A Responsabilidade do Estado frente aos atos omissivos e comissivos dos notários

Autor: DIAS, Thalles Teles. E-mail: [email protected]. Acadêmico do curso de Direito na Universidade UNIRG. Gurupi/TO.

Orientador: DANTAS, Welson Rosário Santos. E-mail: [email protected]. Profº. Me. no curso de Direito na Universidade UNIRG, Gurupi/TO.

Resumo: As atividades notariais possuem o objetivo de garantir a publicidade, autenticidade, segurança e eficácia dos atos jurídicos de forma preventiva, evitando, com isso, o acúmulo de processos no judiciário e atuando como meio de pacificação social. Nos últimos anos, contudo, houve um significativo aumento de processos em desfavor dos notários por erros no exercício de suas funções. Frente a isso, ao praticar atos omissivos e comissivos, esses profissionais devem responder pelos danos causados. Assim, o presente estudo tem como objetivo central discorrer sobre a responsabilidade do Estado frente aos atos omissivos e comissivos dos notários. Busca-se com o presente estudo analisar o julgamento do Supremo Tribunal Federal sobre o Recurso extraordinário (RE) n° 842.846/SC, que em repercussão geral decidiu que o Estado é o responsável civil pelos danos causados por agentes públicos (tabeliães). Veremos, portanto, que embora a citada decisão firmou o entendimento de que a responsabilidade dos Estados, acabou também se mostrando como um retrocesso jurídico, uma vez que as indenizações a serem pagas pelo Estado são feitas vias precatório, aumentando de forma considerável a efetivação, ou seja, o pagamento das indenizações. Para a realização desse estudo, tem-se como metodologia a pesquisa bibliográfica, baseada em livros, artigos científicos e na legislação brasileira, e em especial no citado julgado.

Palavras-chave: Responsabilidade. Cartórios. Estado. Indenização. Precatórios.

 

Abstract: Notarial activities aim to ensure publicity, authenticity, security and effectiveness of legal acts in a preventive manner, thereby avoiding the accumulation of lawsuits in the judiciary and acting as a means of social pacification. In recent years, however, there has been a significant increase in lawsuits to the detriment of notaries for errors in the exercise of their functions. Thus, the present study has as its central objective to discuss the State’s responsibility in the face of omissive and commissive acts by notaries. The present study seeks to analyze the judgment of the Supreme Federal Court on extraordinary Appeal (RE) nº. 842.846/SC, which in general repercussion decided that the State is the civil responsible for the damages caused by public agents (notaries). We will see, therefore, that although the aforementioned decision confirmed the understanding that the responsibility of the States, it also ended up showing itself as a legal setback, since the indemnities to be paid by the State are made through precatory measures. To carry out this study, bibliographic research is based on methodology, based on books, scientific articles and Brazilian legislation, and especially on the aforementioned judgment.

Keywords: Responsibility. Notaries. State. Indemnity. Precatory.

 

Sumário: Introdução. 1. Atividades Notariais e Registrais: Aspectos Gerais. 2. A responsabilidade civil dos cartorários e registradores no ordenamento jurídico brasileiro. 2.1 Do Recurso Extraordinário 842.846/SC. 3. Consequências Jurídicas. Considerações Finais. Referências Bibliográficas.

 

INTRODUÇÃO

Os serviços notariais e de registro possuem organização técnica e administrativa que visam o garantismo da publicidade, da autenticidade, da segurança e da eficácia dos atos jurídicos. O Notário, ou Tabelião, e Oficial de Registro, ou Registrador, são profissionais do direito, dotados de fé pública, a quem é delegado o exercício da atividade notarial e de registro (VIEIRA, 2016).

Portanto, essas atividades devem ser realizadas com zelo e atenção, atendendo as partes com eficiência, urbanidade e presteza. Ocorre que nos últimos anos surgiram muitas ações contra cartorários e registradores pelos erros cometidos na atividade delegada pelo Estado.

Em razão desses erros, a norma brasileira traz dois posicionamentos: de um lado encontra-se o parágrafo 6° do artigo 37 da Constituição Federal de 1988 que prevê que o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes, uma vez que são aprovados em concurso público para tal delegação; de outro lado, tem-se o art. 22 da Lei 13.286/2016 que imputa a responsabilidade aos notários.

Buscando solucionar esse embate jurídico, o Supremo Tribunal Federal, em julgamento do Recurso Extraordinário n° 842.846 impôs repercussão geral a matéria, afirmando que as indenizações são de total responsabilidade do Estado, retirando dos cofres públicos tais valores a serem pagos pela fazenda pública.

Diante dessa situação, a problemática dessa pesquisa recai na seguinte indagação: como a decisão do RE 842846 afetará os processos em andamento?

Assim, busca-se ainda observar quais os efeitos prático-processuais que essa decisão acarretará, surgindo assim as seguintes indagações: como poderá ser feita essa correção processual dos processos em andamento que tem no pólo passivo apenas os cartórios? Em caso concreto de danos será necessário que o particular ingresse primeiramente contra o cartório ou diretamente contra o Estado? Existirá a possibilidade e ação regressiva contra o cartório? Além disso, observa-se também que em eventual condenação, a depender dos valores, serão pagos por meio de precatório, o que acarretará uma grande demora na atividade satisfativa do processo, entre outros questionamentos que abordaremos no presente estudo.

