Uma proposta de visão integral do conceito de direitos fundamentais

Sumário: 1. Introdução; 2. O debate a respeito dos direitos fundamentais; 3. Transito à modernidade; 4. A questão da integralidade do conceito dos direitos fundamentais; 4.1. As gerações históricas dos direitos fundamentais; 4.2. As dimensões dos diretos fundamentais; 5. Visões equivocadas dos direitos fundamentais. 6. Considerações finais; Referências. Notas.


1. Introdução.


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A explicação do conceito integral dos direitos fundamentais faz-se necessária e urgente em nossa sociedade atual. Nas últimas décadas temos assistido a proliferação de um sem fim de teorias que negam os direitos fundamentais das mais variadas origens, algumas até concebidas em bases pouco sólidas, oportunistas da ignorância endêmica vigente, e fundamentadas em preconceitos sejam raciais, classistas ou de outras origens. Algumas causam danos enormes em sociedades periféricas como a nossa. A teoria neoliberal, por exemplo, que não aceita os direitos sociais como direitos fundamentais, desde a falsificação da história e da desconsideração da árdua e extensa luta por melhores condições de vida dos trabalhadores, e se fundamenta na superação da ética pela economia. O ser humano deveria, antes de qualquer coisa, optar pela ética, por um mundo mais humano, e não pela economia que radicalmente desumaniza a sociedade, segundo palavras do professor Antonio Pérez Luño (1996, p. 35-38). A construção teórica de uma visão integral dos direitos fundamentais é uma importante investigação que visa uma eficaz elaboração de argumentos favoráveis ao conceito integral dos direitos fundamentais, desde suas características éticas, jurídicas e sociais.


O objetivo do presente trabalho é apresentar, preliminarmente (uma vez que voltaremos em outras oportunidades ao tema), algumas questões que compõe a proposta de visão integral dos direitos fundamentais, desde as obras dos professores espanhóis Gregorio Peces-Barba e Antonio Pérez Luño, respectivamente da Universidad Carlos III de Madrid e da Universidad de Sevilla.


É indiscutível a importância dos direitos fundamentais no contexto do Direito atual. As normas constitucionais definidoras de Direitos (direitos fundamentais) são o coração e a cabeça das atuais constituições ocidentais. Estamos em plena era do pós-positivismo ou neoconstitucionalismo, como preferem alguns, e os vetores que regem todo o sistema de normas são valores de direitos fundamentais. Já é hora de colocar os direitos fundamentais em seu devido lugar: como disciplina autônoma nos currículos das universidades brasileiras, não somente nos cursos de Direito, e colocá-los em pauta em diversos debates – principalmente naqueles dirigidos a um maior número de cidadãos possível –. Sobre a mídia aberta ao grande público é correto dizer que quem financia a baixaria é contra a cidadania, reproduzindo aqui o refrão título da respectiva campanha pela valorização dos direitos humanos na televisão da Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara dos Deputados, mas também é correto dizer que quem ignora o que são os direitos fundamentais constitucionais, não sabe o quê vem a ser a cidadania.


Agradeço o gentil convite do professor Dr. Miguel Antonio Silveira Ramos para participar do Seminário de Direito Constitucional do site Âmbito Jurídico e da Universidade Federal do Rio Grande. É sempre um prazer poder dissertar sobre os direitos fundamentais.


2. O debate a respeito dos direitos fundamentais.


Sem nenhuma dúvida, um dos principais temas de interesse no debate jurídico contemporâneo é o relacionado aos direitos fundamentais ou direitos humanos[1] . Se percorrermos as principais revistas especializadas e outros meios de difusão da cultura jurídica procurando avaliar o interesse dedicado ao tema, perceberemos já em um primeiro olhar não só sua extrema atualidade, como também sua riqueza, diversidade e imponência. Os direitos fundamentais são objeto de um sem fim de elucidações da teoria jurídica contemporânea; e a importância do seu debate necessita de um grande número de especialistas pesquisadores dos mais diversos ramos do saber para abarcar os seus infinitos desdobramentos.


Em nosso país, ainda que quantitativamente são muitos os estudos no tema dos direitos fundamentais, pensamos que não é devidamente dada a importância que tem o assunto, principalmente devido à relevância da matéria para o desenvolvimento de determinados valores em nossa sociedade – infelizmente desprezados – e à riqueza do texto constitucional de 1988 no que se refere aos direitos[2]. Infelizmente a fundamentação dos direitos fundamentais em nosso meio está muito relegada ao contexto da teoria liberal, esquecendo-se da evolução dos direitos desde as teorias socialistas e democráticas. Parece que existe um receio ou um preconceito quanto à perspectiva socialista dos direitos, ou mesmo ao contrário quanto à perspectiva liberal pelos defensores do socialismo. Já é hora de dar fim aos preconceitos ideológicos, pois ambas ideologias estão na base dos direitos fundamentais, ou de uma visão integral dos mesmos. Segundo esta visão integral os direitos fundamentais são transideológicos. Além do que é evidente a distância entre a prática e a teoria com relação à realidade dos direitos fundamentais em nossa sociedade. Da mesma maneira é de fácil constatação, por qualquer cidadão minimamente instruído, que existe uma enorme discrepância, um abismo, entre a realidade social e os textos positivos referentes aos direitos fundamentais em nossa nação. Esse abismo existente, certamente devido a muitos fatores, deveria ser considerado um dos mais urgente objeto de estudo em nossa universidade.


