Da Efetividade Das Tutelas Provisórias De Urgência e Evidência Na Busca De Acesso à Justiça

Fabricio Henrique Silva Hollatz

Resumo: Este ensaio buscará pesquisar as características das tutelas provisórias no direito brasileiro, como modalidade de tutela diferenciada, a fim de consubstanciar os princípios constitucionais, em especial como parâmetros de acesso à justiça e dignidade da pessoa humana. Para tanto, se utilizará do método hipotético dedutivo, a fim de examinar em que sentido o acesso à justiça e as tutelas provisórias, como reflexivos, podem contribuir para realização da dignidade da pessoa humana e os direitos da personalidade. Destarte, partindo-se de uma premissa principiológica consubstanciada no processo, deverá se investigar sobre as modalidades de tutelas, seja em sede de cognição sumária ou exauriente, o teor dos direitos no plano material que estejam sob suposto risco de não serem concretizados no curso do processo, dado o ônus do tempo, nas hipóteses em que estes possam ser antecipados ou, então, ao menos assegurados.

Palavras-chave: Cognição sumária e exauriente; Dignidade da pessoa humana; Tutelas diferenciadas.

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FROM THE EFFECTIVENESS OF URGENT AND EVIDENT INTERIM PROTECTIONS IN SEEKING ACCESS TO JUSTICE

Abstract: This study aims to investigate the characteristics of interim protections in the law of Brazil, as a modality of non-ordinary relief, in order to substantiate the constitutional principles, especially as parameters of access to justice and human dignity. To do so, the hypothetico-deductive method will be used to examine in what sense access to justice and interim protections, as reflective, can contribute to the achievement of human dignity and personality rights. Therefore, considering a premise pertaining to principles and established in the process, it is necessary to investigate the modalities of protections, whether based on the exhaustive or summary cognition, the content of the rights in the substantive law that are under risk of not being fulfilled in the course of the process, due to the burden of time, in the hypotheses in which they can be anticipated or at least, assured.

Keywords: Exhaustive and summary cognition; Human dignity; Non-ordinary relief.

 

Sumário: Introdução; 1. A Dignidade Humana no Acesso à Justiça 2. Das Tutelas Diferenciadas; 3. Tutelas Exaurentes e Provisórias; 4. Tutela de Urgência Antecipatória e Cautelar; 5. Tutela de Evidência; 6. Conclusão; Referências.

 

Introdução

A Constituição brasileira assume compromisso democrático com a edificação da dignidade da pessoa humana, princípio em torno do qual gravitam todos os valores da personalidade, na constelação axiológico-jurídica. Sabe-se que os conflitos interindividuais deságuam em lesões ou ameaças de lesões a direitos, e no plano concreto, compete ao Poder Judiciário pôr pá de cal no dissídio, conquanto assume reserva de solução de impasses, tratando-se do princípio da inafastabilidade do controle das decisões judiciais.

A instauração do processo impõe sejam oferecidas ao jurisdicionado técnicas diferenciadas de tutela, aptas a fazer face à corrosão do direito pelo fluxo do tempo, tratando-se das tutelas emergenciais ou de urgência, consagrada no plano doutrinário e positivada. Nesse segmento, o atual CPC, sofrendo os influxos da principiologia da Constituição, abarca tarefa de realizar direitos no plano material, de forma lesta e eficaz, sem negligenciar o contraditório, a ampla defesa e o devido processo legal.

Infere-se ainda, da parte geral do CPC, na base principiológica, o compromisso assumido com a dignidade da pessoa humana. De sorte a preocupação central do processo reside na construção pessoal do jurisdicionado, não sendo tratado simplesmente como dado, estatística ou número, mas como ser existencial que necessita do processo para dignificar-se.

Portanto, o estudo se justifica ao inferir do plano de princípios constitucionais de processo, valores caros à dignidade, como acesso à justiça, solução dos conflitos em prazo razoável, e realização de tutelas de direito processual, como são as designadas tutelas de urgência.

Nesse sentido, o processo haverá de consubstanciar direitos instrumentais que viabilizem a reivindicações de direitos personalíssimos, sobretudo, de forma eficaz e célere sem descurar dos compromissos constitucionais do processo. Assim, deve se compreender como se dá o alcance in concreto do acesso à justiça ao jurisdicionado, mas não o acesso formal ao processo em si, mas, material e efetivo na busca da concretização do direito que se espera resguardar ou ter a salvo, a fim de que, dada a demora judicial não haja eventuais e futuros prejuízos. Isto é, acesso à justiça como direito posto de garantia e não apenas proclamado, fazendo do processo e dos meios de sua instrumentalização, como as tutelas provisórias, mecanismos elaborados arquitetonicamente para um fim que vá além da prestação do mínimo existencial.

Com efeito, resta-nos algumas possíveis indagações que no curso deste ensaio irá buscar solucionar, como: as tutelas provisórias, e, por óbvio, a necessidade de cumprimento dos seus requisitos, seriam instrumentos ou óbice ao acesso célere e digno à justiça [?] A antecipação dos efeitos da sentença, inaudita altera partes, satisfaz efetivamente os anseios dos jurisdicionados [?] E, ainda, tal concessão, sob a ótica do acesso à justiça, seria obstáculo aos seus confrontantes [?]. Destarte, impede promover essas investigações, sobre eventuais aplicações e compatibilidade com o ordenamento jurídico.

 

  1. Acesso à justiça

A temática “justiça” norteia o direito e o próprio homem, desde os primórdios de sua concepção. Seu conceito aberto permite uma extensa e ampla interpretação em todos os âmbitos de discussões, desde a politica ao direito, de modo individual ao coletivo, numa análise apartada ou em conjunto.

