Inseminação artificial post mortem e suas implicações no âmbito sucessório

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Resumo: O Código Civil de 2002, em seu artigo 1.597, dispôs sobre a presunção de paternidade, ao considerar como concebidos na constância do matrimônio os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. Este artigo fará uma explanação sobre a reprodução assistida, onde serão observados os princípios norteadores da medicina e do Direito fazendo uma análise conceitual e interdisciplinar com o objetivo de aclarar os conflitos existentes no campo sucessório. A conclusão é de que a legislação vigente é pouco avançada ao tratar do tema no âmbito do Direito sucessório, no que gera uma insegurança jurídica que se respalda em princípios inerentes ao Direito para dirimir tais conflitos. Enfim, o presente tema tem por base a metodologia teórico-descritiva, a partir de revisão bibliográfica.*

Palavras Chave: Filiação post mortem .Reprodução assistida. Herdeiro. Divergência.

Abstract: The 2002 Civil Code, article 1597, provided for the presumption of paternity, as designed by considering the constancy of marriage for the children accruing homologous artificial fertilization, even though her ​​husband died. This article will make an explanation on assisted reproduction, where they will observe the guiding principles of medicine and the law doing a conceptual analysis and interdisciplinary in order to clarify existing conflicts in the field of succession. The conclusion is that the legislation is very far advanced to address the issue under the law of succession, that creates the legal uncertainty which is based in principles inherent in the law to resolve such conflicts. Anyway, this theme is based on descriptive methodology is presented, based on literature review.

Keywords: Filiation post mortem. Assisted reproduction. Heir. Divergence

1 INTRODUÇÃO

Analisar-se-á o direito sucessório dos filhos concebidos post mortem. Hodiernamente, o avanço da ciência proporcionou inovações na medicina reprodutiva, contemplando novos modelos de técnicas conceptivas.

Dessa maneira, será exposta a inseminação artificial post mortem na égide do direito sucessório, tratando de questão não pacífica na doutrina, estabelecendo assim diversas interpretações. O art. 1.597 do Código Civil de 2002, em seu inciso III, dispõe que os filhos concebidos por fecundação artificial do tipo homóloga são abarcados pela presunção de paternidade, ainda que falecido o cônjuge ou companheiro. Em contrapartida, o art. 1.798 do atual Código Civil, assevera que se legitimam a suceder as pessoas já nascidas ou concebidas no momento da abertura da sucessão, tratando dessa forma, em seu inciso I, que podem ser chamados a sucessão, os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas no testamento, desde que estejam na condição de vivas no momento da abertura da sucessão.

Ao tratar do tema, foram observados princípios norteadores da medicina e do Direito em uma análise conceitual e interdisciplinar para dirimir os conflitos existentes no campo sucessório. O filho concebido post mortem gera incertezas jurídicas no âmbito das sucessões pela ausência de norma regulamentadora, procurando serem sanadas por princípios constitucionais, onde se preserva o direito do filho post mortem, bem como a proteção para que não sejam tolhidos tais direitos.

Assegura-se a proibição de limitar o direito desses filhos concebidos por inseminação post mortem, uma vez que, o princípio da igualdade da filiação veda qualquer tipo de lastro de desigualdade e discriminação. Ainda nessa vertente, os demais colaboram com a existência do princípio da dignidade da pessoa humana, da isonomia, entre outros contemplados.

A problemática não se verifica na concepção do filho concebido post mortem, e sim em seu campo sucessório, onde ao provocar uma insegurança jurídica, gera controvérsias doutrinárias, por ausência de norma regulamentadora específica, onde a solução deve ser dirimida não derrogando qualquer direito a sucessão.

Enfim, o presente artigo está fundado na metodologia teórico descritiva, utilizando-se de bibliografia e documentos específicos atinentes ao tema.

2 A CONSTITUCIONALIZAÇÃO DO DIREITO CIVIL E AS HODIERNAS PESPECTIVAS DA PARENTALIDADE.

2.1 A evolução do Direito Civil

O direito civil perdura-se em uma longa elaboração concernente ao campo interdisciplinar entre o direito público e o privado. Neste sentido, Lôbo[1] (1999), preconiza na atualidade a inserção de um pós-positivismo fundamentado em uma mudança, sob a qual, o código civil deve ser interpretado segundo a constituição, e não o inverso.

A constitucionalização do Direito Civil passou por significativas fases. A primeira fase consistia no do direito civil sendo compreendido como “Mundos apartados”, sendo assim, com o advento da Revolução Francesa, a Constituição era uma carta política e era o embasamento para a relação entre Estado e a sociedade, já o Código Civil era o que regia as relações particulares. Já a segunda fase consistia numa nuance de publicização presente no século XX, que tinha como característica o Estado liberal. De acordo com Lôbo[2] (1999), a intervenção estatal era compreendida no âmbito legislativo, onde apurava-se do direito privado, onde havia a intervenção do Estado e a restrição da autonomia privada, havendo a subtração de diversas matérias do Código Civil.

A constitucionalização do direito civil é a etapa de grande importância, pois provoca mudanças pertinentes nas realidades sociais, aclarando institutos básicos, tais quais: a propriedade, o contrato, entre outros. Diferentemente da publicização, trouxe uma contribuição para que o direito civil não se limitasse apenas as relações de ordem privada, passando a evidenciar a subordinação da norma positivista a um conjunto de disposições, valendo-se de princípios que não devem ser dissociados da interface constituída entre a constitucionalização do direito brasileiro e a igualdade de filiação. É uma inserção constitucional dos fundamentos jurídicos das relações civis.