E em 1987 em uma conferência no Instituto de Direitos Humanos da Universidade Complutense de Madrid, o jusfilósofo italiano Noberto Bobbio expôs que:


“Refletindo sobre o tema dos direitos do homem, pareceu-me poder dizer que ele indica um sinal de progresso moral da humanidade. Mas é esse o único sentido? Quando reflito sobre outros aspectos de nosso tempo –por exemplo, sobre a vertiginosa corrida armamentista, que põe em perigo a própria vida na terra -, sinto-me obrigado a dar uma resposta completamente diversa. (…) O progresso para Kant, não era necessário. Era apenas possível. Ele criticava os “políticos” por não terem confiança na virtude e na força da motivação moral, bem como por viverem repetindo que “o mundo foi sempre assim como vemos hoje”. Kant comentava que, com essa atitude, tais “políticos” faziam com que o objeto de sua previsão – ou seja, a imobilidade e a monótona repetitividade da história – se realizasse efetivamente. Desse modo, retardavam propositalmente os meios que poderiam assegurar o progresso para melhor. Com relação às grandes aspirações dos homens de boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito tempo a perder.” (BOBBIO, 1992, p. 64)


Aqui claramente Bobbio faz alusão a que devemos fundamentar os direitos fundamentais, que a história não é uma repetição de fatos como querem alguns e que o homem pode transformar sua realidade através do respeito aos direitos fundamentais. Também dito texto de Bobbio nos remete ao que o professor Nicolás López Calera sempre insistiu, tanto em sala de aula com em sua obra, que o índice de respeito aos direitos humanos servem de parâmetro, de medidor, da evolução de um povo, do real desenvolvimento de uma nação (LOPÉZ CALERA, 1997, p. 206). Fato tão esquecido ou deixado de lado em nossa atualidade e que também na opinião do professor de Granada deveria ser um dos temas centrais do debate universitário (LOPEZ CALERA, 1980-1981, p. 40).


Dessa maneira, uma grande variedade de temas é relevante para que se possa entender a distância entre o Direito positivo e a realidade social em que se encontram os direitos fundamentais em nosso país. Seguramente podemos constatar três eixos temáticos importantes que estão na base da questão: conhecer a origem dos direitos fundamentais, delimitar o conceito dos mesmos, assim como conhecer a formação de nossa sociedade. Conhecer, aqui dito, no sentido de fazer um estudo aprofundado dos temas, não para impor como verdade absoluta, mas sim com o intuito de dar elementos para que o cidadão possa optar ou não pelos valores dos direitos fundamentais. Algo que não ocorre em nossa sociedade, pois não é dada a opção para o cidadão comum conhecer o que realmente significam os direitos fundamentais (exatamente no sentido contrário ao espírito do art. 205 da atual Constituição da República Federativa do Brasil – doravante CRFB/88 – “A educação […], será promovida e incentivada […], visando ao pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”). A não opção pelos direitos fundamentais é justificada pela adoção de algumas teorias negadoras dos mesmos; ainda que a própria teoria geral dos direitos fundamentais aceite que o direito de discrepar do consenso dos direitos é um direito fundamental de liberdade, já que uma das máximas da liberdade de opinião se resume na seguinte frase: eu luto para que você tenha o direito de discordar de mim.


Em nossa opinião as origens e a fundamentação dos direitos humanos se confundem. Devem-se estudar as origens dos direitos humanos exatamente para fundamentá-los. Estudando suas origens históricas estamos fundamentando e vice-versa[3].  Isso porque os direitos humanos podem ser considerados através de seus processos de evolução, como veremos, suas linhas de evolução que vão gerar as conhecidas três gerações de Direitos fundamentais no lema de Revolução Francesa: liberdade, igualdade e fraternidade.


3. Trânsito à modernidade: o inicio da mudança de paradigma.


Os direitos fundamentais são conquistas históricas da humanidade, e somente foram possíveis a partir de uma série de acontecimentos marcantes que levaram a uma mudança na estrutura da sociedade e na mentalidade do ser humano. Com relação a estas conquistas históricas e acontecimentos, nos parece de extrema importância os parâmetros estabelecidos pelo professor Gregorio Peces-Barba, uma vez que eles são fundamentais para o estudo dos mesmos. Para o professor espanhol os direitos fundamentais são um conceito histórico do mundo moderno que surge progressivamente a partir do trânsito à modernidade.


Com relação à expressão transito à modernidade, o professor Gregorio Peces-Barba (1982, p. 2-4) justifica sua utilização devido à ambigüidade do termo Renascimento. Por este motivo, prefere então o autor espanhol o uso, muito menos comprometedor, da expressão trânsito à modernidade (transito a la modernidad) que caracteriza sua tese de que os direitos fundamentais são um conceito da modernidade[4]. Diz o autor espanhol: “(…) o trânsito à modernidade é um momento revolucionário, de profunda ruptura, mas ao mesmo tempo importantes elementos de sua realidade já se anunciavam na Idade Média, e outros elementos tipicamente Medievais sobreviveram ao fim da Idade Média, neste trânsito à modernidade e até o século XVIII, aparecerá a filosofia dos direitos fundamentais, que como tal, é uma novidade  histórica  do mundo moderno, que tem sua gênese no trânsito à modernidade, e que, por conseguinte, participa de todos os componentes desse trânsito já sinalizados, ainda que sejam os novos, os especificamente modernos, os que lhe dão seu pleno sentido”[5]. (PECES-BARBA, 1982, p. 4).


Exatamente no aludido período histórico nascerá uma nova mentalidade que preparará o caminho para o surgimento de um novo homem e de uma nova sociedade que brotará progressivamente até a positivação das demandas jusnaturalistas dos direitos do homem nos documentos das chamadas revoluções burguesas.


Dentre as linhas de evolução dos direitos fundamentais, como veremos, desenvolvidas pelo professor Gregorio Peces-Barba estariam os processos de positivação, de generalização, de internacionalização e de especificação. Antes, porém, do início do processo de positivação, ou melhor, do primeiro processo de positivação levado a cabo com as revoluções burguesas do século XVIII, nos parece acertado e didático falar em um anterior processo de evolução que seria o qual chamamos de processo de formação do ideal dos direitos fundamentais. Esse processo de evolução estaria diretamente relacionado com a fundamental pergunta da filosofia dos direitos fundamentais que seria: qual deve ser seu conteúdo? Essa seria, em nossa opinião, a terceira pergunta fundamental relativa aos direitos, uma vez que a primeira e segunda respectivamente seriam: o por quê (?) e o para quê (?) dos direitos fundamentais (PECES-BARBA, 1995, p. 101-112).


