Avanços e Retrocessos do Novo Código de Processo Civil: Entre Passado e Futuro

Murilo Ricardo Silva Alves

Resumo: O novo Código de Processo Civil trouxe inúmeras mudanças na sistemática processual brasileira, uma vez que não se tratou de mera reforma legislativa, mas da revogação integral do vestuto Código de Processo Civil promulgado em de 1973. Nesse sentido, mudanças tão profundas na sistemática que já vigorava há mais de 40 anos não poderiam passar incólumes a críticas, construtivas ou não. Buscou-se fazer uma análise sobre os possíveis avanços e retrocessos trazidos pelo novo Código de Processo Civil e seu impacto na sociedade através de pesquisa bibliográfica sobre o tema. Indiscutivelmente, o novo Código de Processo Civil trouxe mais avanços do que retrocessos, embora estes não possam ser desconsiderados, merecendo estudo aprofundado sobre as mudanças empreendidas.

Palavras-chave: Novo CPC. Avanços e retrocessos.

 

Abstract: The New Code of Civil Procedure brought numerous changes in the brazilian procedural system, since it was not a matter of mere legislative reform, but of the complete revocation of the Code of Civil Procedure enacted in 1973. In this sense, such profound changes in the system had been in force for more than 40 years could not pass unchallenged to criticism, constructive or not. An attempt was made to analyze the possible advances and setbacks brought by the new Code of Civil Procedure and its impact on society through bibliographic research on the subject. Arguably, the new Code of Civil Procedure has brought more progress than setbacks, although these can not be disregarded, deserving a thorough study of the changes undertaken.

Keywords: New CPC. Advances and retrocess

 

Sumário: Introdução. 1. Um breve escorço histórico da sistemática processual brasileira: os caminhos que levaram ao Novo CPC. 2. Novo Código de Processo Civil: quais os avanços? 3. A perda de uma oportunidade: os retrocessos na nova sistemática processual civil. Considerações finais.

 

INTRODUÇÃO 

Melhorar a legislação do país é sempre providência salutar e bem-vinda, pois a todos interessa a existência de leis constitucionais e adequadas à realidade brasileira e, no caso específico do processo civil, que atendam às garantias constitucionais da celeridade processual e da razoável duração do processo.

O direito está em constante alteração, assim como os procedimentos por ele utilizado, antes somente era possível apresentação de documentos através de documentos originais, em papel, porém hoje o processo eletrônico já é uma realidade.

O Código de 1973 já não era suficiente para resolver as demandas apresentadas, muitas das quais altamente complexas, razão pela qual durante longos anos o direito processual civil brasileiro padeceu de uma falta de sistemática.

Junte-se a isso a alta litigiosidade da sociedade brasileira, que vê no Poder Judiciário a panaceia para todos os males, pessoais ou coletivos.

O novo Código de Processo Civil surge nesse contexto de absoluta falta de sistemática fazendo um apelo não à celeridade, mas à resolução das demandas que afogam o Poder Judiciário não se preocupando se a decisão proferida vai resolver a lide.

É de se esperar que mudanças profundas tragam críticas, favoráveis ou contrárias, mormente, em se tratando de uma nova sistemática processual que pretende ser inovadora em todos os sentidos.

Atualmente já existem milhares de processos que tramitam completamente com a observância do novo Código, uma vez que foram ajuizados após sua entrada em vigor, de forma que já é possível perscrutar os avanços e possíveis retrocessos na sua aplicação.

 

1 UM BREVE ESCORÇO HISTÓRICO DA SISTEMATIZAÇÃO PROCESSUAL BRASILEIRA: OS CAMINHOS QUE LEVARAM AO NOVO CPC.

A Constituição Social de 1934 estabeleceu o processo unitário, extinguindo os códigos estaduais, estabelecendo como sendo competência da União legislar sobre direito processual.

