Maria Angélica de Oliveira Santos Alves [1]
Resumo: a nova técnica de julgamento estendido, prevista no artigo 942 do Código de Processo Civil de 2015, apresenta-se como substituta dos antigos embargos infringentes e se fundamenta na busca da promoção de um processo mais célere, justo e que garanta maior segurança jurídica. O presente artigo objetiva, a partir de uma pesquisa bibliografia e jurisprudencial, apontar as formas as hipóteses de aplicabilidade no novo instituto e de que forma isso influencia no processo.
Palavras-chave: Processo Civil. Julgamento Estendido. Princípios processuais.
Abstract: the new extended judgment technique, provided for in article 942 of the 2015 Code of Civil Procedure, is presented as a substitute for the old infringing embargoes and is based on the pursuit of promoting a faster, fairer process that guarantees greater legal certainty. The present article aims, from a bibliography and jurisprudential research, to point out the forms and the hypotheses of applicability in the new institute and how this influences the process.
Keywords: Civil Procedure. Extended Judgment. Procedural principles.
Sumário: Introdução; 1. A Técnica de Julgamento Estendido. 2. Da Natureza Jurídica da Técnica. 3. Das Hipóteses de Aplicabilidade da Técnica. 3.1. Da Aplicabilidade do Julgamento Estendido na Apelação. 3.2. Da Aplicabilidade do Julgamento Estendido no Agravo de Instrumento. 3.3. Da Aplicabilidade do Julgamento Estendido na Ação Rescisória. 3.4. Da Não Aplicabilidade do Julgamento Estendido; Considerações Finais; Referência.
INTRODUÇÃO
Como uma das medidas adotadas pelo Código de Processo Civil de 2015, em nome busca pela concretização de um processo célere e com garantia da segurança jurídica, os embargos infringentes foram suprimidos pela atual técnica de julgamento estendido, disposta no artigo 942 do diploma processual supracitado.
A técnica aplica-se quando o resultado do julgamento da apelação for não unanime, abrangendo a ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, ou agravo de instrumento quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
Apesar da redação aparentar ser clara, diversas polêmicas e problemáticas surgiram a respeito da aplicabilidade do novo instituto. Por isso, o presente trabalho busca esclarecer o âmbito de incidência da técnica e, para tanto, utiliza-se de um estudo bibliográfico e de um método descritivo e exploratório, focando-se no posicionamento doutrinário e jurisprudencial a respeito do tema.
- A técnica de julgamento estendido
Dentre os objetivos do Novo Código de Processo Civil estava a facilitação dos procedimentos, abolindo formalidades ou atos dispensáveis, bem como a busca por uma maior efetividade, otimizando os resultados processuais.
Em busca de concretizar tais objetivos alguns institutos do processo civil, que se apresentavam como barreira à celeridade e eficiência foram extintos ou mitigados, como ocorreu no caso dos embargos infringentes.
A adoção da nova técnica de julgamento teve por finalidade o fornecimento de uma maior segurança jurídica e confiabilidade às questões divergentes, pois amplia o número de julgadores.
Nesse contexto Marinoni afirma que a adoção da nova técnica de julgamento estendido, disposta no artigo 942 do Código de Processo Civil: “foi sensível ao fato de que a ausência de unanimidade pode constituir indício da necessidade de um maior aprofundamento da discussão a respeito da questão decidida, submeteu o resultado não unânime à ampliação do debate” (2016, p. 886).
Por derradeiro, a extensão do julgamento mostra-se como um mecanismo de criação de decisões mais completas e justas pelos tribunais, tendo em vista a possibilidade de nova discussão da matéria submetida a um quórum maior que possibilitará um julgamento mais estável, não sendo prejudicial a formalidade procedimental e acabando por evitar a procrastinação por meio de novos recursos.
- Da natureza jurídica da técnica
A análise da natureza jurídica do julgamento estendido, previsto no art. 942 do Código de Processo Civil, se mostra relevante devido as suas repercussões na prática, posto que, ao interpretar a extensão do julgamento como recurso, parte-se do pressuposto de que houve uma decisão proferida, dando ensejo, por exemplo, a possibilidade de interposição de embargos de declaração antes mesmo da convocação dos julgadores que iram ampliar o colegiado.
Na concepção de José Carlos Barbosa Moreira: “pode se conceituar recurso, no direito processual civil brasileiro, como o remédio voluntário idôneo a ensejar, dentro do mesmo processo, a reforma, a invalidação, o esclarecimento ou a integração de decisão judicial que se impugna (2013, p. 207).