O direito civil atual consiste na incorporação dos princípios constitucionais para atender a necessidade do coletivo fundado no interesse particular, ou seja, é a devida interferência do Estado para disciplinar a extremada liberdade individual. Havendo ocorrido uma quebra de paradigma, a partir de uma repersonalização do direito civil.

A atual Constituição Federal de 1988 preceitua a proteção integral desses direitos, valendo-se de tal forma, que a filiação no plano sucessório é isonômica, restando a todos os filhos independentemente da natureza de filiação a plenitude de igualdade para todos os efeitos jurídicos.

Os direitos fundamentais contemplam as relações públicas e privadas, regem-se pelos princípios gerais. Neste sentido Pereira (2010, p. 19) preconiza que hodiernamente os princípios constitucionais geram instrumentos abstratos e complexos e requerem uma sobreposição anteriormente ocupada pelos princípios gerais do direito. Nesse diapasão analisar-se-á a socialização do direito sendo reconhecido pelas normas constitucionais. A instituição de princípios da constituição trouxe uma hermenêutica diferenciada, concretista, sendo dotada de um direito civil constitucional. Neste sentido, Pereira (2010, p. 19) assevera que: “Cabe, portanto, ao intérprete evidenciar a subordinação da norma de direito positivo a um conjunto de disposições com maior grau de generalização, isto é, a princípios e valores dos quais não pode ou não ser mais dissociada”.

Em arremate, entende-se que, o Código Civil de 1916 remetia ao filho natural reconhecido na constância do matrimônio, apenas metade da cota do filho considerado a época, legítimo. A concepção dos filhos era distinguida entre os concebidos nas relações na constância do casamento e nas extraconjugais, pautando-se em restringir os direitos dos filhos concebidos em relações extras ao matrimônio. A Lei de Divórcio trouxe diversas evoluções no cenário pátrio, dentre elas, a igualdade de filiação no tocante á origem de seus direitos, o que se mostra afeita a citada fase de constitucionalização.

2.2 Breve histórico do direito sucessório

O direito sucessório postula as relações familiares e foi justificado ao longo dos anos pela religião, que tinha caráter absoluto. Por meio desta, elaboravam-se explicações para todos os acontecimentos, buscando formas de esclarecer os conflitos existentes nas sociedades primordiais. Conforme lições de Diniz (2011, p. 31), o direito sucessório trata de uma transmissão de bens, direitos e até mesmo obrigações em razão da morte, sendo assim, a liberdade de testar e o parentesco são expoentes que se baseiam as normas de sucessão.

O direito sucessório tem base no direito à propriedade, no que nos remete a lição de Dias (2011, p. 27): “O direito sucessório tem origem remota, desde que o homem deixou de ser nômade e começou a amealhar patrimônio”. Desde os primórdios havia uma preocupação com a propriedade privada, fundamentado no ideal de família.”.

Segundo Coungales (apud VENOSA, 2007, p. 4):

“A íntima conexão entre o direito hereditário e o culto familial nas sociedades mais antigas. O culto dos antepassados constitui o centro da vida religiosa nas antiquíssimas civilizações, não havendo castigo maior para uma pessoa do que falecer sem deixar quem lhe cultue o altar doméstico, de modo a ficar seu túmulo ao abandono. Cabe ao herdeiro sacerdócio desse culto. Assim sendo, a propriedade familial a ele se transmite, automaticamente, como corolário do fato de ser o continuador do culto familial.”

O modelo de sociedade do século XX, segundo Dias (2011, p. 28) trata da família exclusivamente constituída pelo casamento, os filhos havidos fora do casamento não tinham direitos sucessórios. A prole gerada fora de uma relação de matrimônio não recebia tutela do Estado, não atribuindo direitos inerentes a filiação.

O Direito romano não contemplava a aplicação conjunta dos tipos de herança, neste sentido, Wald (2009, p. 20) menciona que em Roma, estabelecia-se que as heranças testamentárias e legítimas não admitiam aplicação simultânea, possuindo uma inaplicabilidade na divisão em parte pelo testamento e outra parte por lei.

No concernente a evolução da família romana, Wald (2005, p. 10) preceitua:“a evolução da família romana foi no sentido de se restringir a autoridade do “pater”, dando-se maior autonomia á mulher e a aos filhos e substituindo-se o parentesco agnatício pelo congnatício”, ou seja, substituiria o parentesco que se transmite apenas por homens, pelo de sangue, tanto por via masculina, quanto feminina.

A continuidade familiar em Roma preponderava na religião, onde seus preceitos deviam ser prioritariamente religiosos, segundo Dias (2011, p. 27):

“Em Roma, o titular do patrimônio era o pater familiae. Passa de um a outro por meio de testamento, pois precisava ser mantido mesmo depois da morte do seu titular. Havia interesse mais de ordem religiosa do que patrimonial em proceder-se á transferência de bens. A morte de alguém sem sucessor ensejava a extinção do culto doméstico, trazendo infelicidade aos mortos. Daí a importância da figura do herdeiro para dar continuidade á religião familiar. Como o conceito da família era extensivo, não havia limitações para herdar quantos aos degraus de parentesco. Na ausência de herdeiros, a adoção (grifo do autor) era a forma de assegurar a perpetuação da família.”

Segundo a lição de Rizzardo (2008, p. 3) em Roma, numa primeira fase, o herdeiro continuava a personalidade do de cujus, havia uma preocupação com a necessidade de perpetuação da tradição familiar.

 No concernente ao Direito alemão era o critério consanguíneo e que estabelecia os laços familiares, neste sentido, Wald (2009, p. 33), afirma que: “No direito germânico, por sua vez, só se admitiam herdeiros que tivessem vínculo de sangue com o falecido, sendo todos os outros beneficiários, herdeiros irregulares ou legatários […]”.

