Resumo: Prisão e garantias são temas que andam em paralelo, em uma linha tênue, chegar a um ponto de equilíbrio é tornar cada vez mais essas prisões legais, não só no sentido da lei, mas ao ponto de serem decretadas somente em extrema necessidade, observando todas as garantias legais. A audiência de custódia é o começo de um caminho longo a ser percorrido, que visa trazer mais legalidade a tais prisões, ao ponto de inibir a execução de atos de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante em interrogatórios policiais. No presente artigo são analisados os aspectos deste direito previsto em Tratados Internacionais de Direitos Humanos, concluindo, ao final, pela total legalidade das audiências de custódia, e pela imediata implementação com risco da falta desta, tornar ilegal a prisão em flagrante, por inobservância do art. 7, item 5, da Convenção Americana de direitos Humanos, que por sua vez tem força normativa constitucional segundo o ordenamento jurídico Brasileiro[1].
Palavras-Chave: Prisão. Garantias. Audiência de Custódia. Tratados Internacionais de Direitos Humanos.
Abstract: Incarceration and Legal Assurances are parallel topics, always related within a fine line. Achieving a balance point in between these two is turning imprisonment even more legal, not only under the law, but to the point of only being enacted in cases of extreme need, minding all the Legal Assurances. The audiences for custody is the beginning of a long path to be run, when it is aimed to be brought more lawfulness to such arrests. This way is expected to suppress torture, cruel, inhumane and degradative treatment to prisoners while under police interrogation. In this article are observed all aspects from these rights established in Human Rights Internationals Treaties, finallly bringing to conclusion for the legality of the audiences for custody, and for the immediate mandatory implementation of such, turn illegal any prison in the act, for inobservance of the Art. 7, Item 5, of the American Human Rights Convention, which has constitutional normative power, according to the Brazilian Legal Order.
Keywords: Prison. Legal Assurances. Custody hearing. Human Rights International Treaties.
Sumário: 1-Introdução; 2-Prisão no contexto jurídico Brasileiro; 3-Garantias da Prisão segundo a CF 88 e segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos; 4-Audiência de Custódia; previsão normativa, vantagens e importância; 5-Conclusão. Referências.
1 – Introdução
Este trabalho visa abordar os aspectos em torno da (i)legalidade da realização das audiências de custódia, da necessidade ou não de sua normatização através de Lei, discorre em relação a constitucionalidade das normas de tratados internacionais, dos quais, o Brasil é signatário, passa por uma abordagem histórica e, por fim faz um breve relato em relação à necessidade e vantagem de tal audiência.
Observa-se que nos últimos anos o encarceramento no Brasil tem crescido demasiadamente, apesar das mudanças previstas na legislação atual, a qual, prevê diversas alternativas frente a prisão preventiva. Verifica-se contudo, que tais mudanças, não vem produzido os efeitos esperados. A possibilidade da implantação das audiências de custódia junto com as alterações previstas na Lei 12.403/2011, podem significar um salto evolutivo neste sentido.
É descabida a ideia de que a audiência de custódia é revestida de ilegalidade, tendo em vista, a força normativa gerada pela ratificação do Pacto de San José da Costa Rica, que ingressou no ordenamento interno como Decreto Lei 678/1992. No RE 466.343/SP e no HC 87.585/TO, o STF firmou posição de que a CADH tem valor supralegal, ou seja, está situada acima das leis ordinárias, mas abaixo da Constituição. Sendo assim, as normas de Tratados de Direitos Humanos são de eficácia plena e imediata, pois tem valor superior a lei e é totalmente compatível com a Constituição Brasileira, evidentemente não há que se falar em suposta inconstitucionalidade.
A par disso, a doutrina entende, que, se deve afastar a ideia de que a audiência de custódia é uma antecipação da instrução, tendo em vista, que na referida audiência não se entrará no mérito do delito, verificando apenas se os direitos fundamentais da pessoa privada de liberdade estão sendo respeitados, além das condições que envolvem a prisão, se há requisitos para conversão em preventiva, se é possível a substituição por medidas cautelares e por fim, se é o caso de conceder a liberdade provisória, inibindo desta forma, que abusos possam ser cometidos.