Quanto à segunda pergunta do para quê dos Direitos Fundamentais encontramos resposta na leitura dos documentos de Direitos Humanos, seja a Declaração Universal de Direitos Humanos, ou de Direitos Fundamentais, seja a Constituição da República Federal do Brasil de 1988 ou qualquer outra constituição dos países democráticos do ocidente. Quanto à terceira pergunta, qual de ser seu conteúdo?, também pode ser respondida com a leitura dos documentos de Direitos Humanos e Direitos Fundamentais, fazendo-se a ressalva de que os Direitos Humanos podem modificar-se através dos tempos como podemos ver com o advento de novas necessidades e com o fenômeno dos novos direitos. Interessante ver essa questão com o estudo do Processo de formação do ideal ou da idéia dos Direitos Fundamentais, que é um processo que existe desde o início e que jamais deixará de existir uma vez que os Direitos Fundamentais não são um conceito estático, imutável ou absoluto e muito pelo contrário trata-se de um fenômeno que acompanha a evolução da sociedade, das novas tecnologias, e as novas necessidades de positivação para proteger a dignidade humana, a liberdade, a igualdade e fazer da solidariedade uma realidade entre todos.


A grande pergunta, e mais difícil de responder (e que não deve ser confundida com a questão prática do para quê dos direitos) da Filosofia dos Direitos Fundamentais é a do por quê dos Direitos Fundamentais. Por que devem ser respeitados os Direitos Fundamentais? Essa resposta é o conteúdo da própria a fundamentação dos Direitos Fundamentais, ela vai unida ao conhecimento de sua história, sua evolução, seus processos de evolução e do seu conceito. Diz o professor Peces-Barba que se cruamente não fundamentamos, não justificamos moralmente os Direitos Fundamentais, os mesmos seriam uma força sem moral; e os Direitos Fundamentais somente como moral, como querem entre outros os atuais seguidores de um Direito Natural contemporâneo, seria uma moral sem força (PECES-BARBA, 1995, p. 104-105).


4. A questão da integralidade do conceito dos direitos fundamentais.


Para a análise da questão da integralidade do conceito dos direitos fundamentais faz-se imprescindível partir desde duas perspectivas básicas: uma primeira perspectiva quanto aos processos de evolução e suas respectivas gerações históricas dos direitos; uma segunda quanto às suas dimensões desde uma visão integral do conceito que considere suas três dimensões: a ética, a jurídica e a social.


4.1. As gerações históricas dos direitos fundamentais.


As gerações dos direitos fundamentais, dependendo do autor podem ser três, quatro ou até cinco. Nossa preferência é pela divisão mais tradicional que em principio está exposta em três gerações nos moldes da divisão apresentada por Karel Vasak (1984, p. 837-839), que foi quem criou o termo “gerações de direitos” em 1979. Ditas gerações foram muito bem complementadas por Norberto Bobbio (1992, p. 5-7) e atualmente excelentemente desenvolvida e defendida pelo professor Antonio-Enrique Pérez Luño (2006, p. 25-48). Seriam elas as seguintes: primeira geração-dimensão: direitos civis e políticos – direitos de liberdade; segunda geração-dimensão: direitos econômicos, sociais e culturais – direitos de igualdade; terceira geração-dimensão: direitos difusos – direitos de solidariedade; e uma para alguns autores mais duas gerações, uma quarta e uma quinta, que são respectivamente as referentes à bioética e as novas tecnologias da informação, que Pérez Luño inclui ainda na terceira geração. Sobre a divisão em cinco gerações é interessante consultar a obra do professor da Universidade Federal de Santa Catarina Antonio Calos Wolkmer (2003. p. 1-30).


Uma das sugestivas contribuições do professor Gregorio Peces-Barba (1995, p. 146-198) à teoria dos direitos fundamentais, entre tantas, consiste no estudo das chamadas linhas de evolução dos direitos que são relatadas nos processos de positivação, de generalização, de internacionalização e de especificação. O estudo das linhas de evolução dos direitos fundamentais é de basilar importância para o entendimento das gerações dos mesmos. Para ajudar no entendimento do fenômeno histórico dos direitos fundamentais, incluímos didaticamente entre os referidos processos de evolução um anterior, e ao mesmo tempo diacrônica, por nós chamado processo de formação do ideal dos direitos fundamentais (GARCIA, 2005, 417-450). Estas linhas de evolução serão importantíssimas para se entender o contexto histórico, sobretudo a situação política, social e jurídica, do aparecimento das respectivas gerações de direitos fundamentais. De cada processo de evolução serão positivadas uma geração de direitos ou, como no caso dos dois últimos dois, surgirão novas esferas de defesa dos direitos, como no caso do processo de internacionalização – evidentemente a esfera internacional – e no caso do processo de especificação, além da positivação dos chamados “novos direitos” e dos “novíssimos direitos”, também surgirá uma nova esfera: a da pós-modernidade que se resume em direitos transfronteiriços, transnacionais e transindividuais, que traduzem as novas perspectivas do direito contemporâneo. Muitas críticas já se fizeram às gerações de direitos, aqui não é o espaço para discuti-las amplamente, mas o entendimento das gerações, tendo-se em conta o constante processo de formação e transformação do ideal dos direitos, deve levar em conta algumas questões básicas como um juízo favorável e positivo dentro de seu contexto histórico de suas três fontes ideológicas e históricas: as teorias liberal, socialista e democrática, e suas constantes transformações em direção às novas necessidades de proteção da dignidade humana.


