O dever de indenizar por mensagens ofensivas em grupo de aplicativos  

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Resumo: O presente artigo trata sobre questões relacionadas a forma de utilização dos aplicativos de trocas de mensagens. Será verificada a questão dos direitos da personalidade e o direito à honra, na era da internet, tendo em vista utilização de forma ofensivas e de exposição da vida íntima dos usuários. Tem como objetivo analisar quanto à responsabilidade civil daqueles que divulgam enviam mensagens de cunho vexatório causando sérios danos íntimos por comentários ofensivos. Neste sentido, será feita uma breve análise do entendimento jurisprudencial brasileiro.

 

Palavras-chave: Dano moral. Direitos de personalidade. Responsabilidade Civil. Ofensa à honra. Grupo de mensagens.

 

Abstract: This article examines issues related to the usage of messaging applications. The question of personality rights and the right to honor will be verified in the Internet Age, considering the use of offensive forms and exposure of user’s intimate lives. This work aims to analyze the civil liability of those who disclose sent messages of a vexing nature causing serious intimate damage for offensive comments. In this sense, a brief analysis of the Brazilian jurisprudential understanding will be made.

 

Keywords: Damage. Personality rights. Civil responsibility. Honor offense. Message group.

 

Sumário: Introdução. 1. Caracterização do dano moral no meio virtual. 1.1 Da tutela constitucional. 1.2 Da legislação infraconstitucional. 2. Dano moral em aplicativo de troca de mensagens. 3. Entendimento jurisprudencial do dever de indenizar por mensagens ofensivas em aplicativos. Conclusão. Referências.

 

Introdução:

 

Desde a virada do século, a partir do ano 2000, a humanidade experimenta   avanços tecnológicos exponenciais em todas as áreas do conhecimento. Em especial, no atípico biênio 2020/2021, a sociedade foi forçada a encarar um novo cotidiano em que as relações virtuais ganharam um espaço ainda maior dentro das interações e da intimidade de seus usuários.

De acordo com os professores Paulo Gonet e Gilmar Mendes[1] (2014, p. 403): “O ser humano se forma no contato com o seu semelhante, mostrando-se a liberdade de se comunicar como condição relevante para a própria higidez psicossocial da pessoa. O direito de se comunicar livremente conecta-se com a característica da sociabilidade, essencial ao ser humano”.

 

Com a utilização cada vez maior de plataformas e aplicativos, aliados à complexidade dos relacionamentos interpessoais, passam a surgir situações de desacordo. Além disso, devido à falsa aparência de anonimato, alguns usuários desavisados, começaram a se sentir à vontade para praticar atos ilícitos de uma forma que talvez não o fizessem se não estivessem no meio virtual.

 

Seguindo essa tendência, a internet se tornou palco de ofensas, xingamentos, criação de memes e outras atrocidades que objetivam ferir a honra, intimidade e dignidade de alguém, sob o falso sentimento do “anonimado virtual”.

 

Todavia, esse vasto alcance de propagação facilitado pelo ambiente cibernético finda, por vezes, confundindo-se com a fantasia de exercício absoluto do direito à liberdade de expressão, o que motiva alguns usuários, movidos pela falsa compreensão de estarem amparados legalmente por essa prerrogativa constitucional, a incorrerem em condutas ofensivas no ambiente das redes, por meio de suas mensagens, configurando violações a direitos personalíssimos e constitucionais, como a honra e a imagem das pessoas.

 

Quem ofende na internet acreditando estar protegido pelo anonimato ou pela ausência de meio físico, está completamente enganado. Cada vez mais tem sido fácil descobrir a identidade de alguém na internet, mesmo que o ofensor esteja utilizando-se de um perfil falso. Além do que, “print screen” certificado por ata notarial tem evidenciado os abusos e ofensas à personalidade e tem sido recebido pelo Poder Judiciário como prova de ato ilícito.

 

Certos termos e desabafos superam a liberdade de expressão e configuram efetivas ofensas à esfera moral quando proferidos em um ambiente coletivo como os grupos de mensagem de aplicativos virtuais.

