Modelos de administração pública e o rent seeking

Resumo: O presente artigo discorre sobre os três modelos de administração pública utilizados historicamente: administração patrimonialista, burocrática e gerencial. Apresenta seus conceitos, noções históricas sua relação na administração pública brasileira. Ainda discorre sobre a prática patrimonialista do rent seeking como nova forma de patrimonialismo ainda vigente na administração burocrática. A principal conclusão é que o modelo burocrático, ainda em vigor no Brasil, já está desgastado, incapaz de enfrentar o fisiologismo e clientelismo atuais, além de não atender ao cidadão-consumidor e agentes públicos de modo adequado.[1]

Palavras-chave: Rent Seeking. Modelos de Administração Publica. Modelo Patrimonialista. Modelo Burocrático. Modelo Gerencial.

Abstract: This article discusses the three models of public administration used historically: patrimonial, bureaucratic and managerial administration. Presents its concepts, historical notions their relationship in Brazilian public administration. Also discusses the practice of patrimonial rent seeking as a new form of paternalism still prevailing in the bureaucratic administration. The main conclusion is that the bureaucratic model, still in force in Brazil, is already worn out, unable to face the current patronage and clientelism, and does not serve the citizen-consumer and public officials accordingly.

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Keywords: Rent Seeking. Models of Public Administration. Patrimonial Model. Bureaucratic Model. Management Model.

Sumário: Introdução; 1 Administração Pública Patrimonialista; 1.1 Conceito de Administração Pública Patrimonialista; 1.2 Noções Históricas; 2 Administração Pública Burocrática; 2.1 Conceito de Administração Pública Burocrática; 2.2 Noções Históricas da Burocracia no Brasil; 2.3 Disfunções do Modelo Burocrático; 2.4 Rent Seeking; 3 Administração Pública Gerencial; 3.1 Conceito de Administração Pública Gerencial; 3.2 Noções Históricas; 3.3 Administração Pública Gerencial Brasileira; 4 Considerações Finais

INTRODUÇÃO

Fazer mais com menos, esse é o mote da atualidade, tanto para a administração pública quanto privada, embora a gestão estatal apenas recentemente percebeu que seus recursos são finitos e o cidadão, como financiador da atividade estatal, quer, assim como qualquer cliente, o máximo de resultados com o mínimo de custos.

Tendo essa concepção em mente, o presente artigo propõe-se a demonstrar, sucintamente, os três modelos organizacionais utilizados na gestão da administração pública historicamente.

Inicialmente, quando do absolutismo estatal, vigia o modelo de administração patrimonialista, onde havia confusão entre a res pública e a res principis, isto é, não havia diferenciação entre o patrimônio público e do soberano.

Com o intuito de combater essa organização, garantir maior planejamento, imparcialidade e previsibilidade, surge a administração burocrática, tendo como seu principal teórico Max Weber. Todavia o modelo burocrático não foi capaz de eliminar o patrimonialismo, surgindo novos modos de apropriação da coisa pública, entre estas se destaca o rent seeking que, com sua aparência de legalidade, burla o modelo burocrático, sendo muito praticado pelos servidores públicos, embora permeie toda a sociedade.

Finalmente, quando o modelo burocrático apresenta desgaste, tenta-se evoluir para a administração gerencial, pretensamente mais flexível, menos rígida e referida nos ideais do setor privado, percebendo o cidadão como consumidor do serviço público.

1 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA PATRIMONIALISTA

1.1 Conceito de Administração Pública Patrimonialista

O governo brasileiro, em 1995, em seu “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado” trouxe uma explanação sobre patrimonialismo na Administração Pública:

“No patrimonialismo, o aparelho do Estado funciona como uma extensão do poder do soberano, e os seus auxiliares, servidores, possuem status de nobreza real. Os cargos são considerados prebendas. A res publica não é diferenciada das res principis. Em conseqüência, a corrupção e o nepotismo são inerentes a esse tipo de administração. No momento em que o capitalismo e a democracia se tornam dominantes, o mercado e a sociedade civil passam a se distinguir do Estado. Neste novo momento histórico, a administração patrimonialista torna-se uma excrescência inaceitável.” (BRASIL, 1995).

Portanto o modelo organizacional patrimonialista é aquele onde há confusão da vontade do soberano com a do Estado, onde o detentor do poder age como senhor absoluto da coisa pública e de seus súditos.

1.2 Noções Históricas

O patrimonialismo vigorou no período feudal, nas sociedades pré-burocráticas. No entender de WEBER (1999, p. 234-240), tem associação com a “dominação patriarcal”, do “chefe da comunidade doméstica” que detinha o pleno domínio de seus filhos, esposas, escravos etc. Baseada na santidade da tradição, “na crença na inviolabilidade daquilo que foi assim desde sempre”, há submissão pessoal ao detentor do poder sendo este ilimitado e arbitrário, desvinculado de normas estatuídas na legalidade abstrata. Com a descentralização do poder doméstico, pois o soberano distribui terras e benefícios entre filhos, dependentes ou incorpora outros soberanos fora de seu poder doméstico, surge o que denominou “dominação patrimonial”.

Inexiste o entendimento, nesse modelo, de que a coisa pública (res pública) pertença à coletividade, tudo se destina ao soberano, este administra o patrimônio público como seu, tudo é res principis; há confusão entre o patrimônio público e o particular, ocorrendo a apropriação da res pública para fins pessoais. Confunde-se a vontade do soberano com a do Estado, portanto com a da própria sociedade.

Era aceitável que o soberano arcasse, a expensas do tesouro público, tanto com necessidades pessoais (como suas roupas), quanto com obrigações estatais (como na construção de estradas).

A administração pública patrimonialista tem o soberano como figura central, portanto o aparato estatal existe para atender suas necessidades. Os integrantes dessa administração são escolhidos pela autoridade com base em afinidade e submissão, vicejando o nepotismo, isto é, a contratação de servidores com relações pessoais com o soberano; também se destaca a corrupção e confusão entre público e privado.