O processo de positivação será marcado pela passagem da discussão filosófica ao Direito positivo. O processo de formação do ideal dos direitos fundamentais, anterior ao de positivação, será marcado por transformações políticas, sociais, econômicas e culturais da sociedade no trânsito à modernidade e como conseqüência das reivindicações dos livres pensadores que irão fundar o Direito Natural Racionalista, revolucionário em sua essência[6], e o Iluminismo. Estas primeiras reivindicações serão pela separação da ética pública da ética privada e conseqüentemente pela separação do Estado da religião, pela tolerância religiosa, pela humanização do direito penal e do processo penal e um pouco depois pela limitação do poder do Estado.  Com dito processo os Direitos de primeira geração (direitos de liberdade), traduzidos como direitos civis e políticos ou liberdades públicas, de cunho individualista e que serão Direitos do cidadão ante o Estado, de não atuação do Estado, Direitos de abstenção do Estado. Os primeiros documentos serão frutos das Revoluções liberais ou revoluções burguesas como o Bill of Rights inglês de 1689, as Declarações norte-americanas de Direitos de 1776 (especialmente e Declaração de Independência e a Declaração da Virginia) e a Declaração de Diretos do Homem e do Cidadão promulgada pela Assembléia Nacional francesa em 26 de agosto de 1789, entre outras. As liberdades positivadas inicialmente como conseqüência das chamadas revoluções burguesas, atualmente são direitos reconhecidos em todas as constituições dos países democráticos do mundo ocidental e, lógica e felizmente, catalogados em nosso atual texto constitucional no artigo 5º de excelente redação pela Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988.  A liberdade que dignifica a pessoa humana será seu signo e fundamento. Como bem recorda o professor Antonio Pérez Luño (2006, p. 28), este desenvolvimento histórico gerará o Estado Liberal de Direito que caracterizará o século XIX de nossa era.


O processo de generalização significará a reivindicação típica do século XIX da extensão do reconhecimento e proteção dos direitos de uma classe a todos os membros de uma comunidade como conseqüência da luta pela igualdade real. Assim serão positivados somente no início e mediados do século XX os direitos sociais ou de Direitos de segunda geração. Uma das características da crítica ligeira e pouco aprofundada às gerações dos direitos fundamentais é no sentido de que eles são fechados, estanques e historicamente irreais. Ora, no processo de generalização serão reivindicados e posteriormente positivados alguns direitos de liberdade, como as liberdades de reunião e de associação, proibidas com a chegada dos burgueses ao poder para impossibilitar a organização dos trabalhadores (proibição imposta pela Lei Chapellier de 1791, vigente quase um século na França, por exemplo). Também, além das liberdades citadas, serão reivindicados alguns direitos políticos, ou a melhoria e generalização de alguns direitos políticos, como a universalização do sufrágio. Então podemos afirmar que entre os direitos de segunda geração além dos direitos econômicos, sociais e culturais, mais caracteristicamente vinculados a essa época, também podem ser incluídas as liberdades de associação e de reunião, o sufrágio universal com o qual o trabalhador e todos os demais membros da sociedade poderão participar do jogo político. Direitos de liberdade, direitos igualdade e direitos políticos se comunicam em todas as gerações, uma vez que não são estanques, no sentido de que não são estagnados. Uma geração não supera a outra, como querem alguns críticos, uma geração trás novos elementos aos direitos fundamentais e complementa a anterior geração. Os direitos de segunda geração são os de igualdade e na sua essência são os direitos econômicos, sociais e culturais, como direitos de exigir prestação do Estado. São os direitos do trabalhador a condições dignas de vida, de trabalho, de saúde, de educação, e de proteção social. Foi a coletividade que assumiu a responsabilidade de atendê-los, mas o titular continua sendo o homem na sua individualidade. Como exemplos históricos temos documentos como a Constituição mexicana 1917; a Constituição alemã de Weimar de 1919; a Constituição republicana espanhola de 1931, a Constituição brasileira de 1934, entre outras. Atualmente são direitos também reconhecidos nas constituições dos países democráticos do mundo ocidental e catalogados em nosso atual texto constitucional nos artigo 6º a 11, também de excelente redação pela Assembléia Nacional Constituinte de 1987-1988.  A igualdade, como estabelecimento de uma ordem mais justa que deverá dignificar a pessoa humana, será seu signo e fundamento. Como bem recorda o professor Antonio Pérez Luño (2006, p. 28), este desenvolvimento histórico gerará o Estado Social de Direito, estado de bem estar social, que caracterizará a excelente experiência dos paises europeus mais desenvolvidos do século XX de nossa era.


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O seguinte processo será o de internacionalização, que ainda está em fase embrionária e por isso incompleto, ademais de ser de difícil realização prática, implica na tentativa de internacionalizar os direitos humanos e que ele esteja por cima das fronteiras e abarque toda a Comunidade Internacional. Não gera nenhuma nova geração de direitos e sim uma nova esfera de defesa dos direitos: a internacional. Ainda que em teoria exista um interessante sistema de proteção internacional dos direito humanos (ONU) e dois regionais (OEA e Conselho de Europa), a realidade não nos deixa, infelizmente crer na efetividade dos mesmos pela inexistência de democracia nas relações internacionais entre os Estados e pela ausência de um poder superior aos Estados que possa verdadeiramente aplicar efetivamente os Direitos. Por motivos certamente evidentes, somente o sistema regional europeu de proteção dos direitos humanos tem funcionado com verdadeira eficácia[7].


Última linha de evolução dos direitos fundamentais, o processo de especificação pelo qual se considera a pessoa em situação concreta para atribuir-lhe direitos seja como titular de direitos como criança, idoso, como mulher, como consumidor, etc, ou como alvo de direitos como o de um meio ambiente saudável ou à paz. Também chamado de direitos difusos ou “novos direitos”. São os Direitos de terceira geração. Direitos de fraternidade no sentido contemporâneo de solidariedade, também chamados de direitos coletivos e difusos. Os “novos direitos” transindividuais provenientes do processo de especificação, são especificados em dois níveis: Em primeiro lugar quanto ao conteúdo: direito a um meio ambiente saudável e direito à paz, entre os considerados “novos direitos”; além dos “novíssimos direitos” referentes à biotecnologia, à bioética e à regulação da engenharia genética; e dos outros “novíssimos direitos” advindos das tecnologias de informação (intenet) e do ciberespaço (cibercidadania, no dizer do professor Pérez Luño -¿Ciberciudadanía o ciudadanía.com? Barcelona: Gedisa, 2004, 142 p.). E em segundo lugar especificados quanto ao titular: direito do consumidor; direito da criança e do adolescente; direito da mulher, direito do idoso, direito dos índios. A solidariedade (fraternidade) tão necessária para questões essenciais do mundo atual e que dignifica a pessoa humana será seu signo e fundamento. Como bem recorda o professor Antonio Pérez Luño (2006, p. 35-42), este desenvolvimento histórico gerará um novo Estado de Direito com novas formas de exercer a cidadania e que caracterizará o século XXI de nossa era.


