Com o notório crescimento do mercado imobiliário, aliando-se ao fato de que o Código Civil reduziu de 20% para até 2% o valor da multa relativa ao atraso dos pagamentos das contribuições condominiais (art. 1.336, §1˚), os edifícios passaram a sofrer dificuldades financeiras, em consequência da contumaz inadimplência.
A aludida alteração na legislação foi um retrocesso em nosso ordenamento jurídico. A inadimplência cresceu vertiginosamente, na medida em que os condôminos adimplentes estão sujeitos a desembolsos frequentes para preencher rombos de responsabilidade dos devedores que preferem quitar dívidas pessoais em detrimento às obrigações de legítimo proprietário ou possuidor.
Sabem, é bem verdade, que a cobrança judicial através do ajuizamento de ação de cobrança, para reaver os valores inadimplidos é extremamente morosa, em virtude do acúmulo de feitos que atinge o Poder Judiciário, além dos vultosos dispêndios com custas e honorários advocatícios.
Pois bem. Faz-se necessário ressaltar, por oportuno, que o dissabor trazido pelo Código Civil vigente pode ser solucionado em parte mediante a aplicação da Lei Federal n˚ 9.492, de 10 de setembro de 1997, que regulamenta os serviços concernentes ao protesto de títulos e outros documentos de dívida e dá outras providências sobre o tema em debate.
Com efeito, dispõe em seu primeiro dispositivo que:
“Art. 1˚: Protesto é o ato formal e solene pelo qual se prova a inadimplência e o descumprimento de obrigação originada em títulos e outros documentos de dívida.”
Depreende-se claramente que os títulos a que se refere o citado artigo são as letras de câmbio, notas promissórias, cheques, duplicatas, bem como quaisquer outros documentos suscetíveis de pagamento e ensejadores do binômio credor x devedor, enquadrando-se nessa hipótese, obviamente, as despesas condominiais.
Afinal de contas, a cota condominial é obrigação líquida, certa, exigível, de prévio conhecimento dos envolvidos e por essa razão, passível de protesto pelo não pagamento por parte do condômino. Não há dúvidas quanto a isto.
Portanto, a meu ver, a norma federal em referência, ao inserir o termo “outros documentos de dívida“, autoriza o protesto de cotas devidas pelo condômino inadimplente, com a consequente aplicação das sanções pertinentes, notadamente no que concerne à restrição de crédito e negativa do nome junto às instituições financeiras.
De modo a corroborar com esse entendimento, publicou-se, em 15 de janeiro 2009, a Lei estadual nº 5.373/2009, de autoria do deputado Luiz Paulo (PSDB), com o intuito de consolidar a prática no âmbito do Estado do Rio de Janeiro, mesmo sem necessidade, uma vez que a legislação federal já havia disciplinado e esgotado o assunto de forma ampla.
Inclusive, convém esclarecer que outros entes federativos, dentre eles os Estados de São Paulo (Lei estadual nº 13.160/08) e Espirito Santo, publicaram normas idênticas a fim de também disciplinar o tema nas respectivas esferas, ratificando, assim, o protesto de cotas condominiais vencidas e outros documentos com a mesma essência.
No Ceará, por exemplo, os edifícios praticam o protesto das cotas com base somente na Lei Federal nº 9.492/1997 (como deve ser feito), obtendo bons resultados junto ao Poder Judiciário, apesar de não possuírem legislação estadual que regulamente o assunto, conforme informado pelo Sindicato local de habitação (SECOVI).
Feitos estes breves esclarecimentos, há que se mencionar que, recentemente, abraçando-se à regressão e remando contrariamente ao processo de evolução, o Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro proferiu decisão, de cunho político, na qual declarou a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 5.373/2009, amparada na suposta violação do princípio do contraditório/ampla defesa e necessidade da matéria ter sido legislada pela União.