Na esteira da novel competência constitucional, o Governo Vargas compôs comissão com a incumbência de elaborar o Código Nacional de Processo Civil, sendo que o Ministro da Justiça, Francisco Campos aprovou o projeto que, posteriormente, foi transformado em lei pelo Decreto-lei nº. 1.608/39, assim nasceu a primeira sistematização processual genuinamente brasileira.

O Código Campos, como ficou conhecido, não primava pela sistematização, embora fosse moderno em algumas partes e absolutamente anacrônico no restante.

Mesmo assim, regeu o processo civil brasileiro durante 34 (trinta e quatro) anos até que em 1973 foi aprovado o Código Buzaid.

Entretanto, o caráter anacrônico do Código de 39 fez com que as discussões sobre sua reforma já tivessem início na década de 1960, tendo durado até o ano de 1973, com a aprovação de um novo Código.

O Código de 1973 operou satisfatoriamente durante 2 (duas) décadas, quando passou a sofrer diversas reformas que mudariam drasticamente sua estrutura.

As sucessivas alterações contribuíram significativamente para o enfraquecimento da coesão de suas normas trazendo grave comprometimento à sua forma sistemática.

Nos últimos anos de vigência, o Código Buzaid já tinha perdido muito de sua originalidade com regras processuais inconciliáveis, inclusive, perdera a característica de um código face a multiplicação de leis extravagantes que passaram a disciplinar matérias revogando a disciplina codificada.

Nessa dimensão, advém a preocupação em se preservar a forma sistemática das normas processuais, buscando obter-se um grau mais intenso de funcionalidade, surgindo a necessidade de elaboração de um novo código.

Formada a comissão responsável pela elaboração do anteprojeto do novo CPC, as seguintes diretrizes foram postas:

“1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão (VANDRESEN e FREITAS, 2017, p.5)”.

Após longos anos tramitando, o projeto de lei foi aprovado e sancionado pela presidenta Dilma Rousseff em 16/03/2015, através da Lei nº. 13.105, tendo entrado em vigor 1 (um) ano após a publicação no Diário Oficial da União.

 

2 NOVO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL: QUAIS OS AVANÇOS?

Passados dois anos e meio da entrada em vigor do novo Código de Processo Civil já é possível ter retrato do seu impacto em uma sociedade altamente beligerante como a brasileira.

Nesse sentido, não se pode dizer que o novel Código foi apenas uma reforma, haja vista que rompeu com diversas tradições processuais até então vigentes, tratando-se de verdadeira mudança da sistemática processual.

Uma das características mais marcantes do novo CPC é a institucionalização da conciliação como instrumento de resolução dos conflitos, ainda que judicializados, e que não se esgota na audiência de tentativa de conciliação, uma vez que as partes podem tentá-la em qualquer momento do iter processual, inclusive, com designação de audiência para essa finalidade.

Não se pode passar despercebido que a resposta à ação somente passou a ser possível em caso de impossibilidade de conciliação, o que indica que o CPC privilegiou a solução amigável do conflito, indicando que estes nem sempre são solucionados satisfatoriamente pelo Poder Judiciário.

Outro ponto que pode ser considerado um avanço é a redução do número de recursos, agora são 9 (nove) espécies recursais.

Uma das grandes críticas à morosidade processual pertine aos recursos, manejados de forma indiscriminada como forma de protelar o trânsito em julgado de uma sentença desfavorável.

O CPC extinguiu o agravo retido, sendo possível, antes da sentença, apenas a interposição de agravo de instrumento, o que pode contribuir para a celeridade na tramitação do processo.

Além disso, a fixação de prazos – embora em dias úteis -, como o prazo para publicação de acórdãos, não pode ser considerado um retrocesso, uma vez que possibilita às partes, uma vez extrapolado os limites, requerer que seus pleitos sejam analisados.

Entretanto, uma das mais significativas mudanças ocorreu no tratamento dado aos tribunais quanto à jurisprudência.

Não houve uma tentativa de controlar, mas de uniformização como forma de produzir decisões que não afrontem a segurança jurídica.

Um dos grandes problemas existentes é, justamente, a interpretação do direito de forma desuniforme pelos tribunais, o que traz insegurança jurídica.