Dentro do universo da doutrina filosófica, o conceito de justiça surge atrelado a politica e sociedade, como temática central do pensamento grego. Para Aristóteles, sucessor de Platão, o mundo seguia uma tendência determinada a um fim, sendo o bem a essência de tudo. Em verdade o “bem” na perspectiva desse filósofo se tratava da incessante busca pela “felicidade”, construída por hábitos:

 

Aristóteles, fiel aos princípios de sua filosofia especulativa, e após ter feito uma análise e um estudo da psicologia humana, verifica que em todos os seus atos o homem se orienta necessariamente pela ideia de bem e de felicidade e que nenhum dos bens comumente procurados (a honra, a riqueza, o prazer) preenche esse ideal de felicidade. Daí a sua conclusão: primeiro, a felicidade humana deverá consistir numa atividade, pois o ato é superior a potência; segundo, deverá ser uma atividade relacionada com a faculdade humana mais perfeita que é a inteligência […] (COSTA, 1993, p.67).

 

Na obra “Ética e Nicômaco”, Aristóteles disserta sobre a virtude do homem como forma de construção do caráter, a fim de alcançar a perfeição e, esta se dava por meio do hábito, ou seja, da pratica reiterada de determinada conduta, ato, atividade. “Não é, portanto, nem por natureza nem contrariamente a natureza que as virtudes se geram em nós; antes devemos dizer que a natureza nos dá a capacidade de recebê-las, e tal capacidade se aperfeiçoa com o hábito” (ARISTÓTELES, 2002). Ainda, tais hábitos poderiam levar o homem a ser bom ou mau naquilo que faziam. E, na justiça não era diferente, podendo o homem ser justo ou injusto (ARISTÓTELES, 2002, p. 40). No entanto, na visão dele, a justiça é a lei e a seguindo, você alçaria a concepção (hábito) de justo:

 

[…] vimos que o homem sem lei é injusto e o respeitador da lei é justo; evidentemente todos os atos legítimos são, em certo sentido, atos justos, porque os atos prescritos pela arte do legislador são legítimos, e cada um deles dizemos nós, é justo. Ora nas disposições que tomam sobre todos os assuntos, as leis têm em mira a vantagem comum, quer de todos, quer dos melhores ou daqueles que detém o poder ou algo desse gênero; de modo que, em certo sentido, chamamos justos aqueles atos que tendem a produzir e a preservar, para a sociedade política, a felicidade e os elementos que a compõem. E a lei nos ordena praticar tanto os atos de um homem corajoso […] quanto a de um homem morigerado […] e os de um homem calmo […]; e do mesmo modo com respeito às outras virtudes e formas de maldade, prescrevendo certos atos e condenado outros; e a lei bem elaborada faz essas coisas retamente , enquanto as leis concebidas às pressas fazem menos bem (ARISTÓTELES, 2002, p. 65).

 

Ainda, Tomás de Aquino (1993, p. 282) em comentários a obra de Aristóteles explica sobre o homem justo segundo o filósofo:

 

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O homem justo é tomado de dois modos: primeiramente como uma pessoa obediente às leis, isto é, como aquele que observa as leis; por outro lado, como uma pessoa justa, que deseja ter as graças e as desgraças da fortuna em igual medida. O igual é oposto a ambos, isto é, ao que é excessivo e ao que é deficiente. Disto, Aristóteles conclui que o que é justo é dito de acordo com a lei e a igualdade, e o que é injusto, contrário à lei e à igualdade, na medida em que os objetos são conhecidos pelo hábito.

 

Portanto, a justiça para Aristóteles era uma virtude em excelência, em elevado grau de importância, pois ser justo conferia o exercício de direito sobre si mesmo e seu par, ao menos, sob o aspecto da “justiça particular” do homem (AQUINO, 1993, p. 282).

Em contrapartida, partindo do pressuposto do direito positivo, Kelsen, lançou a teoria pura do direito, como ciência espiritual e não natural, baseada no ser e dever ser, num direito como norma (KELSEN, 2007, p. 60).

Kelsen defensor desta teoria reconhece que direito é uma categoria da moral significando o mesmo que justiça num plano de ordem social, na qual busca satisfazer a todos. Contudo, também aduz que esse valor absoluto de justiça não pode ser determinado pela teoria pura do direito, ante seu caráter metafísico. Assim, “a justiça, diferentemente do direito positivo, deve apresentar uma ordem mais alta e permanente em absoluta validade, do mesmo modo que todo empirismo, como a ideia platônica, em oposição à realidade e como a coisa-em-si transcendental, se opõe a fenômenos” (KELSEN, 2007, p. 61).

Para tanto, justiça nesta concepção trata-se de um ideal complexo e supostamente inalcançável na visão de Kelsen, tendo como resposta a pergunta “do que é justiça?” respostas “totalmente sem conteúdo (KELSEN, 2007, p. 62)”, pois a seu ver, “[a] justiça, ideal da vontade e de comportamento, ao contrário da ciência, deve fazer-se invisível na ideia de transformar a verdade, que encontra sua expressão – negativa – no princípio da identidade” (2007, p. 62), ou seja, direito positivo é um conhecimento racional que soluciona conflitos de interesses:

 

Observando-se, do ponto de vista do conhecimento racional, só existem interesses e, com isso, conflitos de interesse, cuja solução só acontece através de uma ordem de interesses, que ou se harmonizam, conciliando-se um com o outro, ou conflitam entre si, e, à custa de conciliarem-se um com o outro, instituem uma compensação, um compromisso entre interesses contrários (KELSEN, 2007, p. 62).