Inicialmente é indispensável destacar que, conforme defendido pela doutrina majoritária, o recurso é um mecanismo de utilização voluntária, posto que representa uma manifestação de insatisfação. Recorre contra uma decisão aquele que, insatisfeito com ela, pretende provocar seu reexame. Assim, não existe recurso obrigatório e, por isso, não se deve considerar a remessa necessária (art. 496) como um recurso processual.
Outra característica marcante dos recursos se dá ao fato de que ele é um mecanismo criado com o intuito de impugnar decisões judiciais. Dessa forma, atos que não provêm de um órgão jurisdicional não são atacados por recurso.
Diante das características apontadas acima é possível extrair evidencias que a técnica de julgamento estendido não se trata de um recurso.
Em primeiro lugar, não existe decisão final passível de interposição de recurso, quando da aplicação da técnica. Conforme os ensinamentos de Fredie Didier Jr. e Leonardo da Cunha a natureza jurídica da técnica de julgamento estendido não se trata de recurso, nem de novo julgamento, trata-se de ampliação do debate de oficio, ou seja, não dependerá da manifestação das partes, bem como para haver recurso é necessário o encerramento do julgamento, o que não ocorre no caso.
Alguns autores defenderam que a ampliação do colegiado em caso de divergência tem natureza recursal, tratando-se de um recurso de oficio . Porém, mesmo que se adote o pensamento que a voluntariedade não seja elemento intrínseco aos recursos, a decisão pregressa, contra a qual se tenha ato de provocação para sua revisão, é inerente ao recurso, não podendo, portanto, prevalecer o entendimento que seria possível um recurso sem decisão anterior recorrível.
Aplicando-se ao julgamento de apelação, colhidos os votos e não havendo resultado unânime, não se encerra o julgamento. O julgamento irá prosseguir em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial. Assim, não haverá lavratura de acórdão. Dessa forma, nota-se que não haverá um encerramento do julgamento, mas uma extensão do mesmo.
Por fim, para se falar em recurso, deve haver voluntariedade, ou seja, a facultatividade do direito de recorrer, visto que o julgamento será interrompido até que sejam convocados os novos julgadores, o que ocorre de forma autônoma, sendo executado de ofício sem influência da vontade das partes.
Quanto a natureza também não se pode equiparar o julgamento estendido com a remessa necessária – chamada equivocadamente de recurso de oficio, posto que para tanto haveria a necessidade de haver novo julgamento, com novos votos a serem proferidos e não de mera ampliação do colegiado.
Diante ao exposto, alguns autores afirmam que o referido artigo inova ao determinar uma técnica de julgamento com a natureza de incidente processual e não de recurso, nem de remessa necessária, pois não leva a uma nova relação processual e não depende da manifestação da vontade das partes. Defendendo tal posicionamento temos Paulo Henrique dos Santos Lucon:
É bem verdade que essa nova técnica, que tem natureza jurídica de incidente processual, surgiu a partir dos embargos infringentes, cuja manutenção, aliás, foi pedida em todas as audiências públicas em que se debateu o Novo Código de Processo Civil, exatamente porque se inclui “entre os remédios destinados a minorar os males e os riscos inerentes à divergência de interpretações jurídicas” (LUCON, 2015).
Araken de Assis dispõe que as situações versadas no artigo 942 constituem incidente no julgamento da apelação, do agravo de instrumento e da ação rescisória. Sendo adequado denominar o instituto de “técnica de julgamento”, termo disposto no próprio artigo 942, §3°. Porém, segundo o autor, essa qualificação pouco esclarece acerca da essência da figura, que consiste em um incidente processual (ASSIS, 2016, p. 454).
O estudo em pauta compreende que o uso da terminologia “incidente processual” para se referir ao julgamento estendido é equivocada, visto que a divergência não é incidental. Se o fosse haveria a inauguração de um procedimento paralelo, o que não ocorre.
A ampliação do colegiado ocorre no curso do procedimento principal. O incidente processual é um fato jurídico novo que recai sobre o processo em curso formando um procedimento lateral para a sua solução. Portanto, o que o artigo 942 do Código de Processo Civil de 2015 apresenta não dá ensejo a um incidente processual.
