1. Os conflitos pré-unificação alemã
A compreensão da história da Alemanha, berço da criação dos Zollvereins, é de extrema importância ao entendimento da lógica do comércio internacional atual. Para tal, os conflitos que precederam a unificação e que acabaram levando ao crescimento de uma identidade nacional alemã serão aqui analisados em 4 grandes frentes.
1.1 Santo Império Romano Germânico
Diferentemente de países como a França, Inglaterra e Espanha, a Alemanha carecia de uma unidade nacional. Podemos conferir a responsabilidade dessa dificuldade ao Santo Império Romano, que era a união de numerosos e variados territórios da Europa Central, criado no século X, com Oto I.
Esta configuração de Oto I foi uma suntuosidade insatisfeita de querer um império semelhante ao de Carlos Magno, do qual era grande admirador. Um reino vasto, formado em sua absoluta maioria por pequenos principados de língua alemã, foi dominado pelos Santos imperadores Romanos, que não queriam o enriquecer destes locais, mas utilizá-los para conseguirem a rica península itálica, berço da civilização romana, e tentar desbancar a autoridade papal.
O maior entrave a esta unificação é observado nesse período em que, com os grandes governantes pouco se preocupando com os assuntos internos, a aristocracia feudal se fortalecia e passava a ditar uma completa diferenciação dentro do santo império romano. Soma-se também o modelo político vigente, no qual os imperadores não tinham cargos hereditários, mas eletivos e diretamente dependentes do apoio dos nobres mais poderosos, além do apoio do Vaticano.
Os príncipes germânicos dos principais componentes do império, como Colônia, Brandemburgo e a Saxônia, eram tão independentes que tratavam suas terras como suas mesmo, tendo um poder autônomo e inerente ao do reino. Essa descentralização só quebrada quando os Habsburgo, já no domínio alemão desde 1493, se dividem entre os Austríacos e os espanhóis, quando da cisão do império de Carlos V. A Filipe foram passadas as terras da Espanha, Holanda e as colônias; enquanto a Fernando foi passado o controle dos estados germânicos.
A centralização só viria a calhar quando, em 1619, com a subida de Fernando II, os boêmios, com fortes intenções de implantar o protestantismo na região, intentaram contra o rei, apoiando um candidato protestante ao trono. Os Habsburgo tanto alemães quanto espanhóis combateram veementemente essa tentativa e suprimiram-na com uma devastação absurda das cidades da Boêmia. A esta intervenção, se seguiram outras, assegurando o poder central, porém, com a entrada da Suécia, liderada por Gustavo Adolfo, este amplamente apoiado pela França, no conflito entre protestantes e católicos – a chamada guerra dos Trinta Anos. O tratado de Vestfália, que pôs fim ao conflito, consolidou a completa divisão dos estados alemães em pequenos territórios fragmentados, enquanto a Áustria ficou sob domínio dos Habsburgo, em um governo hereditário.
1.2 Libertação do domínio napoleônico – a caminho da unidade nacional
Com a expansão das guerras napoleônicas, a França tomou os territórios alemães no início do séc. XIX, dando início ao processo de identificação nacional e a conseqüente unificação.
Um sentimento antifrancês assombrava toda a Europa dominada por Napoleão. Na Alemanha não foi diferente, um ódio aos franceses tomava formas coletivas. Esse avanço, que fez os povos germânicos deixarem de pensar como principados isolados, criou toda uma corrente nacionalista, entre os intelectuais, de libertação; e logo foi cogitada a criação de uma Alemanha unificada.
As sucessivas derrotas do exército prussiano levaram os altos burgueses a entenderem a Revolução Francesa, e a começarem a pensar em uma maneira de controlar melhor seus exércitos. O fascínio pela devoção dos soldados franceses e pelo afoitamento dos grandes comandantes desse exército leva os prussianos a uma conclusão inusitada: despertar o nacionalismo torna seus exércitos muito melhores e menos dispendiosos que qualquer grupo de mercenários. Um repúdio à estrutura feudal, que ainda estava estabelecida em todos os territórios germânicos, tomava forma entre os burgueses, que logo começaram as reformas a fim de despertarem o nacionalismo.
As reformas conduzidas pelos grandes burgueses foram caracterizadas por concessão de liberdades como o fim do regime de servidão, a maior liberdade às cidades, os exércitos conduzidos pelo mérito e não mais pelos títulos nobres, e por fim o recrutamento nacional. Concluindo, as reformas no exército tiveram grande êxito, não só pelas vitórias sobre os franceses (pois ocorreram junto às desastrosas batalhas dentro do território russo, nas quais Napoleão teve grande parte de seu exército dizimado), mas também pelo alento e nacionalismo que surgiam com força.