Outra característica marcante é a criação exacerbada de cargos públicos para garantir a satisfação de apaniguados e manutenção do poder, pois a lealdade desse servidor não estava adstrita à administração pública, mas ao detentor do poder que proporcionou o cargo, significa que o servidor não estava à disposição da coletividade, mas do soberano.

Estas práticas garantiram ao possuidor de cargo público o apodo de prebendas e sinecuras (literalmente um ofício rendoso e com pouco trabalho), porquanto não havia necessidade de exercer, efetivamente, as atividades públicas e ainda assim teria seus rendimentos garantidos. O cargo público equivalia “à posse de uma fonte de rendas ou emolumentos explorável em troca do cumprimento de determinados deveres” (WEBER, 1999, p. 200), cabia ao funcionário fazer sua remuneração como lhe aprouvesse, conquanto cumprisse com suas obrigações para com o soberano ou a quem devesse fidelidade.

Consequentemente, dado o amontoado de cargos, ausência de normas racionais que legitimassem o uso do poder e escolha por critérios diversos da competência (estimulando o nepotismo), o patrimonialismo impedia a participação popular no aparato estatal, imiscuía patrimônio público ao privado, permitia e facilitava a corrupção além de prevalecer a sensação de desorganização generalizada.

O Brasil surgiu como Estado patrimonialista, seguindo a administração lusitana, onde vigorava o “paternalismo e nepotismo que empregava os inúteis letrados” (MARTINS, 1997a). Assim permaneceu no período colonial, imperial e mesmo na República Velha (1889 a 1930).

Somente em 1936, no governo Vargas, Maurício Nabuco e Luís Simões Lopes realizaram uma reforma administrativa seguindo os modelos vigentes, especialmente na Europa, e implementaram a administração pública burocrática brasileira ao criarem o Conselho Federal do Serviço Público Civil, posteriormente transformado no Departamento Administrativo do Serviço Público (DASP) em 1938 com o Decreto-Lei nº 579 (BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 164).

2 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA BUROCRÁTICA

A administração pública burocrática também é chamada de modelo racional-legal, ou modelo burocrático weberiano, pois Max WEBER, nas obras A Ética Protestante e o Espírito do Capitalismo (1904) e Economia e Sociedade (1922, póstuma), foi quem melhor analisou e definiu suas bases.

2.1 Conceito de Administração Pública Burocrática

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Etimologicamente, bureau vem do francês, significando escritório, guichê; enquanto o sufixo grego krátos refere-se a governo; logo, a definição remete a governo de escritório, de técnicos. O conceito de burocracia weberiano é, deveras, diverso daquele conhecido popularmente, de modo pejorativo, como excesso de formalidades desnecessárias, morosidade.

Segundo BOBBIO (1986, p. 124-130), o termo fora empregado primeiramente por Vicente Gournay, séc. XVIII, para definir o poder dos funcionários da administração pública, com “forte conotação negativa”, também fora utilizado no mesmo sentido por dicionários e romancistas, como Honoré de Balzac no séc. XIX e Franz Kafka, já no séc. XX. Entretanto, ainda no séc. XIX, nova concepção alinhava-se, concebendo a burocracia em seu sentido científico como modelo de administração utilizado pelo Estado alemão para organizar seu aparato estatal:

“Trata-se daquele conjunto de estudos jurídicos e da ciência da administração alemães que versam sobre Bureausystem, o novo aparelho administrativo prussiano, organizado monocrática e hierarquicamente, que, no início do século XIX, substitui os velhos corpos administrativos colegiais. A ênfase destas obras é normativa e se refere especialmente à precisa especificação das funções, à atribuição de esferas de competência bem delimitada, aos critérios de assunção e de carreira. Por esta tradição técnico-jurídica, o conceito de Burocracia designa uma teoria e uma praxe da pública administração que é considerada a mais eficiente possível.” (BOBBIO, 1986, p. 124).

Os abusos históricos praticados pelo Estado Absolutista geravam desconfiança frente aos administradores públicos. A fim de combatê-lo o modelo burocrático visava uma administração pública profissional, com critérios racionais, funcionando por meio de normas gerais fixas (caracterizando sua submissão ao Direito), impessoal, com funcionários escolhidos por seus conhecimentos técnicos mediante concurso público, vitaliciedade no cargo e hierarquia clara, fiscalização dos subordinados e o mínimo de discricionariedade decisória (WEBER, 1999, p. 198-232).

Segundo BRESSER-PEREIRA (2011, p. 48) havia incompatibilidade do modelo anterior com o capitalismo industrial e democracias parlamentares do séc. XIX. O capitalismo exigia a definição clara entre Estado e mercado, do mesmo modo a democracia carecia da distinção entre sociedade civil e Estado, consequentemente não bastava um modelo administrativo que separasse o público do privado, mas igualmente o administrador público do político.

“Ocorrem, então, na Europa, no século XIX, as Reformas Burocráticas e o surgimento de uma administração burocrática moderna, racional-legal, baseada na centralização das decisões, na hierarquia, no princípio da unidade de comando, na estrutura piramidal do poder, nas rotinas rígidas, no controle passo a passo dos procedimentos administrativos – processos de contratação de pessoal, de compras, de atendimento às demandas dos cidadãos.” (BRESSER-PERERIRA, 2011, p. 48).

No mesmo sentido, WEBER (1999) entende que o modelo burocrático prima pela precisão e eficiência, sendo o modelo racional-legal superior ao patrimonialista. Surge para defender o patrimônio público que, no patrimonialismo, com seu funcionamento imprevisível, era dilapidado, além de atrapalhar as pretensões capitalistas, o crescimento da burguesia e o Estado Liberal emergentes e a revolução industrial.

De acordo com MAZZA (2011, p. 30-31), as características desse modelo são: autoridade com base na lei; subordinação hierárquica entre órgãos e agentes; seleção com base em competência técnica; remuneração pela função, não por realizações; controle de fins e ênfase nos processos e ritos. Segundo CASTRO (2003, p. 123) a burocracia caracteriza-se pela centralização, hierarquia, autoridade, disciplina, regras, carreira, divisão do trabalho e estabilidade. Por fim, CHIAVENATO (2003, p. 283) resume as seguintes características: caráter legal, formal, racional, impessoalidade, hierarquia, rotina e padronização dos procedimentos, competência técnica e meritocracia, especialização, profissionalização e previsibilidade do funcionamento.