Em 2018, a 3ª Turma do Superior Tribunal de Justiça foi instada, em sede de recurso especial, a se manifestar sobre a correta aplicação e abrangência do instituto. O Tribunal asseverou, em conformidade com a doutrina majoritária, que o artigo 942 do Código de Processo Civil não trazia um novo recurso, mas sim uma técnica de julgamento, isso porque “a aplicação da técnica ocorre em momento anterior à conclusão do julgamento, ou seja, não há proclamação do resultado, nem lavratura de acórdão parcial, antes de a causa ser devidamente apreciada pelo colegiado ampliado” (COELHO, 2019)
- Das hipóteses de aplicabilidade da técnica
Dentre as significativas inovações instituídas pelo Código de Processo Civil de 2015 encontra-se a instituição da técnica de julgamento estendido, apresentando-se como substitutiva ao antigo recurso de embargo infringente. O artigo 942 do atual diploma processual civil dispõe:
Art. 942. Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.
- 1o Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
- 2o Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
- 3o A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:
I- ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;
II- agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
- 4o Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:
I- do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;
II- da remessa necessária;
III- não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial. (BRASIL, 2015)
A par da hipótese de incidência prevista no caput do art. 942 é possível afirmar que o texto legislativo determina ocorrerá a convocação de novos julgadores para nova composição da sessão em número que possibilite a efetiva alteração do resultado da decisão quando esta não for unânime quando do julgamento do recurso de apelação.
Como se vê, a nova técnica de julgamento aplicar-se-á quando o resultado do julgamento da apelação for não unânime, abrangendo a ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, ou agravo de instrumento quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.
Por conseguinte, havendo qualquer dessas hipóteses, o julgamento deverá continuar, de preferência na mesma sessão ou em distinta com a atuação de novos julgadores, sendo possível a inversão do resultado inicial, em conformidade com o Regimento Interno do Tribunal em questão, tornando viável a sustentação oral feita pelas partes em face aos novos julgadores.
Não obstante, a ampliação do colegiado não será aplicável nas hipóteses de reexame necessário, incidente de assunção de competência, incidente de resolução de demandas repetitivas e, finalmente, quando se tratar de julgamento pelo plenário ou pela Corte Especial de Tribunal.
Quanto a aplicação da técnica de julgamento estendido no âmbito do mandado de segurança, da mesma forma que ocorria no Código de Processo Civil de 1973, o atual diploma processual em seu artigo 942 é omisso, o que causa uma celeuma entre os processualistas.
4.1. Da Aplicabilidade do julgamento estendido na apelação
Em caso de decisão final de forma não unânime, em sede do recurso de apelação, a ampliação do colegiado terá aplicabilidade tanto em caso de manutenção da sentença proferida no primeiro grau de jurisdição, quanto caso esta restar reformada.
Porém, da leitura do artigo 942 surge uma dúvida entre os juristas – quando o dispositivo legal se refere a não unanimidade, causada pela divergência entre os julgadores, ele está se referindo a qualquer decisão, ou apenas a sentença de mérito?
Ao se analisar o caput do artigo 942 é possível perceber que o mesmo apenas se refere ao caso do resultado da apelação for divergente entre os julgadores, não havendo menção explicita a necessidade de sentença de mérito para ocorrer a aplicação da técnica, portanto, grande parte da doutrina afirma que o julgamento estendido incide também na hipótese de sentenças processuais. É o que se pode analisar na obra de Guilherme Rizzo Amaral:
Tratando-se de apelação, tudo o que se exige para a aplicação da nova técnica é julgamento não unânime. Pouco importa, diferentemente do que se passava com os embargos infringentes na sistemática anterior, que o resultado do julgamento da apelação tenha sido a reforma de decisão de mérito. Não ocorrendo unanimidade no julgamento da apelação, seja ele ou não de mérito, e seja ou não a sentença apelada de mérito, caberá a aplicação da técnica de que trata o artigo 942 (AMARAL, 2015, p. 966).
Porém, não obstante ao que fora exposto acima, é mister indicar que tal pensamento não é unanime na doutrina processualista. Alguns autores dispõem que a ampliação do colegiado só se aplicaria às sentenças de mérito, em se tratando de julgamento de apelação, para tanto, usam com argumento a interpretação conjunta do caput do artigo 942 e do §3°, II, do dispositivo mencionado, bem como uma análise finalística da referida técnica (MEDINA, 2016, p. 1255).