Para a realização da pesquisa foi feita uma revisão de literatura, constituído de estudo bibliográfico e documental. A pesquisa bibliográfica foi realizada por meio de leituras das leis, da Constituição Federal, de revistas jurídicas, de livros e artigos e também por meios eletrônicos.

 

  1. ATIVIDADES NOTARIAIS E REGISTRAIS: ASPECTOS GERAIS

Em território brasileiro, pode-se dizer que a atividade notarial e registral surgiram efetivamente a partir do chamado registro do vigário (Lei nº 601/1850 e Dec. nº 1.318/1854), com o que a Igreja Católica passou a obrigar a legitimação da aquisição pela posse, através do registro em livro próprio, passando a diferençar as terras públicas das terras privadas (LIMA, 2011).

A aludida transmissão, com o tempo, passou a ser realizada através de contrato e, não raras vezes, necessitava de instrumento público, confeccionado por um tabelião. Finalmente, com a ampliação dos atos registráveis, passaram a se submeter ao Registro Geral (Lei nº 1.237/1864) todos os direitos reais sobre bens imóveis.

No que tange ao seu processo histórico, pode-se afirmar que ambas as funções (de notário e de tabelião), resistiram ao efeito do tempo, recebendo, contudo, diferentes contornos.

Atualmente, o notário e o registrador são profissionais que desempenham função pública, através de delegação obtida mediante aprovação em concurso público de provas e títulos.

Nesse sentido, explica Braga (2017, p. 18) que os notários e registradores “alcançaram especial independência no âmbito de sua atuação, que é confiada pelo Estado, para assumir a prática e formalização de atos jurídicos extrajudicialmente, sem intervenção do Poder Judiciário”. Para se habilitar em seu concurso público, é necessário ter a titulação de bacharel em Direito, ou conforme determina o art. 15, parágrafo 2º da Lei dos Notários e Registradores (Lei nº 8.935/94) que tenha exercido 10 anos de carreira na atividade de notas e registro.

Novamente relembrando, o exercício da atividade notarial e registral é exercido em caráter privado, por delegação do poder público, e encontra previsão expressa no artigo 236 da Constituição Federal. Sobre esse ponto, destacam-se as seguintes palavras:

O Notário e Oficial de Registro são reconhecidos como profissionais do Direito, no exercício daqueles serviços que são conhecidos pelos usuários por cartórios, tais como os reconhecimentos de firma, a lavratura de escrituras, procurações, protestos, ou ainda no âmbito do registro civil, os registros de nascimento, casamento e óbito, dentre tantos outros serviços de competência da atividade, e que vem evoluindo cada vez mais. O legislador impôs a esses profissionais a obrigatoriedade de serem bacharéis em Direito, em razão das atividades desempenhadas e da essencialidade que seus atos sejam cumpridos a vista da legislação (SCHMOLLER; FRANZOI, 2018, p. 02).

A Constituição Federal, em seu artigo 236, parágrafo 3º, estabeleceu que “o ingresso na atividade deve ser feito através de concurso público democrático e que prestigia a dedicação e competência, como forma de ingresso na atividade de notas ou registro” (SOUZA, 2017, p. 25).

O profissional deve se servir de um método apropriado para conhecer as situações jurídicas concretas que constituem a matéria de sua atividade funcional, por razão disso, considerado profissional do Direito. A formalização do Direito basicamente possui características gerais que podem ser encontradas tanto na tarefa da investigação dos fatos como na valoração jurídica dos mesmos (SOUZA, 2017).

A Constituição Federal, porém, atribuiu à União competência privativa para legislar sobre os registros públicos. Nesse sentido, encontra-se a Lei nº 6.015/73 que versa sobre os registros públicos. Na retro norma os registros indicados no § 1º do artigo 1º (registro civil de pessoas naturais, jurídicas, os títulos e documentos e imóveis) ficam a cargo de serventuários privativos nomeados de acordo com o estabelecido pelo Poder Público (BRASIL, 1973).

Vale ressaltar que a estes o Estado delega a função de receber, conferir e transpor para os livros declarações orais ou escritas sobre fatos jurídicos e negócios dos interessados ou apresentantes. A partir de então, passam ao conhecimento de todos os que queiram ou devam ser informados a respeito de tais documentos, exceto os submetidos, por lei, ao sigilo (BRAGA, 2017).

A atividade de registro, embora exercida em caráter privado, tem características típicas do serviço público. As serventias extrajudiciais são confiadas à responsabilidade de delegados, aos quais o “Estado incumbe, para alcançar os efeitos jurídicos, conferir e transportar os registros dos usuários, e assim dar conhecimentos e formalizar negócios a terceiros através de certidões” (REZENDE, 2016, p. 19).

O notário e registrador desempenham suas funções na forma de representar o Estado, pois é quem lhe delega o cargo. Diante disso, a sua função não é meramente administrativa, possuindo também caráter social. Sobre essa questão, afirma-se:

Nos dias atuais criam-se situações jurídicas para as quais nem sempre há uma previsão legal exata, e para essas situações deve buscar-se uma forma jurídica apropriada, capaz de assegurar que não sejam violados os preceitos constitucionais, quanto menos de descumprir a legislação, o que perfeitamente atendem as serventias extrajudiciais. Em razão disso, os notários e registradores cumprem o seu mister em apresentar a solução adequada ao usuário, ao passo que examinam doutrinas, jurisprudências, enunciados e tudo ao seu alcance buscando atuar da forma correta e principalmente exalando pela segurança jurídica, o que auxilia na concretização e formalização da vontade das partes (SCHMOLLER; FRANZOI, 2018, p. 02).

