ato internacionalmente ilícito tem a obrigação de: a) cessar aquele ato, se ele continua; b) oferecer segurança e garantias apropriadas de não-repetição, se as circunstâncias o exigirem.” [10]


Entretanto, o disposto neste artigo acima não se torna obrigatório entre os Estados, sendo de aplicabilidade somente quando da existência de real necessidade por parte do Estado lesado, a ponto de que a simples restauração da situação anterior não o proteja de novo ilícito por parte do outro Estado.


Outro ponto importante a se tratar aqui é a obrigação da reparação total do ato ilícito, imposta ao Estado que o cometeu, tida também como um dos requisitos para eliminar as conseqüências dessa conduta. Prevista no artigo 31 do mesmo Projeto de Artigos já citado anteriormente, essa obrigação de reparação (integralmente, como diz no próprio texto do artigo citado) é tida não como um direito do Estado vítima, mas sim como um dever do Estado autor do ilícito, aplicada de forma automática quando do cometimento de tal ilícito.


Essa restauração prevista pode ser imposta em relação a danos materiais[11] como também em relação a danos morais[12], e pode assumir formas tais como restituição, satisfação ou compensação, sendo determinada esta forma sempre de acordo com a obrigação que foi violada.


Destas diversas formas, a compensação é talvez a mais adotada na prática, sendo esta uma regra bem estabelecida no direito internacional, correspondendo esta ao dano financeiro avaliável sofrido pelo Estado vítima do ilícito internacional.


A restituição por sua vez aparece de forma inadequada, podendo inclusive ser parcial ou totalmente excluída por diversas razões, tais como a escolha do Estado vítima pela compensação.


E por derradeiro, a satisfação, que não é tida como uma forma de restauração padrão, tendo sim um caráter excepcional, tendo em vista que já nas duas anteriores formas de restauração (compensação e restituição) a reparação já se tenha dado por satisfatória, podendo portanto a satisfação se dar pelo reconhecimento da violação, como também por uma expressão de arrependimento ou um pedido formal de desculpas.


6- Violações de normas imperativas de Direito Internacional Geral.


Partindo do conceito de normas imperativas, trazido no artigo 53 do Projeto de Artigos anteriormente citado, podemos falar que estas normas imperativas versam sobre matérias extremamente importantes e imprescindíveis à manutenção da paz e harmonia internacional, que como dito anteriormente é o principal objetivo da ONU.


Estas normas, diante de sua importância, receberam um trato especial dentro do Projeto, sendo inclusive tratadas dentro de um capítulo especial, intitulado “violações graves de obrigações decorrentes de normas imperativas de direito internacional geral”, o qual prevê uma modalidade diferente de responsabilidade.


As obrigações aqui em questão, citadas no artigo 40 do Projeto de Artigos, abaixo descrito, são aquelas decorrentes de uma conduta que proíbe comportamentos que são vistos como intoleráveis por causa da ameaça que representam para a preservação dos Estados e de seus membros, e ainda pelos valores humanos mais básicos.


Vejamos o que diz o referido artigo 40:


Art. 40. Aplicação deste Capítulo. 1. Este Capítulo se aplica à responsabilidade que é acarretada por uma violação grave por um Estado de uma obri­gação decorrente de uma norma imperativa de Direito Internacional geral. 2. Uma violação de tal obrigação é grave se envolve o descumprimento flagrante ou sistemático da obrigação pelo Estado responsável.”[13]


Dentre estas normas imperativas encontramos aquelas tidas como graves, assim como determina o artigo 40, tais como a proibição da agressão e da tortura, e de outras tão graves como estas em âmbito internacional. Vale ressaltar que estas violações, para serem consideradas como ato ilícito internacional, devem contar com uma escala tal que a classifique de tal modo, tais como uma intenção de seu cometimento em grande escala.


