O usufruto necessário do bem imóvel do menor e a (im)possibilidade jurídica do usufruto vitalício

Resumo: A transmissão de bens imóveis em favor de filhos menores, com reserva de usufruto a seus genitores, embora seja decorrente de uma imposição legal, tem sido frequentemente utilizada para fins de blindagem patrimonial. Contudo, em situações específicas, a instituição do usufruto vitalício é impossível, e ainda que exista formalmente, poderia ter sua extinção reconhecida judicialmente, por expressa violação aos ditames do Código Civil Brasileiro.

Palavras-Chave: Usufruto. Menoridade. Blindagem Patrimonial. Ônus Real. Doação.

1. INTRODUÇÃO

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O instituto do usufruto necessário, instituído através do Art. 1.689, inciso I, do Código Civil Brasileiro, na realidade, é uma decorrência da incapacidade jurídica do menor, em exercer pessoalmente os atos da vida civil, conforme expressamente dispõe o Art. 3º, do Código Civil Brasileiro.

Contudo, a incapacidade de praticar os atos da vida civil, que versa o referido diploma legal, é temporária, cessando-se totalmente aos dezoito anos de idade, quando o legislador reconheceu a capacidade civil absoluta para a prática destes atos, conforme dispõe o Art. 5º, do Código Civil.

Todavia, não é raro que muitos usufrutos necessários, sejam gravados, por tabelionatos de todo o país, no caso de bens imóveis, com cláusula de vitaliciedade, o que contradiz o disposto no Art. 1.689, inciso I, do Código Civil, e, sem qualquer respaldo jurídico expresso, permite a restrição do direito de exercício pleno da propriedade, depois de completada a maioridade.

2. O USUFRUTO NECESSÁRIO E VOLUNTÁRIO NA DOAÇÃO E NA COMPRA E VENDA DE IMÓVEL POR MENOR DE IDADE

Conforme dito, muito embora seja uma imposição legal, o usufruto deve ser analisado, de maneira distinta, conforme o contexto no qual foi instituído, neste caso, se ele decorre de uma transação de compra e venda, aonde o menor, por imposição do Art. 1.689, inciso I, do Código Civil, teve de abrir mão do direito de usufruir do bem, por imposição da lei, ou, se este é decorrente de uma doação, aonde, o doador transferiu à propriedade ao donatário, menor de idade, sendo que, neste último caso, o donatário pode ter optado, ou não, pela reserva de usufruto em seu favor. Contudo, apesar de em ambas as situações, o menor tornar-se nu-proprietário do bem, em apenas uma, verificamos a presença de voluntariedade, que se encontra na hipótese do doador, ter doado o bem ao menor de idade, mas expressamente reservando a seu favor, os direitos de usufruto sobre o bem transmitido. É importante frisar ainda que, nesta hipótese, a doação deve ser expressa, assim como a reserva do instituto do usufruto, a fim de desconstituir o usufruto necessário, e instituir o usufruto voluntário, uma vez que foi feito por vontade do doador, e não por imposição da lei, podendo nesta hipótese, inclusive, o usufruto não ser reservado aos pais, mas a um terceiro, conforme permitido expressamente pelo Art. 1.693, inciso III, do Código Civil.

No usufruto necessário, contudo, não há qualquer presença de voluntariedade, pois este decorre de imposição legal, por conta de uma situação temporária na qual se encontra o donatário ou proprietário do bem. Por tal razão, não deve, ser confundido, em nenhuma hipótese, com o usufruto voluntário.

A ausência de voluntariedade do menor, para a prática de seus atos jurídicos, inclusive é reforçada pela incapacidade que o menor possui para decidir sobre o aceite ou não de doações que lhes forem feitas, conforme previsto no Art. 543 do Código Civil Brasileiro. Mesma situação ocorre na aquisição de bens, que por conta de serem absolutamente incapazes, cabe aos pais representarem os menores nos atos da vida civil.

3. DA IMPOSSIBILIDADE DE USUFRUTO VITALÍCIO NA COMPRA E VENDA FEITA PELO MENOR DE IDADE

Diferente da doação, aonde é lícito ao doador impor encargos para o recebimento do bem, tendo o donatário obrigação de cumpri-los, conforme disposto no Art. 553, do Código Civil, podendo neste caso estudado, o usufruto do bem reservado ao doador, ser visto como um encargo, não haveria o que questionar sobre a licitude do usufruto instituído, ainda que vitalício.

Por outro lado, em se tratando de compra e venda o único encargo que esta deve possuir, é o da aquisição da propriedade, e deste ato decorrentes, não havendo a possibilidade de imposição de qualquer outro encargo ou restrição, salvo quando expressamente imposto pelo legislador, como no caso do usufruto necessário.