 

Kelsen, não contesta a existência de justiça, mas a considera um ideal irracional voltada ao “comportamento humano, mas não […] para o conhecimento” (2007, p. 62), sendo só o direito positivo o responsável por se encarregar nesta busca de forma lógica e racional.

Nessa perspectiva, temos que a concepção de acesso à justiça se altera e transforma com o passar do tempo, das necessidades e circunstancias. Hoje em dia, já está consagrada sua importância como princípio constitucional e direito fundamental de todos, “como condição fundamental de eficiência e validade de um sistema jurídico […] do Estado democrático de direito” (MATTOS, 2009, p. 11).

A Constituição Federal de 1988 é reconhecida como uma das mais amplas possíveis, garantidora de direitos, interesse e deveres, sejam eles individuais, coletivos ou difusos, que devem ser preservados, resguardados em alto grau e, por óbvio, realizados in concreto. Para tanto o artigo 5º (e outros) apregoam os direitos fundamentais, entre eles o da inafastabilidade do poder judiciário, o qual garante ao jurisdicionado o direito de buscar proteção perante o Poder Judiciário. É verdadeiro exercício de direito de ação e acesso à justiça.

Mas, tal positivação apenas revela uma parcela do acesso à justiça, este representado somente pelo direito de acesso ao Poder Judiciário. Contudo, seu alcance é mais extensivo do que parece. Neste sentido, Fernando Pagani Mattos, citando outros autores, afirma:

 

O princípio constitucional do acesso à justiça esta positivado na ordem constitucional brasileira em alguns dispositivos constitucionais e infraconstitucionais. O mais importante deles está previsto no artigo 5º, XXXV, da Constituição da república, que estabelece: a ‘lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito’. Embora apareça aqui somente parcela do acesso à justiça, por se tratar de disposição que aparentemente cuida do acesso ao Poder Judiciário, não se pode descurar que este compõe parte significante daquela […] (MATTOS, 2009 apud BRANDÃO; MARTINS; ROSA, 2006, p, 9).

 

Assim, este princípio juntamente com os demais instituídos na Constituição Federal, celeridade processual, ampla defesa, devido processo legal, assistência judiciária gratuita etc., compõe uma ordem maior de acesso à justiça em sua dimensão mais elevada.

A ideia de justiça esta atrelada com a de igualdade e, sendo como tal, pode “ser encarado como requisito fundamental – o mais básico dos direitos humanos – de um sistema jurídico moderno e igualitário que pretenda garantir, e não apenas proclamar os direitos de todos” (CAPPELLETTI, 1988, p.12). Portanto, podemos verificar este instituto sob duas óticas, uma de direito posto, consistente na norma positivada, proclamada tanto no âmbito constitucional quanto no infraconstitucional garantidora de direito e deveres que devem ser observados e outra que buscar efetivar, no caso concreto, sua aplicação justa e igualitária a fim de alcançar a pacificação social.

Destarte, visando superar os obstáculos existentes, o operador do direito cria mecanismos que facilitam e/ou auxiliam a concretização destes direitos por vias alternativas e mais céleres, a fim de que não haja perecimento. Cappelletti (1988, p.12) ensina que os juristas precisam compreender que tais técnicas processuais servem de funções sociais, não sendo os tribunais a única forma de solução de conflito, devendo prestigiar e encorajar outras alternativas como forma de operar a lei na busca (efetiva) do acesso à justiça. Aliás, sobre essa visão ideológica se confeccionou o CPC de 2015, munidos de princípios cooperativos que garantam de modo eficaz, célere e digno a presteza jurisdicional em prol de uma sociedade fraterna e justa.

 

2. Das Tutelas Diferenciadas

O processo como instrumento, proporciona aos jurisdicionados técnicas e meios para alcançar, de modo célere, os direitos pleiteados, muitas vezes a fim de escapar da morosidade, já que a rigor, para se buscar o direito em definitivo, há necessidade de uma complexa e longa cognição exauriente, respeitando o contraditório, o devido processo legal e a ampla defesa (DIDIER, 2016, p. 575).

A Constituição Federal de 1988 estabeleceu em seu art. 5º, inc. XXXV que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário, lesão ou ameaça a direito”. Para tanto, além do exercício do direito de ação, para que este não se torne inócuo no tempo, houve a necessidade de fornecer aos sujeitos do processo tutelas diferenciadas. Aliás, é o que ensina Wambier e Talamini (2016, p. 860-861):

 

[…] a norma do art. 5.º, XXXV, da CF/199, ao assegurar o direito fundamental à proteção do jurisdicional está necessariamente garantindo uma tutela adequada, efetiva e tempestiva.

[…] [e]ntre elas, destaca-se a previsão de mecanismos aptos a assegurar o possível resultado prático que normalmente se teria apenas no final do processo, conservando as condições para que tal resultado possa futuramente ocorrer ou desde logo adiantando esse resultado, tendo em vista situações de urgência (o perigo na demora) ou uma redistribuição do ônus da demora do processo à luz das concretas alegações e defesas das partes.

Ou seja, não basta (e não é sempre possível) acelerar o processo como um todo. Então, em certas hipóteses – e observados limites -, cabe adiantar o seu possível resultado ou, quando menos, manter as condições para que ele possa futuramente se concretizar.

 

Ao conceder a hipótese da tutela jurisdicional diferenciada, o Estado-Juiz, busca promover aos sujeitos do processo, através de uma análise sumária, efetividade na concretização do direito material, fazendo com que este não se perca com o tempo ou não se torne excessivamente oneroso. Assim, “[t]utela jurisdicional diferenciada é a proteção concedida em via jurisdicional mediante meios processuais particularmente ágeis e com fundamento em uma cognição sumária” (MIRANDA apud DINAMARCO, 2016).