Somente existe racionalidade quando os meios mais eficientes são selecionados e empregados, resultando no máximo rendimento na consecução dos objetivos. Para alcançar esse propósito “o Estado tende a imitar as organizações empresariais” (PAULA, 2005, p. 93) recolhendo as melhores técnicas e práticas administrativas da iniciativa privada.

Portanto a burocracia pode ser conceituada como um tipo de dominação racional-legal e uma estrutura organizacional lastreada na obediência a normas racionalmente definidas e exercidas por quadro administrativo burocrático. Há adequação dos meios aos objetivos pretendidos a fim de garantir maior eficiência pela “precisão, continuidade, disciplina, rigor e confiabilidade – isto é, calculabilidade tanto para o senhor quanto para os demais interessados” (WEBER, 1999, p. 145), assim trouxe segurança jurídica tanto à iniciativa privada quanto aos servidores públicos.

2.2 Noções Históricas da Burocracia no Brasil

Como já mencionado ao final da seção 1.2, sobre a administração patrimonialista, o Brasil ingressou no modelo burocrático apenas no governo de Getúlio Vargas, em 1936, com a Reforma Burocrática e criação do DASP (1938). Revolucionou-se a administração pública vigente ao implementar-se as teorias burocráticas dos países desenvolvidos à época: profissionalizou o serviço público, limitou o ingresso mediante concurso, sistema de mérito para avaliar o desempenho dos servidores, entre outras técnicas administrativas (BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 164-165; e MARTINS, 1997a). Com o fim do primeiro governo Vargas não houve manutenção dos ideais iniciais quanto ao modelo burocrático, apenas tentativas infrutíferas.

Entretanto o modelo burocrático que vigeu não alcançou o rompimento com as práticas patrimonialistas anteriores, na verdade, no entender de PAULA (2005, p. 107), o Brasil conheceu três tipos de patrimonialismos: o tradicional; o burocrático (grupos de tecnocratas que se apropriam do Estado controlando-o por meio do saber técnico); e o político (lideranças políticas que recebem cargos públicos). Portanto o país não apenas manteve o patrimonialismo, mas adaptou-o para o modelo organizacional em vigor.

Mesmo sem a consolidação do modelo burocrático weberiano, em 1967, durante o Regime Militar, ocorre a Reforma Desenvolvimentista, uma primeira tentativa de administração pública gerencial, que BRESSER-PEREIRA (2011, p. 163) não considerou completada, e fora desfeita quando da promulgação da Constituição Federal de 1988.

Já havia, na década de 1950, a percepção, por parte dos administradores públicos, das falhas do modelo burocrático, incapaz de alavancar o desenvolvimento do país. Assim o governo de Castello Branco dá continuidade aos projetos de lei iniciados no governo João Goulart e, por meio do Decreto-Lei 200/1967, estabelece uma “administração para o desenvolvimento”, objetivando melhorar o aparato da administração pública (BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 169).

A Reforma teve como principal sustentáculo a descentralização para a administração pública indireta passando a permitir a criação de fundações de direito privado, empresas públicas, autarquias (já existentes desde 1938) e sociedades de economia mista. Com a expansão do Estado por meio da administração indireta, pressupunha-se maior flexibilidade, pois esta é menos rígida e, com a nova normativa adquiriu mais autonomia a fim de poder viabilizar rapidamente os projetos de maior eficiência, desenvolvimento e planificação do governo militar.

Houve a ruptura entre política e administração graças ao modo de decisão baseado no conhecimento técnico, do “controle dos meios de produção pela tecnocracia” (MARTINS, 1997a). A ruptura ainda se deu pela modernização da administração por meio da racionalidade funcional, embora apenas dentro da administração indireta, foi vital para os projetos de desenvolvimento industrial da época. Em contrapartida estimulou o crescimento da tecnocracia estatal, esta “monopolizou o Estado e exclui a sociedade civil dos processos decisórios” (PAULA, 2005, p. 107).

Consequentemente, com a ausência da necessidade de concursos públicos para a contratação de servidores por parte da administração indireta, conforme BRESSER-PEREIRA (2011, p. 172-173), houve facilitação ao patrimonialismo, além de impedimento à formação de carreiras de administradores públicos de alto escalão na administração direta, que não teve a mesma atenção na Reforma Desenvolvimentista.

Com o fim do Regime Militar, a Constituição Federal de 1988 realizou um retrocesso de modelo organizacional, reavivando os ideais da Reforma Burocrática do período Vargas.

Evidente que havia uma crise frente ao intervencionismo estatal, uma crise econômica e a própria crise dos modelos organizacionais estabelecidos, que não conseguiram evitar o patrimonialismo e criaram suas próprias disfunções. Mesmo assim, como esclareceu BRESSER-PEREIRA (2011, p. 176-177), não foram as únicas causas do retrocesso, havia também o ressentimento pela forma como fora tratada a administração direta, somada às alianças políticas com o patrimonialismo e a compreensão errônea do novo regime democrático sobre o modo de administrar do período militar.

Assim a atual Constituição Federal retrocedeu ao modelo burocrático, fortalecendo a administração pública direta, com sua hierarquia, rigidez e centralização características; mais que isso, na tentativa de permitir que vários atores sociais participassem e integrassem seus interesses no texto constitucional, acabou possibilitando, também, a defesa de “interesses particulares como se fossem gerais” (BRESSER-PEREIRA, 2011, p. 176), criando privilégios para alguns.

Um exemplo clássico pode ser encontrado no art. 144, §4º da CF/88, nele há obrigatoriedade da Polícia Civil ser dirigida por um delegado de polícia de carreira, todavia o mesmo art., em seu §2º, quando trada da Polícia Federal, não coloca tal limitação, não impede que qualquer pessoa ou profissional conduza a direção do órgão de segurança federal.