 

Ultrapassados esses limites caberá indenização por dano moral? É sobre isso que o presente artigo discorrerá.

 

  1. Caracterização do dano moral no meio virtual

 

A partir do século XVIII, expande-se a ideia de que a humanidade tende a um movimento constante rumo a uma melhoria gradual da ciência, tecnologia, liberdades individuais e coletivas, democracia, qualidade de vida, entre outros.

 

Nesse contexto, crises sanitárias e humanitárias exigiram a quebra de paradigmas. Em 2020 tínhamos uma forma de comunicação, já agora em 2022 estamos nos relacionando em um ambiente totalmente virtual e paralelo.

 

Com isso, a convivência diuturna em ambiente virtual, emprega aos usuários uma distorção de total liberdade e, portanto, sugerindo que as condutas praticadas não teriam consequências legais, como em um verdadeiro jogo de vídeo game.

 

Nesse sentido, indaga-se: A falta de limitação territorial torna o ambiente virtual uma terra sem lei? A resposta que se pretende dar com o presente artigo é: Não.

 

Mesmo no virtual, as vidas, os “IPs” “I.P – Internet Protocol)” são reais. Por trás de um registro de usuário virtual, há um ser humano que possui direitos e deveres. Conforme será verificado, o Direito e os Tribunais têm acompanhado esses passos (ainda que não na mesma velocidade) e reconhecido as consequências da própria evolução humana. No que tange ao dano moral, o que se percebe é que a sua concretização independe do ambiente virtual ou físico e pode sim, ser configurado em ambientes que antes não faziam parte das relações jurisdicionadas.

 

O sofrimento pela violação à honra e à intimidade, a exposição do outro à uma situação vexatória, a ação difamatória, injuriosa ou caluniosa deve ter sua consequência jurídica e legal também em grupos de trocas de mensagens por aplicativos conectados à internet.

 

1.1. Da tutela constitucional

 

A honra e a imagem são protegidas pela Constituição Federal de 1988 e não há exceção em seu texto: “Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (…) X – São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.

 

Veja que a Constituição Federal de 1988 não garantiu proteção só aqueles bens jurídicos de natureza patrimonial como a propriedade, mas também direitos de personalidade como a intimidade, a honra, a vida privada e a imagem, sendo devida justa reparação em caso de dano.

 

Ainda, a liberdade de expressão representa um fundamento amparado pelo estado democrático de direito e deve ser garantido a todos de forma igualitária. Porém, esse fundamento não é um direito absoluto, devendo ser observado certos limites, para que não sejam afetadas a honra e a dignidade do outro.

 

A dignidade humana, assim, é direito de caráter constitucional intrínseco à personalidade e passível de reparação por danos. Desta forma, o direito brasileiro constitucional, dá guarida aquele que sofreu ofensa à sua honra.

 

O Professor Mauro Schiavi (1996 apud SCHIAVI, 2011, p. 64)[2], ao conceituar o dano moral, cita Caio Mario da Silva Pereira, para definir como: “ofensa a direitos de natureza extrapatrimonial – ofensas aos direitos integrantes da personalidade do indivíduo, como também ofensas à honra, ao decoro, à paz interior de cada um, às crenças intimas, aos sentimentos afetivos de qualquer espécie, à liberdade, à vida, à integridade.”.

 

Disto, já percebemos que não há qualquer diferenciação ou ausência de punibilidade para atos ilícitos que são cometidos a depender do ambiente.

 

Neste sentido, vale destacar que o rol descrito na Carta Magna é exemplificativo, uma vez que o objetivo é abranger de forma geral e total os direitos fundamentais de todos, conforme logo previsto no artigo 1º, inciso III.

 

Gustavo Tepedino (2004, p. 48) [3] defende: “Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental da erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das desigualdades sociais, juntamente com a previsão do parágrafo 2º do artigo 5º, no sentido de não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento”.

 

Portanto, conclui-se que sob o olhar constitucional, as ações tomadas na esfera cibernética e virtual, também estão passíveis de consequências. Ainda que o ofendido não esteja em frente ao ofensor, se a violência foi deferida em ambiente público e que feriu a honra ou intimidade da vítima, há violação a um direito constitucional que deverá ser reparado.

