Primeiramente, faz-se necessário conceituar “trabalhismo”:
“Trabalhismo: s. m., doutrina política e econômica que preconiza o direito a melhores condições econômicas e à emancipação dos trabalhadores”. (PRIBERAM, Informática – Dicionário on-line, http://www.priberam.pt/dlpo/definir_resultados.aspx)
O trabalhismo é doutrina política, no sentido de fundamentar as bases estruturais de um Estado onde a figura do trabalhador tem importância crucial, tendo em vista que estamos em momento histórico da espetaculização do consumo de bens, serviços e produtos, voltados à satisfação de necessidades que são criadas juntamente com a criação de tais produtos, através de violenta e massiva indústria de propaganda e alienação social.
Diz-se, nas teorias trabalhistas mais modernas, que o Direito do Trabalho, em verdade, regula a própria essência do capitalismo, uma vez que torna “equilibrada” a balança trabalho x capital, antes, oponentes cruéis como tentará se demonstrar por alguns aspectos históricos.
É sabido que o trabalho humano, amplamente considerado, faz parte dos primórdios das civilizações. Sempre houve trabalho, como motivador da ampliação do progresso gradativo, acúmulo de conhecimento e como origem das sociedades hodiernas.
Breve enfoque histórico
Desde o trabalho tribal, comunitário, familiar, dos mestres e artesãos nas corporações de ofício, dos vassalos e seus senhores, até o ápice da mudança na estrutura da fabricação, no século XIX, houve uma gradativa conscientização da “massa” dos trabalhadores em relação a sua própria condição social.
A Idade Média, trouxe a face do Absolutismo, onde Reis e Rainhas tinham poderes plenos e absolutos quanto aos seus súditos e seu povo. Os reinados se personificaram, muitas vezes, na figura do próprio monarca, como no caso de Luis XIV, chamado singularmente de “Rei Sol”.
Bastante elucidativos pequenos trechos da obra clássica “Capítulos da História Colonial (1500-1800)” de João Capistrano de Abreu, quanto ao reinado na Europa Absolutista. [1]
Bem delimitados eram os setores sociais, com o rei, a nobreza, a Igreja e o povo. O povo em si, como já sustentado, era uma “massa” sem consciência própria, sem qualquer direito, apesar de ser tolerado que se reunissem em espécies de associações, ainda assim não tinha qualquer importância na retomada ou na orientação política que deveria ser seguida pelo Estado Monárquico.
Havia um aprisionamento social e econômico de toda a “massa” a essas figuras que administravam um modelo de Estado que estava asfixiando boa parte da sociedade submetida a tais reinados.
Com o advento da Revolução Francesa, ocorre, naturalmente, uma derrubada maciça deste modelo absolutista e é inaugurada uma fase liberal, com custo social, com o advento do Terror na França e uma desorganização sintomática que foi sentida pela mudança de paradigmas sociais e históricos.
As revoluções de 1848 na Europa, passaram a traçar a delimitação do liberalismo, contrário a monarquia absolutista; do nacionalismo, que procurou unir politicamente aos povos de mesma cultura e os alicerces do que seria futuramente o socialismo, que pregava a igualdade social e econômica mediante reformas mais profundas.
A burguesia não queria ceder um milímetro no feixe de conquistas que acabaria desembocando no já conhecido capitalismo. As idéias liberais eram pregadas com entusiasmo, violência e organização.
O efeito mais interessante da era liberal foi sentido no final do Século XIX com o advento da chamada Revolução Industrial. O Estado Liberal, aventado pós-Estado Absolutista, foi uma reação ao modelo anterior, no sentido de dar ao homem toda a liberdade de que jamais dispôs até então.
Os trabalhadores eram recrutados aos milhares, independente de idade, condição social ou sexo. A idéia que se tinha é de que o trabalhador trabalha, mais de 12 horas por dia, e recebe uma contraprestação muito abaixo do necessário para sua subsistência porque ele “quer”. Ele tem a livre escolha de querer ou não laborar para receber o que o mandante do trabalho “quer” lhe pagar.
É necessário, em digressões históricas, situar-se o momento do contexto histórico mais provável para determinadas reações dos atores sociais.
A “massa” de trabalhadores, não tinha qualquer condição de consciência de sua classe, de sua importância e de sua utilidade para a nova sociedade que estava prestes a surgir á partir daquele momento.