Assim ocorreu por conta do lobby realizado pelos delegados de polícia dos Estados ter sido efetivo, angariando apoio dos parlamentares; enquanto que a pretensão dos delegados federais não conseguiu surtir o mesmo efeito. Fosse, deveras, um interesse geral a direção dos órgãos de polícia por delegado, certamente deveria constar em ambas as esferas (estadual e federal) para garantir maior eficiência ao trabalho de segurança pública. Facilmente conclui-se que uma das duas instituições está sendo prejudicada, caberia verificar qual.

Evidencia-se a ausência de padrão racional na definição organizacional das instituições, motivada em interesses de grupos e não nas necessidades coletivas ou da administração pública. Tal prática pode enquadra-se como um novo modo de patrimonialismo praticado pelos servidores públicos, consubstanciado especificamente em rent seeking.

A seguir, estuda-se o rent seeking, uma das novas modalidades de patrimonialismo, com o intuito de, ao esclarecer seu funcionamento e existência, facilitar seu combate dentro das instituições de segurança pública, visto que o modelo burocrático não é eficaz no enfretamento dessas novas modalidades de apropriação da coisa pública.

2.3Disfunções do Modelo Burocrático

Em que pese a burocracia ter alavancado o Estado moderno, visar a “máxima eficiência”, ser utilizada em organizações estatais e privadas, o modelo ideal proposto por WEBER apresentou imperfeições, não alcançando o grau de eficiência pregado, tampouco foi capaz de livrar-se da pecha de entrave ao desenvolvimento. Assim ocorre em função do exacerbamento ou desvio das características do modelo burocrático, provocando ineficiência e outras consequências imprevistas.

No enfrentamento ao patrimonialismo, o modelo burocrático considera impossível confiar nos administradores, constantemente capazes de burlar as normas em benefício próprio. Assim, o servidor público dentro desse modelo “é apenas uma engrenagem num mecanismo sempre em movimento” (WEBER, 1946, p. 265), que cumpre tarefas especializadas, sem poder tomar iniciativas próprias, aguardando a definição do escalão superior. Este modelo organizacional baseia-se na “desconfiança prévia nos administradores públicos e nos cidadãos” (BRASIL, 1995), realizando controles rígidos e a priori, a fim de evitar práticas patrimonialistas.

Controle a priori, aqui, significa que a fiscalização ocorre antes ou durante o processo, por isso sempre existe uma cadeia de superiores hierárquicos responsáveis por fiscalizar seus subalternos. O excesso de formalismo, com tantas assinaturas e carimbos, gera a desresponsabilização dos atos praticados pelos servidores, por vezes não havendo a quem punir por um erro administrativo ou a quem exigir o cumprimento de determinado ato, porquanto ninguém é, deveras, responsável por sua consecução.

Hannah ARENDT faz crítica à burocracia chamando-a de “domínio de Ninguém” (1994, p. 33) devido ao enredado sistema de órgãos que retira do servidor a responsabilidade por seus atos, tornando-o mero cumpridor das obrigações estatais. Ainda mais grave, pois se ninguém é responsável, não há como o cidadão buscar a consecução de seus direitos, ficando privado deles pela simples incapacidade de saber a quem dirigi-lo, vive a fraude de uma democracia.

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“Em uma burocracia plenamente desenvolvida não há ninguém a quem se possa inquirir, a quem se possam apresentar queixas, sobre quem exercer as pressões do poder. A burocracia é uma forma de governo na qual todas as pessoas estão privadas da liberdade política, do poder de agir; pois o domínio de Ninguém não é um não-domínio, e onde todos são igualmente impotentes temos uma tirania sem tirano.” (ARENDT, 1994, p. 58-59).

Um exemplo bastante claro da posição defendida pela autora está em seu relato sobre o julgamento de Otto Adolf Eichmann, acusado de crimes contra a humanidade no regime nazista; em sua defesa ele alegava nunca ter matado um ser humano, judeu ou não (ARENDT, 1999, p. 33), seria culpado apenas do cumprimento irrestrito e cauteloso das ordens burocráticas nazistas, isto é, “embarcar milhões de homens, mulheres e crianças para a morte” (ARENDT, 1999, p. 37). Não é possível, num raciocínio frio, retirar-lhe o mérito do argumento, porquanto foi um mero burocrata na administração nazista, agiu de modo impessoal e no cumprimento eficiente de suas ordens. Este é o cerne da crítica de AREDNT à burocracia, que exclui do servidor o raciocínio criativo, a faculdade de pensar por si, sendo apenas um autômato executor das leis.

MERTON (1967, p. 59-67) convencionou chamar de “disfunções da burocracia” as irregularidades ou anormalidades que surgem no modelo organizacional (OLIVEIRA, 2009, p. 291), são as consequências imprevistas ou indesejadas (CHIAVENATO, 2003, p. 268).

As disfunções ocorrem pelo desvio das características do modelo burocrático puro, que ignora a personalidade dos funcionários e sua interação com a burocracia, alterando o “modelo ideal”. Com isso o modelo burocrático torna-se autorreferente, excessivamente formal, perde sua eficiência e sua manutenção fica de elevado custo.

São as seguintes disfunções elencadas por MERTON (CHIAVENATO, 2003, p. 268-270):

1) Internalização e apego aos regulamentos – há preferência em priorizar as normas, “deslocamento de sentimento das metas para os meios (regras)” (MERTON 1967, p. 64), a importância fica restrita ao cumprimento da norma, não dos objetivos; ainda torna o servidor tecnicista, conservador, incapaz de inovação, criatividade ou ajustes (exclui a adaptabilidade);

2) Excesso de formalismo e registros – necessidade de documentar formalmente (por meio escrito e impresso) qualquer comunicação, desconsidera novos meios de registrar a documentação;

3) Resistência às mudanças – dada a repetição e imutabilidade da rotina burocrática, o servidor sente-se no domínio e segurança de sua atividade. Havendo possibilidade de mudança pode ser interpretada como “perigo” para a tranquilidade do servidor, passando a confrontá-la, tanto passiva (criando empecilhos para sua implementação), quanto agressivamente (por meio de protestos, greves), a fim de evitar o comprometimento de conquistas consolidadas;

4) Despersonalização do relacionamento – dada a ênfase na impessoalidade, a burocracia dificulta a individualização dos servidores, passando a conhecerem-se, entre si, por seus cargos, matrículas ou outras formas de identificação funcional, não como pessoas, mas números em um sistema;

5) Categorização como base do processo decisório – devido à hierarquização rígida, qualquer decisão compete ao cargo mais elevado, mesmo que desconheça o assunto, portanto classifica, categoriza, os assuntos por vezes inadequadamente (de modo estereotipado) para conformá-lo à estrutura da organização, dificultando a busca e opções de resposta aos problemas enfrentados;

6) Superconformidade às rotinas e aos procedimentos – devido à “devoção” exigida às normas, regulamentos, procedimentos e rotinas, o servidor preocupa-se unicamente com seu cumprimento, sem compreender o sentido de suas ações dentro da organização, executando apenas e tão somente o que determinam as normativas. Assim a organização deixa de ser criativa, inovadora, além de perder sua flexibilidade.

