Ante a proteção constitucional e o caráter alimentar dos vencimentos, salários e subsídios, a legislação não admite sua penhora, arresto ou seqüestro (arts. 649, IV, 821 e 823, CPC). Nas relações de emprego, tem-se o princípio da intangibilidade salarial.[1]
A preocupação do constituinte com a subsistência do servidor fizeram com que os créditos de natureza alimentar fossem excluídos do sistema geral de pagamento dos créditos contra a fazenda pública – sistema de precatórios, assim considerados aqueles decorrentes de salários, vencimentos, proventos, pensões e suas complementações, benefícios previdenciários e indenizações por morte ou invalidez, fundadas na responsabilidade civil, em virtude de sentença transitada em julgado (art. 100, § 1º-A, CF).
O subsídio não foi previsto expressamente pelo constituinte no § 1º-A do art. 100, mas, considerando a sua natureza remuneratória e alimentar, não há motivos para que créditos dele decorrentes também não sejam postos fora do sistema de precatório geral.
Também é absolutamente impenhorável a quantia depositada em caderneta de poupança até o limite de 40 salários-mínimos (art. 649, X).
Dentro do sistema de proteção, o art. 114, Lei nº 8213/91, prevê que o benefício previdenciário, exceto quanto a valor devido à Previdência Social, a descontos autorizados por lei e derivados da obrigação de prestar alimentos reconhecida em sentença judicial, “não pode ser objeto de penhora, arresto ou seqüestro, sendo nula de pleno Direito a sua venda ou cessão, ou a constituição de qualquer ônus sobre ele, bem como a outorga de poderes irrevogáveis ou em causa própria para o seu recebimento.”
O próprio legislador excepcionou a regra do Código de Processo Civil, ao admitir a penhora no caso de pagamento de prestação de natureza alimentícia (art. 649, § 1º, CPC, com redação da Lei nº 11.382/06).
Poderá também sofrer seqüestro ou perdimento de bens o servidor que pratique crime que resulte em prejuízo para a Fazenda Pública ou que promova seu enriquecimento ilícito (arts. 16 a 18, Lei nº 8.429/92).
Podem ser penhorados, à falta de outros bens, os frutos e rendimentos dos bens inalienáveis, salvo se destinados à satisfação de prestação alimentícia (art. 650, CPC, com a nova redação dada pela Lei nº 11.382/06).
Acrescente-se que tramita no Congresso Nacional o projeto de Lei da Câmara nº 51, de 2006 (nº 4.497, de 2004, na Casa de Origem), que promove alteração no CPC para que se permita a penhora de salários para pagar dívidas. Pelo projeto, 40% do valor que passar de 20 salários-mínimos do rendimento mensal do devedor poderão ser bloqueados para o acerto de contas. Nesse caso, uma pessoa inadimplente com renda de R$ 10 mil, por exemplo, tem garantido R$ 7 mil, mas 40% dos R$ 3 mil restantes vão automaticamente para quitar a dívida, ou seja, R$ 1,2 mil.
O entendimento jurisprudencial dominante é no sentido de que a proteção salarial é absoluta, não admitindo exceções, além das hipóteses expressamente previstas em lei.
“PROVENTOS DE APOSENTADORIA. IMPENHORABILIDADE ABSOLUTA. Nos termos do art. 649, inciso IV, do CPC, de aplicação subsidiária à esfera trabalhista, consoante o art. 769/CLT, são absolutamente impenhoráveis os vencimentos, subsídios, soldos, salários, proventos de aposentadoria, pensões, pecúlios e montepios; as quantias recebidas por liberalidade de terceiro e destinadas ao sustento do devedor e sua família, os ganhos de trabalhador autônomo e os honorários de profissional liberal. A impenhorabilidade absoluta dos bens enumerados no art. 649 do CPC é norma de ordem pública, não subsistindo a penhora sobre valores que decorrem de remuneração, salário, aposentadoria ou pensão paga a qualquer título, pois provisão de subsistência do seu beneficiário. Ademais, a pretensão do exeqüente encontra óbice nos termos do artigo 114 da Lei 8213/91, in verbis: ‘o benefício não pode ser objeto de penhora, arresto ou seqüestro, sendo nula de pleno Direito a sua venda ou cessão, ou a constituição de qualquer ônus sobre ele, bem como a outorga de poderes irrevogáveis ou em causa própria para o seu recebimento’. Recurso a que se nega provimento” (TRT – 3ª R – 4ª T – Proc. nº 00746.1995.032.03.00.1 – Rel. Júlio Bernardo do Carmo – DJMG 12/10/2007 – p. 14).