O Novo CPC deu nova roupagem aos precedentes judiciais, isto é, a importância que as decisões dos Tribunais passarão a ter, servindo de orientação aos juízes em geral, garantindo tratamento igualitário das questões e preservando a uniformidade na aplicação do direito.

Nesse sentido, o CPC trouxe os embargos de divergência e o incidente de resolução de demandas repetitivas como instrumentos garantidores dessa uniformidade almejada.

Ocorre que, como acentua STRECK (2016, p. 147), o novo Código deixou no passado o livre convencimento e a livre apreciação do juiz, vejamos:

“Quando se examina o novo CPC, não se pode deixar de reconhecer alguns avanços consistentes. Não obstante, há de se ter muito cuidado para evitar que a própria dogmática jurídica, a partir de uma hermenêutica de bloqueio, proporcione retrocessos ao novo texto que aí vem. (…) Travei uma batalha contra o poder discricionário, travestido de livre convencimento, que infestava o Projeto do CPC em sua redação original. Dizia eu que de nada adiantará exigir do juiz que enfrente todos os argumentos deduzidos na ação (vejam-se os artigos 499 e seguintes do Projeto) se ele tiver a liberdade de invocar a “jurisprudência do Supremo” que afirma que o juiz não está obrigado a enfrentar todas as questões arguidas pelas partes. Dá-se com uma mão e tira-se com a outra”.

O relator do projeto do novo CPC, deputado federal Paulo Teixeira, explica os motivos da mudança:

“(…) embora historicamente os Códigos Processuais estejam baseados no livre convencimento e na livre apreciação judicial, não é mais possível, em plena democracia, continuar transferindo a resolução dos casos complexos em favor da apreciação subjetiva dos juízes e tribunais. Na medida em que o Projeto passou a adotar o policentrismo e coparticipação no processo, fica evidente que a abordagem da estrutura do Projeto passou a poder ser lida como um sistema não mais centrado na figura do juiz. As partes assumem especial relevância. Eis o casamento perfeito chamado “coparticipação”, com pitadas fortes do policentrismo. E o corolário disso é a retirada do “livre convencimento”. O livre convencimento se justificava em face da necessidade de superação da prova tarifada. Filosoficamente, o abandono da fórmula do livre convencimento ou da livre apreciação da prova é corolário do paradigma da intersubjetividade, cuja compreensão é indispensável em tempos de democracia e de autonomia do direito. Dessa forma, a invocação do livre convencimento por parte de juízes e tribunais acarretará, a toda evidência, a nulidade da decisão (STRECK, 2016, p. 148)”.

Entretanto, uniformidade não pode significar eternização, o que é incompatível com o direito, essencialmente mutável.

O tratamento dado às medidas de urgência talvez seja uma das mudanças mais significativas, uma vez buscou dar efetividade aos pleitos antecipatórios ou cautelares, inclusive, excluindo os procedimentos cautelares enquanto figuras jurídicas autônomas, ou seja, não existe mais um processo cautelar autônomo.

Outro avanço considerável foi a previsão dos percentuais de honorários de sucumbência devidos ao advogado, de forma que a fixação deixou de estar ao alvedrio do juiz e passou a ser um direito do patrono vencedor.

A fixação de critérios claros é fundamental para que as partes possam exigir uma atuação judicial correta, afinal, se o Código estabelece os parâmetros e se estes estão presentes no caso concreto, a atuação do juiz deve estar vinculada aos ditames da lei, do contrário, a parte prejudicada pode valer-se dos instrumentos processuais de reforma da decisão.

Não se pode olvidar da fixação do dever do juiz em apreciar todos os fundamentos aduzidos pelas partes como avanço de grande envergadura, embora a Constituição já estabelecesse o dever de fundamentação das decisões judiciais.

Causa espécie que tenha sido necessário implementar uma norma infraconstitucional sobre uma garantia fundamental – a fundamentação das decisões judiciais é uma garantia sine qua non – para que o dever judicial de fundamentar as decisões seja efetivamente cumprido.