7) Exibição de sinais de autoridade – por conta da hierarquização os servidores sentem necessidade de indicar sua posição de poder (status) alardeando símbolos ou outros sinais capazes de demonstrá-lo, como segregação por salas, local de estacionamento, trajes, documentação funcional, entre outros;

8) Dificuldade no atendimento a clientes e conflitos com o público – o principal objetivo do servidor é cumprir as normas, respeitar processos, procedimentos e regulamentos, há elevada padronização nas atividades e volta-se para dentro, na afirmação de seus valores internos. Há conflito quando os servidores atendem todos os cidadãos do mesmo modo, padronizado, contudo o público espera ser atendido personalizadamente, de acordo com suas demandas.

Abaixo segue quadro elaborado por CHIAVENATO (2003, p. 269) apontando as características do modelo burocrático e suas disfunções:

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Mesmo com as inúmeras críticas, o modelo foi imprescindível para a consolidação do capitalismo e o Estado de Direito, pois gerou previsibilidade ao obrigar o Estado a seguir normas gerais; garantindo a segurança jurídica ao mercado; além de dar-lhe eficiência ao adequar a administração pública à modernidade do séc. XX com sua racionalidade científica, novas exigências e valores morais (CHIAVENATO, 2003, p. 254). Atendeu, também, à demanda dos trabalhadores, porquanto o conhecimento prévio das normas e sua consecução traziam imparcialidade e justiça (CHIAVENATO, 2003, p. 281).

2.4 Rent Seeking

O termo rent seeking (busca de renda, em tradução literal do inglês) vem ganhando difusão entre as áreas que estudam as reformas do Estado (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 31), daí a relevância em fazer-se uma pequena análise sobre o tema.

Rent seeking pode ser compreendido como a prática de determinados grupos da sociedade que se apropriam de rendas e vantagens do patrimônio público para si ou para outros por meio do controle do aparelho estatal. Esses grupos ampliam suas “rendas” de forma injustificada, isto é, aumentam seus ganhos sem trazer qualquer contrapartida à sociedade.

Segundo MATIAS-PEREIRA (2010, p. 31) é a “privatização do setor público, efetivado por meio da organização de grupos de pressão em torno do aparelho estatal, visando obter vantagens pessoais, para o grupo ou para suas respectivas classes”.

Não há, necessariamente, uma atividade ilegal por trás do rent seeking. Pode ser apenas a prática de lobistas profissionais pagos por empresas ou grupos de interesse para que a administração pública, seus dirigentes ou mesmo legisladores, garantam-lhes privilégios sem que tenham que aumentar sua produtividade. Seria o caso, por exemplo, da indústria de calçados influenciando parlamentares para aprovarem leis que restrinjam a importação dos produtos que comercializam; ao reduzirem a competição, pressupõem aumentar seus rendimentos sem precisar investir em melhorias.

Um caso bastante conhecido do público em geral caracteriza-se pela prática da indústria automotiva, esta recebe, comumente, inúmeros incentivos fiscais (com redução de tributos), facilidade no financiamento dos seus veículos (como linhas de crédito, com taxas e juros baixos junto aos bancos para os compradores) a fim de garantir o escoamento da sua produção (MONTEIRO, 2009, p. 258).

Essa prática, em que pese ser típica da arena política, entende-se como duplamente prejudicial, pois a) os valores utilizados nesse convencimento são elevados e b) deixam de ser aplicados na melhoria dos processos da empresa, onde poderiam reduzir o preço e aumentar a qualidade do produto, ampliando sua competitividade no mercado. Portanto há gastos na busca por esses privilégios além de estimular a ineficiência.

Entretanto, essa busca por renda, por privilégios, não se restringe à influência do mercado, atualmente inúmeras categorias de servidores públicos vêm dirigindo seus esforços para aumentar seus rendimentos sem apresentar a respectiva contrapartida à sociedade, apenas por pertencerem a determinado cargo ou setor. Um exemplo coevo está na “luta” do judiciário paranaense para garantir auxílio moradia.

A CF/88 determina que a remuneração dos magistrados ocorra por subsídio (art. 93, V da CF/88), também define que o subsídio será fixado em parcela única, sem acréscimos ou gratificações adicionais, ou outras espécies remuneratórias (art. 39, § 4º da CF/88). Por fim determina (art. 93, VII) que o juiz titular deverá residir na comarca.

De outra parte, a Lei Complementar 35/1986, em seu art. 65, II, assevera o direito a auxílio moradia quando não houver residência oficial à disposição na localidade.

Analisando sistemicamente a legislação, não há como defender auxílio moradia aos magistrados. Primeiro a Lei que garantiu o direito a auxílio moradia é anterior à Constituição, cabendo alegar a sua não recepção no novo ordenamento jurídico, pois contrário a ele. Em seguida a remuneração por subsídios veda qualquer gratificação adicional, pois o cargo já contempla todas as verbas necessárias para garantir ao servidor sua manutenção atendendo as especificações de sua função. Finalmente, é requisito para o cargo residir na comarca, e todo candidato à magistratura sabe que irá alocar-se em diversas comarcas no decorrer de sua vida profissional.

Ainda há mais, com o ganho da causa por parte dos magistrados outros grupos também serão beneficiados, como o Ministério Público, que tem isonomia de tratamento com o Judiciário, podendo pleitear os mesmos privilégios.