Embora os Tratados Internacionais de Direitos Humanos que asseguram o direito à audiência de custódia não necessitem, conforme exposto acima, de implemento normativo, não se pode olvidar que a edição de lei exerce um papel fundamental na promoção de tal direito. É fato, que grande parte dos operadores do direito, não tem observado tais determinações, por inúmeros motivos, dentre eles, a segurança dos envolvidos nas audiências, por mais importante que sejam estes argumentos, não cabe usá-los para deixar de realiza-las.
Não há dúvidas para, que, tais audiências ocorram, primeiro, deve haver uma mudança de paradigma, visando buscar a promoção da democracia, além de assegura o respeito às garantias constitucionais e a proteção dos Direitos Humanos.
2 – A prisão no contexto jurídico Brasileiro
Inicialmente, cabe destacar que, hoje, no Brasil existe um déficit de quase 244 mil vagas no sistema penitenciário, o Brasil já conta com mais de 600.000 mil presos. Destes, quase 40% são presos provisórios, ou seja, aguardando julgamento, segundo dados divulgados pelo CNJ – Conselho Nacional de Justiça, com base em informações recebidas dos 26 estados e do Distrito Federal, referentes ao ano de 2015.
A grande questão é: Enclausurar todo mundo, resolve?? O tema não é tão simples assim. Foucault, descreve claramente essa situação em seu livro – (FOUCAULT, Vigiar e punir, ed. Petrópolis, 2011, p.218); “Conhecem-se todos os inconvenientes da prisão, e sabe-se que é perigosa, quando não inútil. E, entretanto não ‘vemos’ o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão”.
Em regra, a prisão é associada a um castigo, ou a uma punição por algum ato “errado”; Carnelutti, ilustra essa posição quando disse em seu livro – (CARNELUTTI, Questões sobre o Processo Penal, Librería el Foro, 1994); “Já que é necessário julgar para castigar, mas também castigar para julgar”. Desta forma, se deve ter muito cuidado ao se decretar um prisão, para que se evitem condenações antecipadas.
Dito isto, no Brasil existem ou existiam quatro modalidades distintas de prisão: a penal, a administrativa, a disciplinar (militar) e a civil.
A Prisão Penal pode-se caracterizar por duas principais espécies: A penal definitiva e a penal processual; A prisão penal definitiva pode ser definida como prisão-pena, isto é, aquelas decorrentes de sentença condenatória transitada em julgado, já a prisão processual pode ser definida como prisões provisórias, ou seja, as prisões cautelares, que abrangem as prisões em flagrante, temporárias e preventivas, em síntese, as prisões sem pena. Porém, a Constituição da República, em seu art. 5º, LVII, resalta que ninguém pode ser considerado culpado antes do trânsito em julgado da sentença penal condenatória, ou seja, no ordenamento jurídico brasileiro o indivíduo é protegido por um princípio chamado “Presunção da não culpabilidade”, daí porque, a importância do uso do instituto das cautelares, previstas no art. 319, do Código de Processo Penal, que veio com o advento da Lei 12.403/2011, reforçando a ideia de que a prisão deve ser usada com a ultima ratio das medidas acautelatórias.
Em relação à prisão administrativa, após a promulgação da Constituição de 88 e com advento da Lei 12.403/2011, esta foi totalmente revogada de modo a não mais possibilitar a prisão administrativa em nenhuma hipótese por ausência de previsão legislativa, porém, uma parte da doutrina entende que a Lei 6.815/80 (Estatuto dos estrangeiros), possibilitava a prisão administrativa para fins de deportação, em seu art. 61, pelo prazo máximo de 60 dias com possibilidade de prorrogação de acordo com o parágrafo único.
Já quanto a prisão disciplinar (militar), esta se encontra presente no direito penal e processual penal militar, tendo como no art. 5º, LXI da CF/88 que permite a punição por parte de autoridades militares aos crimes militares praticados por militares.