É importante ressaltar que o Novo Código de Processo Civil, não irá acabar com toda a burocracia existente no processo civil. Sobre o assunto, disserta WAMBIER (2016, p. 30):

“A segunda observação consiste em que se deve ter presente que este Código não vai resolver todos os problemas da prestação jurisdicional no Brasil. Aliás, nem este e nenhum outro. A mudança da lei não tem senão um papel de coadjuvante nas mudanças sociais. Apenas numa certa medida terá um novo diploma legal o condão de produzir alterações visíveis no plano empírico. De fato, o excesso de litigiosidade, que é um problema social, é indiretamente responsável pela morosidade dos processos. Isto porque, estando muitos dos nossos tribunais abarrotados de processos e recursos para julgar, é natural que não consigam dar vazão a tudo num tempo que, socialmente, se considere razoável. Mas não se consegue, com a mudança da lei, acabar com o excesso de litigiosidade, que é um fenômeno sociológico. O máximo a que se pode chegar, com o novo CPC, é ao desestimulo ao ato de recorrer em face da jurisprudência pacificada”.

 

3 A PERDA DE UMA OPORTUNIDADE: OS RETROCESSOS NA NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL CIVIL

Impossível não observar que o novo Código de Processo Civil rompeu com a tradição que vigorava no direito brasileiro concernente à função dos precedentes e, de resto, dos tribunais.

Entretanto, antes de tratar do tema em tela, é preciso fazer algumas considerações prévias sobre tema conexo: a manutenção da dicotomia questão de fato x questão de direito.

O CPC revogado já previa a dicotomia questão de fato x questão de direito ao prevê que o julgamento direto pelo tribunal ou a improcedência liminar da ação quando a temática versasse única ou exclusivamente de direito.

O Código em vigor manteve a diferenciação, razão pela é oportuno questionar se há questão de direito apartada de um fato?

Ora, soa estranho, mas o questionamento acima é decorrência natural da dicotomia entre fato e direito, como este não fosse decorrência daquele e pudesse existir sem vinculação com a realidade.

São exemplos dessa bizarrice o julgamento de casos repetitivos (art. 928, parágrafo único), o incidente de assunção de competência (art. 947, caput), o incidente de resolução de demandas repetitivas (art. 976) e o julgamento dos recursos extraordinários e especial repetitivos (art. 1.036, caput).

Sobre isso, são percucientes as palavras de STRECK (2016, 161):

“(…) impende ressaltar que sob uma perspectiva hermenêutica é impossível fazer tal distinção, porquanto a interpretação do direito é sempre uma aplicação (applicatio), e por isso, pressupõe o mundo prático (…)Ora, os fatos só terão importância para o direito se forem fatos juridicamente relevantes – e, daí, a necessária imbricação entre questões de fato e questão de direito, o que, em linguagem hermenêutica, denominamos de diferença ontológica”

Ainda segundo STRECK (2016, p.162), o CPC vigente apresenta uma impropriedade técnica à medida que o objetivo do legislador não foi criar a dicotomia em tela, mas se referi a causas que não comportam dilação probatória, uma vez que toda as provas já foram constituídas previamente no momento da propositura da demanda.

Entretanto, em demandas cuja prova inicial não é suficiente ao julgamento da ação, a dilação probatória é indispensável, de forma que não se tem como fazer um juízo de similaridade.

Nesse sentido, STRECK (2016, p. 163) assevera que a “lógica” dos precedentes não pode determinar como parâmetro de escolha do objeto de sua aplicação a distinção questão-de-direito, como se fosse possível cindi-la de uma pretensa questão-de-fato”.

Aqui se insere a questão dos precedentes, uma vez que a padronização das decisões judiciais pressupõe essa dicotomia entre questão de fato e questão de direito, sem a qual não é possível vincular demandas futuras àquelas que já foram julgadas, sendo este o conceito amplo de precedente judicial.