Da violação destas normas imperativas, assim como nas outras normas, há uma ou várias conseqüências que o Projeto de Artigos as tratou em seu artigo 41, vejamos:


“Art. 41. Conseqüências particulares da violação grave de uma obrigação consoante este Capítulo. 1. Os Estados deverão cooperar para pôr fim, através de meios legais, a toda violação grave no sentido atribuído no artigo 40. 2. Nenhum Estado reconhecerá como lícita uma situação criada por uma violação grave no sentido atribuído no artigo 40, nem prestará auxílio ou assistência para manutenção daquela situação. 3. Este artigo não prejudica as demais conseqüências referidas nesta Parte bem como outras conseqüências que uma violação a qual se aplique este Capítulo possa acarretar, de acordo com o Direito Internacional.”[14]


Assim como há conseqüências pelo descumprimento de qualquer norma, e não diferentemente pelo descumprimento ou violação de normas imperativas, o que acontece em relação a estas é que se nota uma omissão no que diz respeito às práticas e aos efeitos legais da violação grave de uma destas normas imperativas.


É certo que um Estado tem a obrigação de responsabilidade quando da violação de uma norma internacional, assim como a obrigação de dispor de garantias da não repetição do ato, como visto anteriormente. Entretanto, quando se trata da violação de normas imperativas, o que se nota é que estas não são passíveis de uma simples indenização, sendo impossível que as relações anteriores sejam restabelecidas.


Ou seja, uma vez que não é possível a restauração da situação anterior ao descumprimento das normas imperativas, pergunta-se se seriam eficazes somente a reparação do dano ou o restabelecimento da situação anteriormente existente para coibir o cometimento ou a infração destas normas imperativas.


7- Efeitos e conseqüências da violação grave de uma norma de Jus Cogens.


Conforme discutido anteriormente, o Projeto de Artigos nos parece omisso quanto às conseqüências práticas e aos efeitos legais de uma violação grave de uma norma imperativa.


Por outro lado está claro que um Estado responsável por uma violação grave tem a obrigação de promover a continuidade da execução dessa obrigação, como também a obrigação de oferecer garantias de que não voltará a descumprir com suas obrigações.


Além destas conseqüências, o Estado autor deve também prover a reparação do dano causado pelo ilícito internacional, no entanto ao se tratar dessa reparação, o que se nota é uma maior complexidade, tendo em vista que os ilícitos graves dão origem a conseqüências jurídicas que estão além da reparação quando do propósito de ressarcimento.


Assim, diante desta complexidade quanto às conseqüências jurídicas advindas da violação de normas cogentes, fala-se em uma nova obrigação que surge como conseqüência de tal violação, tais como a aplicação de danos punitivos e exemplares, que são também na forma de indenização, porém não apenas reparatória, mas que venha a servir de punição para o Estado que violou as normas cogentes.


Disso resulta o chamado regime agravado da responsabilidade, o que para muitos é amplamente reconhecido, é tido como um passo significativo para um regime eficaz de responsabilidade agravada.


Essa questão já foi tratada anteriormente, entretanto não foi no Projeto de Artigos do ano de 2001, sendo que a atribuição de danos punitivos para o Estado violador de normas cogentes não é reconhecida internacionalmente, assim decidindo as Cortes e Tribunais, diferentemente do que defendem alguns como dito anteriormente.


O que se nota então é que é possível, às vezes, a concessão de danos desproporcionais em relação ao prejuízo realmente sofrido pelo Estado vítima, mesmo que sejam estas difíceis de se justificarem, mas que quando se tratam de danos imateriais, fornecem aos tribunais um maior poder de discricionariedade quando da apreciação, o que não acontece quando os danos são plenamente materiais, por isso a expressão “as vezes”, acima utilizada.


Em outras palavras, o que se tem notado é que os danos punitivos vêm sendo utilizados quando da aplicação de indenizações não materiais ou morais, ainda que não se note habitualidade quanto a esta prática, mesmo porque estas concessões não constituem, segundo o Projeto de Artigos, uma conseqüência específica quando se trata de regime agravado da responsabilidade.


Além da questão acima discutida, o que se nota também quando do Projeto de Artigos de 2001, é que o mesmo não faz menção alguma à responsabilidade do Estado quando a violação grave é cometida por um particular, diferentemente do que dispões alguns tratados internacionais, dentre eles a Convenção sobre o Genocídio,que prega a obrigação que tem o Estado infrator em apurar os fatos, além de ter a necessidade de conceder a extradição dos autores, como uma garantia de cumprimento dos direitos humanos.