Por fim, em relação à hipótese de prisão civil, a única situação permitida é em relação ao responsável pelo inadimplemento voluntário de obrigação alimentícia (art. 5º, LXVII).
Como dito acima, com o advento da Lei nº 12.403/2011, na qual foi instituída várias modalidades distintivas da prisão, na pratica se observa pouca mudança neste sentido, deixando de lado cada vez mais, o uso das cautelares previstas no Código de Processo Penal.
Por fim, louvável é a implementação no ordenamento jurídico Brasileiro das audiências de custódia, posto que, com esse instituto, pode-se diminuir significativamente as distorções existente no momento da prisão, fazendo cair os números de presos provisórios e de prisões ilegal.
3 – Garantias da Prisão segundo a Constituição Federal de 88 e segundo a Convenção Americana de Direitos Humanos
Segundo Gustavo Henrique Righi Ivany Badaró:
“A Constituição de 1988 assegura uma série de garantias em relação à prisão cautelar, visando conter abusos e estabelecer um conjunto de meios protetivos para evitar que tal prisão possa implicar qualquer outra restrição além daquelas estritamentes previstas na lei” (BADARÓ, parecer ao Instituto de Defesa do direito de Defesa e a Defensoria Pública da União, 2014)
A Constituição de 88, em seu artigo 5º prevê todas essas garantias, vejamos:
“LXI – ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem estrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;
LXII – a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;
LXIII – o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;
LXIV – o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial;
LXV – a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária;
LXVI – ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança.” (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, art. 5º, direitos e garantias Fundamentais)
Porém a Constituição de 88, não prevê, expressamente, que o preso terá que ser apresentado pessoalmente a uma autoridade judiciária, contudo, no Pacto de San José da Costa Rica, que foi devidamente promulgado pelo Brasil através do Decreto nº 678/92, a partir da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, em seu artigo 7º, item 05, que prevê:
“[…] toda pessoa presa, detida ou retida deve ser conduzida, sem demora, à presença de um juiz ou outra autoridade autorizada por lei a exercer funções judiciais e tem o direito de ser julgada em prazo razoável ou de ser posta em liberdade, sem prejuízo de que prossiga o processo. Sua liberdade pode ser condicionada a garantias que assegurem o seu comparecimento em juízo” (COSTA RICA, 1969).
A par disso, grande parte da doutrina defende que, por força do disposto no artigo 5º, § 2º, da Constituição, que os tratados internacionais de direitos humanos têm status constitucional; Antonio Magalhães Gomes Filho e Ada Pellegrini Grinover.
“Todas as garantias processuais penais da Convenção Americana integram, hoje, o sistema constitucional brasileiro, tendo o mesmo nível hierárquico das normas inscritas na Lei Maior. Isso quer dizer que as garantias constitucionais e as das Convenção Americana se integram e se completam; e, na hipótese de ser uma mais ampla que a outra, prevalecerá a que melhor assegure os direitos fundamentais” (GRINOVER, Ada Pellegrini, GOMES FILHO, Antonio Magalhães, As Nulidades no Processo Penal, 2009).
Ademais, apesar de sua promulgação já ter sido em 1992, até hoje alguns operadores do direito insistem na ideia de sua inconstitucionalidade e ilegalidade. Como é cediço, é totalmente descabida essa colocação, tendo em vista que a Constituição de 88 acata a “teoria dualista”. O STF, no (RE 80.004/SE), acatou a teoria dualista em matéria de direito internacional advindo de tratados e no (RE 466.343/SP), deu status aos tratados internacionais de direitos humanos subscritos pelo Brasil de normativo supralegal.
No Brasil, como dito acima, adota-se a teoria dualista, para tal teoria “o direito internacional e o direito interno de cada Estado são sistemas rigorosamente independentes e distintos, de tal modo que a validade jurídica de uma norma interna não se condiciona à sua sintonia com a norma internacional” (CARVALHO, Felipe Bruno Santabaya, A posição hierárquica dos tratados internacionais e da lei complementar no ordenamento jurídico brasileiro, 2012). Contudo, o art. 5º, §2º da CRFB/88 adotou o sistema da incorporação automática dos tratados internacionais de direitos humanos, para que isso ocorra tais tratados terão que ser aprovados em ambas as Casas do Congresso Nacional.