VANDRESEN e FREITAS (2017, p. 11) explicam o significado do precedente judicial, é o que trazemos à colação:

“A regra do precedente, se explica pelo adágio stare decisis et non quieta movere, que significa continuar com as coisas decididas e não mover as coisas quietas. O precedente pretende irradiar uma ideia de segurança com efeito vinculante para todo o sistema, o que não se encontra na Constituição ou na lei, mas sim na tradição. Para a vinculação, a matéria, ou caso, deve ser similar. A aplicação não se dá automaticamente. Nesse sistema, sempre cabe examinar se o princípio que se pode extrair do precedente constitui a fundamentação da decisão ou tão somente uma observação ou uma opinião. Como consequência, há uma cisão entre texto e norma, aonde somente os fundamentos da decisão tem força vinculante. Os precedentes são feitos para decidir casos passados; sua aplicação em casos futuros é incidental”.

Segundo MIRANDA (2016, p. 3)

“A evolução histórica do processo civil moderno denota o estreitamento dos pontos de contato da tradição civil law com a sistemática delineada pela doctrine of binding precedent. 14 Isso porque a retórica subjacente à tradição civil law, a qual assestava sob a influência dos ideários da Revolução Francesa que o juiz seria a bouche de la loi e estaria constrito ao pronunciamento desta, cedeu paulatinamente espaço à intepretação do texto legal para construção de soluções jurídicas qualificadas pela (i) segurança jurídica prospectada na sociedade; (ii) previsibilidade de comportamento; (iii) confiança justificada dos cidadãos na justiça; (iv) equidade na aplicação da norma; (v) estabilidade, (vi) igualdade perante à lei; (vii) coerência da ordem jurídica etc”.

Ainda segundo MIRANDA (2016, p. 5):

“Com o estreitamento identificado entre os sistemas jurídicos houve naturalmente o influxo de técnicas e práticas ínsitas ao modelo consuetudinário. O sistema normativo brasileiro, cuja tradição de civil law fez como alicerce da atividade judicante as codificações que sucederam ao longo dos anos, baseado no exercício subsuntivo da norma ao fato, transmudou, vagarosamente, a mentalidade jurídica proposta pelos ideários revolucionistas do século XVIII. Como o modelo de tradição civil law mostrou-se insuficiente ao atendimento dos objetivos de justiça idealizados, viu-se a necessidade de proceder com a implantação de um sistema vinculante de decisões judiciais”. 

Com isso, o novo CPC tornou obrigatória a aplicação de precedentes nas chamadas demandas repetitivas, criando verdadeiro microssistema.

Eis o retrocesso: a obrigatoriedade cega de seguir o precedente, o qual é dotado de feito vinculante, afinal, todas as demandas repetitivas terão o mesmo destino decisório.

O que preocupa é a possível atribuição, com o passar do tempo, de status superior ao da legislação, o que ocorreu com a súmula vinculante, aos precedentes, de forma que as decisões futuras não mais reportar-se-ão à lei, mas ao precedente.

Situação que não existe nem mesmo nos países que adotam a Common Law, em que o precedente não se sobrepõe à legislação.

As palavras de STRECK (2016, p. 164) são necessárias:

“No afã de implantar o tal “sistema”, suprimimos direitos. E aumentamos o poder do Judiciário. Simples assim. A raiz disso tudo talvez esteja no que se entende por precedente. Ao que estamos lendo por aí, estão fazendo uma simplista equiparação do genuíno precedente do common law à jurisprudência vinculante pindoramense. Ora, o fato de o artigo 927 do CPC elencar diversos provimentos que passaram a ser vinculantes, não pode nos induzir a leitura equivocada de imaginar que a súmula, o acórdão que julga o IRDR ou oriundo de recurso (especial ou extraordinário repetitivo) são equiparáveis à categoria do genuíno precedente do common law”.

É de vital importância saber a noção exata de precedente no Common Law e compreender o que é um provimento vinculante por disposição legal.