A atividade notarial e registral confere, a partir do momento que o titular assume uma serventia, que lhe é imposto, pelo dever de zelar pela segurança jurídica máxima, do aconselhamento e orientação às partes, sob a ótica dos seus atos, cabendo ao Poder Judiciário a fiscalização da sua atuação que ora o faz.

Sobre o tema a doutrina dispõe que:

Os princípios éticos abrangem os demais limites e obrigam o exercício da profissão com desinteresse, imparcialidade, sigilo e discrição, com a máxima prudência e diligência, mas com total dedicação e compromisso com o interesse coletivo. Em suma, esses são os principais limites que se colocam para a independência funcional e pessoal de notários e registradores no exercício da profissão. Aconselhando, orientando, fiscalizando dentro do espírito da lei, notários e registradores cumprem sua missão de fornecer confiança à sociedade (DEL GUÉRCIO NETO; DEL GUÉRCIO, 2016, p. 33).

Dentro desse contexto, insta mencionar o princípio da fé pública. É através desse princípio que os profissionais da área notarial e registral exercem a sua função. Destaca-se, pensando a aplicação do Direito na atividade, que se inicia por meio da interpretação, “não apenas de executor da lei, mas antes de executar, interpretar nos limites da sua competência, procurando a cada momento superar os desafios impostos a atuação desses profissionais” (BRAGA, 2017, p. 20).

Extrai-se o conceito de fé-pública no âmbito notarial e registral, que:

Notários e registradores são testemunhos da verdade. Quem diz que eles o são é o Poder Público, pois delegou sua autoridade de dizer que é verdadeiro e autêntico a estes profissionais, outorgou-lhes o poder de dar fé de forma pública. Logo ao atributo da fé, ao ato de se “dizer a verdade”, está acoplada a autoridade pública. A fé é pública porque oriunda da lei, de um interesse social juridicamente positivado. Com a delegação deste poder por meio da lei, o testemunho de quem o detém passa a ser “publicamente qualificado” (DEL GUÉRCIO NETO; DEL GUÉRCIO, 2016, p. 41).

O princípio da fé pública está intimamente ligado à segurança jurídica que permeia a atividade notarial e registral. Com isso, o instituto da fé pública corresponde à especial confiança atribuída por lei ao que o oficial declare ou faça, no exercício da função, com presunção de verdade. Destacada, pela afirmação da eficácia do negócio jurídico ajustado com base no declarado ou praticado pelo registrador e pelo notário (BRAGA, 2017).

No que concerne aos seus princípios, a atividade notarial e registral são regidos pelos princípios administrativos da legalidade, impessoalidade, moralidade e publicidade, dispostos no art. 37 da Constituição Federal.

Em relação ao princípio da legalidade, entende-se que “a Administração Pública só pode ser exercida na conformidade da lei e que, de conseguinte, a atividade administrativa é atividade sublegal, infralegal, consistente na expedição de comandos complementares à lei” (PEDROSO, 2016, p. 01).

O princípio da impessoalidade elencado no art. 37 da Constituição de 1988, estaria relacionado com a finalidade pública que deve nortear toda a atividade administrativa. Significa que “a Administração não pode atuar com vistas a prejudicar ou beneficiar pessoas determinadas, uma vez que é sempre o interesse público que tem que nortear o seu comportamento” (DI PIETRO, 2004, p. 71).

O princípio da publicidade exige a ampla divulgação dos atos praticados pela Administração Pública. Na esfera administrativa o sigilo só se admite a teor do art. 5°, XXXIII quando imprescindível à segurança da Sociedade e do Estado.

No que tange ao princípio da moralidade, a Administração e seus agentes têm de “atuar na conformidade de princípios éticos. Violá-los implicará violação ao próprio Direito, configurando ilicitude que assujeita a conduta viciada a invalidação” (PEDROSO, 2016, p. 03). O art. 30 da lei 8.935/94 estabelece os deveres éticos atribuídos aos notários e registradores.

Frente a esses princípios, também cabe citar que a Lei nº 8.935/94 em seus artigos 29 e 30 traz o rol de direitos e deveres; a saber:

Art. 29. São direitos do notário e do registrador:

  • exercer opção, nos casos de desmembramento ou desdobramento de sua serventia;
  • organizar associações ou sindicatos de classe e deles participar;

Art. 30. São deveres dos notários e dos oficiais de registro:

  • manter em ordem os livros, papéis e documentos de sua serventia, guardando-os em locais seguros;
  • atender as partes com eficiência, urbanidade e presteza;
  • atender prioritariamente as requisições de papéis, documentos, informações ou providências que lhes forem solicitadas pelas autoridades judiciárias ou administrativas para a defesa das pessoas jurídicas de direito público em juízo;
  • manter em arquivo as leis, regulamentos, resoluções, provimentos, regimentos, ordens de serviço e quaisquer outros atos que digam respeito à sua atividade;
  • proceder de forma a dignificar a função exercida, tanto nas atividades profissionais como na vida privada;
  • guardar sigilo sobre a documentação e os assuntos de natureza reservada de que tenham conhecimento em razão do exercício de sua profissão;
  • afixar em local visível, de fácil leitura e acesso ao público, as tabelas de emolumentos em vigor;
  • observar os emolumentos fixados para a prática dos atos do seu ofício;
  • dar recibo dos emolumentos percebidos;
  • observar os prazos legais fixados para a prática dos atos do seu ofício;
  • fiscalizar o recolhimento dos impostos incidentes sobre os atos que devem praticar;
  • facilitar, por todos os meios, o acesso à documentação existente às pessoas legalmente habilitadas;
  • encaminhar ao juízo competente as dúvidas levantadas pelos interessados, obedecida a sistemática processual fixada pela legislação respectiva;
  • observar as normas técnicas estabelecidas pelo juízo competente.