Tais tutelas diferenciadas divergem daquelas do procedimento ordinário, pois dão ao processo outro caminho a seguir, se apoiando em medidas aptas ao alcance do bem da vida almejado. São instrumentos excepcionais que antecipam os efeitos da sentença. Contudo, não se pode perder de vista a essência dos princípios constitucionais do acesso à justiça, ampla defesa, contraditório e tantos outros que norteiam o processo e regulam seu trâmite.

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Não obstante o processo ser construído e constituído de forma lógica e congruente, por vezes, como in casu, esbarra com conflitos de interesses, com espécies de dualidades que se chocam, devendo o juiz sob os prismas constitucionais e processuais se valer do conhecimento sociológico, cultural, ético e moral, a fim de conferir ao sujeito que melhor se põe “com suas armas”, a medida mais efetiva, célere e justa. Mas, sem deturbar tais instrumentos, não fazendo da exceção, regra. Necessário se faz observar os limites de tais instrumentos para que o Estado não seja desigual quando da partilha dos direitos, cuidando para não suprimir ou cercear o contraditório prévio, regra basilar do direito, que fornece ao presidente do processo as informações necessárias para confecção da melhor decisão.

A propósito, é o que ensina Armelin (1992, p. 45-55), ao dizer que é necessário adaptar as tutelas jurisdicionais e seus instrumentos à sua finalidade da prestação jurisdicional, porque se demorada pode repercutir negativamente, devendo adotar novas técnicas, ao menos para atenuar, eventuais falhas do Poder Judiciário.

No mesmo sentido, aduz que a criação de meios que tutelam direitos já declarados ou que eliminem situações de perigo, é necessária, a fim de estes não pereçam, não fazendo da justiça tardia uma injustiça institucionalizada.

Ainda, ensina Armelin (1992, p. 45-55), que a tutela diferenciada pode ser conceituada sobre duas óticas, uma como tutela em si, do direito que se busca, conforme o provimento jurisdicional que irá ser adotada para abranger a pretensão almejada e outro no sentido cronológico, como antecipação dos efeitos da tutela, alterando a regra processual. Veja:

 

Um, cujos efeitos estão impregnados da imutabilidade inerente à coisa julgada material, prestigiando segurança e certeza, sem as sacrificar a teor da celeridade e tempestividade de sua prestação; outro, sem garantia da permanência e inalterabilidade de seus efeitos, de modo a satisfazer sem assegurar a eficácia do seu resultado (ARMELIN, 1992, p. 45-55).

 

Destarte, aqui, buscar-se-á entender as tutelas num âmbito cognitivo e como técnica processual, especificadamente no tocante as tutelas de urgência instituídas no Código de Processo Civil, que a rigor são analisadas em sede de cognição sumária, superficial.

 

3. Tutelas Exaurentes e Provisórias

O atual CPC (de 2015), na esteira do anterior (de 1973), mas de modo mais esmiuçado, traz em seu Livro V, Título I a III, as tutelas de urgência e evidência, espécie do gênero tutela provisória.

Primeiramente, antes de se adentrar em suas espécies (urgência e evidência) e suas modalidades (antecipada [incidental], antecipada em caráter antecedente e cautelar em caráter antecedente ou incidente), há de se diferenciar pelo grau de cognição, isto é, se exauriente ou provisório. Mas, antes é preciso ser entendido o que é à cognição no processo ou para Talamini e Wambier, “cognição jurisdicional” (2016, p. 45). Esses autores, a definem como uma atividade intelectual do juiz, onde este terceiro por meio de investigação faz a subsunção do fato à norma. E, ainda declaram:

 

Assim, quando se fala em atividade cognitiva, ou em processo ou fase de conhecimento, quer-se indicar a modalidade de atuação jurisdicional em que o juiz precipuamente reúne subsídios instrutórios sobre fatos e argumentos jurídicos para pronunciar uma decisão que consiste no objetivo principal dessa sua atuação (2016, p. 45).

 

Watanabe (2000, p. 59), seguindo o conceito de cognição como um ato lógico assim a define:

 

A cognição é prevalentemente um ato de inteligência, consiste em considerar, analisar e valorar as alegações e as provas produzidas pelas partes, vale dizer, as questões de fato e as de direito que são deduzidas no processo e cujo resultado é o alicerce, o fundamento do judicium, do julgamento do objeto litigioso no processo.

 

Ademais, citando Chiovenda e Liebman ele afirma o propósito intelectual exercido pelo juiz por diversas atividades lógicas com o objetivo de julgar a demanda e decretando (ou não) a vontade da lei no caso concreto (WATANABE, 2000, p. 45). Mas, nada obstante esse posicionamento, ele também aduz que a cognição por vezes tem papel intuitivo com base em “critérios de experiência, de oportunidade e de justiça inspirados nas condições histórias, econômicas e politicas da sociedade” (2000, p. 60).

O processo por si só, e por óbvio, a cognição jurisdicional, é um sistema de dialógica, pelo qual as partes expõem os fatos, formulam discussões e sobre elas pairam uma decisão que pode ser provisória ou definitiva, dependendo do grau de cognição e atuação que se encontra a instrução processual. É por isso que, conforme a situação do caso concreto a cognição pode ser limitada, o que se justifica, a fim de dar efetividade à tutela jurisdicional em casos excepcionais (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 60).

A cognição é tratada pela doutrina sob dois planos: vertical e horizontal. O primeiro concerne ao grau de profundidade, enquanto que o segundo está ligado aos limites processuais. Nesse raciocínio, as lições de Wambier, Talamini e Watanabe:

 

As variações de cognição põem-se basicamente em dois planos. Um deles, chamado “vertical”, concerne ao grau de profundidade com que podem ser investigadas as questões postas para conhecimento do julgador. O outro, dito “horizontal”, diz respeito à própria delimitação das questões que podem ser conhecidas pelo julgador. As variações nesses dois planos, ademais, podem combinar-se (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 56).