No defasado Código de 1916, inspirava-se apenas a proteção ao patrimônio, sem vincular a proteção das pessoas, dessa forma, preconizava-se uma discriminação entre os filhos concebidos fora da constância do matrimônio. Destarte, a unificação do sistema de constitucionalidade evoluiu e trouxe inovação ao direito sucessório, onde no texto maior assegura-se em seu art. 227, §6, a igualdade de direitos inerentes entre todos os filhos, possuindo como princípio norteador a proteção da dignidade da pessoa humana.

No direito pátrio, a filiação era a continuação das relações familiares, onde apenas os filhos concebidos na constância do casamento possuíam direitos de regular o patrimônio. Posteriormente, as influências políticas e sociais estabeleciam critérios que iam contra a discriminação da natureza do filho concebido, onde a filiação passa a ser tratada com uma proteção.

2.3 O avanço da ciência e a inseminação artificial

No campo da medicina reprodutiva, principalmente ligada aos casos de esterilidade, foram desenvolvidas técnicas conceptivas para a busca de métodos mais seguros e eficazes e, simultaneamente, menos nocivos.

A reprodução assistida trata-se de um conjunto de técnicas, empregadas por médicos especializados, as quais objetivam a viabilização da reprodução humana em casos de infertilidade do casal ou de um de seus membros. As principais técnicas utilizadas para essa finalidade são: a inseminação artificial homóloga ou heteróloga, a fecundação “in vitro” e as chamadas “mães de substituição”.

Sendo assim, há dois modos possíveis de fecundação, a heteróloga e a homóloga. Naquela há impossibilidade, do cônjuge ou convivente, de utilizar o seu material genético, sendo necessária a utilização de gametas de um terceiro (doador) para que haja a reprodução. Na homóloga, o material genético inoculado na mulher é o do próprio marido ou companheiro.

A fecundação “in vitro” é uma técnica sob a qual o material genético do casal é obtido e manuseado em laboratório, ocorrendo a fecundação antes de o embrião ser implantado no útero. Uma das principais características desse tipo de reprodução assistida é que apenas alguns embriões são implantados, sendo os demais mantidos em criopreservação, ou seja, resfriados e congelados, para que possa vim a ser utilizado no futuro. Portanto, em decorrência dos avanços científicos, é plenamente possível que o material sujeito a tal técnica, possa ser utilizado após o falecimento do homem, o que é chamado de reprodução “post mortem”.

Para os casos em que a mulher não consegue suportar a gestação em seu próprio corpo, existe a possibilidade de se fazer uso das conhecidas “mães de substituição”. Essas emprestam o seu útero, para que nele possa ser implantado o embrião e ocorra a gestação.

A inseminação artificial tem como função auxiliar os casais estéreis, segundo lição de Diniz (2009, p. 544) facilita a reprodução humana, baseada no direito a descendência. A embriologia e a engenharia genética contribuem para que tais problemas de infertilidade não inviabilizem a perpetuação da espécie humana. Ainda na lição de Diniz (2009, p. 543) os métodos para as técnicas de reprodução são dois, respectivamente, GIFT[3] e ZIFT[4]. Segundo Lisboa (2009, p. 251), o primeiro dos métodos concerne na transferência intratubária dos gametas, através da injeção do óvulo e espermatozoide na trompa de falópio. Já o método ZIFT, consiste na transferência intratubária dos zigotos, com o seu transporte para a trompa uterina. Tais métodos são propriamente formas de solucionar os problemas de infertilidade e esterilização, corroborando para o desejo de descendência e procriação da espécie humana.

Nesta rota, a infertilidade humana não pode privar o direito a procriação, ou seja, inadmite a extinção do direito de descendência, porém deve pautar-se em limites jurídicos para assegurar essas técnicas de reprodução humana.

Destarte, tais técnicas de reprodução assistida trouxeram muitas inovações ao campo da medicina reprodutiva, com o surgimento dos bancos de sêmen e a facilidade de congelar ou criopreservar o esperma para utilização futura, viu-se então a possibilidade de realizar a inseminação depois da morte do cônjuge ou companheiro.

2.4 Princípios norteadores do biodireito

A reprodução assistida, conforme já mencionado, deve ser vista como técnica por meio da qual os casais inférteis ou com dificuldades para gerar filhos recorrem para ter o seu anseio realizado. O fato de o casal se submeter às dificuldades de tais métodos, que são profundamente desgastantes, tanto psicológicas quanto fisicamente, demonstra a prova de amor entre eles e, destes para com o filho que tanto pretendem gerar.

Tal fato não pode ficar alheio à Constituição Federal, que busca tutelar o bem-estar da família, privilegiando esta ao trazer em seu texto, que a família é a “base da sociedade brasileira, tendo especial proteção do Estado”, separando um Capítulo para discipliná-la. Assim, determinados princípios do Direito de Família podem ser cedidos ao biodireito, tendo em vista que este protege um dos fatores basilares da família: a procriação.

Ensina Diniz (2011, p. 14) que os princípios do biodireito têm caráter humanístico e vinculação direta à justiça. Possuindo como função esclarecer e estabelecer limites para as técnicas médicas, impõem-se de modo peculiar, contribuindo para grandes evoluções no ramo da saúde. Ver-se-á, abaixo, os que regem o biodireito de modo a analisá-los em sua aplicabilidade. Tais princípios são respectivamente: o da autonomia, da beneficência, da não maleficência, da justiça e o da dignidade da pessoa humana.

