Resumo: O presente artigo pretende abordar o conteúdo do Capítulo V do Código de Defesa do Consumidor (Lei no. 8.078, de 11 de setembro de 1990), especialmente no que se referem às práticas comerciais, as práticas abusivas, a cobrança de dívidas, os bancos de dados e cadastro de consumidores.
Palavras chave: práticas comerciais; práticas abusivas; consumidor.
Sumário: Introdução. 1.Práticas comerciais. 2.Práticas comerciais abusivas. 2.1.Venda casada. 2.2.Recusa de atendimento à demanda. 2.3.Fornecimento não solicitado. 2.4.Vulnerabilidade do consumidor. 2.5.Vantagem excessiva. 2.6.Obrigatoriedade do orçamento. 2.7.Repasse de informações depreciativas do consumidor. 2.8.Atenção às normas técnicas. 2.9.Recusa de venda de produtos ou da prestação de serviços. 2.10.Elevação de preços. 2.11.Alteração de fórmula ou reajuste. 2.12.Falta de prazo para cumprimento da obrigação. 3.Tabelamento de preços. 4.Cobrança de dívidas. 5.Banco de dados e cadastro de consumidores. 6. Conclusão.
INTRODUÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor é um microssistema multidisciplinar, também é uma lei principiológica, norma de ordem pública e de interesse social que visa equilibrar as relações de consumo e tutelar a parte vulnerável.
Não há dúvidas de que as práticas comerciais são de vital importância para as relações de consumo. Contudo, quando essas práticas ferem os princípios basilares que permeiam as relações entre o consumidor e o fornecedor, se configuram como práticas comerciais abusivas que devem ser repudiadas e afastadas do mercado de consumo.
O intuito deste trabalho é analisar essas práticas mostrando como essas questões são tratadas no Código Consumerista.
1. PRÁTICAS COMERCIAIS
Nas palavras do ministro Antonio Herman de V. Benjamin, práticas comerciais “são os procedimentos, mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de produtos e serviços até o destinatário final[1]”.
São as práticas comerciais que servem e sustentam a sociedade de consumo, de modo a aproximar os consumidores dos bens e serviços que estão a sua disposição no mercado de consumo.
O Capítulo V, do Código do Consumidor, se inicia com o artigo 29[2] que estabelece quem são os destinatários das normas ali consignadas e amplia a sua incidência para além das pessoas determináveis, de modo a resguardar o interesse de qualquer pessoa que esteja exposta às práticas comerciais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) vem utilizando o art. 29 como fundamento para o que chama de “critério finalista mitigado”, o qual caminha para a corrente maximalista de definição de consumidor, para aceitar a figura do consumidor-empresário, sujeito também colocado em situação de vulnerabilidade diante das práticas comerciais abusivas.
Para cada tipo de prática comercial há descrição da moldura dentro da qual o fornecedor deve se enquadrar, caso não o faça se sujeitará às sanções civis, administrativas e penais.
Além da oferta e da publicidade, que não serão analisados neste artigo, o Código de Defesa do Consumidor elenca uma série de práticas comerciais consideradas abusivas nos artigos 39, 40, 41, 42 e 43.
2. PRÁTICAS COMERCIAIS ABUSIVAS
Faz parte da principiologia de todo o direito do consumidor a proteção genérica contra todas as formas de práticas comerciais abusivas, o que é destacado como direito “básico” do consumidor no art. 6º, IV, do CDC, in verbis:
“IV – a proteção contra a publicidade enganosa e abusiva, métodos comerciais coercitivos ou desleais, bem como contra práticas e cláusulas abusivas ou impostas no fornecimento de produtos e serviços;”
São práticas comerciais abusivas todas as condutas tendentes a ampliar a vulnerabilidade do consumidor. Como leciona Antônio Carlos Efing, são “comportamentos, tanto na esfera contratual quanto à margem dela, que abusam da boa-fé ou situação de inferioridade econômica ou técnica do consumidor. ‘É a desconformidade com os padrões mercadológicos de boa conduta em relação ao consumidor’[3], conforme o apontamento de Antônio Herman V. e Benjamin”, e mais adiante, “Assim, as práticas abusivas representam antes de mais nada a tentativa do fornecedor agravar o desequilíbrio (i.e., vulnerabilidade) da relação jurídica com o consumidor, impondo sua superioridade e vontade, sendo que na maior parte das vezes isto se traduz na supressão (ou redução) do direito de livre escolha do consumidor[4]”
Ainda que determinado consumidor não tenha sido lesado, o simples fato de o excesso refletir em violação de norma de ordem pública, como as normas do CDC, tem-se que a prática é considerada abusiva.