Diante do exposto, o presente trabalho defende que ao artigo 942 não diferenciar o objeto do apelo, não tem relevância o sentido da votação majoritária, seja relacionada a provimento ou desprovimento, o instituto do julgamento estendido se aplicaria a ambas. Não sendo necessário para tanto que o aspecto que desagua em divergência seja quanto ao mérito, podendo recair, inclusive, sobre a admissibilidade.
A argumentação utilizada por aqueles que defendem a interpretação restritiva do caput do artigo 942, embora enriqueçam o debate, não devem prosperar, visto que em seu §3° o diploma legal se refere à aplicabilidade do instituto no agravo de instrumento e na ação rescisória, nada dispondo sobre a apelação.
Segundo Sandro Marcelo Kozikoski e William Soares Pucliese, o artigo 942 não utiliza critérios do conteúdo da matéria objeto da impugnação para legitimar o cabimento do incidente (TEIXEIRA, 2017, p. 51).
A sexta tese jurídica proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco firmada pelo Incidente de Assunção de Competência nº. 495116-8 assim dispõe:
No recurso de apelação, incidirá o artigo 942, do CPC, sempre que o julgamento for não unânime, independentemente do seu conteúdo. As questões daí advenientes ficaram assim delimitadas: a.1 Se, por maioria de votos, o apelo for provido para reformar sentença terminativa, incidirá a regra do artigo 942, do CPC. a.2 Se, por maioria de votos, o apelo não for admitido, incidirá o artigo 942 do CPC. a.3 Se, por maioria de votos, o apelo for desprovido, incidirá o artigo 942 do CPC. a.4 Se, por maioria de votos, o apelo for provido para anular a sentença, incidirá o artigo 942 do CPC.(TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO, 2018)
Assim, como se depreende da tese estabelecida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco, no entender o presente trabalho a interpretação da norma não deve se distanciar do que está escrito e a lei não deixa dúvida quanto ao cabimento da técnica em todas as hipóteses de julgamento majoritário, independente se ocorrer reforma de sentença de mérito.
O que não ocorre com a aplicabilidade do julgamento estendido no caso de agravo de instrumento e ação rescisória, visto que o legislador explicita as hipóteses de incidência da técnica, restringindo-as de forma inequívoca.
Em apertada síntese, de acordo com a sexta tese jurídica proferida pelo Tribunal de Justiça de Pernambuco firmada no Incidente de Assunção de Competência nº. 495116-8, bem como o julgamento do REsp nº 1762236/SP pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, o trabalho em pauta adota o entendimento de que somente é necessária a divergência para a extinção do julgamento, independentemente de haver reforma de sentença de mérito.
Outro ponto que merece ser analisado é a possibilidade de sustentação oral. Da leitura do artigo 942 do Código de Processo Civil é possível determinar que haverá possibilidade de sustentação apenas quando adiada a sessão, visto que os desembargadores presentes já teriam contato com o debate. É o que ensina Leonardo Caneiro Cunha e Fredie Didier Junior:
Se for possível prosseguir o julgamento na mesma sessão, não será necessária a designação de nova sessão de julgamento, já se colhendo, ali mesmo, os votos dos outros julgadores (artigo 942, §1º, CPC). Nesse caso, dispensa-se nova sustentação oral, pois os outros julgadores já terão assistido à que fora apresentada. É o que ocorre em tribunais que mantêm câmaras julgadoras de cinco membros: a apelação é julgada por três deles, formando-se a turma específica. Os outros dois, integrantes de outra formação, ficam no aguardo. Se, nesse caso, o julgamento não for unânime, já se aproveita a presença dos outros dois e se colhem seus votos, encerrando-se o julgamento (CUNHA, DIDIER JUNIOR, 2017, p. 325).
O entendimento apontado acima tem sido aplicado em vários tribunais do Brasil, como ocorre com o Tribunal de Justiça de Pernambuco, que determina que a sustentação oral só será possível se for designada nova data para o julgamento.
Convém notar, outrossim, que caberá ao regimento interno adotar o posicionamento a respeito da possibilidade de sustentação oral na mesma sessão ou não, respeitando, para tanto, os princípios de contraditório e da cooperação.