Na defesa da divisão dos direitos fundamentais em gerações, diz o professor Pérez Luño (2006, p. 42-43): “Uma concepção geracional dos direitos humanos implica, em suma, reconhecer que o catálogo das liberdades nunca será obra fechada e acabada”. Segue o professor da Universidade de Sevilha: “Uma sociedade livre e democrática devera mostrar-se sempre sensível e aberta ao aparecimento de novas necessidades, que fundamentem novos direitos”. E sobre a fase em que eles ainda não são positivados diz que “Enquanto esses direitos não tenham sido reconhecidos pelo ordenamento jurídico nacional e/ou internacional, atuaram como categorias reivindicativas, pré-normativas e axiológicas”. Exatamente essa será a dimensão do processo de formação do ideal dos direitos que é constante e inacabado em nome da dignidade do ser humano e da “irrenunciável dimensão utópica” (idibem) dos direitos fundamentais que dá legitimidade aos mesmos.


4.2. As dimensões dos diretos fundamentais.


Os direitos fundamentais visando sua efetiva realização teriam seu conceito calcado em três características principais, uma relacionada com sua validade (fundamento-legitimidade), com sua vigência (positividade-legalidade) e com as práticas sociais (eficácia ou efetividade).  Estas seriam as três dimensões dos direitos fundamentais: uma ética, uma jurídica e outra social.


4.2.1. A dimensão ética: Direitos fundamentais como uma pretensão moral justificada.


Em primeiro lugar devemos ver a dimensão ética do fenômeno, uma vez que os direitos fundamentais são uma pretensão moral justificada. Os direitos fundamentais devem ser, ou devem partir de uma pretensão moral que esteja justificada na dignidade da pessoa humana – seu pilar principal -, na igualdade, na liberdade e na solidariedade humana – seus outros três pilares de sustentação -. Dito em outras palavras: os direitos fundamentais devem estar fundamentados em alguns valores básicos que foram se formando a partir da modernidade. Nos dizeres de Peces-Barba (1995, p. 109):


“Uma pretensão moral justificada, tendente a facilitar a autonomia e a independência pessoal, enraizada nas idéias de liberdade e igualdade, com matizes que aportam conceitos como solidariedade e segurança jurídica e construída pela reflexão racional na história do mundo moderno, com as contribuições sucessivas e integradas da filosofia moral e política liberal, democrática e socialista.”


Essa explicação da pretensão moral justificada é exatamente a fundamentação teórica do por que dos direitos fundamentais. Algo que seja contrario a dignidade da pessoa humana, ou a liberdade e a igualdade entre todos não poderá ser justificado como possível futuro direito fundamental. Um direito fundamental somente como pretensão moral justificada, sem ser norma positivada seria ainda um direito natural[8]. Essa pretensão moral justificada deve ser, portanto, positivada para ser um direito fundamental; uma vez que os direitos fundamentais devem de ter a possibilidade ou estar previstos em um texto legal. Assim estamos considerando duas das dimensões de seu conceito integral: o conceito ou visão integral dos direitos fundamentais pode ser compreendido, em primeiro lugar, sob dois pontos de vista ou dimensões: uma dimensão ética, que se traduz no caminho para fazer possível a dignidade humana e a consideração de cada ser humano como pessoa moral, e por outro lado a dimensão jurídica, que reconhece e explica a incorporação dos direitos ao direito positivo (Peces-Barba, 1995, p. 39). No mesmo sentido, diz o professor Peces-Barba (1995, p. 109) que:


“Para falar de pretensão moral justificada é necessário que desde o ponto de vista de seus conteúdos seja generalizável, suscetível de ser elevada a Lei geral, é dizer, que tenha um conteúdo igualitário, atribuível a todos os destinatários possíveis, sejam os genéricos homem ou cidadão ou os situados trabalhador, mulher, administrado, usuário ou consumidor, criança, etc.”


Não resta dúvida que os direitos fundamentais têm essa exigência de serem positivados, pois se ficassem somente no plano teórico de pretensão moral justificada não seriam direitos e sim somente uma idéia ou um direito natural. Sem dúvida que o consenso acerca do direito natural racionalista – construído pelos livres pensadores do transito à modernidade – é a base do consenso acerca dos direitos fundamentais atuais. Do contrário, sem o consenso em torno aos direitos, cairíamos na critica de Jeremy Bentham no sentido de que é impossível raciocinar com fanáticos armados de um direito natural e que a variedade de direitos naturais de diversas estirpes levaria a uma horrível guerra[9]. Os direitos fundamentais são ideológicos e sua edificação intelectual se dá a partir de pretensões morais justificadas construídas com as contribuições sucessivas e integradas da filosofia moral e política liberal, democrática e socialista (PECES-BARBA, 1995, 138-144; 199-204).


4.2.2. A dimensão jurídica: Direitos fundamentais como possibilidade de ser uma norma jurídica exigível.


Em segundo lugar e de acordo com sua dimensão jurídica, os direitos fundamentais devem ter a possibilidade de ser uma norma positiva, é dizer devem ter a possibilidade de técnica jurídica de ser positivado, de ser incluído como norma jurídica.  Da mesma forma não devem ser somente uma norma positiva e ponto final como se de uma declaração ou carta de intenções se tratara, uma vez que devem ser uma norma positiva que deve vir acompanhada de sua respectiva garantia. Dito de outra forma: não basta que um direito seja reconhecido e declarado, é necessário garanti-lo, porque virão momentos que será colocado em discussão, desobedecido e até sistematicamente violado. Isto é, além de positivado os direitos devem ter a possibilidade de ser exigido perante as autoridades competentes. Diz o professor Peces-Barba (1995, p. 112) que deve ser


“Um subsistema dentro do sistema jurídico, o Direito dos direitos fundamentais, o que supõe que a pretensão moral justificada seja tecnicamente incorporável a uma norma, que possa obrigar a uns destinatários correlativos das obrigações jurídicas que se desprendem para que o direito seja efetivo, que seja suscetível de garantia ou proteção judicial, e, por suposto que se possa atribuir como direito subjetivo, liberdade, potestade ou imunidade a uns titulares concretos.”