Essa questão sobre o dever que cumpre ao Estado em levar os indivíduos responsáveis por ilícitos graves a julgamento, não está reconhecido internacionalmente, ainda que o Comitê de Direitos Humanos sugere tal necessidade.


Dessa forma, o que se nota é que a responsabilidade pela violação de normas imperativas se vêm de forma comum com a responsabilidade de violação de normas ordinárias, sendo que o então regime agravado venha a contar, segundo disposto no artigo 41 do Projeto de Artigos, somente com uma colaboração entre os Estados para findar um ato ilícito, bem como a obrigação destes de não reconhecerem uma situação gerada pelo ato, como se lícita fosse.


Resumidamente, o que se nota da leitura do citado artigo 41, é que as conseqüências atribuídas ao Estado autor do ilícito internacional serão as mesmas advindas do ilícito de normas ordinárias, sendo que somente haja uma diferenciação quanto à reparação do dano, vez que estas serão afetadas pela gravidade da violação, ou pela gravidade dos danos causados. Isto nos faz então colocar em “check” o chamado regime de responsabilidade agravada.


O texto, conforme se nota, faz menção a uma cooperação ente os Estados quando da conseqüência da violação de normas imperativas, sempre tendo em vista o já citado objetivo da ONU em manter a paz e a segurança internacional.


Neste sentido, a autora ISABELA PIACENTINI expressa que:


“Trata-se de uma obrigação imposta a todos os Estados: diretamente afetados pelo ilícito ou não, todos tem um dever de agir para pôr fim à violação. É o dever de solidariedade que deve unir os membros da comunidade internacional, especialmente diante da gravidade da ofensa à ordem pública internacional.”[15]


Ressalta-se aqui, a inexistência de menção de como deve ocorrer tal cooperação, bem como se esta deve ocorrer por parte de todos os Estados, ou se basta somente a participação de alguns deles, e ainda mais também não faz nenhum tipo de menção quanto aos mecanismos que devam ser usados.


Essa falta de “quesitos”, se assim podemos dizer, para como se deve dar a cooperação, pode resultar em conseqüências drásticas tendo em vista a liberdade dada aos Estados quanto à forma de realizarem a cooperação.


Sendo assim, podemos falar em um plano geral, que a instituição dessa cooperação entre os Estado veio de forma positiva, tendo em vista que impôs aos Estados uma “proibição” de permanecerem inertes quando da violação de normas imperativas, o que torna a Comunidade de Estados mais forte em busca de seu objetivo de paz e harmonia universal. Por outro lado, a citada falta de regras para a realização desta cooperação culminou em problemas, tendo em vista a citada liberdade que foi conferida aos Estados para a realização desta cooperação.


Posteriormente existem críticas também em relação à obrigação de não reconhecimento da situação gerada pelo ato ilícito como lícita pelos demais Estados, que é tida como uma conseqüência lógica da primeira obrigação, uma vez que tenha os demais Estados a obrigação de cooperar para colocar fim à violação grave, devendo também se absterem de firmarem acordos que implique tal reconhecimento.


Sendo assim, o que se pode falar é que a conseqüência proposta foi muito mais no sentido de colocar fim a um ato ilícito, levando em conta as obrigações do artigo 41 do Projeto de Artigos, do que propriamente indicar concretas conseqüências diretas e específicas ao Estado violador.


8- Conclusão


Através do que foi visto neste trabalho, podemos concluir, a partir do conceito de normas imperativas trazido no artigo 53 do Projeto de Artigos sobre a Responsabilidade do Estado por ato Internacionalmente Ilícito, é que tais normas são atualmente amplamente discutidas no cenário internacional quando se trata de sua aplicabilidade e exigibilidade, tendo sido reconhecidas através da Convenção de Viena como normas válidas pela Comunidade de Estados.


Sendo certo o entendimento sobre o conceito destas normas imperativas, o que acontece atualmente é o questionamento sobre a importância de sua proteção tendo em vista que dispõe de matérias importantíssimas no âmbito internacional, tais como o princípio da equidade dos Estados e também sobre os Direitos Humanos, dentre outros.