(BRASIL, 1994)

 

Por fim, importante destacar que toda atividade de registro e administração que cerca a Serventia deve ser revestida de ética. Os profissionais que atuam na função devem agir de modo a honrar a função e vocação pelo quais se dispuseram. Segundo Pedroso (2016, p. 22) “o dever de atender com presteza e cautela prevalece a qualquer interesse individual. A lei e sua intenção devem ser sempre observadas para alcançar a finalidade máxima e os anseios sociais”.

 

  1. A RESPONSABILIDADE CIVIL DOS CARTORÁRIOS E REGISTRADORES NO ORDENAMENTO JURÍDICO BRASILEIRO

O tema acerca da responsabilidade civil dos cartorários e de registradores sempre foram fontes de inúmeros debates, vide o fato de que se discute se essa responsabilidade é diretamente do Estado ou dos próprios profissionais.

Antes de se adentrar nesse tema em específico, é preciso esclarecer o que seja o instituto da Responsabilidade Civil. Basicamente, esse instituto é visto como aquele aonde qualquer indivíduo que venha a violar um dever jurídico através de um ato ilícito ou ilícito, acaba por possuir a obrigação de reparar o dano (RAMOS, 2014).

Instituto tão importante para o Direito Civil, que em seu texto normativo o traz regulamentado no art. 186 ao qual diz que “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito” (BRASIL, 2002).

Sendo assim, a responsabilidade civil é antes de tudo, uma obrigação jurídica, pelo qual o causador do dano deve ressarcir as vítimas, de suportar sanções legais ou penalidades. Nesse ponto, “há a responsabilidade, em virtude da qual se exige a satisfação ou o cumprimento da obrigação ou da sanção” (SILVA, 2008, p. 642).

A reparação de qualquer dano assume duas funções básicas: a de compensar a vítima pela lesão sofrida, dando-lhe alguma espécie de satisfação, e a de impor ao ofensor uma sanção (DINIZ, 2012).

Estabelecido o conceito de Responsabilidade Civil, a discussão sobre a responsabilização de danos causados pelos cartorários e registradores tem dividido a doutrina e a jurisprudência pátria já a alguns anos. Inicialmente, encontram-se de um lado aqueles que entendem que os danos causados pelos profissionais em destaque são de responsabilidade do Estado.

Essa interpretação é baseada no disposto no art. 37, § 6º do texto constitucional, que possui o seguinte texto:

Art. 37 (…)

  • 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.

(BRASIL, 1988)

 

Tendo como fonte o texto Constitucional acima se evidenciou, na visão de muitos, que o Estado é responsável pelos danos causados por seus agentes, haja vista que são aprovados em concurso público para tal delegação.

Ocorre que no mesmo texto constitucional em seu art. 236, § 1º o constituinte outorgou competência para o legislador infraconstitucional definir qual seria o regime de responsabilidade dos notários e registradores. Em outras palavras, o constituinte deu competência para o legislador infraconstitucional estipular qual seria o regime de responsabilidade dos notários e registradores.

De acordo com Cavalcante (2020, p. 55) “a própria Constituição Federal retirou o assento constitucional da regulação da responsabilidade civil e criminal dos notários, relegando-a à autoridade legislativa”.

Partindo dessa prerrogativa dada pela Constituição, foi editada a Lei nº 8.935/94 que traz a responsabilidade objetiva no caso de danos causados pelos notários e registradores. Sob a força do seu art. 22, ficou estabelecido que os notários e registradores respondem pelos seus atos que resultam em prejuízos, civilmente. Incluem aí os substitutos ou escreventes que autorizarem, além do direito de regresso (BRASIL, 1994).

Pautado na supracitada legislação, a jurisprudência desde então, vinha mantendo o entendimento de que as responsabilidades de danos causados pelos notários recairiam única e exclusivamente a eles. O Superior Tribunal de Justiça, predominantemente tem julgado no sentido de que a responsabilização de notários e registradores é objetiva, oriundo do risco gerado pelo desempenho da atividade notarial e de registro.

A título de exemplo, temos o Recurso Especial nº 1.377.074/RJ, julgado pela primeira Turma do STJ e que esteve sob a relatoria do Ministro Benedito Gonçalves, julgado em 16.02.2016 onde foi esposado o seguinte entendimento: “nos casos de danos resultantes de atividade estatal delegada pelo Poder Público, há responsabilidade do notário, nos termos do art. 22 da Lei nº 8.935/1994, e apenas subsidiária do ente estatal”.[1]

Depois dessa Lei, passado mais de 26 (vinte e seis) anos o dispositivo normativo que trata especificamente dessa matéria sofreu mudança. Isso ocorreu por meio da Lei nº 13.137/2015, onde o art. 22 sofreu sutil alteração para explicitar que os sujeitos responsáveis diretos por danos decorrentes da prática de atos notariais e de registro são os “notários e oficiais de registro, temporários ou permanentes” (BRASIL, 2015).