Então os direitos fundamentais, para se tornarem efetivos devem ser uma norma positiva acompanhada dos respectivos meios, instrumentos ou procedimentos, mecanismos de técnica jurídica que a doutrina chama de garantias. Ditas garantias não são um fim em si mesmas, mas instrumentos para a tutela de um direito fundamental.  Dito de forma mais completa: deve tratar-se de uma pretensão moral justificada incluída em uma norma legal acompanhada de uma garantia. Partindo dessa proposta de definição podemos averiguar que o que hoje consideramos direitos fundamentais, e que efetivamente se encontram em nosso texto constitucional como tal: uma vez que, por exemplo, todos os direitos fundamentais encontrados na CRFB/88 são todas pretensões morais justificadas positivadas seguidas por suas respectivas garantias. Estudando as origens de todos os direitos fundamentais incluídos em nosso texto constitucional estaríamos fundamentando e justificando moralmente aquelas pretensões que se transformaram em direito positivo. A justificativa moral dos direitos fundamentais é o estudo da principal pergunta da chamada, pelos professores Gregorio Peces-Barba e Nicolás Lopéz Calera, filosofia dos direitos fundamentais: o por quê dos direitos? Interessante também chamar a atenção no sentido de que algumas questões que podemos considerar como pretensão moral justificada e que, mesmo assim, o legislador preferiu não positivar como direitos fundamentais por serem subjetivas demais, uma vez que sua positivação pareceria pura demagogia[10].


4.2.3. A dimensão social: Direitos fundamentais como realidade social e condições essenciais para sua efetividade.


Em terceiro lugar e de acordo com sua dimensão social, os direitos fundamentais são uma realidade social, é dizer, atuante na vida social, e por tanto condicionados na sua exigência por fatores extrajurídicos de caráter social, econômico ou cultural que favorecem, dificultam ou impedem sua efetividade (PECES-BARBA, 1995, p. 112). Certamente impossível separar os direitos fundamentais da realidade social. A realidade social, o meio no qual será aplicado será fundamental para sua eficácia ou não. Dependerá de uma serie de fatores como a conscientização da sociedade em relação aos seus direitos fundamentais e às suas prerrogativas como cidadão; da vontade política da sociedade e de suas autoridades; das políticas públicas a serem incrementadas e que sejam verdadeiramente favoráveis aos menos favorecidos e aos direitos fundamentais de todos, a existência de uma real educação para a cidadania que preze por uma visão integral do conceito dos direitos fundamentais, é dizer que leve em consideração os direitos fundamentais como direitos inclusivos, de todos. Muitos outros fatores relacionados com a realidade social poderiam ser aludidos.


Um dos graves problemas da época atual para a efetividade dos direitos fundamentais é exatamente a não consideração de sua realidade social. A denominada, por Peces-Barba (1995, p. 61-62), principal negação parcial da atualidade, a teoria neoliberal, não considera os direitos sociais como direitos fundamentais. A falácia neoliberal leva a não efetividade dos direitos fundamentais uma vez prescinde não somente de sua segunda geração – os direitos sociais –, mas também de uma das dimensões do conceito ou visão integral dos direitos fundamentais. A visão integral do conceito dos direitos fundamentais exige uma reflexão sobre a dimensão ética e jurídica e também com relação a sua dimensão social. A dimensão social da visão integral dos direitos é a que tem relação com sua incidência social, isto é incidência real de fatores econômicos, sociais e culturais (Peces-Barba, 1995, p. 40). Todos fatores importantíssimos para uma verdadeira efetividade dos direitos fundamentais. Sobre os Direitos como direitos de todos e de acordo com seu conceito integral, diz o professor Peces-Barba (1995, p. 112):


“Assim o analfabetismo, dimensão cultural, condiciona a liberdade de imprensa; e os progressos da técnica em um determinado momento da cultura científica, por exemplo, com os progressos das comunicações, condicionam a idéia de inviolabilidade de correspondência; ou a escassez de bens pode condicionar ou impedir, tanto para a existência de uma pretensão moral à propriedade pelo seu impossível conteúdo igualitário, quanto de uma norma jurídica pela impossível garantia judicial.”


     A efetividade é um conceito ambivalente na teoria do Direito para sinalizar a influência do Direito sobre a realidade social ou, ao contrario, da realidade social sobre o Direito (ibidem). Em latitudes como a nossa, o segundo suposto é o mais importante. No primeiro suposto se trata do impacto do Direito sobre a sociedade, de seus níveis de seguimento ou de obediência, e no segundo do condicionamento da justiça ou moralidade das normas ou de sua validade ou legalidade, por fatores sociais. Este é o suposto ao que fazemos alusão como terceiro e mais importante componente para a compreensão da efetividade ou não dos direitos fundamentais, uma vez que não dependem somente de serem valor moral e norma.


A história dos direitos fundamentais, que é também a história da luta pela dignidade humana, faz parte do patrimônio da humanidade. E esse patrimônio da humanidade deve ser ensinado através de uma educação igualitária que dê oportunidade para todos. Não resta dúvida que os direitos fundamentais são conquistas históricas da humanidade, e estas conquistas históricas devem ser valorizadas e divulgadas a partir de uma educação para os direitos humanos e a cidadania. O filósofo Voltaire (2007, p. 14-15) já argumentava no sentido de que um povo tem que aprender com sua história e com a história da humanidade. Não cabe dúvida que falta de conhecimento histórico, a ignorância leva ao fanatismo e a barbárie. Devemos sempre recordar para as futuras gerações as lições da história, assim carece ser lembrada sempre, por exemplo, a idéia de banalização do mal de Hannah Arendt, e seu sentimento humano de impotência e indignação diante da burocratização do mal em sua histórica análise sobre o julgamento de Eichmann (São Paulo: Companhia das Letras, 1999, 336 p.). Somente através de uma cultura que parte de uma educação calcada nos valores da cidadania e dos direitos fundamentais é que poderemos reivindicar a utopia dos direitos humanos para a construção de um mundo melhor.