A doutrina não é unanime em relação a restrição da sustentação oral, no dizer expressivo de Rogério Ribas e Fernanda Machado:
Questão interessante surge na necessidade de nova sustentação oral quando o julgamento se dá na mesma sessão. Isto porque, estando presentes os julgadores na sessão, estes já terão assistido a primeira sustentação, tornando-se, por conseguinte, desnecessária nova exposição. Tal orientação, no entanto, aparentemente não se mostra a mais acertada, porque nada garante que os novos julgadores estiveram de fato atentos à primeira sustentação, já que não compunham o quórum original, bem como há a possibilidade de o interesse na sustentação surgir apenas em função da divergência instaurada já na discussão da causa (RIBAS, MACHADO, 2017, p. 73).
Consoante noção cediça, o posicionamento mais coerente com os princípios processuais é a o entendimento que permite a renovação da sustentação oral na mesma sessão, visto que não há garantia que os novos integrantes do quórum tenham efetivamente acompanhado as sustentações feitas anteriormente.
Finalmente, é importante salientar que, se a parte não tiver realizado o pedido de sustentação oral no primeiro momento do julgamento ainda assim é possível fazer a sustentação, havendo o julgamento não unanime. Visto que, não há preclusão uma vez que a divergência gera o direito a nova sustentação.
4.2. Da aplicabilidade do julgamento estendido no agravo de instrumento
O agravo de instrumento é o recurso cabível, em primeiro grau de jurisdição, contra específicas decisões interlocutórias previstas em lei. O termo ”agravo de instrumento” indica que a peça recursal deve ser seguida de um instrumento, formado, em regra, por cópias de peças já constantes dos autos principais (ASSUMPÇÃO, 2017, p. 1658).
A técnica de julgamento estendido também é aplicável a esse tipo recursal. Porém, de forma diferente do que ocorre com a apelação, onde é possível sua aplicação a qualquer resultado não unanime, o agravo de instrumento sofre restrições apontadas pelo artigo 942, §3°, II, do Código de Processo Civil, exigindo dois critérios, quais sejam: que o julgamento não seja unânime e que o recurso seja admitido e provido para reformar a decisão que julgar parcialmente o mérito. No dizer sempre expressivo de Fredie Didier Junior:
No julgamento do agravo de instrumento, não se aplica a técnica de julgamento prevista no art. 942 do CPC: se o julgamento for unanime; se o agravo não for admitido, ainda que por maioria de votos; se o agravo for admitido e desprovido, ainda que por maioria de votos; se o agravo for admitido e provido para anular a decisão, ainda que por maioria de votos; se o agravo for admitido e provido para reformar uma decisão que não trate do mérito, ainda que por maioria de votos (DIDIER JUNIOR, 2019, p. 80).
No atual Código de Processo Civil houve uma restrição referente ao rol de hipóteses de cabimento do agravo de instrumento, sendo tal rol taxativo. É notório que entre as decisões agraváveis encontram-se também as que versam sobre o mérito. Assim, a disposição do artigo 942 sobre a técnica de julgamento faz total sentido. Como exemplo disso temos as decisões que reconhecem a decadência ou a prescrição.
Bruno Dantas afirma que o atual Código de Processo Civil consolidou o entendimento jurisprudencial verificável na Súmula 255 do Superior Tribunal de Justiça: “cabem embargos infringentes contra acórdão, proferido por maioria, em agravo retido, quando se tratar da matéria de mérito”. No entender do autor, o legislador acaba por exigir a aplicabilidade da técnica fundamentada na não unanimidade da decisão do agravo de instrumento, se houver reforma da decisão que tenha julgado parcialmente o mérito (DANTAS, 2017, p. 87).
Dessa forma, no decorrer do julgamento do agravo de decisão parcial de mérito, ou seja, quando estiver diante do agravo de instrumento elencado no art. 356, § 5°, do CPC/2015, havendo divergência quanto à reforma da decisão agravada, aplicar-se-á a técnica do julgamento estendido.
No que diz respeito a sustentação oral para o agravo de instrumento contra a decisão que diz respeito à parcela do processo o diploma processual é omisso. Porém “em tal situação, é razoável admiti-la, porque o agravo de instrumento se equipara a uma apelação” (FREIRE, 2016, p. 2322).
De acordo com o posicionamento de Luiz Henrique Volpe Camargo:
Entretanto, apesar de o veto importar na supressão do direito de sustentação oral na Lei 13.105/2015, é certo que os regimentos internos dos tribunais podem admiti-lo (artigo 937, IX, do CPC/2015), o que, aliás, parece ser indispensável ao menos em relação aos agravos internos originários de recurso de apelação (artigo 1.009 do CPC/2015) e ao agravo de instrumento que versar sobre o mérito do processo (artigo 1015, II, do CPC/2015). Mesmo que o regimento interno do respectivo tribunal seja omisso, a parte interessada em sustentar oralmente pode formular pedido nesse sentido e órgão colegiado, em vista do modelo cooperativo do processo (artigo 6º do CPC/2015), pode permitir a sua realização (CAMARGO, 2016, p. 2517).