1.3 Áustria e Prússia – liderança regional
A Prússia estava conformada num modelo único dentro da Europa. A mentalidade militar dos governantes, a burocracia voltada à ordem e ao autoritarismo dos governantes e o trono sustentado pelos junkers eram alguma das características deste sistema. Os junkers, aristocratas latifundiários tinham grande importância à medida que, controlando essas terras, se tornavam comandantes dos exércitos reais e diplomatas. Esta dicotomia é verdadeira no momento em que esta mesma aristocracia dependia de um poder forte do rei para manterem seus privilégios.
O autoritarismo desse governo, em vigor desde o fim do séc. XVII no Estado da Prússia, fazia com que não houvesse influência de uma classe média oprimida dentro do território. O nacionalismo decorrente das sucessivas guerras também contribuía para a manutenção desta relação.
A concorrência pela liderança na região se torna acirrada quando, em 1834, a Prússia propõe o estabelecimento do Zollverein, união de aduanas que abolia a tarifação dos produtos no comércio entre os Estados membros, em todos os Estados germânicos, com exceção clara à Áustria. Proposta que logo foi aceita pelos principados esta se tornou um grande passo a caminho de uma unidade. O desejo desta unificação agora não era só dos burgueses, mas das massas em ver unidos e bem relacionados todos os povos germânicos.
Com este ato, a Prússia se coloca à frente do movimento unificador, ao invés da Áustria, mais tradicional líder político da região.
1.4 Jogos de Bismarck – Realpolitik, Dinamarca & Guerra
A exclusão da Áustria à entrada no Zollverein tornou ainda mais tensas as relações com a Prússia. Guilherme I, rei da Prússia, dá início a uma proposta de reestruturação dos exércitos. Em 1861 esta proposta foi negada pelos liberais, maioria absoluta na Câmara Baixa. Guilherme I pede então uma revisão dos recursos orçamentários, a fim de conter “gastos adicionais”. O parlamento aprova e o rei os utiliza para melhorar o exército.
No ano seguinte o embate acerca das finanças reais da Prússia ocorre da seguinte forma: os liberais da câmara baixa relutam em aprovar o novo orçamento se o rei não especificá-lo por itens.
O rei, incapaz de vencer sozinho a discussão com o parlamento, pede a um patriota aristocrata e seu partidário para ajudá-lo. Otto Von Bismarck era filho de uma influente família aristocrática e ferrenho defensor dos poderosos junkers. Adepto da realpolitik, Bismarck era também um habilidoso e importante articulador político.
Bismarck a seguir continua com as negociações e quando percebe o fracasso pelos “bons ofícios” e ordena o recolhimento dos impostos sem o consentimento do legislativo. Deixando os liberais impossibilitados de exercerem, o aristocrata destitui a Câmara Baixa em 1863.
Tem início então uma grande reforma no exército, visando o aumento de contingentes efetivos buscando melhor eficiência (tendo em vista que era um exército agora dominado por talentos e não por títulos nobres); a censura sobre a imprensa e em geral a todos os liberais. Este clima de tensão somente foi superado com o enorme sucesso de Otto Von Bismarck na política externa, garantindo aos povos germânicos o nacionalismo ao qual sempre se curvam.
A perspicácia de Bismarck em iniciar um conflito não com a Áustria, mas com a Dinamarca, é mérito absoluto: na inevitável guerra contra a Áustria, a Prússia “decide por tomar” os ducados de Schleswig e Holstein. Nesse primeiro momento, em 1864, a Áustria se alia à Prússia, almejando evitar a anexação dos territórios por parte desta última. Após o fim da guerra, e a conseqüente anexação dos territórios pela Prússia, a Áustria entra em desavenças com a Prússia acerca dos territórios. Bismarck utiliza esses desentendimentos para chegar à guerra, e a Áustria estava pronta a retomar a liderança sobre os assuntos alemães.
Tendo o panorama da época em que ocorreu o surgimento do Zollverein, podemos então passar a questões mais puramente disciplinares a seguir.
2. A idealização do Zollverein – Friedrich List
2.1 A dinamicidade das leis econômicas
List é considerado o segundo dissidente alemão de Adam Smith, o primeiro é Adam Müller, um romântico adepto do nacional socialismo, sem nenhuma influência no pensamento do primeiro.