O primeiro dos princípios condiz com o dever do profissional da área médica de pautar-se na vontade do próprio paciente, respeitando seus valores morais e religiosos, no caso da testemunha de Jeová, onde a crença e a vida se contrapõem, prevalecerá na ética médica, a vida. Destarte, o consentimento livre, desde que informado, não preceitua o modo de tomar decisões quando tratar-se de pacientes incapazes ou não tiver como fazê-lo por não possuir independência para tanto. Os indivíduos que possuem capacidade devem ter sua vontade respeitada.

Já o da beneficência preconiza-se nas premissas de auxílio ao paciente, onde o médico só pode intervir se for para o bem do paciente. Ou seja, não são permitidas técnicas que degradem o paciente. O princípio da não maleficência contém caráter ético, e decorre do primum non nocere, vigorando se não acarretar dano de modo intencional ao paciente. Atuando na proposta de sempre atuar com cuidados pertinentes a boa ética médica, evitando assim, possíveis danos.

O princípio da Justiça, por sua vez, postula a imparcialidade, onde os iguais devem ser tratados de modo igual. É ligada a justiça distributiva. Legitima, assim, a racionalização dos potenciais médicos que atentem ao bem estar da sociedade, embasados nos princípios permeadores que contribuem para auxiliar e limitar técnicas que vão contra a boa ética médica.

Ademais, o da dignidade humana visa atribuir significância na igualdade, não consagrando tratamentos desiguais e nem discriminatórios. É acessório ao ser humano instituído no ordenamento jurídico. Tal princípio consagra que a dignidade deve ser perpetuada sob todas as relações jurídicas, é vista no caráter de princípio de grande importância, no qual a liberdade não pode ser jamais suprimida, devendo ser valorada sob a égide de verificar a concretização desse princípio em todas as relações sociais, garantindo, assim, o mínimo necessário para se ter uma vida digna atribuída ao vínculo de preceito fundamental inerente ao ser humano. Tal princípio é consagrado na Constituição Federal no art. 1°, inciso III.

A dignidade humana é universal e pautada na humanidade empregada no teor de sua essência. Sendo imprescindível para a instituição do ordenamento jurídico. Tem fundamento no Estado democrático e no cunho social que permeiam as mais variadas relações jurídicas.

A bioética estabelece valores que devem ser respeitados pela ingerência da inseminação artificial, bem como outras técnicas de reprodução humana. O valor ético deve prevalecer no respeito à vida, compondo-se de limites a evolução da medicina, não podendo ter condutas que reduzam a sua dignidade. Sendo assim, institui-se o sentido humanístico, preservando a dignidade e garantindo a efetividade dos direitos inerentes ao ser humano.

3 A FILIAÇÃO CONTEMPORÂNEA

3.1 Do modelo clássico a socioafetividade

Os surgimentos de novos núcleos familiares derivados das inovações tecnológicas proporcionaram uma série de evoluções em técnicas de reprodução, como exemplo, a inseminação artificial, a doação de óvulos e sêmen, entre outros.

A evolução da sociedade decorrente da urbanização, industrialização, moldaram novas formas de valores, refletindo no aspecto familiar, promovendo na atualidade variados tipos de filiação.

De acordo com Pereira (2007, p. 92), a nova tipificação de modelo familiar é mais adequada às novas realidades sociológicas, por ser mais autêntico e mais igualitário, possuindo caráter menos opressor e dessa forma, menos formal.

Os modelos familiares se estabelecem pela filiação. De acordo com Falavigna e Costa (2003, p. 208), os moldes são três, respectivamente: pelo matrimônio pela presunção pater iset (filiação formal); pelo vínculo biológico; e pela filiação socioafetiva formada pelo critério sociológico.

O art. 1597 do Código Civil de 2002 trata da técnica de reprodução assistida, nos incisos III, IV e V. Ressaltando se os filhos provenientes de fecundação artificial homóloga, ainda que falecido o marido; os havidos a qualquer tempo, em se tratando de embriões excedentários de concepção artificial do tipo homóloga; e os de inseminação artificial heteróloga, desde que com autorização do marido.

A filiação socioafetiva, de acordo com Falavigna e Costa (2003, p. 216), é dirimida por condições estabelecidas como a ostentação do nome dos pais socioafetivos, o vínculo de criação e ser educado no seio familiar como filho pelos pais e ser reconhecido no meio social dessa forma, como filho.

Dessa forma, o princípio da igualdade de filiação veio para modificar as relações discriminatórias. Segundo Lôbo (2011, p. 217-8), o princípio da igualdade na filiação veio para reprimir qualquer interpretação que se refira a desigualdade de tratamento aos filhos, acarretando a extinção dos traços diferenciadores nas relações no que concerne aos laços de parentesco.

Os movimentos societários da época trouxeram um novo modelo de instituição familiar, neste sentido, Pereira (1997, p. 15-6), os movimentos societários e os costumes contribuíram para que fossem então incorporados a atual Constituição Federal de 1988, passando então a permear novos moldes familiares não decorrentes do casamento.

A Constituição brasileira de 1824, outorgada por D. Pedro I, apenas se referia a família imperial. Pereira (1997, p. 15-6) complementa ainda, que a primeira Constituição da República de 1891, não se dedicou especialmente a família, apenas ao casamento civil. A segunda Constituição da República de 1934 preocupou-se com a família, onde estabeleciam se regras de casamento, até então, indissolúveis. As demais constituições adiante se pautaram no mesmo sentido que a de 1934, estabelecendo regras do casamento.

Em detrimento de o direito subjetivo de família ser funcionalista, deve-se haver uma obrigação de direito-dever. De acordo com Dias (2011, p. 37), o titular deve exercê-lo, não concedendo só direitos, e sim também deveres.