É certamente o inicio do século XXI o momento (infelizmente tardio) em que nosso país e toda a humanidade devem entender e estudar o fenômeno dos direitos fundamentais e fazer deles em cada canto do mundo parte da cultura e da educação local e assim poder entender e enfrentar o global. Não olvidando a lição do professor Nicolás López Calera (1998, p. 134) no sentido de que “não devemos esquecer que todos os direitos humanos, em maior ou menor medida, são independentes, pelo que sua efetiva realização exigirá uma luta global que não descuide nenhum aspecto fundamental da complexa realidade do ser humano”, e que é necessário promover uma civilização e uma cultura que facilitem a educação na solidariedade, na tolerância e em diversos outros valores fundamentais para chegar a uma educação dos direitos humanos[11].


Somente através da cultura pode-se chegar à inclusão dos direitos fundamentais na mentalidade cultural de um país ou de um povo. Os direitos fundamentais têm essa fundamental característica de serem inclusivos, isto é, “(…) não pode cada um gozar dos mesmos se simultaneamente os outros também não usufruem deles” (CADEMARTORI: 2007, p. 29). A mudança de mentalidade da sociedade é a única possibilidade de arraigar a consciência dos direitos fundamentais como reais valores a serem considerados. Desta maneira, então algumas características dos direitos fundamentais devem ser amplamente debatidas visando construir uma realidade social mais favorável aos mesmos.


5. Visões equivocadas dos direitos fundamentais: a questão das negações totais e parciais do conceito.


Algumas teorias negadoras do conceito dos direitos fundamentais são estudadas pelo professor Peces-Barba (1995, p. 69-91), entre elas: as interpretações equivocadas históricas de Karl Marx e da Igreja Católica (ver: Garcia, 2007, p. 17-41); outras negações totais como a negação conservadora; a negação antimodernidade, antiiluminista e providencialista; as criticas do marxismo-leninisno e do anti-humanismo, entre outras. Também merecem destaque os chamados modelos reducionistas: socialista e neoliberal (ibidem, p. 91-98), além da questão da mídia a serviço das classes dominantes: a falácia do refrão “para proteger bandido” e a falácia do uso dos direitos humanos contra os direitos humanos (SAMPAIO, 2004, p. 37-55).


Resumidamente destacamos algumas visões equivocadas dos direitos fundamentais que prescindem de algumas das gerações e dimensões dos direitos: a) a visão positivista, que prescinde da dimensão ética dos direitos e que faz com que os direitos sejam uma força sem moral; b) a visão de um pretensioso jusnaturalismo atual, que prescinde da dimensão jurídica dos direitos quando considera os direitos como direitos morais anteriores e/ou superiores à norma positiva, e que faz com que os direitos sejam uma moral sem força; c) a visão neoliberal que prescinde da segunda geração dos direitos fundamentais, que tenta se fundamentar somente na primeira geração dos direitos e que tem como conseqüência o aumento das desigualdades sociais; d) a visão do chamado socialismo real, que prescinde da primeira geração dos direitos e que estabelece uma ditadura em nome da igualdade.


O conceito dos direitos fundamentais não deve prescindir de suas dimensões e de suas gerações históricas, uma vez que de forma diferente do professor Peces-Barba não acreditamos em reducionismos ou negações parciais, pois pensamos que se extraímos uma das dimensões ou gerações dos direitos esses são incompletos e como os direitos fundamentais se complementam eles se tornam impossíveis de serem eficazes e por isso mesmo trata-se de uma negação total. Dito de outra maneira: todas as negações parciais ou reducionismo levam a negações totais do conceito.


6. Considerações finais.


Para finalizar podemos fazer as seguintes elucidações levando-se em consideração as três dimensões aqui analisadas:


Quando estamos diante somente de uma pretensão moral justificada estaríamos no caso de um direito não escrito, ou uma pretensão de algo a ser incluído como direitos fundamentais. Seria então essa pretensão moral justificada um direito natural ou essa pretensão moral justificada já seria direitos humanos no plano internacional e ainda não teria sido positivado naquele sistema jurídico interno.


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Por outra parte se a pretensão moral justificada é positivada, incluída como norma positiva, estaríamos diante de um direito fundamental. Se essa norma não é seguida da possibilidade de ser garantida judicialmente estaríamos diante de uma declaração ou uma mera carta de intenções. Para ser um direito fundamental tem de ser seguido de sua respectiva garantia. Assim estamos diante de um direito fundamental. Mas, porém se este direito fundamental não está de acordo com uma realidade social favorável para sua efetivação e o seu desenvolvimento, mesmo sendo uma pretensão moral justificada incluída como norma e tendo sua garantia, tais fatores contrários levam a não efetivação dos Direitos. Estaríamos diante de uns direitos fundamentais formais, formalmente constituídos ou ainda de direitos fundamentais meramente simbólicos que servem de álibi para manter o status quo e os interesses de uma minoria ou cultura socialmente dominante.


Em contrapartida se os direitos fundamentais se desenvolvem de acordo com uma realidade social favorável, que os faz efetivos e desenvolvidos; estaríamos então diante de direitos fundamentais substancialmente efetivos. Evidentemente que as realidades complexas das chamadas sociedades dos países periféricos não são tão assim claro e escuro, mas podemos então dizer que temos momentos de direitos fundamentais substancialmente efetivos e, na maioria das vezes, estes estão escritos apenas em uma folha de papel, no dizer de Ferdinand Lassalle (2000, p. 35-40), e que na prática são os fatores reais de poder que nutrem a situação de sempre de desrespeito da cidadania.


 


Referências:

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Notas:

[1] Uma das primeiras dificuldades que apresenta o tema é quanto a sua terminologia. Dessa maneira, faz-se necessário um esclarecimento sobre a terminologia mais correta usada com referência ao fenômeno em questão. Diversas expressões foram utilizadas através dos tempos para designar o fenômeno dos direitos humanos, e diversas também foram suas justificações. Na nossa opinião três são expressões as corretas para serem usadas atualmente: direitos humanos, direitos fundamentais e direitos do homem. Respaldamos nossa opinião no consenso geral existente na doutrina especializada no sentido de que os termos direitos humanos e direitos do homem se utilizam quando fazemos referência àqueles direitos positivados nas declarações e convenções internacionais, e o termo direitos fundamentais para aqueles direitos que aparecem positivados ou garantidos no ordenamento jurídico de um Estado. Da mesma forma que os distintos autores quando se referem à história ou à filosofia dos direitos humanos, usam, de acordo com suas preferências, indistintamente os aludidos termos. Então, para efeitos do presente trabalho as expressões direitos fundamentais e direitos humanos são sinônimas. Neste sentido, entre outros: PEREZ LUÑO, 2005, p. 31; BARRANCO, 1992, p. 20; e SARLET, 2001, p. 33.