Cumpre destacar ainda que essa lei começou a mencionar que sobre a responsabilidade, esta abarcaria eventos direcionados a direitos e encargos trabalhistas. Na visão de Benício (2016, p. 04) a presente lei não trouxe maiores novidades ou mudanças a respeito da responsabilidade civil de notários e registradores.

A mudança pretendida sobre esse tema só viria ser implantada no ano seguinte, através da Lei nº 13.286 de 10 de maio de 2016. A partir dessa lei, ficou normatizado o critério subjetivo (da culpa ou dolo) para a aferição da responsabilidade civil de notários e registradores. Ou seja, modificou o entendimento até então adotado pela Lei nº 8.935/94.

Segundo explica Santos (2018, p. 01) “a responsabilidade civil subjetiva caracteriza-se pela existência dos elementos do dolo ou culpa do causador do dano, além da conduta, do dano e do nexo de causalidade”.

Com isso, pela Lei 13.286/2016 os notários e oficiais de registro respondem civilmente por todo ato que venha causar prejuízo a outrem, seja por dolo ou culpa. Adentra aí os substitutos ou aqueles que o autorizaram, garantido ainda o direito de regresso. A entrada dessa norma, veio para cessar as dúvidas sobre à responsabilidade pessoal do oficial de registro e notários, pelo qual responderá subjetivamente pelos danos que causar (SANTOS, 2018).

O texto do art. 22 então passou a ser regido da seguinte maneira:

Art. 22. Os notários e oficiais de registro são civilmente responsáveis por todos os prejuízos que causarem a terceiros, por culpa ou dolo, pessoalmente, pelos substitutos que designarem ou escreventes que autorizarem, assegurado o direito de regresso.

Parágrafo único.  Prescreve em três anos a pretensão de reparação civil, contado o prazo da data de lavratura do ato registral ou notarial.

(BRASIL, 2016)

 

No que tange ao parágrafo único, este deixou explícito que a ação direcionada em desfavor do titular do cartório não se aplica, por exemplo, para a ação de regresso ajuizada pelo Estado levando em conta que determina como termo inicial da ação não o pagamento, mas sim a data da lavratura do ato registral ou notarial (CAVALCANTE, 2020).

Os tribunais desde a promulgação da retro lei, já se posicionaram no sentido de fundamentar decisões com base nesse entendimento; a saber:

ADMINISTRATIVO.  AGRAVO INTERNO NO RECURSO ESPECIAL. DEMANDA RESSARCITÓRIA AJUIZADA PELA CAIXA ECONÔMICA FEDERAL CONTRA SERVENTUÁRIA DO FORO EXTRAJUDICIAL. PAGAMENTO DE PRECATÓRIO.  PROCURAÇÃOLAVRADA EM CARTÓRIO A PARTIR DE DOCUMENTOS FALSOS. Responsabilidade Civil Objetiva da Notária. 1. De acordo com precedente desta Corte Superior (AgInt no Resp. 1.471.168/RJ, Rel. Ministro Paulo de Tarso Sanseverino, Terceira Turma, DJe 18/09/2017), a nova redação do art. 22 da Lei nº  8.935/94, implementada pela Lei nº 13.286/16 depois da interposição do recurso especial, não tem o condão de afastar a jurisprudência que serviu de  lastro para a decisão agravada, pois a natureza da responsabilidade civil do notário é regida pela  legislação vigente à época do fato lesivo. 2. “A jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça tem assentado que o exercício de atividade notarial delegada (art. 236, § 1º, da CF/88) deve se dar por conta e risco do delegatário, de modo que é do notário a responsabilidade objetiva por danos resultantes dessa atividade delegada (art. 22 da Lei 8.935/1994)” (AgRg no AREsp 474.524/PE, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 18/06/2014). 3. Agravo interno não provido. (AgInt  no REsp.  1590117/SC, Rel. Ministro SÉRGIO KUKINA, PRIMEIRA TURMA, julgado em 02/10/2018, DJe 09/10/2018).

E ainda:

PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO INDENIZATÓRIA. OMISSÃO. EXISTÊNCIA. PREQUESTIONAMENTO REALIZADO EM VOTO VENCIDO. REGISTRO DE IMÓVEL. ERRO. DANO RECONHECIDO. ILEGITIMIDADE PASSIVA DO ESTADO.  RESPONSABILIDADE SUBSIDIÁRIA. AÇÃO PROPOSTA APENAS CONTRA O ENTE ESTATAL. IMPOSSIBILIDADE. 1. Na hipótese dos autos, a irresignação merece prosperar no que diz respeito à omissão. In casu, o voto vencido no acórdão objurgado fez menção expressa ao disposto no art. 22 da Lei 8.935/94, razão pela qual a matéria se encontra devidamente prequestionada.  2.  Vencida a preliminar, no mérito verifica-se que a tese recursal é procedente. Com efeito, de acordo com a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça, nos casos de danos resultantes de atividade estatal delegada pelo Poder Público, há responsabilidade objetiva do notário, nos termos do art. 22 da Lei 8.935/1994, e apenas subsidiária do ente estatal. Precedentes:  AgRg  no  AREsp  474.524/PE,  Rel.  Min.  Herman  Benjamin, Segunda Turma, DJe 18/06/2014; AgRg no AgRg no AREsp 273.876/SP, Rel. Min. Humberto Martins, Segunda Turma, DJe 24/5/2013; REsp1.163.652/PE, Rel. Min. Herman Benjamin, Segunda Turma, DJe 1º/7/2010. 3.  In  casu, a ação  foi  proposta  exclusivamente  contra  o  Estado,  sem  participação  do Cartório de Registro de  Imóveis diretamente  responsável pelo dano, o que não é possível em razão de a responsabilidade do ente estatal ser subsidiária e não solidária. 4. Embargos de Declaração acolhidos, com efeitos infringentes. (EDcl no REsp 1655852/MG, Rel. Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 05/12/2017, DJe 19/12/2017).