3.2 Os embriões excedentários e a filiação post mortem

A inseminação do tipo homóloga consiste na manipulação de gametas da mulher e do homem, permitindo uma possível fecundação. No que concerne aos embriões excedentários preceitua Lôbo (2011, p. 223):

“Apenas é admitida a concepção de embriões excedentários se estes derivarem de fecundação homóloga, ou seja, de gametas da mãe e do pai, sejam casados ou companheiros de união estável. Por conseqüência, está proibida a utilização de embrião excedentário por homem e mulher que não sejam os pais genéticos ou por outra mulher titular de entidade monoparental.”

A I Jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal de 2002, enunciado n° 107, contempla que ao termino da sociedade conjugal , segundo a regra do art. 1.597, IV do Código Civil, somente haverá uma forma de aplicação se houver autorização prévia expressa dos ex cônjuges para a devida utilização dos embriões excedentários, apenas possuindo o fulcro de ser revogada até o início da implementação[5].

A paternidade presumida do marido falecido citada por Lôbo (2011, p. 222) é tratada na I Jornada de Direito Civil, do Conselho Federal de 2002 e assevera ainda que para que se institua a paternidade presumida do marido falecido, a mulher deve na condição de viúva, ao se submeter ao método de inseminação artificial, ter autorização prévia e expressa do marido para que possa utilizar seu material genético após sua morte. O sêmen para ser utilizado deve está submetido a uma expressa vontade do marido para que possa utilizar seu material genético para fins de inseminação artificial.

3.3 Posicionamento da doutrina

Dentro do ponto de vista da moralidade da Igreja Católica, a respeito da reprodução humana, considera-se como procriação responsável aquela que advém do matrimônio, ou seja, resultado do contato sexual entre cônjuges.

Numa concepção positivista, assevera Diniz (2009, p. 550) ao indagar quanto a inseminação post mortem poder pretender o nascimento de órfão e que não se deve ter a presunção de paternidade desses filhos concebidos após a morte do marido (convivente), visto que, o casamento se extingue com a morte. A mesma assevera ainda que se quer poderia conferir direitos sucessórios a esses filhos, já que não foi gerado na ocasião de morte do pai genético. Seria possível se por via testamentária herdeiro, se inequívoca for a vontade do doador genético fundado em testamento.

Segundo Carbonera (apud FALAVIGNA e COSTA, p. 214).

“O Direito não deve decidir de que forma a família deverá ser constituída ou quais serão suas motivações juridicamente relevantes. Em se tratando de relações familiares, seu campo de atuação deve se limitar ao controle de observação dos princípios orientadores, deixando às pessoas a liberdade quanto à formação e condução das relações.”

A inseminação artificial gera um o direito a procriação, segundo Pereira (2007, p. 88), a mesma atua como um auxílio de extrema importância para os casais sem filhos impossibilitados de gerarem sua prole. Contribuindo assim a ciência para um avanço no ramo da medicina reprodutiva ao permitir o direito de procriação.

No que concerne aos materiais preservados nos bancos de sêmen, eles são de propriedade daquele que o produziu, podendo requerer dessa forma, a sua inutilização em qualquer instante. Requerer tal ato equivaleria a uma invalidação do fato praticado e, portanto, da autorização do depósito. Do mesmo modo, o manuseio do material em técnicas de inseminação estaria sujeito, assim, à autorização prévia e expressa, respeitando-se ao direito inerente que cada um possui de decidir sobre ser pai ou não.

Destarte, surge o seguinte questionamento: o que diferencia um filho gerado após o falecimento do pater, haja vista, que houve o consentimento de forma expressa deste, por meio de ato legítimo, na preservação de seu material genético para o uso após a sua morte?

Tal questionamento surge por restar evidente, na Constituição Federal, a consagração da igualdade entre os filhos, independente da situação jurídica dos pais. Por tal motivo, não é concebível que haja, em nosso ordenamento, qualquer limitação, pela lei, aos direitos dos filhos gerados pela fecundação post mortem.

Colacionando a respeito do tema, Dias (2011, p. 123), afirma:

“Na concepção homóloga (grifo do autor), não se pode simplesmente reconhecer que a morte opere a revogação do consentimento e impõe a destruição do material genético que se encontra armazenado. O projeto parental iniciou-se durante a vida, o que legaliza e legitima a inseminação post mortem. A norma constitucional que consagra a igualdade de filiação não traz qualquer exceção. Assim, presume-se a paternidade do filho biológico concebido depois do falecimento de um dos genitores. Ao nascer, ocupa a primeira classe dos herdeiros necessários. (Grifo nosso).”

“Neste sentido, a resolução nº 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina traz, em seu item V, o seguinte teor: "no momento da criopreservação, os cônjuges ou companheiros devem expressar sua vontade, por escrito, quanto ao destino que será dado aos pré-embriões criopreservados, em caso de divórcio, doenças graves ou de falecimento de um deles ou de ambos, e quando desejam doá-los.”

Dessa forma, há de se entender que a esposa poderá dar alguma destinação ao sêmen até então criopreservado do cônjuge ou convivente já falecido, desde que haja anuência expressa deste autorizando que haja a fertilização.

Além disso, o direito à procriação caracteriza-se por ser um direito fundamental, devendo a decisão tomada pelo casal ser livre de qualquer empecilho. Dessa forma, por exemplo, uma viúva cujo falecido marido deixou depositado o material genético para que fosse gerado um filho, não pode ter esse direito negado, pois sua decisão deve ser respeitada, principalmente se este deixou declaração expressa e legítima neste sentido.

O Código Civil, em seu art. 1.565, § 2º, assegura que o planejamento familiar é de livre decisão do casal, sendo dessa forma, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas, motivo pelo qual não pode haver interferência pela lei na vida privada dos cônjuges ou conviventes.