Os primeiros movimentos com gérmen de “paredistas” estão situados em algumas situações pontuais onde alguns daqueles trabalhadores, simplesmente, paravam de trabalhar, tentando reivindicar melhores direitos, melhores condições e uma tentativa de pressionar os empregadores.
Tais movimentos, inicialmente, eram reprimidos com o mero desprezo por tais trabalhadores e a chamada aos mesmos postos de outras pessoas que também necessitavam sobreviver, o que acarretava uma impressão àquelas pessoas miseráveis, que jamais o seu estado de “coisas” seria modificado.
Como judiciosamente descreveu tais condições em sua aula inaugural no Curso de Magistratura e Procuradoria do Trabalho, o Mestre Jorge Luis Souto Maior cita o filme “Germinal” para tentar fazer com que entendamos um pouco a complexidade da “mens sociallis” que vigia naquela época, com o liberalismo desenfreado após séculos de opressão absolutista.
Podemos ver no trecho abaixo, pequena resenha sobre o filme “Germinal” por Bianca Wild. [2]
As transformações sociais experimentadas naquele momento histórico-cultural foram absolutamente atreladas a uma opressão maciça que queria se impor as engrenagens da lógica produtiva capitalista, tendo em vista que os trabalhadores eram peças dessa mesma engrenagem, apenas que eram peças orgânicas e não metálicas.
Exatamente como expôs o Ilustre Mestre, Jorge Luis Souto Maior, mesmo o evento da I Guerra Mundial tem suas raízes em tensões sociais existentes na lógica capitalista desenfreada, trazendo para a conjuntura social, profundas desarmonias e animosidades.
Para que possamos aprofundar esse ponto da discussão, só existe a Organização Internacional do Trabalho (OIT), porque em 1919, o próprio Tratado de Versailles, assinado pós-I Guerra Mundial, já previa sua criação.
A origem, o nascimento da OIT, surgiu através do Tratado de Versailles, devido ao custo social e humano que estava sendo desencadeado pela Revolução Industrial, tal reflexão de ética social, dos principais objetivos no lema perseguido através do Tratado de que uma paz duradoura só seria possível através da justiça social viriam a servir de norte à OIT durante toda a sua história.
A criação de uma instituição internacional especializada nas condições de trabalho inscrita em um Tratado que teve vários países signatários tem a clara intenção de não retornar a um momento histórico anterior onde a revolução industrial estava massacrando a própria massa trabalhadora que era necessária ao desenvolvimento do próprio capitalismo e acarretando tensões desnecessárias na própria estrutura de paz que deveria viger no mundo.
Importante considerar ainda, que a idéia da estruturação inicial de uma legislação trabalhista internacional surgiu com a reflexão sobre questões éticas e econômicas sobre o custo humano da revolução industrial.
Ainda com a criação da OIT, o mundo experimentaria novo momento de terror e angústia, com o advento da II Guerra Mundial.
Ainda debruçados sobre a problemática social, os países aliados adotam então a Declaração da Filadélfia em 1944. A Declaração da Filadélfia foi adotada pela OIT e serviu de parâmetro para a Declaração das Nações Unidas e a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
Momentos da causa social no Brasil
Nos anos 30 e 40 do século XX, houve o surgimento de figura ímpar na caracterização do que seria o Direito do Trabalho no Brasil, com uma aceleração progressiva de legislação tratando sobre trabalho o que culminou em 01º de maio de 1943 com o advento da Consolidação das Leis do Trabalho.
Getúlio Dornelles Vargas foi o nome que vinculou seu nome a história e ao fundamento do Direito do Trabalho no Brasil.
Getúlio montou um aparato ideológico onde buscava a dominação ditatorial (1930 – 1945) [3] e a profunda industrialização do país na busca pela harmonia dos interesses capitalistas. Marcondes Filho, como Ministro do então Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, elevava a figura de Vargas aos píncaros da ideologia trabalhista, trazendo um “discurso” absolutamente orquestrado.
A estratégia adotada pelo aparato varguista, tinha no combate ao liberalismo e na intervenção estatal suas molas mestras. Havia um “mito da doação”, consagrando um discurso de que a legislação obreira foi “dada” aos trabalhadores sem a necessidade de qualquer movimento violento ou com veias revolucionárias. Por trás de tal discurso implantado pela máquina estatal, estava um Estado intervencionista e detentor de elementos de manipulação da massa para o seu próprio proveito.