 

1.2. Da legislação infraconstitucional

 

Na mesma linha, o Código Civil, em seu artigo 186, definiu que: “Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.”. No artigo 927, foi determinado que está obrigado a reparar aquele que por ato ilícito causou danos a outrem. Já no art. 953 do mesmo diploma, o legislador também dispõe a obrigação de a indenizar aquele que causa danos pela prática dos crimes de injúria, difamação ou calúnia que estão previstos no art. 140 do Código Penal.

 

Novamente, o legislador, em nenhum dos diplomas, faz qualquer diferenciação em relação ao ambiente em que estes atos ilícitos, se cometidos, deverão ser reparados. Não há uma especificação, tampouco uma exceção.

 

Neste sentido, Rui Stocco (2004, p. 896)[4], sinaliza que, mesmo não havendo determinação expressa do Código Civil brasileiro, também não há, por outro lado, a liberdade irrestrita de ações no âmbito da internet: “Cabe ponderar. contudo, que o Código Civil não disciplinou especificadamente as relações informáticas, a World Wide Web e a Internet como veículo de troca de informações, publicidade e vendas, nem de modo específico e pontual, a responsabilidade nessa área. Não significa, contudo, que os atos ilícitos decorrentes da má utilização desse aparato fiquem impunes ou que o ofendido reste prejudicado ou irressarcido, pois o arsenal jurídico existente, contido no próprio Código Civil e no Código de Defesa do Consumidor, soluciona em parte. as questões daí surgidas.”.

 

Sob essa suposta ausência de legislação específica a respeito da responsabilização dos danos morais provocados através de mensagens, publicações ou comentários nos aplicativos e redes sociais, foi promulgada a Lei 12.965/14, mais conhecida como “Marco Civil da Internet” que também assegura os direitos de personalidade: “Art. 7º O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos: I – Inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;”.

 

Isto posto, cumpre destacar que a responsabilidade civil pode ser subjetiva ou objetiva. A objetiva independe de culpa e se caracteriza apenas pelo fato de o sujeito exercer um tipo determinado de atividade. Já a subjetiva depende do preenchimento de três requisitos: a culpa, o dano e o nexo causal. Portanto, nesta última, para que ocorra a reparação do dano causado à vítima, é necessário restar demonstrado a culpa do ofensor e o nexo de causalidade entre a conduta praticada e o dano perpetrado.

 

Ensina Sergio Cavalieri Filho (2005, p. 41)[5]: “Sendo o ato ilícito, conforme já assinalado, o conjunto de pressupostos da responsabilidade, quais seriam esses pressupostos na responsabilidade subjetiva? Há primeiramente um elemento formal, que é a violação de um dever jurídico mediante conduta voluntária; um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa; e, ainda, um elemento causal-material, que é o dano e a respectiva relação de causalidade. Esses três elementos, apresentados pela doutrina francesa como pressupostos da responsabilidade civil subjetiva, podem ser claramente identificados no art. 186 do Código Civil, mediante simples análise do seu texto, a saber: a) conduta culposa do agente, o que fica patente pela expressão “aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imperícia”; b) nexo causal, que vem expresso no verbo causar; e c) dano, revelado nas expressões “violar direito ou causar dano a outrem”. Portanto, a partir do momento em que alguém, mediante conduta culposa, viola direito de outrem e causa-lhe dano, está-se diante de um ato ilícito, e deste ato deflui o inexorável dever de indenizar, consoante o art. 927 do Código Civil.”.

 

Destarte, o que se verifica é que os danos morais, independentemente do meio em que são perpetrados, podem referir-se à aflição: a) dos aspectos mais íntimos da personalidade; e b) da valoração social do indivíduo no meio em que vive e atua. A primeira lesão reporta-se à honra subjetiva, a segunda à honra objetiva[6].