Contudo, é sabido que o menor não possui voluntariedade para a prática dos atos da vida civil, conforme disposto no Art. 3º, do Código Civil, desta forma, ele não tem como dispor sobre algo que restringirá seus direitos após cessada a menoridade, em outras palavras, o menor não pode instituir o usufruto vitalício sobre o bem que o adquirir enquanto estiver na condição de incapaz.

Por esta razão, a instituição do usufruto vitalício não encontra nenhum respaldo legal expresso no código civil, nem tampouco na legislação esparsa, sendo que, em uma análise ao Art. 1.691, do Código Civil, verifica-se que o usufruto vitalício seria ilícito, conforme segue:

“Art. 1.691. Não podem os pais alienar, ou gravar de ônus real os imóveis dos filhos, nem contrair, em nome deles, obrigações que ultrapassem os limites da simples administração, salvo por necessidade ou evidente interesse da prole, mediante prévia autorização do juiz”.

Veja que o art. 1.691, do Código Civil é suficientemente claro, ao dizer que não podem os pais gravar ônus real nos imóveis dos filhos, desta forma, o usufruto vitalício, por não ser necessário, seria um ônus real, conforme explica Maria Helena Diniz[1], como sendo obrigações que limitam a fruição e a disposição da propriedade, e exemplifica[2], como sendo ônus reais: a servidão predial, a enfiteuse, o usufruto, o uso, a habitação, a superfície, a hipoteca, o penhor e a anticrese.

Veja, a natureza do usufruto é de ônus real, e neste caso, não se tratando do usufruto necessário, que seria aquele que foi imposto em razão da menoridade e seria automaticamente extinto após cessar o fim que o originou, conforme previsto no Art. 1.410, inciso IV, do Código Civil, ou seja, após o nu-proprietário atingir a maioridade, quando o então menor de idade, teve sua menoridade cessada e passou a ser plenamente capaz para os atos da vida civil, conforme previsto pelo Art. 5º, do Código Civil.

4. CONCLUSÃO

Percebe-se que, apesar de haver uma imposição legal para a instituição do usufruto pelos bens adquiridos pelo menor, esta imposição não deve ser permanente, pois surge em decorrência de uma situação temporária, a menoridade, e por esta razão, depois de cessada a menoridade, não pode o nu-proprietário ser privado do pleno exercício de seus direitos sobre a propriedade, em decorrência de um ônus real que foi incapaz de tê-lo aceite.

Verifica-se, neste sentido, que todo o usufruto gravado com vitaliciedade, em se tratando de imóvel adquirido, por compra e venda, pelo menor, estariam eivados de nulidade, pois não se trata neste caso, de um usufruto necessário, imposto pela lei, mas de um ônus real imposto sobre a propriedade do menor, desta forma, nulo conforme menciona expressamente o texto do Art. 1.691, do Código Civil.

Contudo, apesar de nulo, por se tratar de um direito real, somente judicialmente poderia ser reconhecida a extinção do usufruto, nestas situações, o que encoraja a utilização deste mecanismo como forma de blindagem patrimonial[3] para diversos fins, desvirtuando-se do real motivo que o legislador instituiu o usufruto necessário, que seria proteger o patrimônio do menor, enquanto for incapaz.

 

Referências
CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO (CRC-SP). Revista Gestor Contábil. 4ª ed. São Paulo: CRC/SP, 2013.
DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ªed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2005, p. 502.
DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2. 2004.
KÜMPEL, Vitor Frederico, BORGARELLI, Bruno de Ávila, Da Doação a Incapaz, in Revista de Direito Imobiliário, v. 79, 2015.
REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL. Lei nº. 10.406/2002 – Código Civil Brasileiro. Brasília, Casa Civil, 2002.
 
Notas
[1] DINIZ, Maria Helena. Direito Civil Brasileiro: Teoria Geral das Obrigações. 20ª ed. São Paulo: Saraiva, v. 2. 2004, p. 14-15.

[2] DINIZ, Maria Helena. Dicionário jurídico. 2ªed. São Paulo: Saraiva, v. 3, 2005, p. 502.

[3] CONSELHO REGIONAL DE CONTABILIDADE DO ESTADO DE SÃO PAULO (CRC-SP). Revista Gestor Contábil. 4ª ed. São Paulo: CRC/SP, 2013, p. 11.


Informações Sobre o Autor

Luis Gustavo Esse

Bacharel em Direito pela Universidade Metodista de Piracicaba (UNIMEP).


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