A partir deste entendimento, se verifica que os tratados internacionais no ordenamento jurídico brasileiro passaram a ter hierarquias distintas, dependendo da forma de aprovação: Os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, que forem aprovados em ambas as Casas do Congresso Nacional, ou seja, em dois turnos, por três quintos dos votos dos respectivos membros, serão equivalentes às emendas constitucionais; Os tratados internacionais de direitos humanos aprovados pelo procedimento ordinário terão o status de supralegal; E por fim, os tratados internacionais que não versarem sobre direitos humanos serão equivalentes às leis ordinárias.
Isso reforça o fato de que os tratados internacionais sobre direitos humanos que tenham sido aprovados por esse quórum, servirão de parâmetro de controle de constitucionalidade, ou seja, significa que, caso uma lei ordinária divirja desse tratado internacional a mesma será reputada como inconstitucional.
Bernardes e Ferreira, em seu livro Direito Constitucional Positivo traz a seguinte ideia:
“[…] No direito brasileiro, tais quais as leis em geral, os tratados internacionais configuram-se como atos complexos, pois carecem de aprovação não só do chefe do Estado (art. 84 VIII), como também do Congresso Nacional (art. 49, I). Ademais, mesmo que o Congresso Nacional tenha referendado o tratado internacional, para que este ingresse e tenha vigor no âmbito do direito positivo interno, será ainda preciso que o Presidente da República o promulgue mediante decreto”.
Diz ainda:
“[…] Contudo, a teoria dualista adotada no Brasil é do tipo moderada (e não extremada), pois a internalização das normas dos tratados internacionais dispensa a necessidade de reproduzi-las no corpo de lei formal […]”.
Antonio Augusto Cançado Trindade (ex-juiz da Corte Internacional de Direitos Humanos/OEA) afirma que em matéria de proteção dos direitos fundamentais vige a regra segundo a qual as normas jurídicas definidoras dos direitos humanos devem ser interpretadas tendo como vetor a conformação da maior proteção da pessoa (ou da vítima).
“No presente domínio de proteção, não mais há pretensão de primazia do direito internacional ou do direito interno, como ocorria na polêmica clássica e superada entre monistas e dualistas. No presente contexto, a primazia é da norma mais favorável às vítimas, que melhor as proteja, seja ela norma de direito internacional ou de direito interno. Este e aquele aqui interagem em benefício dos seres protegidos. É a solução expressamente consagrada em diversos tratados de direitos humanos, da maior relevância por suas implicações práticas. Merecedora da maior atenção, tem curiosamente passado quase despercebida na doutrina contemporânea. Concentremo-nos, pois, no que dispõem os tratados de direitos humanos a respeito.
O critério da primazia da norma mais favorável às pessoas protegidas, consagrado expressamente em tantos tratados de direitos humanos, contribui em primeiro lugar para reduzir ou minimizar consideravelmente as pretensas possibilidades de “conflitos” entre instrumentos legais em seus aspectos normativos. Contribui, em segundo lugar, para obter maior coordenação entre tais instrumentos, em dimensão tanto vertical (tratados e instrumentos de direito interno) quanto horizontal (dois ou mais tratados). No tocante a esta última, o critério da primazia da disposição mais favorável às vítimas já em fins da década de cinqüenta era aplicado pela Comissão Européia de Direitos Humanos (petição nº 235/56, de 1958-1959), e recebeu reconhecimento judicial da Corte Interamericana de Direitos Humanos no Parecer de 1985 sobre a Associação Obrigatória de Jornalistas. Contribui, em terceiro lugar, como ressaltamos em nosso curso ministrado na Academia de Direito Internacional da Haia em 1987, para demonstrar que a tendência e o propósito da coexistência de distintos instrumentos jurídicos – garantindo os mesmos direitos – são no sentido de ampliar e fortalecer a proteção. O que importa em última análise é o grau de eficácia da proteção, e por conseguinte há de impor-se a norma que no caso concreto melhor proteja, seja ela de direito internacional ou de direito interno”. (ANTÔNIO AUGUSTO CANÇADO TRINDADE: Juiz da Corte Internacional de Justiça, 2014).