O legislador não poderia listar a exaustão as práticas abusivas, haja vista que o mercado de consumo é de extrema velocidade e as mutações ocorrem da noite para o dia. Por esta razão é que buscou deixar bem claro que a lista do art. 39 é meramente exemplificativa.
A seguir, passaremos a uma análise das hipóteses previstas neste artigo.
2.1. Venda Casada
“I – condicionar o fornecimento de produto ou de serviço ao fornecimento de outro produto ou serviço, bem como, sem justa causa, a limites quantitativos;”
É a proibição da conhecida “venda casada”. O consumidor deve ter ampla liberdade de escolha quanto ao que deseja consumir, razão pela qual não pode o fornecedor impor ao consumidor a aquisição de produtos ou serviços, nem mesmo quando este esteja a adquirir outros produtos ou serviços do mesmo fornecedor.
2.2. Recusa de atendimento à demanda
“II – recusar atendimento às demandas dos consumidores, na exata medida de suas disponibilidades de estoque, e, ainda, de conformidade com os usos e costumes;”
O fornecedor não pode recusar atendimento ao consumidor, desde que tenha disponibilidade de estoque.
2.3. Fornecimento não solicitado
“III – enviar ou entregar ao consumidor, sem solicitação prévia, qualquer produto, ou fornecer qualquer serviço;”
O fornecimento não solicitado é uma prática corriqueira e abusiva do mercado e que, muitas vezes, pode levar o consumidor a sentir-se no dever de pagar pelo produto que chegou às suas mãos, mesmo sem ter solicitado. Para coibir esta prática, o CDC estabelece no parágrafo único, do artigo 39, a título de sanção, que o produto ou serviço oferecido seja considerado como gratuito (amostra grátis), não cabendo qualquer pagamento ou ressarcimento ao fornecedor.
2.4. Vulnerabilidade do consumidor
“IV – prevalecer-se da fraqueza ou ignorância do consumidor, tendo em vista sua idade, saúde, conhecimento ou condição social, para impingir-lhe seus produtos ou serviços;”
O consumidor é, reconhecidamente, um ser vulnerável no mercado de consumo (art. 4º. I, do CDC). A vulnerabilidade é um traço universal de todos os consumidores, ricos ou pobres, educados ou ignorantes, crédulos ou não. Já a hipossuficiência (indica uma vulnerabilidade superior à média) é marca pessoal, limitada a alguns consumidores, são os consumidores ignorantes e de pouco conhecimento, de idade pequena ou avançada, de saúde frágil, bem como aqueles que não têm condições de avaliar adequadamente o produto ou serviço que estão adquirindo[5].
Assim, a utilização, pelo fornecedor, de técnicas mercadológicas que se aproveitem da hipossuficiência do consumidor se caracteriza como prática abusiva.
2.5. Vantagem excessiva
“V – exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva;”
Um dos objetivos da disciplina das relações de consumo é a preservação do equilíbrio entre consumidores e fornecedores. Quando o contrato se constrói com a imposição de vantagem excessiva para o fornecedor, se tem comprometido este equilíbrio e a cláusula é considerada nula.
É o caso, por exemplo, de plano de saúde que possui cláusula contratual que fixa prazo para internação de paciente, referida cláusula é considerada abusiva[6].
A vantagem excessiva é sinônima da vantagem exagerada prevista no art.51, § 1º, do CDC.
2.6. Obrigatoriedade do orçamento
“VI – executar serviços sem a prévia elaboração de orçamento e autorização expressa do consumidor, ressalvadas as decorrentes de práticas anteriores entre as partes;”
A transparência nas relações de consumo é um dos princípios insculpidos no CDC e, diante deste principio, é vedada a execução de orçamento sem prévia e expressa autorização do consumidor, salvo quando em contratações anteriores com aquele prestador de serviços, o consumidor não exigiu o orçamento.
O artigo 40 do CDC se coaduna a este inciso e impõe dois requisitos: apresentação do orçamento prévio e autorização do consumidor.
O orçamento prévio deverá conter o valor da mão-de-obra, dos materiais e equipamentos a serem empregados, as condições de pagamento, bem como as datas de início e término dos serviços. Verifica-se que o legislador objetivou fortalecer o direito do consumidor à completa informação sobre a prestação de um serviço.