Pela Lei 13.286/2016 e pelos julgados do STJ acima descritos, fica claro observar que a responsabilidade civil dos notários e registradores é objetiva. Porém essa decisão adentrou na área da corte maior do país. Desse modo, o Supremo Tribunal Federal se posicionou de maneira diferente do entendimento até então visto. Sobre essa decisão, apresenta-se o tópico seguinte.

  • DO RECURSO EXTRAORDINÁRIO 842.846/SC

No ano de 2014 houve o reconhecimento de repercussão geral sobre a questão constitucional levantada em recurso extraordinário (RE 842.846/SC) interposto pelo Estado de Santa Catarina, onde o ente estatal alegara que não teria responsabilidade direta pelos danos causados pelos serviços prestados no cartório de registro civil.

No citado caso tem-se no pólo passivo da ação Sebastião Vargas que ajuizou ação de rito ordinário em face do Estado de Santa Catarina buscando ao pagamento de indenização por danos materiais, em decorrência de suposto erro efetuado pelo Cartório de Registro Civil das Pessoas Naturais da Comarca de São Carlos – SC, quando da elaboração de serviços inerentes ao ofício registrador, qual seja, a elaboração da certidão de óbito de sua esposa, o que lhe teria impedido de obter benefício previdenciário junto ao Instituto Nacional do Seguro Social.

Em razão da sentença desfavorável o Estado de Santa Catarina interpôs recurso de apelação. Em suas razões, o referido ente da Federação alegou, preliminarmente, sua ilegitimidade passiva, ao argumento de que a responsabilidade civil por danos decorrentes de atos praticados por cartórios e tabelionatos recairia exclusivamente na pessoa física titular do ofício, não cabendo ao Estado responder por atos de gestão de unidade que não integra a estrutura do ente estatal.

Em sede de apelação, o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, ao desprover o recurso, atribuiu ao Estado a responsabilidade objetiva direta, e não subsidiária, por atos praticados por tabeliães e registradores, por força do art. 37, § 6º, da Constituição da República de 1988. Irresignado, o Estado de Santa Catarina interpôs recurso extraordinário.

O Supremo Tribunal Federal, sob a relatoria do Ministro Luiz Fux, à unanimidade, na época desses fatos, concedeu a responsabilidade civil do Estado diante dos danos causados pelos tabeliães e oficiais de registro, tendo caráter primário, solidário ou subsidiário da responsabilidade estatal.

Em 2019, o Plenário do Supremo Tribunal Federal (STF) reiterou jurisprudência da Corte afirmando novamente que o Estado possui a responsabilidade civil objetiva ao qual deverá ressarcir qualquer prejuízo ocorrido contra outrem na prática feita por tabeliães e oficiais de registro durante a realização de suas atividades. Por decisão majoritária, o colegiado negou provimento ao Recurso Extraordinário (RE) 842846, com repercussão geral reconhecida, e reafirmou ainda que o Estado tem de ajuizar ação de regresso contra o responsável pelo dano, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa.

Na sessão extraordinária realizada no dia 27 de fevereiro, o relator (ministro Luiz Fux), deu o seu voto no sentido de negar provimento ao recurso para manter o acórdão do TJ-SC e reconhecer que o Estado responde objetivamente pelo dano, assegurado o direito de regresso em caso de dolo ou culpa. O mesmo entendimento teve o ministro Alexandre de Moraes (STF, 2019).

Em posicionamento divergente ao do relator, o ministro Edson Fachin votou pelo provimento parcial do recurso. Em seu entendimento, o Estado nesses casos possui apenas a responsabilidade subsidiária. Para esse ministro, deve-se aplicar a tese da possibilidade de serem conjuntamente pleiteados os danos em desfavor tanto do tabelião quanto do Estado, mas conservando, no caso concreto, a sentença de procedência (STF, 2019).

Ainda no campo dos votos, o ministro Luís Roberto Barroso adotou uma terceira via para o julgamento da matéria. O ministro entendeu que tanto a responsabilização do Estado quanto a dos tabeliães e registradores deve ser subjetiva. No entanto, como esclareceu o ministro, não se pode atribuir o ônus da prova exclusivamente para o demandante. Por conta, ele propôs uma reavaliação do ônus da prova, para que isso não configura uma desigualdade entre o particular e o cartório (STF, 2019).