[2] Encontramos um atualíssimo, e por este motivo interessante, catálogo de Direitos Fundamentais na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, nossa “constituição cidadã” nas palavras de Ulisses Guimarães. Como bem salienta Ingo W. Sarlet, “(…) traçando um paralelo entre a Constituição de 1988 e o direito constitucional positivo anterior, constata-se, já numa primeira leitura, a existência de algumas inovações de significativa importância na seara dos direitos fundamentais”. (SARLET, 2001, p. 67).

[3] Nas palavras de Adela Cortina e Emilio Martinez (2005, p. 127), “fundamentar algo significa mostrar as razões que fazem desse algo um fenômeno coerente, razoável, não arbitrário”. Ou ainda “(…) fundamentar é argumentar, oferecer razões bem articuladas para esclarecer por que preferimos alguns valores e não outros, certas teorias e não outras, determinados critérios e não outros. Ao mostrar os fundamentos que nos ajudam a manter o que cremos, fugimos da arbitrariedade e prevenimos o fanatismo próprio da crença cega e da adesão incondicional”.

[4]  Explica Peces-Barba (p. 3-4): “(…) Não podemos nos subtrair, como é lógico, a tomar posições respeito a teorias extremas, a de ruptura e a da continuidade, que dependem, em parte, da localização dos respectivos períodos, isso é descrever onde se situa o fim da Idade Média e onde se localiza o inicio do Renascimento”. Segue Peces-Barba, “(…) como entendemos que há um entrecruzamento no tempo entre esses dois momentos, o que já supõe tomar uma posição intermediaria entre as duas posições extremas, consideramos mais adequado, mais compreensivo, utilizar o termo trânsito à modernidade”.

[5] Todas as traduções do idioma espanhol ao português do presente trabalho foram realizadas pelo autor.

[6] Será o pensador alemão Jürgen Habermas que também, na mesma linha de pensamento que os pensadores espanhóis por nós estudados [No mesmo sentido, entre outros, Antonio Pérez Luño (2005, p. 134-186); Eusebio Fernandez (1998. p. 571-599); Gregorio Peces-Barba (1982, p. 10-214; 1995, p. 101-204 ); Nicolás López Calera (1997, p. 205-272)], ressaltará a fundamental existência de um histórico Direito Natural Racionalista, uma revolucionária forma Direito Natural (1997, p. 88), anterior à positivação dos mesmos direitos fundamentais e que transformará a relação entre Direito e moral. O desenvolvimento histórico dos direitos fundamentais e da democracia servirá de objeto legitimador dos mesmos. Diz Habermas (1988, p. 45) que “não pode haver direito autônomo sem democracia realizada”.

[7] Não obstante também pensamos que há uma diferença entre internacionalização e universalização dos direitos humanos, uma vez que em nossa opinião são dois fenômenos distintos. O processo de internacionalização tenta universalizar os direitos humanos. Que os direitos humanos sejam internacionalizados pela Declaração Universal de 1948, documento de indiscutível caráter moral, não significa que eles sejam efetivamente universais, essa é outra discussão, ainda que entendemos que os direitos humanos são universais como valor moral, encontramos vários indícios de sua impossibilidade prática de ser internacionalizado.

[8] Indiscutível a importância do Direito Natural, sobretudo o racionalista nos históricos processos de formação do ideal e de positivação dos direitos fundamentais.

[9] “(…) Es imposible razonar con fanáticos armados de un Derecho Natural que cada uno entiende a su modo, y del cual nada puede ceder ni quitar: que es inflexible, al mismo tiempo que ininteligible, que está consagrado a su vista como un dogma, y del cual nadie puede apartarse sin delito. En vez de examinar las leyes por sus efectos, en vez de juzgarlas como buenas o malas, estos fanáticos solamente las juzgan por su conformidad o contrariedad con este supuesto Derecho natural, que es decir, que sustituyen al razonamiento de la experiencia todas las quimeras de su imaginación… ¿No es esto poder las armas en manos de todos los fanáticos contra todos los gobiernos? ¿En la inmensa variedad de ideas sobre la ley natural y la ley divina, no hallará cada uno alguna razón para resistir a todas las leyes humanas? ¿Hay un solo Estado que pudiera mantenerse un día, si cada uno se creyera obligado en conciencia a resistir a las leyes que no fueran conformes a sus ideas particulares sobre la ley natural o revelada? ¡Qué guerra sangrienta y horrible entre todos los intérpretes del Código de la Naturaleza, y todas las sectas religiosas! (…).” (BENTHAM, 1981, p. 94-95).

[10] O amor, por exemplo, sem nenhuma dúvida trata-se de uma pretensão moral justificadíssima, todo ser humano tem direito a amar e ser amado. É uma questão indiscutível, mas como poderíamos incluir uma norma de direito fundamental que fale do amor. O amor é subjetivo demais, o que é amor para uma pessoa pode não ser para outra. Uma vez declarado o amor um direito fundamental, como seria sua garantia?

[11] “Es necesario promover una civilización y una cultura que faciliten la educación en la solidariedad. Es necesario fomentar la virtud de la solidariedad en un mundo en el que unos pocos tiene derechos y muchos tienen pocos derechos o casi ninguno” (LÓPEZ CALERA, 1998, p. 134. Grifos no original). 


Informações Sobre o Autor

Marcos Leite Garcia

Doutor em Direito; Curso realizado na Universidade Complutense de Madrid – Espanha. Professor do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica – Cursos de Mestrado e Doutorado – e da graduação em Direito da Universidade do Vale do Itajaí (UNIVALI)


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