Diante da omissão legal em relação a sustentação oral no agravo de instrumento em sede de ampliação do julgamento caberá a cada tribunal decidir sobre a possibilidade de utilização. A doutrina e os tribunais divergem quanto a sua aplicação. Assim, importante aguardar posicionamento do Superior Tribunal de Justiça a respeito do tema para uniformização do procedimento de modo a garantir o contraditório aos litigantes.
4.3. Da aplicabilidade do julgamento estendido na ação rescisória
De forma semelhante ao que ocorre com o julgamento não unânime do agravo de instrumento, o art. 942 do CPC também dispõe de aplicação mais restrita em relação as ações rescisórias, posto que sua incidência ocorre somente quando reformada a sentença, com a procedência da ação rescisória.
Destaca-se que quando o Código de Processo Civil de 2015 menciona o termo “sentença” em seu artigo 942, §3º, I, a interpretação deve ser feita de forma ampla, entendendo que se aplica tanto para a rescisão de sentença propriamente dita, para rescisão de decisão monocrática de relator e para rescisão de acórdão.
Como argumento de defesa da tese apresentada acima é possível apontar que ao analisar o artigo 1.008 do Código de Processo Civil, haverá o efeito da substituição processual, onde a decisão objeto do recurso será substituída por uma nova decisão proferida pelo órgão atual.
Contrariamente, alguns autores, defendem a literalidade do artigo, assim, o julgamento estendido seria cabível somente em relação a sentença, não se aplicando a acórdão, já que o regimento interno do Tribunal de Justiça tende a dispor do maior órgão de composição do Tribunal para tratar desta matéria, sendo suficiente para o julgamento independente da aplicabilidade da técnica de julgamento estendido (CABRAL, CRAMER, 2016, p. 1505).
Outra questão que gera divergência quanto a aplicabilidade do julgamento estendido em caso de ação rescisória é quanto a sua abrangência. O artigo 942, §3º, do Código de Processo Civil dispõe que a extensão do julgamento acontecerá o resultado não unanime rescindir a sentença, não diferenciando, portanto, o juízo rescindente do rescisório.
Outra peculiaridade é o que o dispositivo legal supracitado indica que havendo maioria de votos para a procedência da ação, o julgamento irá continuar em outro órgão com composição superior ao anterior, o que será disposto no regimento interno. Portanto, a continuidade de julgamento promovida pela técnica de julgamento estendido não poderá ocorrer na mesma sessão, sendo necessária a finalização da divergência por um novo órgão.
Conforme o entendimento do enunciado 63 da I Jornada de Direito Processual Civil, do Conselho da Justiça Federal, ainda que na hipótese de rescisão parcial a técnica de que trata o art. 942, § 3º, I, do CPC, será aplicável.
Necessário se faz destacar que a divergência que dará ensejo a ampliação do colegiado é verificada no juízo rescindente, não no juízo rescisório. A aplicabilidade da técnica de ampliação da colegialidade em sede de ação rescisória guarda distinção com relação ao julgamento em sede de apelação e do agravo de instrumento, visto que nestes são chamados novos julgadores para compor um colegiado mais abrangente e naquele não há convocação de julgadores novos, há apenas uma transferência de competência, tendo em vista que a ação rescisória acolhida de forma não unanime terá seu julgamento interrompido para que se prossiga, segundo o artigo 942, §3º, I, do Código de Processo Civil, em órgão de maior composição de acordo com o regimento interno (DIDIER JUNIOR, CUNHA, 2019, p. 105).
Diante de todo o exposto algumas dúvidas surgem em relação ao procedimento. Questiona-se sobre a possibilidade participação dos julgadores divergentes e da alteração de votos proferidos no julgamento não unanime.
Aqui é coerente afirmar que se aplica a regra geral, ou seja, como não há o encerramento do julgamento a participação dos que votaram no julgamento não unanime é adequada na continuidade no novo órgão, sendo seus votos computados, bem como havendo a possibilidade de sua alteração. Pensamento este que é defendido por Teresa de Arruda Alvim (WAMBIER, 2017, p. 533).