 

Numa sistematização mais ampla, a cognição pode ser vista em dois planos distintos: horizontal (extensão, amplitude) e vertical (profundidade).

No plano horizontal, a cognição tem por limite os elementos objetivos do processo […]. Nesse plano, a cognição pode ser plena ou limitada (ou parcial) segundo a extensão permitida.

No plano vertical, a cognição pode ser classificada segundo o grau de profundidade, em exauriente (completa) e sumária (incompleta) (WATANABE, 2000, p. 111-112).

 

Neste trabalho, dado sua temática, o plano que nos interessa é o vertical, ou seja, como a cognição sumária e exauriente ocorrem nas tutelas provisórias.

Numa primeira ótima, cognição sumária, superficial (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 56), é aquela cognição limitada, não aprofundada, vez que ao juiz ainda não estão postas todas as matérias discutidas. Nesta fase o magistrado trabalha a partir da verossimilhança das alegações, da probabilidade do direito em xeque. Assim, o juiz analisa os fatos trazidos à baila e pressupõe uma existência de verdade neles.

Tal cognição sumária ocorre a principio nas tutelas de urgência, sejam elas antecipadas (incidental ou antecedente), cautelares e até mesmo nas tutelas de evidência que, ainda que tal grau de probabilidade seja mais elevado, a cognição promovida, é sumária. “Nesses casos, a limitação da profundidade da cognição funda-se na exigência de efetividade da tutela […] ou no princípio da duração razoável do processo” (WAMBIER; TALAMINI, 2016, p. 56). Ademais, há de se frisar “que a cognição não é definida como exauriente ou superficial conforme o efetivo grau de cognição do juiz, mas sim conforme o que o procedimento permite ao juiz investigar conjugadamente com o que o sistema exige que ele, em tal momento decida” (GOLDBERG, 2017).

Deve se ter em mente que a cognição sumária é voltada ao ônus do tempo, da demora do processo, não constituído violação aos preceitos constitucionais de ampla defesa, contraditório e devido processo legal. Ela, com instrumento processual, confere aos jurisdicionado uma resposta rápida e efetiva do direito material que se busca. É o processo como meio de acesso à justiça célere e eficaz. Note-se, que nesta análise sumária o juiz não declara, constitui ou decreta a existência de um direito e sim que ele provavelmente existe (MARINONI, 2011, p. 359-336). Desse modo, surge uma segurança no campo processual de que no campo material o direito irá perdurar e se concretizar, ou seja, é uma tentativa de satisfazer o jurisdicionado supostamente detentor de direito.

Com efeito, a sumariedade da tutela é baseada naquilo que o juiz infere de provável no direito do jurisdicionando com a soma de uma possível lesão ou ameaça que possa atrapalhar sua existência. Esse binômio de direito posto e direito ameaçado são os pressupostos da tutela provisória. Isto é, a probabilidade do direito e o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo (art. 300 do CPC).

De modo adverso é a cognição exauriente. Nesta, a investigação é ampla e exaustiva. De forma brilhante, Marinoni (2017, p. 35-39), leciona que a cognição exauriente pode se dar: secundum eventum probationis, não definitiva e por ficção legal conjugada com a técnica secundum eventum defensionis.

Na primeira espécie, aduz quanto necessidade de dilação probatória, isto é, de investigação pelo magistrado, o destinatário das provas (art. 370 do CPC), a fim de que este, munido com todos os elementos capazes de promover sua convicção, possa emanar decisão segura. Ainda, revela interessante técnica quanto à cognição ser exauriente, mas, não definitiva. Aliás, tal meio é perfeitamente aplicado ao caso examinado, já que pode haver decisões antecipadas fundadas em cognição exauriente, no entanto, de cunho provisório. Noutros termos, “é possível a antecipação da tutela após o encerramento da fase instrutória” (MARINONI, 2017, p. 38).

No tocante a última técnica, de forma brilhante ele conjuga e a intitula de ficção legal, pelo qual a lei atribui caráter aparentemente exauriente, para tanto, cita como exemplo a ação monitória. Neste tipo de demanda, a parte detém prova de um evidente direito, sendo que, em não havendo defesa (tecnicamente falando, embargos monitórios), aquela prova escrita sem eficácia de título executivo, adquire força e caráter executivo, dispensando qualquer dilação probatória nesse sentido. Ou seja, a incúria, a inércia de uma parte é um ônus que atribui à outra “alto grau de probabilidade e existência do direito” (MARINONI, 2017, p. 39).

Em suma, a tutela exauriente é compreendida por aquelas medidas que comportaram investigação suficiente à convicção do juiz, podendo esta ser, por exemplo, uma tutela antecipada em caráter incidental, concedida após o encerramento do contraditório, da fase instrutória ou até mesmo em sentença, o que não significa que ela terá caráter definitivo.        Diferentemente, na cognição sumária, quando nos deparamos com a necessidade do uso das tutelas de urgências requeridas liminarmente, ou seja, inaudita altera parte, podendo ser antecipada em caráter incidental, antecedente ou cautelar em caráter antecedente, nos casos em que há necessidade de aplicação das medidas em caráter excepcional, sendo imprescindível sua terapêutica para salvaguardar, preservar, concretiza e garantir direitos, abrindo mão do prévio contraditório, devido o perigo de dano que pode haver no curso do processo.