Independentemente de alterações legais, no curso da execução trabalhista, é possível da penhora parcial do salário, vencimentos, aposentadoria e pensão em situações excepcionais, como ocorre quando o mesmo é do empregador ou dos sócios da empresa que deixou de cumprir as obrigações trabalhistas e não existem outros bens a serem penhorados.
Justificam a nossa posição os preceitos constitucionais de valorização do trabalho humano, bem como a natureza alimentar do crédito e sua abrangência definida no art. 100-A, § 1º-A, da CF, a efetividade das decisões judiciais, o princípio da razoabilidade e a responsabilidade dos sócios pelo cumprimento da obrigação trabalhista (art. 50, CC).
A restrição legal de impenhorabilidade não pode ser vista de forma absoluta dentro do sistema jurídico. Não se pode admitir a prevalência de um bem jurídico protegido pelo sistema normativo sobre outro bem jurídico também protegido pelo sistema.
Contudo, essa posição doutrinária não há de ser vista como regra geral e sim de acordo com o caso concreto, aplicando-se o princípio da proporcionalidade: “Indiscutível a necessidade de se respeitar à dignidade da pessoa humana do executado, mas do outro lado, o do credor, há uma pessoa, que também precisa se sustentar e aos seus, que tem sua dignidade, e que, para mantê-la, vê-la respeitada, necessita e tem o direito de receber o que já foi reconhecido judicialmente como lhe sendo devido, e mais: uma pessoa à qual não pode ser jogado o peso de uma iniciativa empresarial que não logrou êxito, porquanto, claro é, se todos podem tentar vencer na vida, os escolhos que então se apresentarem, não podem ser contornados, colocando-se os mesmos no caminho de quem, útil quando se tentou uma atividade empresarial, incomoda quando o prosseguimento da mesma não se afigurou mais como possível, isso me parece óbvio!
Sinto que essa tela não pode receber cores de aprovação da Justiça do Trabalho, o que caminharia para a própria negação de sua razão de ser, e para obstar seja emoldurada, repoduzindo a triste cena de um trabalhador desesperado, que teve seus direitos reconhecidos, mas frustrados por ulterior falta de quitação, pelos motivos aqui expostos, com seus filhos, chorando, esfomeados, e sua mulher, amargurada, decepcionada e já sem forças, há de ser aplicado o princípio da proporcionalidade, por meio do qual, sem agredir o artigo 649, IV, do Estatuto processual, dar-se-á resposta ao direito e à necessidade do credor/trabalhador/certamente desempregado.”[2]
A penhora parcial do salário deve observar o quantum recebido mensalmente e o valor devido podendo, inclusive, ser fixada em prestações mensais, até a devida satisfação do crédito trabalhista que esteja sendo executado.
Nesse sentido, temos algumas decisões dos Tribunais Regionais do Trabalho:
“PENHORA EM SALÁRIO. PAGAMENTO DE DÍVIDA TRABALHISTA. ART. 649, IV, DO CPC. Quando o art. 649, IV, do CPC, determina a impenhorabilidade dos salários, faz a ressalva quanto ao pagamento de prestação alimentícia. A interpretação da expressão ‘prestação alimentícia’ deve ser buscada no art. 100, § 1º-A, da Constituição Federal. Assim, e em face dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, é passível de penhora os salários do executado quando a dívida se refere ao pagamento de títulos trabalhistas, no limite de 15% do valor salarial percebido pelo executado, mensalmente, até a integral satisfação do crédito exeqüendo” (TRT – 3ª R – 3ª T – Proc. nº 00634.2002.022.03.00.3 – Rel. César Pereira da Silva Machado Júnior – DJMG 24/6/2006 – p. 8).
“MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA. CONTA-SALÁRIO. Embora o art. 649, IV, do CPC verse acerca da ilegalidade da penhora salarial, este Relator entende que a imunidade versada no dispositivo civil adjetivo não pode ter aplicação ampla irrestrita em sede trabalhista, por uma só razão: se de natureza alimentícia se reveste o salário do executado, esta é também e exatamente a qualidade inerente ao crédito exeqüendo. Creio, ademais, que tão-logo transferida à entidade bancária a remuneração perde sua intangibilidade, deixa de se revestir de tais honras, passando a configurar numerário comum, sujeito a gravame, cf. Precedente 60, da SDI-2/TST. Ademais, a impenhorabilidade não é regra absoluta, devendo ser examinado individualmente cada caso. Invocando a sabedoria popular ‘sempre pertinente –, de que não se pode despir um santo para vestir outro, limito a 50% do saldo a ordem de penhora da conta-salário’” (TRT – 3ª R – SDI – MS nº 00461.2005.000.03.00.9 – Rel. Fernando Antonio Veigas Peixoto – DJMG 15/7/2005 – p. 6).
“EXECUÇÃO TRABALHISTA. PENHORA DE SALÁRIO. PERCENTUAL. O bloqueio judicial de 20% do salário da Executada para o pagamento de débitos trabalhistas não viola o princípio da dignidade da pessoa humana, pois visa resguardar as condições de sustento e sobrevivência do Exeqüente, possuindo também natureza alimentícia. Ademais, esta Egrégia Turma vem decidindo no sentido de que a penhora referente a 30% do salário está em consonância com as disposições legais e constitucionais que regem a matéria. Recurso a que se nega provimento” (TRT – 10ª R – 1ª T – AP nº 01317-1998-018-10-00-0 – Rel. Oswaldo Florêncio Neme Junior – J. 13/9/2006).
“MANDADO DE SEGURANÇA. PENHORA DE SALÁRIO EXISTENTE EM CONTA-CORRENTE BANCÁRIA. POSSIBILIDADE A EGR – 2. Seção Especializada desde Regional firmou posicionamento no sentido de que a penhora mensal de parcela até 30% do salário do Executado, respeitado o limite do valor da execução, não configura ofensa ao inciso IV do artigo 649 do CPC. Tal entendimento se assenta no fato da penhora realizada nessas circunstâncias visar o pagamento de parcela de mesma natureza daquela penhorada, qual seja: Salário. Além disso, a incidência da penhora apenas sobre pequeno percentual do salário do devedor, preserva seu poder aquisitivo frente a suas necessidades básicas, bem como garante ao empregado credor a satisfação das mesmas necessidades vitais (Precedente – MS 00347-2005-000- 10-00-0 – Redator Designado Juiz Pedro Foltran – Julgado em 14.03.2006). Ordem denegada” (TRT –10ª R – 2ª SE – MS nº 00106-2006-000-10-00-2 – Relª Heloisa Pinto Marques – j. 4/7/2006).
“DESCONSIDERAÇÃO DA PERSONALIDADE JURÍDICA. PENHORA DE BENS DOS SÓCIOS. ESGOTAMENTO DOS MEIOS CONTRA A PESSOA JURÍDICA. PROCEDIMENTO. NÃO ENCONTRADOS BENS PERTENCENTES À PESSOA JURÍDICA, AUTORIZADA ESTÁ A CONSTRIÇÃO DO PATRIMÔNIO DOS SÓCIOS. O pedido do benefício de ordem formulado pelo sócio deve vir acompanhado do endereço e da indicação de bens da pessoa jurídica suficientes para o pagamento da dívida, do contrário, a alegação cai no vazio e não pode ser atendida. Sendo este o caso dos autos, não há como atender a pretensão da agravante. Penhora de salários para saldar dívida trabalhista. Possibilidade. Legalidade. A impenhorabilidade prevista no art. 649, IV, do CPC, cede na presença de débito de natureza alimentícia. Os créditos trabalhistas têm natureza alimentícia (art. 100. 1º-a, da CF), portanto, autorizada está a penhora de salários para saldá-los. A determinação de penhora de trinta por cento dos salários da executada para saldar dívida trabalhista está em consonância com as disposições legais que regem a espécie, não havendo falar em violação dos artigos 5º, II, LIV, LV, da CF e 649, IV, do CPC. Agravo conhecido e não provido” (TRT – 10ª R – 1ª T – AP nº 01185-1998-015-10-00-7 – Relª Cilene Ferreira Amaro Santos – j. 22/3/2006).