Importante destacar que se a ação rescisória não unânime ocorrer pelo pleno ou pela corte especial, mesmo que por maioria, não poderá ser utilizada a técnica de julgamento estendido, visto que assim se evitará repetir o julgamento pelo mesmo órgão, de acordo com o § 4°, inc. III, do art. 942 do Código de Processo Civil de 2015.
Finalmente, é indispensável trazer ao estudo o fato de que se o julgamento por maioria ocorrer no julgamento do juízo rescidente o órgão dito de maior composição iniciado no regimento interno é quem irá decidir tanto sobre o juízo rescidente, tanto sobre o juízo rescisório.
É o entendimento adotado pela segunda tese jurídica firmada pelo Incidente de Assunção de Competência nº. 495116-8 do TJPE: “O órgão colegiado de maior composição, para o qual foi deslocada a competência para julgar a ação rescisória, exercerá o juízo rescindente, e, se disso for o caso, o juízo rescisório, rejulgando a causa por completo”. (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO, 2018)
Ampla discussão também permeou em torno da possibilidade do colegiado ampliado, tendo chegado à conclusão de um julgamento procedente do pedido rescindendo, havendo assim a manutenção do posicionamento firmado pelos votos majoritários num primeiro momento, não continuando portanto a divergência, se o julgamento em relação ao juízo rescisório deveria prosseguir nesse colegiado ampliado ou deveria retornar à composição originaria.
O Órgão Especial do Tribunal de Justiça de Pernambuco, no Incidente de Assunção de Competência nº. 495116-8, em sua quarta tese jurídica dispõe: “Incidindo a regra do inciso I do § 3º do artigo 942, do Código de Processo Civil, o órgão de maior composição, para o qual foi deslocada a competência, julgará a causa na sua inteireza, sem a participação dos julgadores do órgão”. Posicionamento firmado como meio de evitar os retornos processuais, que macularia os princípios processuais, como a celeridade, eficiência e duração razoável do processo (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO, 2018).
Em conformidade com esse posicionamento temos a quinta tese jurídica fixada pelo TJPE no julgamento do Incidente de Assunção de Competência nº. 495116-8: “A ação rescisória ajuizada contra acórdão, por ser da competência originária de órgão de maior composição, não atrai a incidência do artigo 942 do CPC” (TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE PERNAMBUCO, 2018).
4.4. Da não aplicabilidade do julgamento estendido
O atual diploma processual civil, em seu artigo 942, não se restringiu a tratar das hipóteses de cabimento da técnica de julgamento estendido. Disciplinou também regras de sua não aplicação, especificamente no §4º, que dispõe que a ampliação da colegialidade não será inadmissível em: incidente de assunção de competência, incidente de resolução de demanda repetitiva, bem como da remessa necessária e julgamentos não unânimes proferidos pela Corte Especial ou pela plenária dos Tribunais.
Clara é a justificativa da primeira e última hipótese citada acima, o julgamento ocorre ou no órgão encarregado da enunciação da tese jurídica ou no órgão de maior composição do tribunal, seja o plenário, seja o órgão especial, não sendo possível, no caso de tribunal pleno, ampliação do colegiado. O entendimento, portanto, relaciona-se a própria composição do quórum, visto que no julgamento de tais incidentes já é qualificada.
Por fim, em se tratando de remessa necessária, a não aplicação da técnica provem de uma interpretação dos antigos embargos infringentes. A remessa necessária é o instituto destinado a se retirar a eficácia de decisão proferida contraria a Fazenda Pública, devendo, portanto, ser submetida à revisão do Tribunal, independentemente de recurso a esse respeito.
Considerações finais
Este trabalho possibilitou compreender aspectos da aplicabilidade das hipóteses da técnica de julgamento estendido disposta no Código de Processo Civil de 2015. Com isso, pôde-se perceber a necessidade de esclarecer aspectos controvertidos que permeiam o novo instituto processual.
Em um primeiro momento, dando interpretação mais restritiva as hipóteses de aplicação do dispositivo ora estudado, mas nunca deixando de apontar que a Código de Processo Civil deve ser interpretado como um todo, não em “fatias”. Essa é a forma mais efetiva de se atingir o que o artigo 942 do Código de Processo Civil objetiva: celeridade e segurança jurídica.
Referências
AMARAL, Guilherme Rizzo. Comentários às alterações do novo CPC. São Paulo: RT, 2015.