De outra parte, tal discussão não estaria ocorrendo caso o cargo não fosse de alto escalão, pois os policiais também são remunerados por subsídio, podem ser lotados em qualquer localidade do Estado-Membro, ou mesmo da União (quando policiais federais) e sequer se cogita auxílio moradia.

Esse foi apenas um exemplo, o rent seeking ainda pode ocorrer por meio da concessão de veículos, diárias, redução de jornada de trabalho, ascensão profissional, mais gratificações, entre inúmeras outras, dependendo da criatividade dos grupos de interesse.

Percebe-se, desse modo, que o rent seeking é uma forma de atualização do patrimonialismo, garantindo que setores da economia, grupos ou organizações apropriem-se do patrimônio público valendo-se da “legalidade” para legitimá-los. Há confusão entre direitos e vantagens.

No rent seeking os privilegiados ampliam seus rendimentos sem precisar trazer contrapartida à sociedade, havendo estímulo à ineficiência e desestímulo a qualquer tipo de melhora no serviço prestado, pois consideram mais lucrativo alcançar os privilégios que melhorar seus processos e resultados.

Devido à determinação do art. 37, II da CF/88, o ingresso em cargo ou emprego público somente ocorre mediante aprovação em concurso público, portanto extintos os outrora denominados ascensão funcional, acesso funcional ou transferência, onde um servidor poderia ascender verticalmente na carreira mediante concursos internos para provimentos derivados. Exemplificadamente, um investigador de polícia jamais poderá ser delegado de polícia; um cartorário jamais chegará a juiz (a menos que façam novos concursos específicos para essas carreiras).

Por não poderem ascender, as carreiras de menor escalão buscam formas de aumentar sua renda por meio de “conquistas trabalhistas”, como as apontadas acima (redução da jornada de trabalho etc.). Os altos escalões, como tem a limitação constitucional sobre seus vencimentos, também procuram formas de aumentar sua renda.

Na iniciativa privada, em geral, o trabalhador consegue elevar sua renda melhorando sua eficiência, ou seja, ao trazer mais lucro para o empregador passa a merecer melhor salário.

O modelo burocrático vigente no país é um incentivo às diversas categorias de servidores públicos praticarem o rent seeking, porquanto usualmente não são recompensados por elevarem sua produtividade e o mérito somente é utilizado no momento do ingresso na carreira. Isso reflete na qualidade do serviço prestado, pois trabalhar de modo mais eficaz não representa qualquer tipo de reconhecimento da administração pública, sendo mais fácil para a categoria buscar elevar sua renda por suas características (como a exigência de graduação) que individualmente pela qualidade do seu labor.

Conforme BRESSER-PEREIRA (1997) bem se expressou, o Estado deve ser público não sendo admissível sua privatização pelo rent seeking:

O tópico seguinte expõe o surgimento da administração pública gerencial como modelo organizacional voltado a combater o patrimonialismo persistente e melhorar a eficiência das atividades estatais, em que pese ainda apresentar suas disfunções próprias.

3 ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA GERENCIAL

Administração pública gerencial, modelo pós-burocrático, paradigma gerencial, nova administração pública (new public administration) e burocracia flexível, são as denominações do modelo organizacional que se foca no controle dos resultados (portanto a posteriori), na utilização eficaz do patrimônio público, redução de gastos, melhora na qualidade dos serviços públicos prestados e satisfação do cidadão-cliente frente a esses serviços.

3.1 Conceito de Administração Pública Gerencial

O modelo gerencial tem como características genéricas uma postura mais flexível, descentralizada, desconcentrada, democrática e transparente (acccountability) que o modelo burocrático, permitindo maior participação da sociedade, mas mantendo as funções reguladora, fiscalizadora e essenciais do Estado (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 88).

Segundo PAULA (2005, p. 94) a administração gerencial caracteriza-se pela “descentralização, pela estruturação em rede e pelo uso intensivo de tecnologia de informação”.

Consoante o “Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado” (BRASIL, 1995), a administração gerencial define-se como o modelo organizacional voltado à redução de custos, melhoria na eficiência dos serviços públicos prestados, controle a posteriori (não mais nos processos, mas sim nos resultados). Não rompe plenamente com o modelo burocrático, porquanto lastrea-se nele, mas busca flexibilizá-lo.

“Algumas características básicas definem a administração pública gerencial. É orientada para o cidadão e para a obtenção de resultados; pressupõe que os políticos e os funcionários públicos são merecedores de um grau real ainda que limitado de confiança; como estratégia, serve-se da descentralização e do incentivo à criatividade e à inovação; o instrumento mediante o qual se faz o controle sobre os órgãos descentralizados é o contrato de gestão.” (BRESSER-PEREIRA, 1997).

Por conta dessas características, verificam-se elementos trazidos da administração privada e, para manter a concepção de cidadão-cliente acolhida pela nova gestão pública, a busca por renovação, excelência e resultados força a reinvenção das práticas, processos e procedimentos administrativos, a fim de atender aos anseios do “cliente”, ou seja, que o Estado cumpra seu papel formulando e executando as políticas públicas de forma a preservar os escassos recursos do contribuinte.

Todavia não é possível considerar o modelo gerencial como panaceia, capaz de solucionar todos os males da organização estatal. Conforme PAULA (2005, p. 101), ao mimetizar a administração empresarial ignora-se modelos e práticas voltadas especificamente ao setor público, com suas diversas e inevitáveis particularidades. Cabe destacar também a existência, ainda, das práticas patrimonialistas, que se adaptaram aos modelos organizacionais valendo-se do rent seeking (busca de renda), fisiologismo e clientelismo para capturar o patrimônio público.

Obviamente está em constante construção um modelo de administração pública hábil o bastante para conter em si todas as necessidades sociais, desde regular os mercados, atender questões de saúde, segurança e educação, incentivar o desenvolvimento e conter as práticas patrimonialistas. Em que pese o modelo gerencial não conter todas as respostas, tem a importância de fazer perceber a capacidade de mudança da administração pública e seu dever em atender com excelência aos interesses sociais.