Observa-se também que o orçamento tem prazo determinado de validade, para evitar prejuízo posterior para quem executará o serviço. Assim, conforme dispõe o art.40, §1º do CDC, salvo estipulação em contrário, o orçamento terá validade pelo prazo de dez dias a contar de seu recebimento pelo consumidor.
Cumpre ressaltar que após a aprovação pelo consumidor o orçamento ganha força de contrato nos termos do §2º, do art.40.
Por outro lado, é importante esclarecer que a ausência de orçamento não necessariamente desobriga o consumidor de pagar pela prestação do serviço realizado, quando o consumidor, mesmo sem orçamento, acompanha a execução do serviço e pratica atos que importaram na aceitação do procedimento e das despesas do fornecedor. Nessa hipótese, há concordância tácita por parte do consumidor. Admitir a incidência do artigo 40 neste caso seria concordar com o enriquecimento ilícito, o que é vedado pela lei.
2.7. Repasse de informações depreciativas sobre o consumidor
“VII – repassar informação depreciativa, referente a ato praticado pelo consumidor no exercício de seus direitos;”
Este inciso se refere às chamadas “listas negras” que não dizem respeito às informações sobre os consumidores (banco de dados e cadastros de consumidores constantes no artigo 43 e ss do CDC), mas, sim as informações dos consumidores que reclamam e exigem seus direitos ou que estão envolvidos em associações de proteção de consumidores.
Pretende impedir que o consumidor atento aos seus direitos se torne objeto de comentários lesivos por parte do fornecedor, especialmente no que se refere às informações disponibilizadas em cadastros de consumidores. Assim, nenhum fornecedor pode divulgar informação depreciativa sobre o consumidor quando tal se referir ao exercício de seu direito.
2.8. Atenção às normas técnicas
“VIII – colocar, no mercado de consumo, qualquer produto ou serviço em desacordo com as normas expedidas pelos órgãos oficiais competentes, ou, se normas específicas não existirem, pela Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial – CONMETRO;”
As normas técnicas são estipuladas visando garantir padrões de qualidade e segurança, contudo, somente possuem caráter vinculante as normas provenientes da Associação Brasileira de Normas Técnicas ou outra entidade credenciada pelo Conselho Nacional de Metrologia, Normalização e Qualidade Industrial (CONMETRO). Cabe ao fornecedor respeitar essas normas.
2.9. Recusa de venda de produtos ou da prestação de serviços.
“IX – recusar a venda de bens ou a prestação de serviços, diretamente a quem se disponha a adquiri-los mediante pronto pagamento, ressalvados os casos de intermediação regulados em leis especiais;” (Inciso acrescentado conforme determinado na Lei nº 8.884, de 11.6.1994, DOU 13.6.1994).
O fornecedor não pode se negar a vender produto ou prestar serviços a quem está disposto a adquiri-los mediante pronto pagamento, especialmente, quando o pagamento é feito em dinheiro.
Embora o CDC não mencione o modo de pagamento, entende-se que o fornecedor não poderá se negar a receber o pagamento em dinheiro, moeda corrente. Se o seu estabelecimento admite outras formas de pagamento, por cheque ou cartão de crédito, não poderá oferecer tratamento diferenciado para os clientes. É evidente que está autorizado a se negar a receber o cheque do consumidor que tenha restrição bancária, bem como não será obrigado a receber cartão se não for um dos estabelecimentos credenciados.
2.10. Elevação de preços
“X – elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços.” (Incluído pela Lei nº 8.884, de 11.6.1994).
Como no Brasil vigora, em geral, o sistema de liberdade de preços, o inciso em referência se aplica ao período pós-contratual ou aqueles produtos sujeitos a controle de preço ou ao tabelamento.
2.11. Alteração de fórmula ou reajuste
“XI – Aplicar fórmula ou índice de reajuste diverso do legal ou contratualmente estabelecido”. (Dispositivo incorporado pela Medida Provisória nº 1.890-67, de 22.10.1999, transformado em inciso XIII quando da conversão da Lei 9.870/99).
O teor do dispositivo acima preza pela transparência das relações contratuais e pretende evitar a quebra do acordo contratual, ainda que no tocante à fórmula ou reajuste. O presente inciso corrobora com o teor do artigo 52 que estabelece o dever de informação do fornecedor nas hipóteses de fornecimento de produtos e serviços que envolvam a outorga de créditos ou concessão de financiamento.