Apenas a título ilustrativo, transcreve-se abaixo ementa do julgado, de relatoria do Desembargador Reinaldo Alberto Filho, constante do acórdão datado de 25/04/2011, veja-se:
“E M E N T A: “Embargos de Declaração. Representação de Inconstitucionalidade. Lei Estadual nº 5373/2009. Alegação de violação dos preceitos inscritos nos artigos 72, caput e 98, caput da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. I – Razões de decidir adotadas por este Relator no V. Acórdão ora Vergastado, conforme transcritas in litteris. Iniciados os debates na sessão de 25/04/2011, onde foi requerida vista. Prosseguimento ao julgamento, em 02/05/2011. Eventual divergência suscitada, apenas em relação aos fundamentos, pela Emte. Des. Leila Mariano. Relatoria que diligenciou para obter suas razões de decidir, as quais também se filia, transcrevendo-as, in litteris. II – E. Órgão Especial reconhecendo, a unanimidade, a procedência da representação para declarar a inconstitucionalidade da Lei Estadual nº 5373/2009, por violação aos artigos 72, caput e 98, caput da Constituição do Estado do Rio de Janeiro. III – Tese recursal sustentando que os julgamentos das Representações por Inconstitucionalidade nº 20/2009 e nº 55/2009, versando sobre a Lei Estadual nº 5.351/2008, prejudicaria a análise da questão em comento com relação à Lei nº 5.373/2009. Diplomas Normativos distintos. Vício de iniciativa constatado na Segunda Lei, importando na sua manifesta inconstitucionalidade.”
Processo nº 0060087-68.2010.8.19.0000 – Desembargador Relator Dr. Reinaldo Pinto Alberto Filho – Órgão Pleno – TJRJ.
Além da questão que envolve competência para legislar sobre o tópico, depreende-se que um dos fundamentos norteadores do julgado é a alegada transgressão ao princípio constitucional de defesa, posto que, segundo entendimento, não seria proporcionado ao devedor nenhum elemento de defesa na via administrativa.
Ora, em síntese, isso significa que não é mais possível protestar dívidas de condomínio? Não é bem assim.
Explica-se. Para os defensores do protesto, a Lei Estadual de 2009 apenas complementava a norma Federal nº 9.492, de 1997, que já previa expressamente a possibilidade de se protestar quaisquer documentos de dívidas, além dos títulos de crédito. Sendo assim, o protesto continuaria, sim, sendo possível, visto que, de acordo com a hierarquia de normas inserida em nosso sistema, deve ser obedecido o princípio basilar de que; disciplinando sobre o mesmo objeto norma Federal se sobrepõe à Lei Estadual ou Municipal.
Sendo assim, podemos extrair, com clareza, que desde o advento da legislação Federal, qual seja, Lei nº 9.492/1997, já era permitido o protesto de títulos, incluindo-se as cotas condominiais vencidas, não havendo motivo plausível à criação de norma inferior para regulamentar a mesma matéria no palco estadual. Ademais, como já exposto no presente trabalho, outros Estados já atuam dessa forma, por não possuírem legislação estadual especifica.
Diante deste raciocínio, a decisão do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro não atinge o direito do condomínio de protestar as dívidas de quem não paga as taxas condominiais, assim como não interfere no direito das escolas de protestarem aqueles que não quitam as mensalidades, ressaltando apenas que a vantagem da lei de 2009 era a transferência ao devedor da obrigação de arcar com o pagamento das custas e emolumentos e o envio de seu nome aos órgãos de proteção ao crédito, que, via de consequência, impulsionaria o efetivo pagamento.
Ocorre que, como a decisão que declarou a inconstitucionalidade da Lei nº 5.373 é muito recente, os cartórios provavelmente estão nutridos de insegurança e receosos com o seguimento da prática de protesto, vez que estes, indiretamente, reportam-se à Corregedoria Geral de Justiça que é ligada ao Tribunal.
Entretanto, considero, em particular, que a prática de protestos será devidamente retomada oportunamente e inserida novamente na rotina cartorária, pois goza de validade, licitude e é protegida por legislação federal cuja eficácia é de nível nacional.
Dúvidas não restam, portanto, sobre a irrelevância da recente decisão proferida pelo órgão especial do Tribunal de Justiça desse Estado, que determinou a inconstitucionalidade da legislação estadual (5.373/2009), referendada em teses equivocadas, haja vista que a norma federal nº 9.492/1997 exauriu completamente o tema em debate, permitindo o protesto de quaisquer documentos de dívidas, incluindo-se, por natural, as cotas condominiais.
Por fim, como visto, ainda que superada a questão da inconstitucionalidade da Lei estadual nº 5.373/2009, a utilização do protesto exige muito cuidado e responsabilidade, a demandar uma análise criteriosa de toda a documentação envolvida, para que essa poderosa ferramenta de cobrança não se reverta em prejuízo para os condomínios, mesmo porque, se o débito não for pago no protesto, restará como única alternativa o ajuizamento de ação de cobrança.
Informações Sobre o Autor
Thiago Hora
Graduado pela faculdade de direito Cândido Mendes/RJ, Pós graduando em Direito Imobiliário pelo CEPAD/RJ, Advogado.