O pensador alemão defendia uma política comercial liberal entre os Estados alemães e ajudou a legitimar e promover o Zollverein, união aduaneira em toda a Alemanha. O primeiro Zollverein data de 1834, importante momento histórico na unificação alemã, e contava com todos os pequenos principados (reins) que fizeram parte da Alemanha até meados do séc. XIX, com notável exceção da Áustria. Este acordo foi revisto e reformulado nos anos de 1867 e 1871, com a entrada da Áustria neste último e novamente a influência do pensador, mudando toda a tônica do acordo.
Friedrich List desenvolveu um importante conceito da economia, que abala todas as teorias até hoje produzidas: o da dinamicidade das leis. Em sua principal obra, Das nationale system der politischen Oekonomie, o pensador define a vida econômica não como um modelo estático, mas sim um delinear contínuo de estágios de desenvolvimento. Assim, List cria um dos mais importantes preceitos da escola alemã de economistas: o Estado como elemento essencial para conduzir a vida econômica de um estágio ao outro de desenvolvimento. A discussão atual a cerca da dinamicidade das leis econômicas é bastante produtiva e traz a simples perguntas como: as leis econômicas são verdades eternas como as matemáticas, físicas e químicas? Os fenômenos que produzem estas leis e as explicam ocorrem de maneira “caoticamente esporádica” e podem tornar tais leis falhas e irrelevantes.
List entendia a economia como algo extremamente dinâmico e via no Estado um elemento de controle e estabilização necessário ao desenvolvimento, um dos pilares de controle seria o protecionismo, muito bem explicado em sua obra: não adianta a um país num estágio primitivo de desenvolvimento proteger seus mercados; o protecionismo serve para conduzi-lo a um desenvolvimento direcionado e deve ser utilizado para tal, principalmente se outro país já tiver se desenvolvido em produção semelhante; chegando a um novo e final estágio de desenvolvimento, não seria mais necessário tal protecionismo. Assim, o livre comércio só é bom para os mais avançados, os primeiros – e como foi a Inglaterra a primeira a se desenvolver, aí surge o argumento mais importante argumento de List contra o clássico Smith: sobre o livre comércio, Smith não formulou uma verdade absoluta, mas apenas conferiu ao Reino Unido legitimidade em algo tão proveitoso.
Vale lembrar que o Zollverein foi construído sob princípios bastante semelhantes aos vigentes na OMC: no acordo um dos adendos previa que qualquer produto tecido, vinho, cerveja ou maquinários deveria ser tratado como se fosse do próprio rein, tributado de mesma maneira – algo muito semelhante ao tratamento nacional, previsto no GATT e nos acordos que compõem a OMC.
Preso por cometer a heresia de descrever tão bem relações humanas cotidianas, de maneira muito sutil incitando que o homem só vive e se relaciona para o bel-prazer próprio. Após ser solto se refugia na Suíça, França, Inglaterra e Estados Unidos, onde desenvolveria melhor sua teoria.
2.2 Influência norte-americana na política econômica européia
Nos EUA, List se torna editor de um jornal na Pensilvânia. Conhece Alexander Hamilton e simpatiza com suas idéias da necessidade de incentivar e os meios para se conseguir o desenvolvimento econômico. Decide tornar-se cidadão americano e se torna adepto do chamado Sistema americano, pelo qual se favorece a industrialização nacional através de tarifação elevada sobre os produtos estrangeiros. Volta à Alemanha em 1831. Sua influência com a criação do Zollverein o torna primeiro precursor de uma influência de políticas econômicas norte-americanas na Europa.
List aperfeiçoa este modelo norte-americano, conferindo-lhe exceções que entrariam tanto no acordo de criação do Zollverein, quanto nas chamadas “listas de adequação”, existentes e previstas nos acordos de União Aduaneira já regulamentados pelo GATT.
3. Influência no Comércio internacional atual
3.1 Comércio internacional como instrumento de desenvolvimento
O comércio internacional, para os participantes do GATT e posteriormente da OMC, é um importante instrumento de desenvolvimento e deve ser visto como independente e não passível de interferências sobre outras agendas internacionais. O uso da OMC, pela sua efetividade, para outros fins que não o comércio internacional certamente desequilibraria ainda mais as disputas e somente geraria mais discussões e desentendimentos entre os países membros, pois o uso de toda e qualquer sinuosidade dos artigos e acordos que compõem a OMC é amplo e visa o melhor aproveitamento de cada Estado, muitas vezes em detrimento de outrem.
Nesse contexto inserem-se as idéias de List principalmente quanto à integração regional e a corrente da dinamicidade das leis econômicas, que determinam uma lógica vigente ou outra no comércio internacional.