STRECK (2016, p. 165) apresenta a diferença:

“O sistema genuíno de precedentes inglês é criador de complexidade. O que o CPC-2015 faz é criar provimentos judiciais vinculantes cuja função é reduzir a complexidade judicial para enfrentar o fenômeno brasileiro da litigiosidade repetitiva. Respostas antes das perguntas. Mas, não podemos equiparar o artigo 927 a um sistema de precedentes, sob pena de termos uma aplicação desvirtuada do CPC”.

E conclui:

“Portanto, não há aplicação mecânica ou subsuntiva na solução dos casos mediante a utilização do precedente judicial. Esse é a vã esperança dos defensores do “sistema”. Engraçado: a lei é interpretável… mas parece que o precedente (sic) já contém todas as interpretações”.

A preocupação aqui é com a produção de decisões apartadas da Constituição e das leis, uma vez que os textos normativos, no sistema de precedentes, têm papel secundário.

Aliás, não são raras as decisões judicias de tribunais superiores que desconsideram o texto normativo. Exemplo recente é a decisão proferida pelo STF sobre a execução provisória de sentença penal condenatória, na qual o tribunal passou a admitir o imediato cumprimento da pena após decisão proferida por tribunal estadual ou federal, mesmo o Texto Constitucional determinar o contrário, isto é, que o cumprimento da pena deve aguardar o trânsito em julgado da sentença.

O sistema de precedentes instituído pelo novo CPC pode causar graves danos aos direitos fundamentais, haja vista que fere o princípio da inafastabilidade do Poder Judiciário, ferindo o próprio direito fundamental de ação.

O problema é que o próprio precedente já traz a interpretação da lei, de forma que a última fronteira – o Poder Judiciário – já foi ultrapassada, sendo que não restaria opção aos jurisdicionados de repelir lesão ou ameaça de lesão se já há uma interpretação padronizada e apartada das peculiaridades que cada caso tem.

É absolutamente esdrúxulo que o Poder encarregado da aplicação do direito também tenha a possibilidade de criar o direito, afinal, o que é o precedente obrigatório senão uma norma?

Outra perda de oportunidade foi a insistência de obrigar as partes a buscarem uma solução negociada ao conflito, com a designação de audiência de tentativa de conciliação sem observar que o Poder Judiciário neste pais é absurdamente moroso.

Ora, o apelo à conciliação como panaceia à morosidade e ineficiência judicias acaba produzindo efeito contrário, o aumento da duração da tramitação da demanda.

Não se desconsidera que a audiência de tentativa de conciliação possibilita a resolução da demanda em tempo célere, entretanto, é preciso pensar que a maior parte das demandas propostas não são solucionadas na referida audiência.

Antes disso, o CNJ já havia instaurado a catarse coletiva pela busca de conciliação para criação de estatísticas, não se importando se as partes estariam satisfeitas com a solução, o que acabou por prejudicar a imagem do Judiciário comprometendo a confiança que o jurisdicionado lhe depositava.

O CPC criou uma obrigação processual de cada parte dizer se tem interesse na conciliação, sendo que não houve o necessário aparelhamento dos órgãos judicias dos recursos e meios necessários para a pronta resposta às partes, sendo que as audiências de conciliação estão seguindo o mesmo destino das existentes no microssistema dos Juizados Especiais: longo lapso temporal entre a distribuição da ação e a realização da audiência, sendo que não são raras as audiências que são marcadas com 6 (seis) meses ou até 1 (um) ano da propositura da demanda.

O mais curioso é ver nas assentadas destinadas à tentativa de conciliação a argumentação padronizada: é melhor perder um pouco com um acordo do que ficar esperando anos pela decisão da Justiça. Ou seja, não se está preocupado com a feitura de Justiça no caso concreto, mas em desafogar o Poder Judiciário, nem que para isso o jurisdicionado perca a confiança na Justiça.

As estatísticas dos tribunais demonstram que antes de propor uma demanda a parte já tentou solucionar o conflito na seara extrajudicial, de forma que a judicialização é a última fronteira, sendo ilógico obrigar as partes a promoverem uma conciliação ficta.