O consumidor, no momento do contrato, tem o direito de tomar ciência da formula, do índice de reajuste, dentre outros, que serão aplicados no próprio contrato, de modo a vincular o fornecedor.
2.12. Falta de prazo para cumprimento de obrigações
“XII – deixar de estipular prazo para o cumprimento de sua obrigação ou deixar a fixação de seu termo inicial a seu exclusivo critério.” (Incluído pela Lei nº 9.008, de 21.3.1995).
O fornecedor tem o dever de informar ao consumidor o prazo em que cumprirá a obrigação ou mesmo fixar o início do seu cumprimento, evitando, deste modo, que a adimplência do contrato fique a mercê de sua vontade, o que se mostraria incompatível com o equilíbrio contratual. O estabelecimento dos prazos também é fundamental para delimitar o momento em que ocorre a inadimplência, permitindo ao consumidor que tome as medidas cabíveis para a defesa de seus interesses.
3. Tabelamento de Preços
Estabelece o art. 41, do CDC: “No fornecimento de produtos ou de serviços sujeitos ao regime de controle ou de tabelamento de preços, os fornecedores deverão respeitar os limites oficiais sob pena de, não o fazendo, responderem pela restituição da quantia recebida em excesso, monetariamente atualizada, podendo o consumidor exigir à sua escolha, o desfazimento do negócio, sem prejuízo de outras sanções cabíveis”.
O Tabelamento de preços, até pouco tempo, era visto principalmente pelo prisma administrativo e penal (Lei de Economia Popular). O CDC alterou o tratamento da matéria, introduzindo o mecanismo da reparação civil, de modo que o consumidor passou a ter duas opções: a restituição da quantia paga em excesso ou o desfazimento do negócio.
Importante ressaltar que, caso o consumidor opte pelo desfazimento do contrato, cabe restituição da quantia paga, monetariamente atualizada, sem prejuízo de sanções de outra natureza, sejam administrativas, sejam criminais, incluindo-se multa.
4. Cobranças de Dívidas.
A cobrança de uma dívida é uma atividade corriqueira e legítima e se constitui um exercício regular do direito do fornecedor. Contudo, o fornecedor deve utilizar de cuidado e zelo na cobrança, de modo a evitar que o consumidor inadimplente seja submetido a constrangimento, situações vexatórias ou a qualquer tipo de ameaça.
O fornecedor, ao efetuar a cobrança de uma dívida, deverá observar o art. 42, bem como o art. 71, ambos do CDC, que deverão ser analisados em conjunto. A norma consumerista não impede a cobrança de dívidas, mas apenas limita certas práticas abusivas cujo fundamento se sustenta na vulnerabilidade do consumidor (art.4º, inciso I, CDC), na preservação de sua dignidade (art.1º, inciso III, Constituição Federal; e art. 4º, caput, CDC), na sua privacidade (art. 5º, inciso X, CF) e na manutenção da harmonia entre o consumidor e o fornecedor nas relações de consumo (art. 4º, caput e inciso III, CDC).
O art. 42, caput, do CDC [7], buscou abranger o conjunto de situações que, possivelmente, possam atentar contra a dignidade do consumidor. Parte-se do princípio de que o consumidor inadimplente não é diminuído em sua dignidade por estar inadimplente e, portanto, não pode ter sua honra ou integridade moral, física ou patrimonial ofendidos.
A preocupação do ordenamento com essa questão foi tão grande que o legislador utilizou o Direito Penal, para criminalizar as condutas que são consideradas mais graves na cobrança de dívidas, na forma do art. 71 do CDC[8].
O parágrafo único do art. 42 dispõe que o consumidor tem direito à repetição do indébito quando for cobrado em quantia indevida, exceto nas hipóteses de engano justificável.
A grande discussão reside na interpretação do alcance da expressão “engano justificável”. Para a maior parte da doutrina, engano justificável seria aquele que não decorre nem de dolo nem de culpa do fornecedor. Acrescenta Antônio Herman V. Benjamin que engano justificável “É aquele que, não obstante todas as cautelas razoáveis exercidas pelo fornecedor-credor, manifesta-se”[9].
Assim, o engano só é considerado justificável quando não decorrer de dolo ou culpa do fornecedor do serviço.