As ministras Rosa Weber e Cármem Lúcia acompanharam o posicionamento do relator. Esta última ainda destacou que “tirar do Estado a responsabilidade de reparação deixaria o cidadão desprotegido, pois caberia a ele a incumbência de comprovar a culpa ou dolo do agente”. [2]

Assim como ocorreu com as ministras acima citadas, os ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes, acompanharam a corrente majoritária, observando ainda que é obrigação do Estado ajuizar ação de regresso em caso de dolo ou culpa, quando for responsabilizado (STF, 2019).

Do mesmo modo, o decano do STF, ministro Celso de Mello e o ministro Dias Toffoli, até então presidente do STF, também corroboraram com a corrente majoritária. Por fim, o ministro Marco Aurélio foi o único a votar pelo provimento integral do recurso. Para ele, o responsável pelos danos causados a terceiros deve ser o cartório, por entender que os serviços realizados dentro desses estabelecimentos são feito em caráter privado. Por essa razão, a responsabilidade do Estado é apenas subjetiva, no caso de falha do Poder Judiciário em sua função fiscalizadora da atividade cartorial (STF, 2019). Tendo os votos majoritários impostos, o Plenário aprovou a seguinte tese para fins de repercussão geral:

O Estado responde, objetivamente, pelos atos dos tabeliães e registradores oficiais que, no exercício de suas funções, causem dano a terceiros, assentado o dever de regresso contra o responsável, nos casos de dolo ou culpa, sob pena de improbidade administrativa. (STF. Plenário. RE 842846/RJ, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 27/2/2019 – repercussão geral) (Info 932).

Portanto, com base nessa repercussão geral apontada pela Corte maior, os danos causados pelos notários e registradores são de responsabilidade objetiva do Estado. Em que pese essa decisão, alguns efeitos são encontrados, como mostra o tópico seguinte.

 

  1. CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS

Estabelecido pelo Supremo Tribunal Federal que é o Estado o responsável direto pelos danos causados pelos notários e registradores, há a discussão do impacto dessa decisão na prática, ou seja, a eficácia desse entendimento jurisprudencial.

O primeiro questionamento é em relação à cobrança pela indenização. No caso, pode-se citar como exemplo a existência da possibilidade de Maria (nome fictício) ajuizar uma ação diretamente contra o registrador ou se é necessário que ela deva primeiro acionar o Estado.

O Supremo Tribunal Federal ainda não discutiu expressamente esse tema. No entanto, em se tratando de atos praticados por servidores públicos, vigora, no STF, a teoria da dupla garantia. Sobre essa teoria, entende-se que o terceiro deve apenas pleitear ação contra o Estado (Poder Público). Em caso de condenação, aciona-se o servidor causador do dano (CAVALCANTE, 2020).

Apesar da existência dessa teoria, o STF ainda não a trouxe em fórum de discussão sobre sua aplicabilidade aos titulares das serventias extrajudiciais. Na opinião de Cavalcante (2020) a vítima deve ajuizar ação de indenização contra o notário ou registrador antes mesmo do Estado. Para esse doutrinador, não há de se falar nessa tese, devido ao fato de que os titulares das serventias extrajudiciais não são servidores públicos.

De acordo com o supracitado autor, num esclarecimento sobre essa situação, apresenta-se o quadro abaixo:

Quadro 1 – Ação de indenização proposta por pessoa que sofreu dano em razão de ato de notário ou registrador

Se for proposta contra o Estado: Se for proposta contra o tabelião ou registrador:
Responsabilidade objetiva.

Prazo prescricional: 5 anos.

Receberá por precatório ou RPV.

Responsabilidade subjetiva

Prazo prescricional: 3 anos

Receberá por execução comum.

Fonte: Cavalcante (2020).

 

Outra questão decidida que é importante mencionar é a Ação de Regresso. Nesse ponto, ficou entendido que se o Estado for condenado e pagar a indenização à vítima, ele tem o dever de cobrar de volta do tabelião ou registrador o valor que pagou (STF, 2019).

De outro modo, após o pagamento do valor indenizatório, o Estado deve, obrigatoriamente, pleitear ação de regresso em desfavor daquele causador do dano. Caso contrário, os agentes públicos responsáveis por isso (exs: Governador, Procurador-Geral do Estado, Secretário de Fazenda, etc.) poderão responder por ato de improbidade administrativa (CAVALCANTE, 2020).

Menciona-se ainda que na ação de regresso, o Estado para ser indenizado tem de comprovar que o tabelião ou registrador atuou de forma dolosa ou culposa. Sendo assim, a responsabilidade civil dos notários e registradores é agora subjetiva.

Corroborando com a decisão tomada, Velasques (2019, p. 02) defende que há vantagens na adoção da teoria da responsabilidade objetiva do Estado, pois preservaria os direitos do cidadão, “que fica dispensado de demonstrar a culpa, bastando a comprovação do dano, da atuação estatal e do nexo causal para declarar a obrigação do Estado em indenizar”.

Para Loureiro (2018, p. 23) esse entendimento evitaria que “o agente público delegado responda com seu patrimônio pessoal por atos praticados no desempenho de suas funções públicas”. Nesse mesmo caminho, Sardinha (2019, p. 139) aduz que “seria uma forma de evitar o temor de virem a produzir danos e serem responsabilizados pessoalmente por sua atuação, sem que o interesse público deixe de ser resguardado, considerando que, se houver culpa ou dolo do agente, caberá ação regressiva”.