O mais desejável à celeridade seria não tornar obrigatória a realização de audiência de conciliação, ao invés disso, poder-se-ia exigir que a parte autora formulasse, em querendo, preliminar com proposta de conciliação, sendo que ao réu caberia, no prazo da resposta, apartada desta ou não, manifestar aceitação ou recusa.

Ou seja, não haveria nenhum prejuízo à celeridade processual, uma vez que em caso de não celebração de acordo o feito estaria percorrendo seu iter natural.

Por fim, um dos mais relevantes retrocessos, ou perda de oportunidade, foi a não vinculação da atividade do juiz.

Ora, nos debates sobre a morosidade judicial se discute sobre tudo: atuação das partes, instrumentos processuais que atrasam o deslinde definitivo do feito, servidores mal preparados, falta de recursos físicos, entretanto, não se discute o papel do juiz como o principal agente de morosidade.

Nos últimos séculos não houve absolutamente nenhuma modificação nas responsabilidades do juiz, o que não se pode dizer o mesmo dos personagens dos outros dois Poderes, uma vez que o chefe do executivo e os legisladores podem ser responsabilizados mais facilmente pelos desvios no exercício das suas funções.

O juiz ainda é visto como autoridade intocável cujos atos, inclusive, os decisórios são inquestionáveis – fora da seara recursal.

Isso se deve à concentração das atenções no Executivo e Legislativo, enquanto o Judiciário fica isento de críticas mais contundentes, embora seja o Poder mais ineficiente – levando em consideração o prazo para a resposta às demandas apresentadas.

Como comparação, é possível a apreciação de projeto de lei em até 90 (noventa) dias – aqueles dotados de urgência constitucional. Entretanto, é praticamente impossível que uma ação judicial seja julgada em primeira instância no mesmo prazo e o que contribui para isso é a manutenção da ausência de responsabilização efetiva aos juízes que não cumprem os prazos previstos no CPC: 10 (dez) dias para despachar e 30 (trinta) dias para proferir sentença.

As partes estão absolutamente vinculadas aos prazos, cuja manifestação extemporânea gera consequência grave como a revelia.

Entretanto, os prazos para que o magistrado pratique o ato processual previsto não geram consequência se não observados pelo órgão judicante.

Ou seja, prazo sem consequência prática pela sua inobservância não cumpre nenhuma função processual.

Não são raros os processos que passam meses aguardando um despacho ou anos aguardando sentença – nada tendo a ver a atuação do advogado para a morosidade, haja vista que já praticou o ato que lhe cabia.

A sociedade perdeu uma grande oportunidade de terem fixadas diretrizes mais concretas à atuação do juiz, sobretudo, em se tratando de prazos.

Embora tenha adotado a ordem cronológica para a tomada de decisões não há absolutamente nenhuma consequência para o descumprimento da ordem, sendo essa uma questão secundária, uma vez que não tem nenhum resultado do ponto de vista da celeridade processual se ao juiz não é imposta consequência por não despachar ou proferir sentença nos prazos previstos.

O CPC perdeu a oportunidade de tratar juízes como servidores da Justiça, tirando essa imagem endeusada de autoridade pessoal.

 

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre avanços e retrocessos, é inegável que o novo Código de Processo Civil possui mais pontos positivos do que negativos.

Embora sua finalidade seja a superação da morosidade judicial, é possível que seja aplicado sem comprometer direitos fundamentais estatuídos na Constituição, embora, muitos incautos acabem pregando, desavisadamente, que esta deve ser interpretada segundo o Código, em absurda inversão paradigmática.

A colcha de retalhos que era o Código Buzaid já não era suficiente à complexidade das relações jurídicas vigentes, uma vez que nasceu em momento histórico completamente diverso do atual, de forma que não pode ser tido como anacrônico, foi excepcional no atendimento das necessidades da época para a qual foi criado.

O CPC vigente é um misto de novo e velho, liberal e conservador, digital e analógico, à medida que, inova em muitos pontos, mas não supera paradigmas antigos.