3.2 Noções Históricas

Segundo PAULA (2005, p. 93-97) esse modelo é continuação do modelo burocrático weberiano, apenas com a adoção das ideias atuais do setor privado, exatamente como defendia Weber (a administração pública buscando na área empresarial novas dinâmicas de funcionamento para garantir sua eficiência), desse modo ocorreria meramente a flexibilização da burocracia, não um novo modelo organizacional

Já antes se percebiam as disfunções do modelo burocrático, que não atendia satisfatoriamente as novas demandas sociais e dificultavam o desenvolvimento. Entretanto, a crise da década de 1980, especialmente a vivida pelo Reino Unido e Estados Unidos propiciaram as bases da reforma que serviria de resposta aos problemas enfrentados à época: crise do petróleo, do welfare state keynesiano; término do desenvolvimento pós-guerra; crise fiscal, aumento nas demandas estatais (MARTINS, 1997b, p. 65-66).

No entender de PAULA (2005, p. 47) as características da nova administração pública, dadas pelo Reino Unido, são: separação do planejamento da execução governamental; privatização das estatais; terceirização dos serviços públicos; regulamentação estatal das atividades exercidas pela administração privada, mas de competência estatal; e referência na administração privada.

No ano de 1989, em Washington (capital estadunidense) reuniram-se diversos organismos como o Banco Mundial (BIRD), Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e o Fundo Monetário Internacional (FMI) a fim de discutir as reformas econômicas na América Latina; do conjunto de medidas formuladas John Williamson convencionou chamar de “Consenso de Washington” (DAVIDSON, 2003).

O “Consenso” é composto de dez regras básicas que, essencialmente, pugnavam por um modelo de política econômica voltado à privatização, com política monetária visando estabilidade de preços, finanças públicas equilibradas, liberação do comércio internacional, desregulamentação trabalhista e econômica. Em que pese tenha servido de parâmetro para a administração gerencial, foi um fracasso quando aplicado nos países em desenvolvimento, fazendo com que houvesse a mitigação do modelo buscando corrigir suas disparidades (DAVIDSON, 2003).

Na década de 1990 OSBORNE e GAEBLER lançaram o livro “Reinventando o Governo”, onde examinaram diversas experiências das administrações públicas federal, estadual e municipal estadunidense para contornar os obstáculos burocráticos e aumentar a eficiência estatal, a essa prática denominaram governo empreendedor ou governo inovador.

Segundo os autores, enquanto a sociedade mantinha um ritmo mais lento e o Estado detinha menos obrigações sociais, o modelo burocrático apresentava resultados, mas atualmente as mudanças ocorrem muito rapidamente, a informação está disponível a todos quase tão velozmente quanto está disponível para os seus líderes e o nível educacional dos trabalhadores faz com que se oponham à hierarquia rígida, buscando a própria autonomia (OSBORNE e GAEBLER, 1994, p. 15-16), ficou mais difícil cumprir ordens apenas porque vêm do superior.

Logo o modelo burocrático não consegue atender às necessidades de uma administração pública com mais encargos, responsável por atender as tradicionais demandas por segurança, saúde, educação e regulação do mercado, mas acrescidas uma série de outras, como proteção ambiental, ao idoso etc.

Para atender à crescente complexidade das tarefas executadas pelas entidades estatais e melhorar sua eficiência, os administradores passaram a valer-se das práticas gerencias na administração pública estadunidense, que começava a incorporar o ideário do setor privado. MARTINS (1997b, p. 64) resume os dez princípios que nortearam a “reinvenção do governo” e propunham-se a levar serviços públicos de maior qualidade ao cidadão-cliente:

“1) preferência a alternativas de produção externa de bens e serviços: terceirização, parcerias governo-sociedade civil, voluntarismo etc.;

2) gestão participativa de programas e projetos com clientes;

3) estímulo à competição interna e externa;

4) desregulamentação interna, simplificação organizacional e clarificação de papéis e missões;

5) avaliação e financiamentos baseados em resultados;

6) imagem do cliente como consumidor: com direito a escolhas, pesquisas de preferências e atitudes, treinamento de atendimento e formulários de sugestões;

7) criação de centros de resultados financeiros, promovendo ação pública rentável;

8) antevisão estratégica de serviços;

9) descentralização e desconcentração: controle hierárquico versus autoridade, desenvolvimento de equipes (team building), gestão participativa, cooperação trabalhadores-gerentes, círculos de controle de qualidade e programas de desenvolvimento gerencial; e

10) atingimento das finalidades governamentais através da reestruturação do mercado.”

As ideias da nova administração pública, o Consenso de Washington, o movimento reinventando o governo, são tentativas de encontrar a melhor forma de aplicar o modelo gerencial.

Na concepção de cidadão-consumidor, acolhida pela nova gestão pública, a busca por renovação, excelência e resultados força a reinvenção das práticas, processos e procedimentos administrativos, a fim de atender aos anseios do “cliente”, ou seja, que o Estado cumpra seu papel formulando e executando as políticas públicas de forma a preservar os escassos recursos do contribuinte.

3.3 Administração Pública Gerencial Brasileira

No Brasil a administração gerencial foi implementada abertamene no governo Fernando Henrique Cardoso (1994-2002), pelo Ministro da Administração Federal e da Reforma do Estado (MARE), Luiz Carlos Bresser-Pereira, por meio do Plano Diretor da Reforma do Aparelho do Estado (1995).

Com inspiração na administração privada, buscando não ignorar as respectivas diferenças (pois o Estado não visa lucro e mantém-se, não com receita de atividade comercial, mas pelo pagamento de impostos – OSBORNE e GAEBLER, 1994, p. 21; e BRASIL, 1995), o modelo brasileiro primou por capacitar melhor a burocracia, garantir contratos e adequado funcionamento dos mercados, mais autonomia ao administrador público, cidadão visto como consumidor dos serviços estatais e maior controle social sobre o administrador público (MATIAS-PEREIRA, 2010, p. 95).