Defendendo o livre planejamento familiar do casal, Freitas[6] (2008), alude que:

A nossa Carta Magna em seu art. 226, §7º, defende a livre decisão do casal quanto ao planejamento familiar, vedando qualquer minoração deste direito, por quem quer que seja, e, se houver, estará atacando os princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável.

A vontade do doador (cônjuge ou companheiro) na reprodução assistida sempre será expressa por força da Resolução 1.358/92 do Conselho Federal de Medicina, sem que, necessariamente, haja o doador realizado um testamento, por isto, é importante prever uma solução para o caso concreto de haver material genético para reprodução assistida sem testamento indicando a prole futura.

Havendo clara vontade do casal em gerar o fruto deste amor não pode haver restrição sucessória alguma, quando no viés parental a lei tutela esta prática biotecnológica.”

Ao art. 1.597, III, do Código Civil, declara que se presumem se concebidos na constância do casamento os filhos havidos por fecundação artificial homóloga, mesmo que falecido o marido. A inseminação post mortem faz parte da reprodução homóloga, e por tal motivo, não deveria haver controvérsias a respeito, logo que a criança gerada através dessa técnica tem direito à presunção da filiação, como se fosse concebida na constância de um casamento.

Alguns doutrinadores entendem que deve ser aplicado não somente ao matrimônio, mas também à união estável, dessa forma preceitua Diniz (2009, p. 549)

“A coleta do material e sua utilização dependerá de anuência expressa dos interessados, ligados pelo matrimônio ou união estável, uma vez que têm propriedade das partes destacadas de seu corpo, como sêmen e óvulo; logo, deverão estar vivos, por ocasião da inseminação, manifestando sua vontade, após prévio esclarecimento do processo a que se submeterão, conscientes da responsabilidade assumida pela criação e educação do filho”. (Grifo nosso).

No que concerne a I Jornada do Conselho da Justiça Federal de 2002, enunciado n° 106, quanto a paternidade[7] do marido falecido tem-se que:

“Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte. (Grifo nosso)”.

Destarte, tendo em vista a multiplicidade de entidades familiares presentes, hodiernamente, no ordenamento jurídico brasileiro, no qual assegura a plena liberdade do casal de planejar a geração dos filhos, é plenamente aceitável a existência da fecundação post mortem, estando resguardados todos os direitos civis e sucessórios à criança gerada, uma vez que haja autorização expressa desse desejo pelo doador do material genético, tal como foi interpretado no enunciado da Jornada de Direito Civil supra transcrito.

Essa autorização do consorte ou convivente deve ser dotada de alto valor normativo e imperativo, tendo em vista que o direito do reconhecimento à filiação deve incidir, igualmente, sob os filhos gerados por meio da técnica da inseminação homóloga post mortem.

Enfim, a Constituição Federal de 1988 é nítida ao destacar o tratamento igualitário que se deve conceder aos filhos de um casal, não sendo lícito mitigar ou negar os seus direitos sucessórios, principalmente por terem sido frutos de um desejo recíproco e expresso de seus progenitores. Não seria cabível, portanto, que um infortúnio da vida afastasse essa possibilidade de reprodução do sentimento do parceiro sobrevivente, razão pela qual se defende essa técnica de concepção.

4 FILHOS E HERDEIROS POST MORTEM?

A questão de herança repercute em uma situação atípica, há de se analisar a capacidade de herdar pela falta de regulamentação específica de lei. O art. 1.799 do Código Civil de 2002 preceitua que podem ser chamados a suceder: os filhos ainda não concebidos de pessoas indicadas pelo testador, desde que vivas ao abrir-se a sucessão; as pessoas jurídicas que sejam instituídas pelo testador na forma de fundação.

Dessa forma, há de analisar ser possível o individuo gerado por reprodução post mortem herdar, desde que esteja de forma expressa, em testamento, a indicação de quem será sua progenitora.

 O princípio da igualdade de filiação veda a discriminação quanto a criança, consagrando que os filhos são considerados todos iguais. O direito de herdar será o mesmo para todos os filhos, prevalecendo a igualdade, não podendo tolher os direitos do filho concebido post mortem.

A problemática sobre a possibilidade de herdar se controverte pela inexistência de norma regulamentadora específica sobre o direito sucessório, mas pelos preceitos de igualdade de filiação se vêm o alcance sucessório dos filhos gerados post mortem.

A proteção desses direitos ainda vai mais além, ao se buscar no texto maior, demais princípios que se enlaçam a busca inerente ao Direito sucessório. Trata-se de não tolher esses direitos, devendo levar a base principiológica assegurada pela atual Constituição da República, onde em seu regramento pátrio prega a igualdade.

Nesse diapasão, considera-se filho, aquele nascido a qualquer tempo, resguardado os seus direitos desde a concepção. Assegurados pelo Código Civil em seu art. 2° a tutela protetiva inerente ao nascituro. A transmissão da herança se verifica no momento da morte, onde o princípio de saisine consagra a transmissão de forma integral do seu patrimônio aos seus herdeiros, contemplando os herdeiros legítimos e testamentários.

Numa visão positivista e avessa, assevera Diniz (2009, p. 550) : “ Filho póstumo não possui legitimação para suceder, visto que foi concebido após o óbito de seu “pai” genético e por isso é afastado da sucessão legítima ou ab intestato.” A possibilidade de não contemplar um filho póstumo, em detrimento de falta de norma regulamentadora, cercearia seu direito de herança, visto que, violaria princípios constitucionais, tais quais: o da isonomia e o da igualdade de filiação.