 

4. Tutela de Urgência Antecipatória e Cautelar

À luz da sistemática do atual CPC, o tema “tutela provisória”, vem regulado nos arts. 294 a 311, sendo gênero, das espécies de natureza “antecipada”, “cautelar” (que podem ter a forma de “incidente” ou “antecedente”) e a “tutela de evidência”.

Dita como “tutela final prestada mediante a técnica de antecipação” (MARINONI, 2017, p. 72), a tutela provisória em caráter antecipado ou tutela satisfativa sumária (MARINONI, 2011, p.110) é a tutela final, antecipada com base em cognição superficial lastreada na verossimilhança. Por meio dela o autor tem por satisfeito o bem da vida que almeja e deu ensejo a propositura da demanda. Tal medida, busca a satisfação do direito material.

A propósito, leciona Marinoni (2017, p. 109):

 

A realização de um direito mediante a técnica antecipatória é a realização de um direito que preexiste à sentença de cognição exauriente.

 

A técnica antecipatória produz a tutela material ou o efeito jurídico que, a princípio, viria apenas ao final. Um efeito que, por óbvio, não descende de uma eficácia que tem a mesma qualidade da eficácia da sentença. A técnica antecipatória permite que sejam realizadas antecipadamente as consequências concretas da sentença de mérito. Estas consequências podem ser idênticas com os efeitos externos da sentença, ou seja, com aqueles efeitos que operam fora do processo e no âmbito das relações e direito material.

 

Diversamente é a tutela cautelar, cujo intuito é instrumental, isto é, de segurança, a fim de “assegurar uma situação dependente da tutela final ou a própria efetividade da tutela jurisdicional do direito”. Veja o que leciona Marinoni (2017, p. 72):

 

É importante perceber que uma clara distinção teórica entre a tutela antecipada e cautelar hoje é algo insuprimível, na medida em que o Código de 2015 não apenas distinguiu em norma (art. 301, CPC) as duas formas de tutela jurisdicional, como ainda atribuiu a cada uma delas consequências distintas.

 

Vale lembrar que o processo cautelar propriamente dito, restou revogado pela nova lei processualista, no entanto, as medidas cautelares, como tutelas assecuratórias do direito material se mantêm.

A doutrina clássica, orientada por Calamandrei (MARINONI, 2017, p. 73), definia tutela cautelar como aquela que “se destina a dar efetividade à jurisdição e ao processo”, voltada, não para o direito material, mas, para a vontade da lei (CHIOVENDA, 1960). Em sentido contrario, a doutrina contemporânea atribuiu a cautelar a função de guarda ao direito material e, seu caráter, cautelar, assim pode ser definido quando esta se depara com o direito, ou seja, perquirindo qual sua função perante este (SILVA, 1979).

Marinoni (2017, p. 77), com propriedade aduz que “o direito à tutela cautelar não advém do processo”, já que esta é uma consequência do direito de ação e, por óbvio, a fim de dar lógica e sentido a este direito, é necessário criar técnicas, mas essas técnicas não obstante serem processuais buscam salvaguardar o direito material. Ainda, promovendo anotação à doutrina clássica de Calamandrei, conclui:

 

De modo que, se a tutela cautelar é instrumento de algo, ela somente pode ser instrumento para assegurar a viabilidade da obtenção da tutela do direito ou para assegurar uma situação jurídica tutelável, conforme o caso. Aliás, caso a tutela cautelar fosse considerada instrumento do processo, ela somente poderia se instrumento do processo que, ao final, concede a tutela do direito material. Isto é, na verdade, é compreensível, pois o elaborador da teoria da instrumentalidade ao quadrado da tutela do processo ­– que já teria a natureza de instrumento do direito material -, é um dos mais céleres defensores da teoria concreta do direito de ação. Ora, quem entende que a ação depende da tutela do direito material pode confundi, com facilidade, tutela destinada a assegurar a tutela do direito material com tutela do processo (MARINONI, 2017, p. 77).

 

Assim, podemos concluir que a cautelar pode ser definida como medida instrumental que visa assegurar um direito material violado ou uma situação jurídica tutelável, na busca da concessão do bem da vida pleiteado. Marinoni (2017, p. 78-82), buscando enfatizar sua teoria, discorre sobre as lições de Calamandrei, na defesa de tutela cautelar como “instrumento do instrumento”, e de Ovídio Batista, como medida temporal, isto é, que se vincula somente a situação de perigo ao direito e, depois, retorna a sua ideia de que este instrumento tem o objetivo de “garantir a frutuosidade da tutela do direto material”. Ainda explica:

 

[…] o fato de a tutela cautelar se destinar a dar segurança a efetividade da tutela do direito não significa que ela esteja vinculada ao reconhecimento do direito material tutelado. A segurança é prestada para a eventualidade do reconhecimento do direito material e, desta forma, para garantir que, na hipótese de procedência do pedido, a tutela do direito seja útil e efetiva. Basta lembrar que a tutela cautelar requer a probabilidade do direito à tutela final e, portanto, aceita naturalmente a possibilidade de formação de convicção ulterior diversa (MARINONI, 2017, p. 87-88).

 

Outra diferença entre essas espécies de tutelas, mas, em tese, sem muitas controvérsias doutrinarias é o caráter de (não) satisfatividade. Tem-se que as tutelas provisórias antecipam o provimento final, concedendo a realização do direito sub judice, ao passo que as cautelares antecipam os meios necessários para tal concretização (do pedido de fundo), isto é “a possibilidade de realização para o caso de vir à sentença final reconhecer a procedência da pretensão assegurada” (SILVA, 2000, p. 66). Por isso:

 

A circunstância de a tutela ser fundada em perigo e baseada em cognição sumária não é suficiente para caracterizá-la como cautelar. Para se definir a natureza da tutela lastreada em cognição sumária e perigo é necessário investigar a sua função. Que pode ser satisfativa ou de segurança. Apenas a última possui natureza cautelar; a primeira constitui tutela antecipada. De modo que “a não satisfatividade” é outro requisito da tutela cautelar (MARINONI, 2017, p. 86).