O que se buscou trazer a tona neste trabalho, e que restou comprovada quando da análise do Projeto de Artigos, é que a Comunidade dos Estados (ONU) baseia-se em um princípio de comunitarismo[16], afim de evitar as violações de tais normas de jus cogens, idéia esta tida como imprescindível para que seja possível o alcance do tão citado objetivo geral da ONU, que é o da manutenção da paz internacional.


Entretanto, o que se notou é que as conseqüências e responsabilidades por violações destas normas imperativas, em nada se diferenciam das conseqüências e responsabilidades por violações de normas ordinárias, não operando como o deveria ser, deixando de impor um sistema de punições sérias e condizentes com a gravidade das violações.


Assim, o que se observa é que as conseqüências por tais violações estão mais estritamente relacionadas aos outros Estados do que realmente voltadas para o Estado infrator, contrariando as expectativas de como deveria ser o regime de responsabilidade agravado. Talvez pela falta de uma instituição superior que ofereça controle e monitoração dos atos dos Estados, o que não podemos afastar por completo da possibilidade de vir a ocorrer, tendo em vista que o Direito Internacional possa vir a seguir o direito interno, empreendendo-se na criação de instituições superiores aos Estados, o que até então contraria o estado de soberania ainda defendido “por unhas e dentes” pelos Estados.


Dessa maneira, com a criação futura de tais instituições superiores, possamos ver a existência efetiva de um sistema de responsabilidade adequado com as violações de normas imperativas, capaz de cessar com tais violações, forçando os Estados a refletirem antes de quaisquer práticas ilícitas contra as normas de jus cogens, tornando possível a extinção deste tipo de ilicitude dentro do Direito Internacional.


 


Bibliografia

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MELLO, Celso Albuquerque de. Direito Internacional Público. Vol. I; Rio de Janeiro. Editora Renovar. 2004.

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ROCO, Dante Scaglione. Derecho Internacional Público. Edición Corregida y aumentada. Editorial Estudio. Buenos Aires; 1999.

 

Notas:
*
Trabalho apresentado em matéria do Mestrado em Direito Penal do Mercosul da UBA-Universidade de Buenos Aires.

[1] CLÉMENT, Zlata Drnas de. Responsabilidad Internacional de los Estados por violaciones a normas imperativas de Derecho Internacional General. Pág. 01 

[2] BARBOZA, Julio. Derecho Internacional Público. Pág. 453.

[3] Ibidem. Pág. 452.

[4] Ibidem. Pág. 110.

[5] Convenção de Viena sobre o Direito dos Tratados, de 23 de maio de 1969. Disponível em < http://www2.mre.gov.br/dai/dtrat.htm>.

[6] MELLO, Celso Albuquerque de. Direito Internacional Público. Pag. 138. 

[7] Ibidem. Pág. 140.

[8] Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados. Disponível em <http://advonline.info/vademecum/2008/HTMS/PDFS/INTER/PROJETO_COMISS_O_DIREITO_IN.PDF>.

[9] Ibidem.

[10] Ibidem.

[11] Por danos materiais se entende aqueles danos causados às propriedades ou outros interesses do Estado e seus cidadãos.

[12] Por danos morais se entendem aquelas perdas de entes próximos ou a intromissão no lar ou na vida de alguém.

[13] Projeto da Comissão de Direito Internacional das Nações Unidas sobre Responsabilidade Internacional dos Estados. Disponível em <http://advonline.info/vademecum/2008/HTMS/PDFS/INTER/PROJETO_COMISS_O_DIREITO_IN.PDF>.

[14] Ibidem.

[15] ANDRADE, Isabela Piacentini. Responsabilidade Internacional do Estado por violação do Jus Cogens. Pág. 24.

[16] No sentido de comunidade.


Informações Sobre o Autor

Matheus Afonso de Faria

Bacharel en direito pela PUC-Minas; posgraduado em Direito Público pela Universidade Gama Filho-RJ; mestrando em Direito Penal do Mercosul pela Universidade de Buenos AIres, com orientação em Direitos Humanos e Sistemas Penais Internacionais; e professor assitente concursado da Universidade de Buenos Aires.


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