3.2 A lógica neoliberal no comércio internacional
O neoliberalismo no comércio internacional é a lógica efetiva e está amplamente ligado ao conceito apresentado acima, de que este é um importante instrumento de e somente de desenvolvimento econômico.
Seguindo as influências de List, outra posição amplamente defendida nesse modelo dinâmico é que em cada estágio de desenvolvimento, os países deveriam ter uma determinada combinação de agricultura, indústria e comércio. List sem saber se torna um dos principais teóricos que abordam uma questão tão relevante no comércio internacional atual: a inclusão de acordos agrícolas e a liberalização do comércio destes produtos. O pensador alemão trata do assunto seguindo um traçado nacionalista: tanto na época quanto hoje a Europa como um todo foi devastada por guerras, batalhas que destruíram plantações inteiras, comprometeram os suprimentos alimentares e alastraram a fome por todas as regiões. Esta é uma das principais justificativas para a ampla preocupação quanto aos suprimentos da Europa, não só na Alemanha, mas também na França existem hoje intelectuais e pensadores que, como List, defendem a idéia da Europa pelo menos em alimentos ser auto-sustentável.
3.3 União Aduaneira – dos livros de List ao GATT
A união aduaneira, modelo de integração regional previsto no GATT, é assim descrita: substituição de dois ou mais territórios aduaneiros por um só, tendo como objetivo 1 – os direitos alfandegários e outras regulamentações comerciais sejam eliminados entre os territórios constitutivos da união, ou pelo menos no essencial das trocas comerciais relativas aos produtos originários de tais territórios; 2 – os direitos alfandegários e outras regulamentações aplicadas por cada membro da união ao comércio com os territórios que não estejam compreendidos na mesma sejam idênticos em substância.(criação da TEC – tarifa externa comum).
Vale lembrar as principais diferenças da união aduaneira para a zona de livre comércio é que em vez de somente diminuir as tarifas entre os constitutivos, objetivar a eliminação destas, e que do contrário da zona de livre comércio; na qual, pelas diferenças entre as tributações quanto a produtos não originários da zona, é possível ocorrer as triangulações; a união aduaneira possui “idênticos em substância” a Tarifa externa comum. Friedrich List na criação do Zollverein, que hoje se enquadraria numa espécie de União Aduaneira imperfeita, também compreendia as possíveis implicações de se ignorar as diferenças entre as legislações tributárias de aduana, mas não previa nada semelhante a TEC, mas sim uma harmonização das leis alfandegárias dos principados membros. De fato, a TEC acabou acontecendo à medida que os povos germânicos clamavam por uma maior integração entre os membros, visto que as melhorias quanto a produção de cada um dos países melhorou em muito. Assim, a integração regional que hoje ocorre em vários países e várias regiões é amplamente influenciada pelos preceitos de economia política de Friedrich List, que não só colaborou para a unificação da Alemanha, mas também para a integração e desenvolvimento do comércio no mundo todo.
4. Considerações Finais
Podemos concluir a importante influência do pensamento de Friedrich List e dos acordos de integração conhecidos por Zollverein, ambos do séc. XIX, no comércio internacional atual, nas cartas do GATT e no entendimento da OMC. Idéias que favorecem até mesmo de argumentos contra a liberalização de certos setores, dentro da ótica de políticas econômicas adequadas ao modelo dinâmico da economia.
O zollverein serviu à Alemanha para unificar e aproximar os povos germânicos, desenvolver economicamente os membros, e por fim promover a interação perfeita entre indústria, comércio e agricultura, interação esta que promoveu a Alemanha a uma potência que infelizmente se tornou beligerante. A Guerra contra a França, e as duas Guerras mundiais destruíram e dividiram a Alemanha, que se reergueu e hoje integra um Zollverein muito maior: a União Européia. Coincidência ou não, é o país que mais sofre com a instituição do direito comunitário, e reconhece os custos políticos de integrarem um modelo de desenvolvimento da Europa como um todo.
O acordo alemão levou a legislação atual da OMC e do GATT e foi importante instrumento para o desenvolvimento da região. Hoje a OMC é composta por 146 membros e promove o desenvolvimento por todo o planeta, utilizando o comércio internacional para tais fins, mesmo não legislando ainda efetivamente sobre agricultura, serviços, propriedade intelectual e bioindústria.
Informações Sobre o Autor
André C. Fernandes dos Santos
Aluno cursando Relações Internacionais das Faculdades Integradas Curitiba e 2.o ano de Ciências Econômicas da Universidade Federal do Paraná.