Para Cláudia Lima Marques, a norma do parágrafo único do art. 42 tem alcançado relativa ou pouca efetividade. A jurisprudência ainda resiste a uma condenação em dobro do cobrado indevidamente, pois passou a ver esta condenação como uma fonte de enriquecimento “sem causa” e não como uma punição razoável ao fornecedor negligente que abusou de seu “poder” na cobrança. Quase que somente em caso de má-fé subjetiva do fornecedor, há devolução em dobro, quando o CDC, ao contrário, menciona a expressão “engano justificável” como única exceção. Mister rever esta posição jurisprudencial[10].
A devolução simples do cobrado indevidamente é para casos de erros escusáveis dos contratos entre iguais, dois civis ou dois empresários, e está prevista no CC/2002. No sistema do CDC, todo o engano na cobrança de consumo é, em princípio, injustificável. Cabe ao fornecedor provar que seu engano na cobrança, no caso concreto, foi justificado.
A cláusula de restituição em dobro tem caráter pedagógico e preventivo, para evitar que o fornecedor se descuide e cobre a mais dos consumidores por engano, havendo uma presunção relativa de que o engano é injustificável, apenas podendo ser afastada se cabalmente comprovado pelo fornecedor que o erro foi escusável.
Dispõe o art. 42-A, do CDC: “Em todos os documentos de cobrança de débitos apresentados ao consumidor, deverão constar o nome, o endereço e o número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas – CPF ou no Cadastro Nacional de Pessoa Jurídica – CNPJ do fornecedor do produto ou serviço correspondente.” (Artigo acrescentado conforme determinado na Lei nº 12.039/2009).
A utilidade deste artigo se justifica em razão da preocupação com a proteção ao consumidor no tocante a localização do fornecedor, o que é muito relevante, pois uma grande dificuldade prática para exercício das pretensões pelo consumidor decorre, muitas vezes, da ausência de localização precisa, como por exemplo no caso do comércio eletrônico (direito à informação clara e precisa. Princípio da transparência e da boa-fé).
Para Ezequiel Morais[11], em sua obra Código de Defesa do Consumidor Comentado, a norma contida no artigo 42-A poderia ser revestida de mais efetividade e força de penalidade específica inserida no próprio texto do artigo, como isso não foi feito, a norma não se apresenta inócua, vez que o fornecedor que descumpri-la poderá ser punido por meio de sanções dispostas em outros dispositivos genéricos do CDC que serão adaptados ao caso. Segundo alguns setores da doutrina, essa norma não tem autonomia, pois não prescreve sanção, mas esta ligada intrinsicamente a outros dispositivos de natureza sancionadora (art. 22, parágrafo único do CDC).
Já no entendimento de Claudia Lima Marques, Antonio Herman e Bruno Miragem, em Comentários ao Código de Defesa do Consumidor[12], o descumprimento da regra contida neste artigo impõe a possibilidade de sanção pela violação do dever do informar e se submete a multa prevista no art. 56, I, CDC, sendo possível o cumprimento forçado do dever, com fundamento no art.84 (tutela especifica da obrigação de fazer).
5. Bancos de dados e cadastro de consumidores.
Com o crescimento e desenvolvimento do comércio, especialmente após a Segunda Guerra Mundial, despontaram os bancos de dados e cadastros de consumidores que, inicialmente, eram bem restritos, mas com o surgimento e aperfeiçoamento de novas tecnologias, foram se expandindo e se modernizando diante da necessidade de uma proteção maior ao crédito.
Os bancos de dados e cadastro de consumidores desempenham um importante papel nas relações comerciais, pois possibilitam ao fornecedor conhecer e obter informações do consumidor, proporcionando maior agilidade e segurança na concessão do crédito.
Diante da necessidade de proteção ao crédito, no Brasil surgiram algumas entidades destinadas à coleta e manutenção de arquivos pessoais, merecendo destaque o Serviço de Proteção ao Crédito (SPC), a SERASA (Centralização de Serviços de Bancos S/A) e o Cadastro de Emitentes de Cheques sem Fundos (CCF), de responsabilidade do Banco Central.
O artigo 43, do CDC trata do tema:
“Art. 43. O consumidor, sem prejuízo do disposto no art. 86, terá acesso às informações existentes em cadastros, fichas, registros e dados pessoais e de consumo arquivados sobre ele, bem como sobre as suas respectivas fontes.
§1º. Os cadastros e dados de consumidores devem ser objetivos, claros, verdadeiros e em linguagem de fácil compreensão, não podendo conter informações negativas referentes a período superior a cinco anos.
§2º. A abertura de cadastro, ficha, registro e dados pessoais e de consumo deverá ser comunicada por escrito ao consumidor, quando não solicitada por ele.