Posto isto, em termos práticos, qualquer norma infraconstitucional, que conflite com as garantias asseguradas na Convenção Americana de Direitos Humanos, anterior ou posterior à promulgação, não poderá mais ser aplicada e caso deixe de ser aplicada qualquer norma prevista na referida Convenção, poderá tornar a prisão ilegal, devendo esta ser imediatamente relaxada.
4 – Audiência de Custódia: previsão normativa, vantagens e importância
Audiência de Custódia, em síntese, consiste na criação de uma estrutura multidisciplinar nos Tribunais de Justiça que receberá presos em flagrante para uma primeira análise sobre o cabimento e a necessidade de manutenção dessa prisão ou a imposição de medidas alternativas ao cárcere.
O objetivo principal é garantir que, em até 24 horas, o preso seja apresentado e entrevistado por um Magistrado, em uma audiência em que serão ouvidas o Ministério Público, a Defensoria Pública ou advogado do preso. Durante a audiência, será analisada a prisão, apenas, sob o aspecto da legalidade, da necessidade e adequação da continuidade da prisão ou da eventual concessão de liberdade, com ou sem a imposição de outras medidas cautelares, além de eventuais ocorrências de tortura ou de maus-tratos, entre outras irregularidades.
A implantação do procedimento das audiências de custódia, visa apenas dar cumprimento ao tratado internacional de direitos humanos da Costa Rica. Wendy, citando um trabalho realizado por Aury Lopes Júnior, faz uma demonstração da legislação estrangeira em relação ao assunto:
“– na Espanha, o detido em flagrante deverá ser apresentado ao juiz no prazo máximo de 24 horas (art. 496 da LECrim), momento em que será convertida a prisão preventiva ou será concedida liberdade provisória.
– na Alemanha (StPO, § 128), o detido deverá ser conduzido ao juiz do Amtsgericht em cuja jurisdição tenha ocorrido a detenção, de imediato ou quando muito no dia seguinte à detenção;
– na Itália, o Códice de Procedura Penale (art. 386.3), determina que a polícia deverá colocar o detido à disposição do Ministério Público o mais rápido possível ou no máximo em 24 horas, entregando junto o correspondente atestado policial;
– em Portugal, o Código de Processo Penal (art. 254, a) determina que no prazo máximo de 48 horas deverá ser efetivada a apresentação ao juiz, que decidirá sobre a prisão cautelar aplicável, após interrogar o detido e dar-lhe oportunidade de defesa.”
No Brasil, esse prazo é entendido como 24 horas, o artigo 306, §1º, do Código de Processo Penal, prevê que o juiz deverá ser imediatamente comunicado da prisão de qualquer pessoa, assim como a ele deverá ser remetido, no prazo de vinte e quatro horas, o auto da prisão em flagrante, tendo isso como premissa, a PLS 554/2011, de autoria do Senador Antonio Carlos Valadares, pretende alterar tal artigo para que passe a constar como:
“Art. 306 (…)
§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública. “
Contudo, a PLS veio a receber, depois, quando em trâmite na Comissão de Direitos Humanos e Participação Legislativa (CDH), uma emenda substitutiva apresentada pelo Senador João Capiberibe, a qual, devidamente aprovada pela Comissão, alterou o projeto originário, conferindo-lhe a seguinte redação:
“Art. 306. (…)
§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas após a prisão em flagrante, o preso será conduzido à presença do juiz para ser ouvido, com vistas às medidas previstas no art. 310 e para que se verifique se estão sendo respeitados seus direitos fundamentais, devendo a autoridade judicial tomar as medidas cabíveis para preservá-los e para apurar eventual violação.