 

Com efeito, embora existam formas diferenciadas de aplicação, as tutelas antecipadas e cautelares estão calcadas na “probabilidade do direito”, sua plausibilidade, verossimilhança e no “perigo de dado ou risco ao resultado útil do processo” (art. 300 do CPC), qual seja a urgência. Vale dizer, estes são os requisitos necessários para aferição de tal medida.

O primeiro pressuposto (probabilidade), esta atrelado com a cognição empenhada, a fim de demonstrar a possibilidade da tutela final, é verdadeiro trabalho de convencimento por meio de elementos que evidenciem certo grau de verossimilhança nas alegações ou, então, “à conhecida locução ‘fumaça do bom direito’ ou fumus boni iuris”. Já o segundo, esta ligado ao gravame que, in concreto, ponha em risco a frutuosidade do direito que pretende ver tutelado, não bastando meras suposições hipotéticas de lesão ou ameaça. Veja o que diz Marinoni (2017, p. 128):

 

O perigo de dano ou risco ao resultado útil do processo deve estar fundado em elementos objetivos, capazes de serem exposto de forma racional, e não em meras conjecturas de ordem subjetiva. De qualquer modo, basta evidenciar a probabilidade da ocorrência do dano ou do ato contrário ao direito demostrando-se circunstâncias que indiquem uma situação de perigo capaz de fazer surgir dano ou ilícito no curso do processo.

 

Além dos requisitos ordinários, há um terceiro que também deve ser analisado, qual seja a “irreversibilidade dos efeitos jurídicos da decisão” (MARINONI, 2017, p. 129). Em verdade, tal dispositivo vem para vedar provisórias declarações, constituições, desconstituições de situações jurídicas provisórias, “o que o § 3º do art. 300 veda […] é, além de prejuízo ao juízo final, a criação de determinados efeitos jurídicos incompatíveis com a situação de direito substancial objeto de tutela jurisdicional” (MARINONI, 2017, p. 121).

Não obstante essas espécies, o CPC trouxe à baila subespécies. Ambas as modalidades (a antecipada e a cautelar) podem ser no formato de “antecedente” ou “incidente”.

Tradicionalmente, os pleitos liminares ocorriam de dois modos: incidentalmente, ou seja, ao mesmo tempo em que o pedido principal ou anteriormente a este, como era o caso do processo cautelar. Todavia, o processo cautelar propriamente dito, restou abolido pelo novo CPC, que por meio do sincretismo processual não mais faz uso de demandas autônomas e preparatórias, o que não se confunde com pleitos de segurança (de tutela do pedido de fundo).

Assim, à luz das máximas da celeridade, economicidade processual o legislador criou subespécies das tutelas antecipatórias e cautelares, podendo estas ocorrerem antes da realização do pedido principal, que deu origem a tutela antecipada e cautelar requerida em caráter antecedente (arts. 303 a 310 do CPC). A intenção do legislador (a mens legis ou para alguns mens legislatoris) é de “que a parte, em determinados casos, possa não ter tempo para apresentar ao seu advogado os documentos necessários para a finalização da petição inicial” (MARINONI, 2017, p. 133) ou de que o advogado, dada a situação, não tenha tempo hábil a formular integralmente sua petição, necessitando de se por em juízo, somente o pedido emergencial, para, a posteriori, aditar sua petição inicial com o pedido principal (de fundo).

Um diferencial na tutela antecedente, notadamente na modalidade antecipada (art. 303 do CPC) é a regra da estabilização. Tal terapêutica vem de encontro com a inércia do réu ou nas hipóteses que este, de algum modo, se conforma ou não confronta a decisão subjugada.

Portanto, sua função é dar efetividade atemporal nos feitos da tutela outorgada, não fazendo coisa julgada, mas confundindo-se com seus efeitos, já que não pode ser modificada ou revogada, isto é, discutida, exceto por demanda autônoma para este fim. Aliás, é o que apregoa o art. 304, §§ 2º e 6º do CPC. Noutros termos, a tutela se prolonga ao tempo e conserva “os efeitos […] de direito material […], seus efeitos concretos – fisicamente exauridos ou não”.

No caso da tutela antecedente cautelar (art. 305 do CPC), essa nuance (de estabilidade) não ocorre, mas os requisitos necessários para sua concessão são os mesmos exigidos nas demais espécies, o que se distingue é que seu fim, como já dito outrora, é assecuratório, ou seja, é garantir à efetividade do pedido principal, que posteriormente à análise do pedido cautelar, deverá ser levado a cognição (exauriente), sob o crivo do contraditório e da ampla defesa.

Destarte, seja qual for a modalidade de tutela de urgência, tem-se que suas técnicas devem ser dominadas pelos estudiosos do direito, a fim de que possam servir para dar a parte necessitada, de modo célere e adequado, o direito (ou a segurança deste) almejado, isto é, tais técnicas devem ser meio para um fim, qual seja, o acesso à justiça de modo amplo e digno.

 

5. Tutela de Evidência

Nos dizeres do Ministro do STF Fux (2000, p. 23-43) “[…] é evidente o direito cuja prova dos fatos sobre os quais incide revela-os incontestáveis ou ao menos impassíveis de contestação séria”.