ASSIS, Araken de. Manual dos recursos. 8.ed. São Paulo: RT, 2016, p.454.
ASSUMPÇÃO, NEVES Daniel Amorim. Manual de direito processual civil – volume único. 9 ed. Salvador: Ed. JusPodivm, 2017.
BRASIL. Lei n. 13.105, de 16 de março de 2015, Livro III, Título I, Capítulo I – Das Disposições Gerais. Art. 942. Diário Oficial da União. 17.8.2019.
TJPE. Incidente de Assunção de Competência 495116-8 – 0000181-26.2018.8.17.0000, Rel. Frederico Ricardo de Almeida Neves, Órgão Especial, julgado em 19/11/2018, DJe 26/11/2018. JusBrasil, 2019. Disponível em: <https://www.jusbrasil.com.br/diarios/218083842/djpe-20-11-2018-pg-57?ref=serp>. Acesso em: 09 ago.2019.
CABRAL, Antônio do Passo; CRAMER, Ronaldo. Comentários ao novo Código de Processo Civil. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
CAMARGO, Luiz Henrique Volpe. Do agravo interno. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JUNIOR., Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3.ed. São Paulo: RT, 2016
COÊLHO, Marcus Vinicius Furtado. Art. 942 do CPC – Técnica de ampliação do colegiado. Disponível em: < https://www.migalhas.com.br/CPCMarcado/128,MI296489,91041Art+942+do+CPC+Tecnica+de+ampliacao+do+colegiado>. Acesso em: 09 ago.2019.
CUNHA, Leonardo Carneiro da; DIDIER JUNIOR., Fredie. Ampliação do colegiado em caso de divergência: algumas impressões iniciais sobre o artigo 942 do CPC. In: NERY JUNIOR, Nelson; ALVIM, Teresa Arruda. Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. v.13. São Paulo: RT, 2017.
DANTAS, Bruno. Ordem dos processos no tribunal. In: (Org.) BUENO, Cassio Scarpinella. Comentários ao Código de Processo Civil. v.4. São Paulo: Saraiva, 2017.
DIDIER JUNIOR, Fredie; CUNHA. Leonardo Carneiro da. Curso de direito processual civil: meios de impugnação às decisões judiciais e processo nos tribunais. Vol. III, 16º Ed. Salvador: JusPodivm, 2019.
FREIRE, Rodrigo da Cunha Lima. Da ordem dos processos no Tribunal. In: WAMBIER, Teresa Arruda Alvim; DIDIER JR. Fredie; TALAMINI, Eduardo; DANTAS, Bruno. Breves Comentários ao Novo Código de Processo Civil. 3.ed. São Paulo: RT, 2016.
LUCON, Paulo Henrique dos Santos. Técnica criada no novo CPC permite decisões com mais qualidade. Disponível em: < https://www.conjur.com.br/2015-fev-04/paulo-lucon-cpc-permite-decisoes-qualidade>. Acesso em: 22 jul. 2019.
MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel; ARENHART, Sérgio Cruz. Novo código de processo civil comentado. Revista dos Tribunais, 2016.
MEDINA, José Miguel Garcia. Direito processual civil moderno. 2.ed. São Paulo: RT, 2016
MOREIRA, José Carlos Barbosa. Comentários ao Código de Processo Civil, vol. V, 17º Ed. São Paulo: Forense 2013.
RIBAS, Rogério; MACHADO, Fernanda. Artigo 942 do NCPC e o agravo de instrumento. In: (Coords.) MARANHÃO, Clayton; BARBUGIANI, Luiz Henrique Sormani; KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Ampliação da colegialidade técnica de julgamento do artigo 942 do CPC. Belo Horizonte: Arraes, 2017, p.73.
TEIXEIRA, Guilherme Freire de Barros. Artigo 942 do CPC 2015 e suas dificuldades operacionais: aspectos práticos. In: (Coords.) MARANHÃO, Clayton; BARBUGIANI, Luiz Henrique Sormani; KOZIKOSKI, Sandro Marcelo. Ampliação da colegialidade técnica de julgamento do artigo 942 do CPC. Belo Horizonte: Arraes, 2017.
WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Ampliar a colegialidade: valeu a pena? In: NERY JUNIOR, Nelson; WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Aspectos polêmicos dos recursos cíveis e assuntos afins. v.13. São Paulo: RT, 2017.
[1] Bacharel em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco. Advogada. E-mail: [email protected]