§ 2.º A oitiva a que se refere o § 1.º não poderá ser utilizada como meio de prova contra o depoente e versará, exclusivamente, sobre a legalidade e necessidade da prisão; a prevenção da ocorrência de tortura ou de maus-tratos; e os direitos assegurados ao preso e ao acusado.
§ 3.º A apresentação do preso em juízo deverá ser acompanhada do auto de prisão em flagrante e da nota de culpa que lhe foi entregue, mediante recibo, assinada pela autoridade policial, com o motivo da prisão, o nome do condutor e os nomes das testemunhas.
§ 4.º A oitiva do preso em juízo sempre se dará na presença de seu advogado, ou, se não o tiver ou não o indicar, na de Defensor Público, e na do membro do Ministério Público, que poderão inquirir o preso sobre os temas previstos no § 2.º, bem como se manifestar previamente à decisão judicial de que trata o art. 310 deste Código.”
Porém, o PLS 554/2011 passou por mais uma alteração, mesmo tendo sido aprovado pela Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) em 26.11.2013, chegando, na Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania (CCJ), onde foi distribuído para o Senador Humberto Costa (relator) e recebeu, em 25.06.2014, uma emenda substitutiva de autoria do Senador Francisco Dornelles, que se limita basicamente a alterar a versão original do PLS para nele estabelecer que a audiência de custódia também poderá ser feita mediante o sistema de videoconferência. Eis a redação deste substitutivo:
“Art. 306. (…)
§ 1.º No prazo máximo de vinte e quatro horas depois da prisão, o preso deverá ser conduzido à presença do juiz competente, pessoalmente ou pelo sistema de videoconferência, ocasião em que deverá ser apresentado o auto de prisão em flagrante acompanhado de todas as oitivas colhidas e, caso o autuado não informe o nome de seu advogado, cópia integral para a Defensoria Pública.”
Aury Lopes Junior, em seu trabalho referente ao tema, afirma, que:
“O maior inconveniente desse substitutivo é que ele mata o caráter antropológico e humanitário da audiência de custódia. O contato pessoal do preso com o juiz é um ato da maior importância para ambos, especialmente para quem está sofrendo a mais grave das manifestações de poder do Estado”. (AURY LOPES JUNIOR, Revista Liberdades, 2014).
Ao mesmo tempo também entende que vivemos em um mundo “acelerado” e que essas tecnologias podem ser usadas, devendo sempre ser preservados os direitos fundamentais, tais como: O direito de defesa e do contraditório (incluindo o direito a audiência); Aury Lopes, afirmai ainda, que o nível de observância desses direitos fundamentais refletem o avanço de um povo, e que isso não se mede pelo arsenal tecnológico utilizado, mas sim pelo nível de respeito aos valores da dignidade humana. E o nível de civilidade alcançado exige que o processo penal seja um instrumento legitimante do poder, dotado de garantias mínimas, necessário para chegar-se à pena. Nessa entendimento, é um equívoco suprimir o direito de ser ouvido por um juiz, substituindo-o por um monitor de computador. (AURY LOPES JUNIOR, Revista Liberdades, 2014).
Neste sentido, deve prevalecer a proteção da pessoa de forma ampliativa, ou seja, de modo a garantir a prevalência dos direitos humanos, em obediência ao princípio por homine, eis que, não há que se falar na primazia absoluta de uma norma em rechaço a outras, tampouco no estabelecimento de fórmulas ou critérios.
Desta forma, a interpretação aplicável às normas dos tratados internacionais, é de complementação, devendo tais normas complementar as garantias constitucionais previstas no ordenamento jurídico. Corrobora este entendimento a norma da parte primeira do artigo 5º, §2º, da mesma constituição, segundo o qual “os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados”.
Trata-se de evidente cláusula de abertura do rol de direitos fundamentais, a permitir a inclusão de outros direitos e garantias àqueles já previstos na Lei Maior, desde que consoantes com os princípios constitucionais. Em suma, inexistindo contradição e sim complementaridade entre a Constituição da República, o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos e a Convenção Americana sobre os Direitos Humanos, a melhor interpretação dos dispositivos citados é a que entende que deve prevalecer sempre a garantia dos direitos humanos.