Mesmo com o mito construído em torno da Era Vargas, [4] era evidente que muitos dos direitos trabalhistas propostos cederam ao extremo poder que o Estado detinha. Sem uma classe de trabalhadores verdadeiramente organizada e sem possibilidades de propor mudanças ou maior aplicabilidade da lei, esta tendia a se tornar inócua. Os interesses estatais para a II Guerra Mundial, tornaram os direitos trabalhistas sem aplicação, foram deixados de lado muitos desses direitos em prol da industrialização desenfreada, a fim de que a máquina industriária do Estado pudesse funcionar a pleno vapor.
No final da década de 40, quando se urdiam as primeiras idéias para o malfadado golpe militar de 1964, os trabalhadores no Brasil sentiam a repercussão de equívocos cometidos pela falta de aplicabilidade plena da legislação obreira, muitas vezes, não vendo e nem sentindo em suas esferas patrimoniais qualquer benefício advindo de tal estado de coisas, o legado de Vargas para o Direito do Trabalho, sem dúvida, é incontestável, apesar de contraditório, no entanto, àquele momento histórico era diverso do vivido atualmente, o que tentaremos demonstrar.
Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 – Direitos do Trabalhador alçados à condição constitucional
Após o período ditatorial, com a retomada democrática e o conseqüente desgaste do regime militar, seguem os processos sociais para que seja garantido e efetivado o direito das eleições diretas e a retomada democrática no Brasil.
Pairava o sentimento coletivo pela libertação popular, talvez um resquício do mesmo sentimento que moveu as massas européias na queda do absolutismo.
Talvez, por tal motivo, a palavra “neoliberalismo” tenha ganhado tanta força e potência na realidade tupiniquim da estrutura social brasileira.
Toda a retomada democrática, contando logicamente com ilustríssimas figuras do cenário político, como Ulisses Guimarães e Tancredo Neves, fizeram surgir o momento propicio para que a Assembléia Nacional Constituinte fosse reunida e promulgada a Constituição da República Federativa do Brasil de 1988.
Por incrível que pareça, o corte histórico na retomada desenfreada pela aplicabilidade de uma mentalidade neoliberal teve seu freio no art. 7° da Carta Magna de 1988, tal artigo, inserido no capítulo sobre os Direitos Sociais e voltado a proteção, efetiva, constitucional e fundamental do principal ator social a fim de que fossem novamente reequilibradas as forças capital x trabalho, tal ator é o trabalhador.
A CRFB/88 alçou, a caráter axiológico, os direitos inerentes ao trabalho, ao trabalhador, a livre-iniciativa e a igualdade entre o trabalhador urbano e o trabalhador rural.
Quanto a ampliação da competência da Justiça do Trabalho, conforme alcançado com a Emenda Constitucional n.° 45 de 2004, alterando o caput do art. 114 da Carta Magna e ampliando a competência da Justiça do Trabalho de relações de emprego, para relações de trabalho, a última expressão sendo o gênero da qual a relação de emprego é espécie.
O tema competência também fez parte da estrutura normativa dos artigos 123 da Constituição de 1946 e Art. 134 da Constituição 1967, sempre com as expressões “empregados e empregadores” e à partir de 1988 a expressão “trabalhadores e empregadores” que vigia na redação do antigo dispositivo, cedeu lugar, pós-emenda 45 de 2004, a expressão “relações de trabalho”.
As implicações do alargamento da competência são inúmeras, passa em um aspecto “lato sensu” a um soerguimento da própria Justiça do Trabalho e da importância do último baluarte da causa social para o nosso país, sem exageros, tendo em vista a importância da figura e da atuação do trabalhador na própria economia estatal.
A CRFB/88, apesar de jovem, traz em seu bojo os elementos garantidores dos direitos fundamentais e da fundamentação da Justiça Social em sua plenitude. Já se dizia que o próprio artigo 7º da Carta Magna prescinde da própria CLT, tendo em vista que ali encontraremos instrumentos de proteção, negociação coletiva e direitos garantidos historicamente à classe dos trabalhadores.
Notas:
Informações Sobre o Autor
Rodrigo Gonçalves Alves
Advogado Patronal Trabalhista, Pós-Graduado pela Universidade Cândido Mendes, patrocinando causas para Empresas Públicas, CBTU, Banco do Brasil, CEF e BNDES, Cursando Aprofundamento Dir. do Trabalho, Especializado em Advocacia Trabalhista Empresarial