§3º. O consumidor, sempre que encontrar inexatidão nos seus dados e cadastros, poderá exigir sua imediata correção, devendo o arquivista, no prazo de cinco dias úteis, comunicar a alteração aos eventuais destinatários das informações incorretas.
§4º. Os bancos de dados e cadastros relativos a consumidores, os serviços de proteção ao crédito e congêneres são considerados entidades de caráter público.
§5º. Consumada a prescrição relativa à cobrança de débitos do consumidor, não serão fornecidas, pelos respectivos Sistemas de Proteção ao Crédito, quaisquer informações que possam impedir ou dificultar novo acesso ao crédito junto aos fornecedores.”
O parágrafo 2º, do artigo 43, não estabelece uma forma específica para a realização da notificação, nem exige a comprovação do recebimento do aviso prévio pelo devedor (não há necessidade que seja feita por “AR”[13]), dispõe apenas que a comunicação seja feita por escrito. Cabe ao órgão responsável provar o envio da correspondência que dá ciência do registro no cadastro de proteção ao crédito[14].
A norma consumerista permite ao consumidor o acesso aos seus dados e o direito de exigir a correção de eventuais inexatidões ou incorreções neles contidas, teor do art.43, § 3º do CDC.
Conforme disposto no § 4º, do art. 43 do CDC, os bancos de dados e cadastros de consumidores são considerados de caráter público. Assim, qualquer arquivo relacionado às relações de consumo mesmo que restrito ao estabelecimento do fornecedor deve ser revelado ao consumidor.
Nos termos do §5º, do art. 43, uma vez consumada a prescrição referente à cobrança de débitos, não será fornecida, pelos sistemas de proteção ao crédito, informação que possa dificultar acesso do consumidor ao crédito. O nome do devedor somente poderá ser mantido nos serviços de proteção ao crédito pelo prazo máximo de cinco anos[15].
O artigo 44 do CDC[16] trata dos arquivos de consumo e dispõe que todos os órgãos públicos de defesa do consumidor (Procons municipais e estaduais, Departamento Nacional de Defesa do Consumidor – do Ministério da Justiça, por exemplo) tem o dever de criar, organizar e divulgar relação de fornecedores[17] que atuam em descompasso com as regras e princípios do CDC. Os seus parágrafos exigem o cumprimento dos mesmos deveres de boa-fé impostos aos cadastros de consumidores (art.43) e aos serviços públicos (arts. 3º. e 22).
O cadastro de fornecedores equipara-se ao dos consumidores no SERASA ou SPC – Serviço de Proteção ao Crédito e permite que o consumidor tenha informação exata sobre a situação do fornecedor e de suas práticas nas relações de consumo, de modo a preservar a igualdade de tratamento. Para Rizzato Nunes “o conteúdo do caput do art. 44 é o troco da lei aos serviços de proteção ao crédito[18].”
É considerado arquivo público e por esta razão deve ter publicidade e deve ser atualizado, confiável e continuo.
Com a criação do SINDEC – Sistema Nacional de informações de Defesa de Consumidor, o acesso de qualquer interessado aos cadastros de reclamações fundamentadas passou a ser facilitado, posto que integrou em rede as informações sobre os processos administrativos com o intuito de destinar maior publicidade, informar e criar mais um fator de proteção dos consumidores.
Entende-se por reclamação fundamentada aquela notícia de lesão ou ameaça a direito que já foi analisada pelo órgão público de defesa do consumidor (a requerimento ou de oficio) e foi julgada procedente por decisão administrativa definitiva.
É importante frisar que cumpre ao órgão público de defesa do consumidor observar o contraditório e a ampla defesa. Por esta razão as reclamações devem ser fundamentadas[19], baseadas em fatos verídicos. Somente desta forma podem ser registradas pelos órgãos de defesa do consumidor, com o intuito de se evitar abusos e danos ao nome do fornecedor.
6. CONCLUSÃO
É inegável que as práticas comerciais desempenham um importante papel na sociedade de consumo, mas quando essas práticas ultrapassam os limites e se tornam abusivas, se faz necessária a aplicação imediata da lei consumerista como instrumento de proteção e tutela dos direitos do consumidor, visando manter o equilíbrio e a equidade nas relações de consumo.
Informações Sobre o Autor
Norma Jeane Fontenelle Marques
Advogada, pós-graduada em Direito do Trabalho e Mestre em Direito pela FADISP – Faculdade Autônoma de Direito de São Paulo