No que tange ao posicionamento do tempo estabelecido pelo legislador, elabora-se o prazo para ser concebido de até dois anos a contar da data de abertura da sucessão para ser concebido herdeiro, é o que se extrai do art. 1.800, §4°. Analisar-se-á Súmula n°149 em consonância com o art. 205 do CC, que impõe a incidência do prazo prescricional de dez anos para se arguir petição de herança.Nesse diapasão, ao ser considerado herdeiro, deve-se ingressar com a devida ação no prazo decenal, sob pena de prescrição do direito de herança. A grande problemática continua ao tentar estabelecer o tipo de sucessão que se sujeitará o filho concebido após a morte, há de se compreender que o s filhos nascidos pela inseminação artificial post mortem são herdeiros legítimos, com fulcro no princípio constitucional da igualdade de filiação.

4.1 As implicações no direito sucessório

A abertura da sucessão é consagrada pelo art. 1.784 do Código Civil: “aberta a sucessão, a herança transmite-se, desde logo, aos herdeiros legítimos e testamentários”.

O princípio de saisine preconiza que a sucessão não ocorre entre pessoas vivas, mas que apenas no momento da morte é que o testador transfere seu patrimônio como um todo. Como consequência desse princípio, no momento da abertura da sucessão, a herança do falecido é transmitida aos herdeiros legítimos e testamentários imediata e automaticamente, independentemente de qualquer formalidade.

O art. 1.798 do citado diploma é claro ao mencionar que "legitimam-se a suceder as pessoas nascidas ou já concebidas no momento da abertura da sucessão”, o que, em tese, afastaria a criança nascida após a morte do autor da herança, através de inseminação artificial, da participação na sucessão, tendo em vista que, teoricamente, apenas as pessoas físicas, ainda que não nascidas, mas já concebidas, teriam capacidade para suceder como herdeiros legítimos.

Observando-se a dicção dos mencionados artigos, percebe-se que não há previsão legal da técnica conceptiva post mortem, uma vez que nessa espécie, há tão somente o material genético de um dos pais biológicos, devidamente criopreservado em laboratório para uma possível e futura fertilização. 

Contudo, ao prever a legislação civil a chamada sucessão testamentária, em seu art. 1.799, amplia o rol de legitimados a suceder. Através do testamento, podem-se instituir outros beneficiários da herança: pessoas sequer concebidas, pessoas jurídicas e até mesmo pessoas jurídicas ainda não constituídas, para tornarem-se fundação.

Assim, pela leitura do citado artigo, percebe-se que não apenas à pessoa nascida e o nascituro tem garantia ao direito sucessório. Conforme o disposto, a pessoa ainda não concebida possui legitimidade para ser herdeiro testamentário, ou seja, a chamada prole ou filiação eventual. Portanto, para que seja herdeiro aquele antes da concepção, o testador deve indicar a pessoa cujo filho quer contemplar.

 Sobre o assunto, Dias (2011, p. 33), preceitua:

“A determinação de que se interprete as cláusulas testamentárias (grifo do autor) buscando identificar o desejo do testador nada mais é do que lhe assegurar as garantias constitucionais mesmo após a morte. Porém, há que se relativizar a garantia de respeito á última manifestação de vontade. Justifica-se a restrição á liberdade de testar do titular do direito de propriedade para assegurar a preservação de sua família. Daí a instituição dos herdeiros necessários (grifo do autor), que limita á metade a disponibilidade do titular do patrimônio”.

4.2 Regramento pátrio e soluções

Passando-se à análise jurídica, na vigência do Código Civil de 1916, o art. 338 trazia uma presunção de paternidade (Pater is est), prevendo situações nas quais o cônjuge será presumidamente declarado pai. Neste, presumiam-se concebidos na constância do casamento os filhos nascidos 180 dias, pelo menos, depois de estabelecida a convivência conjugal, e os nascidos dentro dos 300 dias subsequentes à dissolução da sociedade conjugal por morte, desquite ou anulação.

É possível realizar a inseminação post mortem sem ter reflexos quanto á à filiação, se a concepção já tiver ocorrido no momento da morte do genitor ou acontecido posteriormente, nascendo a criança nos 300 dias subsequentes à morte, enquadrando-se, assim, no inciso II do mencionado artigo.

Quanto à inseminação homologa post mortem, não há problemas quanto à declaração da filiação, visto que, o inciso III do art. 1.597 presume filho do marido morto a criança concebida por meio desse método, além da facilidade de se provar a relação de parentesco neste caso. Alguns doutrinadores tratam da ausência de norma regulamentadora específica ao tratar-se de reprodução assistida.

 Neste sentido, Venosa (2005, p. 256) :

“(…) advirta-se, de plano, que o Código de 2002 não autoriza nem regulamenta a reprodução assistida, mas apenas constata lacunosamente a existência da problemática e procura dar solução ao aspecto da paternidade. Toda essa matéria, que é cada vez mais ampla e complexa, deve ser regulada por lei específica, por um estatuto ou microssistema.”

A inseminação homóloga, por si só, não deveria gerar grandes discussões em relação à filiação, por estar tutelada pelo art. 1.597, III e IV, do Código Civil, que assegura a filiação da criança gerada, independente da data do nascimento. Contudo, há amplos debates doutrinários acerca da inseminação artificial post mortem, principalmente em virtude das suas implicações no campo sucessório.

No que concerne ao direito de herança, questiona-se, sobretudo, a capacidade de sucessão da criança nascida por meio dessa técnica de reprodução assistida, haja vista, que ela será concebida em momento posterior à morte do genitor.

Quanto ao embrião fecundado, não há dúvidas quanto ao fato de serem gerados por meios de técnicas de reprodução, sendo classificados como os demais filhos, sem nenhum critério de descriminação.