Por fim, com base na decisão já explanada, houve outro efeito, principalmente no campo processual. Pelo julgamento do Recurso Extraordinário n° 842.846 ficou estabelecido que as indenizações são de total responsabilidade do Estado, retirando dos cofres públicos tais valores a serem pagos pela fazenda pública.

O texto constitucional que prevê os pagamentos de compensações pela fazenda pública é feitos através de precatórios que tem seu rito e exigências estabelecidos também na Constituição, mais precisamente em seu artigo 100.

Como já dito, a Fazenda Pública tem a obrigação de pagar essas dívidas, incluindo-as na LOA (Lei Orçamentária Anual) do próximo exercício fiscal. Com isso, é possível fazer o levantamento de todos os valores necessários para arcar com as despesas da administração pública do próximo ano e fazer uma estimativa de gastos e de quanto é preciso arrecadar e economizar na gestão do município, Estado ou do Governo Federal (EPB, 2020).

O caminho para receber um precatório no Brasil é complicado e demanda bastante tempo. Tanto tempo que muitas vezes pode ser até mais longo e desgastante que a própria ação judicial que fez nascer o direito ao crédito.

O Brasil segue com uma fila extensa de precatórios a serem cumpridos, estima-se cerca de 5 a 10 anos para que o pagamento de precatórios seja realizado, tornando a tutela satisfativa demorada.

Ainda que haja um prazo de pagamento pré-determinado no texto constitucional, na prática diversos governos não vêm cumprindo com as suas obrigações financeiras de pagamento. O resultado desse atraso é o surgimento de enormes filas. A título de exemplo, alguns Estados ainda estão pagando os precatórios expedidos no começo da década passada (DUARTE, 2019).

Na medida em que essas dívidas judiciais crescem, na mesma proporção cresce as dificuldades dos Governos para quitá-las. Essa situação faz com que o pagamento de precatórios no Brasil se torne um problema de ordem pública.

Diante desse cenário, com a decisão proferida pelo STF traria um acúmulo de precatórios ao Estado, por conta dos erros cometidos pelos notários. Com o aumento de precatório, também traria mais despesas aos orçamentos federais.

Nesse sentido, um ponto negativo dessa nova decisão é justamente no que se refere ao pagamento da indenização à terceiro em caso de erro de notários. Com a responsabilidade do Estado agora é objetiva, cabe a ele o pagamento inicial. Portanto, gerará um aumento nas despesas públicas.

A crítica que esse estudo faz é justamente em relação a esse momento. Uma vez que o erro ocorrido em um cartório é praticado por um notário, por exemplo, a responsabilidade pelo dano causado é primeiramente o Estado. Desse modo, o Estado estaria ‘pagando’ pelo erro de um terceiro. Isso traria ainda mais despesas aos cofres públicos. Além disso, o prejudicado demoraria anos para poder ser ressarcido, mostrando que essa decisão, nesse ponto específico, não tem o efeito desejado.

Diante disso, esse estudo caminha juntamente com o entendimento firmado pela Corte maior no sentido de que a responsabilidade por danos causados por notários e registrados é objetivamente do Estado. Cabe salientar que não se defende a ideia de que o notário, por exemplo, fuja de sua responsabilidade ao dano, mas que de forma sumária o Estado assuma essa responsabilidade, devendo em ação de regresso penalizar o profissional causador direto do dano.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As serventias extrajudiciais são uma alternativa para a efetivação do direito de acesso à justiça. Inúmeras ações e procedimentos migraram da seara judicial para os ofícios notariais e registrais, especialmente quando não houver litígio, como é o caso de separações, divórcios, inventários, alterações de nome, celebração de acordos, mediação, conciliação e uma infinidade de outros atos relevantes. Desse modo é evidente que há uma importância social nessas funções.

A discussão que recaiu esse estudo se deu em relação à responsabilidade civil dos agentes notários e registrados nos danos que causar à terceiros. Com base na Lei nº 13.286/2016 essa responsabilidade recairia objetivamente a esses profissionais.

Contudo, como mostrado nesse estudo, a Corte Suprema reafirmou sua jurisprudência quanto ao tema, ao aplicar a teoria da responsabilidade civil objetiva  em relação ao Estado e considerar que os notários e registradores somente responderão se tiverem agido com dolo ou culpa, em ação de regresso.

Essa decisão se mostrou acertada e bastante significativa, pois sana quaisquer dúvidas sobre essa matéria. Assim, fixada a tese, notários e registradores deverão responder por eventuais danos que vierem a causar, no exercício de suas atividades, em ação regressiva, considerada compulsória, sob pena de improbidade administrativa do representante judicial do Estado que não propuser a demanda regressiva.

Reafirmando, a decisão tomada pelo STF é válida, porque ao mesmo tempo em que coloca o Estado como responsável pelos danos à terceiros também o faz ao penalizar os notários e registrados, prevendo a ação de regresso. Ou seja, ambas as partes (Estados e servidores) não irão ficar sem serem responsabilizados pelos danos provocados, mantendo assim, o equilíbrio social e jurídico.

 

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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[1] Resp 1.377.074/RJ. Primeira Turma do STJ. Relatoria: Ministro Benedito Gonçalves. Julgado em 16.02.2016.

[2] Disponível em: http://portal.stf.jus.br/processos/downloadPeca.asp?id=15340792309&ext=.pdf. Acesso em: 12 set. 2020.

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