Mais além, considerando que os tratados de direitos humanos ocupam posição hierarquicamente superior à das leis ordinárias, pouco importaria discutir se tal complementaridade se dá pelo entendimento de que os tratados ampliam os direitos humanos previstos na Constituição Federal
Ou seja, tanto no plano internacional, do Direito Internacional dos Direitos Humanos, quanto no plano normativo interno, o que se tem é o reconhecimento do caráter self-executing das normas de direitos humanos.
Nem poderia ser diferente, diante do princípio da máxima efetividade dos direitos humanos. Conforme os ensinamentos de André de Carvalho Ramos, que explica:
“O princípio da máxima efetividade do Direito Internacional dos Direitos Humanos consiste em assegurar às disposições convencionais seus efeitos próprios, evitando que sejam consideradas meramente programáticas. No caso dos tratados internacionais de direitos humanos, a interpretação deve contribuir para o aumento da proteção dada ao ser humano e para a plena aplicabilidade dos direitos convencionais.” (RAMOS, André de Carvalho, Teoria Geral)
Portanto, como visto, as normas de Tratados Internacionais de Direitos Humanos são de eficácia plena e imediata, pois tem valor superior à lei e são totalmente compatíveis com a Constituição Brasileira, nesse sentido, evidentemente não há que se falar em suposta inconstitucionalidade.
A par disso, cabe ressaltar a necessidade e as vantagens da realização da audiência de custódia. Além do que já foi dito anteriormente, em relação à adequação do ordenamento jurídico interno para o cumprimento de obrigações internacionais, e reforçar o compromisso do Brasil na proteção dos Direitos Humanos, cabe destacar, a principal vantagem na realização de tal audiência, que é a viabilização ao respeito das garantias constitucionais, inibindo a execução de atos de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante em interrogatórios policiais, visando minimizar a possibilidade de prisões manifestadamente ilegais.
5 – Conclusão
Ao longo do presente trabalho, procurou-se demonstrar que o número de presos provisórios, ou seja, aguardando julgamento, é alto e vem crescendo a cada ano.
Hoje os índices são alarmantes, chegando a quase 40% (quarenta por cento) da população carcerária no Brasil ser composta por presos provisórios.
Na antimão disso, vem à necessidade de implantação da audiência de custódia, não como solução única para esse problema, mas como forma de assegurar o respeito aos direitos fundamentais da pessoa privada de liberdade.
Partindo dessa perspectiva, foi analisado a legalidade e a previsão normativa perante o nosso ordenamento jurídico, verificando que os tratados internacionais de direitos humanos, ratificados pelo Brasil, impõem a oitiva da pessoa presa, sem demora, por um juiz, conforme previsto no artigo 7, item 05 da Convenção Americana sobre os direitos Humanos.
Constatamos, que tais tratados estão incorporados ao direito Brasileiro, em posição hierárquica infraconstitucional e superlegal, além de combinarem cristalinamente com o artigo 5º, inciso LXII, da Constituição da República, ampliando as garantias da pessoa privada de liberdade, de modo que esta tem o direito que sua prisão seja comunicada ao juiz e de ser por este ouvida, sem demora.
A par disso, incorre o risco de que a prisão em flagrante que for convertida em preventiva, sem que seja respeitado o direito previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos, especificamente no artigo 7, item 05, será ilegal e, como toda prisão ilegal, deverá ser imediatamente relaxada pela autoridade judiciária, nos exatos termos do artigo 5º, caput, inciso LXV, da Constituição da República.
Por fim, ficou evidente que a principal vantagem na realização de tal audiência, é a viabilização ao respeito das garantias constitucionais, inibindo a execução de atos de tortura, tratamento cruel, desumano e degradante em interrogatórios policiais, visando minimizar a possibilidade de prisões manifestadamente ilegais.
Informações Sobre o Autor
Luiz Felipe Mitri da Costa
Graduado pelo UNICEUMA – Centro Universitário do Maranhão. Assessor de Juiz de entrância Intermediária do Quadro do Tribunal de Justiça do Estado do Maranhão.