 A problemática surge quanto à capacidade sucessória do embrião conservado fora do útero, uma vez que, o mesmo não é considerado nascituro, embora tenha proteção. Em nosso entendimento, quanto a possibilidade desse embrião vim ser implantado e contemplar a possibilidade de ser herdeiro, desde que haja expressa vontade do testador e a indicação da mãe (genitora).

A I jornada de Direito Civil do Conselho da Justiça Federal[8] 2002, Enunciado n° 106, assegura semelhante pensamento, neste sentido:

“Para que seja presumida a paternidade do marido falecido, será obrigatório que a mulher, ao se submeter a uma das técnicas de reprodução assistida com o material genético do falecido, esteja na condição de viúva, sendo obrigatório, ainda, que haja autorização escrita do marido para que se utilize seu material genético após sua morte." (Grifo nosso)”

Sendo o filho gerado post mortem por inseminação homóloga, a não consideração do mesmo como herdeiro, contemplaria a violação de direitos inerentes e fundamentados na Constituição Federal, como o princípio da isonomia, entre outros elencados na legislação pátria.

Dessa forma, não se pode distinguir ou discriminar um filho concebido post mortem, tendo em vista, seu direito de herdeiro ser protegido por princípios que contemplam a igualdade de filiação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

No que concerne ao tema apresentado, os novos métodos de concepção contribuíram para solucionar divergências de questões no âmbito do Direito, repercutindo na doutrina de modo a contemplar dissensões no campo da sucessão do filho concebido post mortem.

A legislação vigente é pouco avançada ao tratar do Direito Sucessório de um filho concebido após a morte, o que gera uma insegurança jurídica que se respalda em princípios inerentes ao Direito para dirimir tais conflitos.

A igualdade de filiação preconiza o tratamento isonômico a todos os filhos, bem como a dignidade da pessoa humana que veda qualquer discriminação, devendo todos serem tratados de modo igualitário, sendo defeso qualquer limitação ao filho concebido post mortem.

A filiação contemporânea moldou um novo modelo de família sendo resultado de inovações das relações humanas pautadas ainda mais pela modernidade e autenticidade, por serem menos opressoras, instituíram uma expressão sociológica com fulcro na evolução da sociedade.

O ponto relevante do presente artigo diz respeito ao reconhecimento da capacidade de herdar na condição de filho post mortem. A questão se contrapõe e passa a ser dirimida por princípios, sendo defeso qualquer discriminação ao herdeiro post mortem, sendo ocupante da classe de herdeiros legítimos.

Conceituam-se interpretações doutrinárias, baseadas no enlace do princípio da igualdade de filiação corroborado com a integração de outros demais constitucionais inerentes que permeiam o direito de sucessão do herdeiro post mortem.

Conclui-se que a progressão do Direito não acompanha as aceleradas relações humanas, que cada vez se encontram mais complexas, tornando a legislação muitas vezes ultrapassada e desraigada de solução, haja vista, a falta de norma regulamentadora específica.

Por fim, sustentamos que o filho concebido após a morte deve ter todos os seus direitos protegidos tanto no campo sucessório quanto no âmbito do direito de família. Sendo contemplado ao nascer, como herdeiro legítimo, baseado no princípio constitucional da igualdade de filiação.

 

Referências
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_____. Código Civil de 2002 (CC) Saraiva e Constituição Federal. 36. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
COSTA, Edna Maria Farah Hervey; FALAVIGNA, Maria Clara Osana Diaz. Teoria e prática do direito de família. 1 ed. São Paulo: Bestbook, 2003.
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DIAS, Maria Berenice. Manual das Sucessões. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2011.
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DINIZ. Maria Helena. O estado atual do biodireito. 6. ed. São Paulo: Saraiva, 2009.
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Sítios:
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­­­­­­­­­­­_____. MATÉRIA DO PROGRAMA FANTÁSTICORede Globo de Televisão. Exibido em 25 de abril de 2010. Disponível em: <http://www.fantastico.globo.com>. Acesso em: 04 abr. 2012.
LÔBO, Paulo Luiz Netto. Constitucionalização do Direito Civil. Jus Navigandi, Teresina, ano 4. N. 33, 1 jul. 1999. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/507/constitucionalizacao-do-direito-civil>. Acesso em 16 Jul. 2012.
 

Notas:

* Artigo orientado pelo Prof. Henrique Batista Araújo neto, Docente do Curso de Direito do UNI/RN. Mestre em Direito pela UFRN 

[1] Lôbo, Paulo Luiz Netto. Artigo Constitucionalização do Direito Civil. Disponível em: <http://jus.com.br/revista/texto/507/constitucionalizacao-do-direito-civil>. Acesso em 16 Jul. 2012;
[2] Ibidem.
[3] A sigla GIFT significa Transferência Intratubária de gametas.
[4] A sigla ZIFT significa Transferência intratubária do zigoto.
[5] Disponível em:< http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/dowload.wsp?tmp.arquivo=1296>. Acesso em: 17 Jul. 2012.
[6] FREITAS, Douglas Philllips. Artigo reprodução assistida após a morte e o direito de herança. Disponível em: <http://www.ibdfam.org.br/?artigos&artigo=423>. Acesso em: 04 abr. 2012. 
[7] Disponível em:< http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/dowload.wsp?tmp.arquivo=1296>.Acesso em: 17 Jul. 2012.
[8] Disponível em: http://columbo2.cjf.jus.br/portal/publicacao/dowload.wsp?tmp.arquivo=1296. Acesso em: 17 Jul.2012. 

Informações Sobre o Autor

Gabriella Nogueira Tomaz da Silveira


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