Inovação não significa avanço, há inovações deletérias como os precedentes obrigatórios, embora é sabido que o Código poderá ter sua finalidade melhorada ou desvirtuada de acordo com a interpretação que se consolidar.

Consoante se afirmou alhures, há mais avanços do que retrocessos ou perdas de oportunidade de evoluir no tratamento de algumas matérias, sendo que a própria sistematização das normas processuais em uma só lei, haja vista que com o esfacelamento da sistemática processual revogada, houve inegável desorganização, já é um avanço incomensurável, uma vez que o pais ganhou uma legislação moderna e, pelo menos, comprometida com os temas que estão na ordem do dia da sociedade.

Um dos pontos centrais a favor do novo CPC é o abandono do livre convencimento e da livre apreciação da prova. Simbolicamente isso representa o desejo de mudar. Com efeito, seja do ponto de vista normativo, seja do ponto de vista performativo, “livre convencimento” (ou livre apreciação da prova) não é o mesmo que “decisão fundamentada”.

Obviamente, em razão do longo tempo de vigência do Código revogado, os efeitos do novo Código somente serão observados em sua completude com o passar dos anos, uma vez que prática jurídica já terá sido completamente transformada pelo que hoje é novo.

Entretanto, os retrocessos não podem ser desconsiderados, uma vez que podem comprometer a concretização dos objetivos perseguidos na nova sistemática.

Ficaram ainda alguns pontos que poderiam ter sido melhor desenvolvidos, como o problema do agir de ofício do juiz (arts. 2; 139, IV; 337 e 536), que se apresenta contraditório ao que dispõe o restante do Código. Também o poder cautelar do juiz representa um passo atrás, isto é, um passo na direção do velho social-protagonismo, incoerente, portanto, com os ditames dos artigos 10 e 926 e seguintes do Código.

De todo modo, creio que do projeto e sua complexidade podem ser retirados alguns princípios norteadores do novo Código, como o da necessidade de manter a coerência e a integridade da jurisprudência (incluídos os precedentes), a vedação do livre convencimento, o que implica um menor protagonismo e a necessidade da adoção do paradigma da intersubjetividade, ou seja, a subjetividade do juiz deve ser suspensa e controlada pela intersubjetividade estruturante do direito.

 

REFERÊNCIAS:

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FREITAS, Eduardo Silva / VANDRESEN, Thaís. Decisão Judicial no Novo CPC: Avanços e Retrocessos. Anais do Congresso Catarinense de Direito Processual Civil. Disponível em: < https://siaiap32.univali.br/seer/index.php/accdp/article/view/10148/5695> Acesso em: 07 de outubro de 2018.

FUX, Luiz / NEVES, Daniel Assumpção Amorim. Novo CPC Comparado – Código de Processo Civil Lei 13.105/2015 – 3ª Ed. São Paulo: Método, 2016.

MARINONI, Luiz Guilherme / ARENHART, Sérgio Cruz / MITIDIERO, Daniel. Novo Curso de Processo Civil – Teoria Geral do Processo Civil – Vol. 1 – 3ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017.

MIRANDA, Victor Vasconcelos. A parametrização do sistema de precedentes obrigatórios no CPC e a alteração legislativa promovida pela Lei 13.256/2016: uma análise do art. 1.030, I, “A”. Revista dos Tribunais Online. Disponível em: < http://www.academia.edu/28601572/A_PARAMETRIZA%C3%87%C3%83O_DO_SISTEMA_DE_PRECEDENTES_OBRIGAT%C3%93RIOS_NO_CPC_E_A_ALTERA%C3%87%C3%83O_LEGISLATIVA_PROMOVIDA_PELA_LEI> Acesso em 16 de outubro de 2018.

NERY JR, Nelson / NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado – 16ª Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016.

STRECK, Lenio Luiz. Uma análise hermenêutica dos avanços trazidos pelo novo CPC. Revista Estudos Insititucionais. v. 2, nº. 1, 2016. Disponível em: < https://estudosinstitucionais.com/REI/article/view/39 > Acesso em: 07 de outubro de 2018.

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