“Penhora de salários para saldar dívida trabalhista. Possibilidade. Legalidade. A impenhorabilidade prevista no artigo 649, IV, do CPC, cede na presença de débito de natureza alimentícia. Os créditos trabalhistas têm natureza alimentícia (artigo 100, § 1º-A, da CF), portanto, autorizada está a penhora de salários para saldá-los. A determinação da penhora de trinta por cento dos salários da executada para saldar dívida trabalhista está em consonância com as disposições legais que regem a espécie, não havendo falar em violação dos artigos 5º, II, LIV, LV, da CF e 649, IV, do CPC. Agravo conhecido e não provido” (TRT – 10ª R – 1ª T – AP nº 1002/2001.007.10.85-8 – Relª. Cilene Ferreira A. Santos – DJDFJ 2/12/2005 – p. 7).
“Salário. Impenhorabilidade. Possibilidade. A norma contida no art. 649, IV, do CPC, tem o condão de proteger o trabalhador, impedindo que se avilte o seu direito ao salário. Entretanto, a natureza prospectiva das normas permite ao julgador reavaliar seu entendimento para melhor adequação da norma frente ao contexto social. Não havendo dúvida sobre a natureza jurídica do crédito trabalhista, possível é a penhora de parcela do salário para pagamento de crédito trabalhista, desde que observado o respeito a um mínimo que garanta a subsistência do devedor. Recurso conhecido e ao qual se nega provimento” (TRT – 10ª R – 2ª T – Proc. nº 1400/1997.001.10.00-6 – Rel. Mário Macedo F. Caron – DJ 12/5/2006 – p. 23).
“Penhora sobre salário. Possibilidade. A impenhorabilidade absoluta dos salários prescrita no art. 649, IV, do CPC encontra exceção exclusivamente nas prestações alimentícias. Sendo incontestável o caráter alimentício do crédito do exeqüente, correto o enquadramento desse na exceção prevista na citada norma. Agravo de petição conhecido e desprovido” (TRT – 10ª R – 3ª T – Proc. nº 941/1998.018.10.00-0 – Rel. Braz Henriques de Oliveira – DJ 17/3/2006 – p. 27).
“Penhora em conta corrente destinada ao recebimento de aposentadoria. Crédito de natureza alimentar. Exceção à regra. A impenhorabilidade dos vencimentos e pensões dos servidores públicos é excepcionada pela própria lei quando o crédito for de natureza alimentar, neste incluído o decorrente de sentença trabalhista, como preconizado no § 1º-A do artigo 100 da Constituição da República” (TRT – 15ª R – 1ª T – Proc. nº 499.199.019.15.00-1 – Rel. Eduardo B. de O. Zanella – DJSP 6/5/2005 – p. 12).
A 3ª Turma do Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região, quando da análise de um caso concreto, determinou a penhora parcial dos subsídios recebidos por um vereador (Proc. nº 01931.2000.079.03.00.5 – Rel. Bolívar Viégas Peixoto – j. 17/5/2006 – DJMG 3/6/2006 – p. 9).
Informações Sobre os Autores
Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante
Advogado. Professor da Faculdade de Direito Mackenzie. Ex-coordenador do Curso de Direito da Faculdade Integrada Zona Oeste (FIZO). Ex-procurador chefe do Município de Mauá. Mestre em Direito Político e Econômico pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Mestre em Integração da América Latina pela Universidade de São Paulo (USP/PROLAM). Autor de várias obras jurídicas em co-autoria com Francisco Ferreira Jorge Neto, com destaques para: Direito do Trabalho (4ª ed., no prelo) e Direito Processual do Trabalho (3ª ed., 2007), todos pela Lumen Juris.
Francisco Ferreira Jorge Neto
Desembargador Federal do Trabalho (TRT 2ª Região). Coordenador e Professor da Pós-Graduação Lato Sensu do Pró-Ordem em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho em Santo André (SP). Professor Convidado: Curso de Pós-Graduação Lato Sensu da Escola Paulista de Direito. Mestre em Direito das Relações Sociais – Direito do Trabalho pela PUC/SP. Autor de livros, com destaques para: Direito do Trabalho (5ª edição) e Direito Processual do Trabalho (4ª edição), publicados pela Lumen Juris, em co-autoria com Jouberto de Quadros Pessoa Cavalcante