Como tratado no item “3” deste ensaio, as tutelas provisórias são pautadas em cognição e, ao contrário da tutela provisória, a tutela de evidência se da por meio de cognição equivalente a exauriente, já que apoiada em elevado grau de probabilidade, dado a carga probatória demonstrada de antemão, conferindo ao juiz compreensão dos fatos e o levando a um seguro convencimento. “De toda sorte, a liminar, in casu, é deferível mediante cognição exauriente, em decorrência mesmo da evidência, e diferentemente do que ocorre com os juízos de aparência (fumus boni iuris) peculiares à tutela de urgência cautelar ou de segurança” (FUX, 2000, p. 23-43).

Esta forma de tutela diferenciada, nos termos do art. 311 do CPC se pauta, tão somente, na evidência do direito alegado, tal deve ser tamanha que “os limites da prova e é tanto maior quanto mais dispuser o seu titular de elementos de convicção” (FUX, 2000, p. 23-43), ou seja:

 

[…] é evidente o direito demonstrável prima facie através de prova documental que o consubstancie líquido e certo, como também o é o direito assentado em fatos incontroversos, notórios, o direito de coibir um suposto atuar do adversus com base em “manifesta ilegalidade”, o direito calcado em questão estritamente jurídica, o direito assentado em fatos confessados noutro processo ou comprovados através de prova emprestada obtida sob o contraditório ou em provas produzidas antecipadamente […] (FUX, 2000, p. 23-43).

 

Constitucionalmente falando, todos têm direito à ação e de ter seu problema apreciado judicialmente, bem como que tal apreciação, análise, tenha uma correspondência célere à tutela do direito material. Mas, além de célere, esta prestação deve ser efetiva e, como o tempo no processo, a rigor é inimigo do jurisdicionado, há necessidade de formular exegeses capazes de “rápida solução dos litígios” e “acesso à justiça na sua acepção de efetividade e de cumprimento do devido processo legal” (FUX, 2000, p. 23-43).

Assim, as tutelas são essencialmente medidas constitucionais de acesso à justiça. Em direção equivalente sobre o tema, leciona o professor ANDRADE (2015):

 

O tema das tutelas jurisdicionais diferenciadas […] passou a ser objeto do debate da ciência processual a partir do […] pressuposto óbvio, da necessidade de diversidade de técnicas processuais para as diversas hipóteses de direito material […] em face da viabilidade de pensar uma quebra do modelo neutro e único de processos ordinários de cognição plena […].

 

A tutela de urgência tem, no âmbito do processo, fundamental importância: é uma das mais importantes técnicas por meio da qual se impede que o tempo necessário à duração do processo causa dano à parte que tem [ou pode ter] razão. Não se pode, hoje, pensar em processo efetivo normativamente sem que exista a possibilidade de buscar medidas de urgência para combater o efeito nocivo do tempo, aliado a situações de perigo de perecimento do direito material, durante todo o curso do processo.

Por isso, há muito a doutrina vem pensando sobre tutelas diferenciadas, cada uma apropriada à nuances de determinadas situações postas em juízo. Nessa linha, as inovações sistemáticas consubstanciadas pelo atual CPC se destinam a conferir mais efetividade e presteza à jurisdição (como dever estatal, monopolizado), notadamente, às hipóteses em que, embora ainda sem formal documentação (titulação) sobre a efetiva existência do direito alegado, haja consistentes elementos de convicção que o referendem ou o evidenciem com certo grau (que não absoluto) de certeza ou segurança. Nesses casos, o tempo do processo, que, malgrado importante para que seu iter seja cumprido com amplitude de atos e de defesa, não se resolve apenas contra uma parte (a ativa), muito menos quanto esta esquadrinha (e em grau que supere o da probabilidade remota), protegendo o (mais que) provável (ou o que detém elementos confiáveis sobre sua razão), ainda que sacrificando a regra e o improvável (ou seja, de que aquele direito seriamente contestável).

 

Conclusão

Imperioso reconhecer que ao se deparar com um pleito de tutela diferenciada, cabe ao magistrado à luz das máximas constitucionais e dos requisitos processuais ordinários, buscar a melhor solução para o deslinde do conflito levado ao judiciário, que por vezes abarrotado, se vê obrigado a promover, em sumárias análises, ante a ausência de tempo hábil para se aprofundar nas demandas, pronunciamentos genéricos, que tardam ou antecipam suposto direito, sem levar em conta o sujeito em seu modo individualizado, personalíssimo e considerando, de modo errôneo, que a simples análise do caso e o avanço na marcha processual são suficientes para chamar de acesso à justiça.

A questão do acesso à justiça transcende ao simples acesso ao Poder Judiciário por meio de uma demanda, já que é verdadeiro exercício de direito fundamental na qual o Estado como ente detentor da jurisdição, conferir ao jurisdicionado a tutela de seus direitos. Para tanto, a criação de técnicas que auxiliam os sujeitos na busca de seus direitos e interesses são formas de dar os sujeitos instrumentos de acesso à justiça. Contudo, tais técnicas propriamente ditas, não bastam para dar ao jurisdicionado a tutela pleiteada, vez que estas devem ter capacidade de satisfazer de modo efetivo as queixas postas em juízos, isto é, não basta simplesmente dar a parte o acesso à justiça e sim, a própria justiça, como anseio de conquista célere, prestativa e digna.

Vai daí que, por meio das tutelas diferenciadas, em suas formas de urgência e/ou evidência, são meios que produzem no processo a celeridade e acesso digno ao direito pleiteado, satisfazendo antecipadamente os anseios dos jurisdicionados, não sendo óbice à parte adversa, já que, como demonstrado, não se evidencia violação aos preceitos constitucionais do contraditório e ampla defesa, sendo técnica de substancial importância e compatível como o ordenamento jurídico, bem como com a realidade fática que estamos submetidos quando entregamos ao Estado a função de detentor do monopólio jurisdicional.

 

REFERÊNCIAS

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