Com a Emenda Constitucional (EC) 19/98, introduziu-se na CF/88 o princípio da eficiência, ampliando os princípios da administração pública elencados no art. 37, além de diversas outras alterações com o intuito de tornar mais célere e flexível a administração pública; tais como a exclusão da estabilidade do servidor público, que agora pode ser demitido quando comprovadamente ineficiente ou exonerado caso haja excesso de pessoal; também pode ser colocado à disposição; houve a descentralização das atividades estatais (BRESSER-PEREIRA. 2011, p. 208-215), entre outras mudanças e acréscimos.

Foram tentativas de desburocratizar a administração pública brasileira, deixando-a menos rígida, com menos controles a priori (voltados para os procedimentos) a fim de possibilitar mais foco nos resultados.

Nesse contexto a utilização da tecnologia da informação é de suma importância, pois a automação representa a redução de gastos com pessoal e incremento na eficiência dos resultados, conforme ensina o TPS.

4 CONSIDERAÇÕES FINAIS

O debate sobre os modelos de administração pública, vivenciados pelos Estados no decorrer de sua evolução, auxiliam na compreensão sobre o estado da arte em que se encontram os modelos organizacionais atuais e as dificuldades da administração pública em adequar-se às novas exigências modernas, que requerem uma administração muito mais eficiente, primando por utilizar adequadamente os limitados recursos estatais, isto é, aplicar corretamente o dinheiro do contribuinte.

Inicialmente compreendeu-se o modelo de administração patrimonialista, típico do absolutismo, onde havia confusão entre o patrimônio do soberano e do Estado, sendo atender a vontade do soberano o objetivo final do Estado; res pública e res principis confundem-se.

No modelo patrimonialista os cargos públicos são prebendas e sinecuras, destinas a enriquecer o soberano e seus agentes. Bastava os agentes públicos cumprirem com uma cota ao soberano e o restante poderiam apropriar-se para si. Portanto inexistia preocupação com o interesse coletivo, tratava-se da simples apropriação do patrimônio público pelos detentores do poder e seus representantes.

A administração brasileira, quando do descobrimento, vinculava-se a esse modelo organizacional, desde a colonização, passando pelo império e República Velha. Somente com o ingresso de Getúlio Vargas no poder houve a passagem para o modelo burocrático.

O modelo de administração pública burocrática, modelo racional legal ou modelo weberiano, surge com a ideia de tornar a administração pública uma atividade profissional, com ingresso e evolução na carreira mediante mérito e, principalmente, separação entre soberano e administração pública.

Surge em resposta aos anseios do capitalismo e democracias em ascensão, que necessitavam de um modelo organizacional que separasse Estado e sociedade, privado e público, administrador público e político. Em suma, garantisse a transparência, regularidade e previsibilidade indispensáveis ao crescimento dos Estados e capitais privados.

Ao contrário do conceito popular, que considera a burocracia um entrave ao desenvolvimento e celeridade, o modelo burocrático é, na verdade, lastreado na eficiência, seleção com base no mérito, controles rígidos e a priori, com ênfase nos processos e ritos. Assim pretende garantir a profissionalização da administração pública e combate ao patrimonialismo, definindo regras claras de atuação com e pela administração pública.

Contudo o modelo burocrático apresenta disfunções, que são o exacerbamento ou desvio das características do modelo ideal, causando ineficiência e eliminando a previsibilidade almejada. Soma-se a isso a incapacidade do modelo em adequar-se à atualidade, que ampliou as obrigações estatais e exige maior celeridade e eficiência nos resultados da administração pública.

Outro problema foi a incapacidade em eliminar o patrimonialismo, este subsistindo por meio do fisiologismo e clientelismo, que vicejaram no modelo burocrático. Entre as novas formas de patrimonialismo surge o rent seeking (busca de renda), onde há apropriação do patrimônio público por grupos de pressão ou organizações que transmutam direitos em vantagens.

Os servidores públicos passaram a valer-se do rent seeking para aumentar suas rendas e garantir vantagens frente à administração pública.

O modelo de administração pública gerencial busca enfrentar as disfunções do modelo burocrático. Para tanto busca levar mais autonomia e flexibilidade ao gestor público, reduzindo a desconfiança frente a ele e ao cidadão. Este último, alias, na filosofia gerencial, deve ser tratado como cliente, porquanto a ele destinam-se os serviços prestados pelo Estado.

O modelo gerencial, para alguns, nada mais é que a flexibilização do modelo burocrático, trazendo as melhores práticas da iniciativa privada ao interior da gestão pública, exatamente como o modelo weberiano previa.

Com a descrição dos modelos de administração pública, restou evidente que todos recebem críticas e apresentam suas disfunções. Igualmente ficou patente que o modelo burocrático, atualmente em vigor na administração pública brasileira, há muito se encontra desgastado, cabendo a busca por modelos organizacionais mais adequados à mentalidade coeva, aos anseios do cliente-consumidor, carente de resultados eficientes por parte da administração estatal.

Mais que isso, o modelo burocrático não faz frente às novas formas de patrimonialismo, permitindo que vários setores, privados ou públicos, apropriem-se dos recursos coletivos em benefício próprio. Isso também caracteriza a infelicidade dos agentes públicos com o modelo burocrático, que engessa seus rendimentos e somente se vale do mérito para avaliar seus servidores no momento do ingresso, desestimulando seu aperfeiçoamento e eficiência.

Em que pese o modelo gerencial também não ser capaz de suplantar todas as formas de patrimonialismo, representa uma busca pelo aperfeiçoamento da administração pública em direção à melhora de resultados e mais eficiência na utilização dos parcos recursos estatais, cabendo maior aprofundamento e reflexão em sua inserção na administração brasileira.

 

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Notas:
[1] Trabalho orientado pelo Prof. Dr. Sérgio Tadeu Gonçalves Muniz; Coordenador da Pós-Graduação em Planejamento e Governança Pública/UTFPR. Graduado em Ciências Econômicas/UFPR, mestre em Desenvolvimento Econômico/UFPR, doutor em Engenharia de Produção/USP; doutorado-sanduíche na Universidade de Paris.


Informações Sobre o Autor

Alfredo Marcos do Prado

Mestre em Planejamento e Governança Pública na Universidade Tecnológica Federal do Paraná (UTFPR); especialista em Direito pela Escola da Magistratura do Paraná (EMAP); bacharel em Direito pela PUC de Curitiba/PR


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