 

Nos autos do Recurso Especial nº 1.650.725[7] de Minas Gerais, em acórdão proferido pela Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, a Relatora, Ministra Nancy Andrighi, em verdadeira lição acadêmica, traz à baila a necessidade de se utilizar do Código Penal para aferição da responsabilidade Civil: “(…) honra subjetiva é atingida pelas condutas tipificadas como crime de injúria, sendo a honra objetiva vulnerada pelos atos capitulados como crimes de difamação ou calúnia. De fato, conforme o Direito Criminal, a conduta tipificada no delito de injúria – realizada mediante a atribuição de qualificações, atributos, que ofendam a dignidade e o decoro (art. 140 do CP) – está diretamente relacionada à imagem que a pessoa tem de si mesma, portanto, a sua honra subjetiva. Por outro lado, a prática de atos tipificados como difamação ou mesmo calúnia – que se referem à atribuição da autoria de fatos certos que sejam ofensivos à reputação do ofendido (art. 139 do CP) – atingem o modo pelo qual a pessoa é valorada socialmente, podendo configurar a ofensa à honra objetiva”.

 

Desta feita, compreendido o dever de reparar àquela que sofre por ato ilícito de outrem, o que se conclui é que a legislação infraconstitucional igualmente abarca a possibilidade de reparação pelo dano à honra por aquele que, em grupo de mensagens, ofende terceiro.

 

Para que haja dano aos direitos da personalidade faz-se necessário tão somente que o motivo traga desequilíbrio psíquico para o lesado, não excepcionando o meio virtual das hipóteses legais.

 

  1. Dano moral em aplicativo de troca de mensagens

 

Fato é que os aplicativos, as redes sociais e suas mensagens foram inseridos no cotidiano de grande parcela da população, onde muitas vezes não há uma reflexão sobre os efeitos e as consequências jurídicas que as palavras podem alcançar.

 

Por dois anos enfrentamos uma pandemia em que nos vimos obrigados a estar distantes das pessoas que comumente convivíamos. E diante de uma nova realidade alguns indivíduos, se aproveitaram e ainda aproveitam do “virtual” para proferir xingamentos e ofensas às pessoas que se encontram do outro lado das telas, como se isso não gerasse qualquer consequência para si.

 

No entanto, conforme vimos mais acima, o Código Civil em seus artigos 186 e 187, estabelece que aquele que por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito de outrem e causar-lhe dano, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito o que, por sua vez, enseja no dever de indenizar aquele que se sentir prejudicado.

 

O direito à dignidade engloba o direito à honra, à imagem, ao nome, à intimidade, à privacidade ou a qualquer outro direito da personalidade, assim como o direito à imagem vincula-se a tudo que é forma estética, ou seja, o corpo, o rosto, perfil da pessoa. Sendo certo, que qualquer agressão que atinja o sentimento pessoal de dignidade que, fugindo à normalidade, cause sofrimento, vexame e humilhação intensos, alteração do equilíbrio psicológico de indivíduo, deve ensejar em indenização.

 

A professora Maria Helena Diniz define a responsabilidade civil (2004, p. 7)[8] como: “A aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar dano moral ou patrimonial causados a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.

 

Como a comunicação virtual aumentou de forma abrupta, as ofensas e atos ilícitos acompanharam esse crescimento de forma proporcional. Grupos são frequentemente criados com o objetivo, muitas vezes, de trocar ideia entre os participantes que, aparentemente, desejam e pensam da mesma forma.

 

Ocorre que, em havendo um desencontro de entendimentos, por vezes observamos comportamentos que fogem à moral e a boa convivência. A partir disso, as ofensas íntimas não demoram a acontecer. Os exemplos são os mais diversos, os quais citamos: grupos de futebol, do trabalho, de condomínios ou até mesmo no grupo da família, ofensas são desferidas quando o assunto é política.

 

Mas grupos de mensagens o próprio nome já esclarece: ali há mais de uma pessoa. Em que pese ser um ambiente virtual e o emitente estar, por exemplo, no conforto da sua casa, a comunicação naquele ambiente é como se estivesse em praça pública. Portanto, ofender alguém com xingamentos, calúnias e difamações, é expor o ofendido ao público, colocá-lo em situação vexatória em como se estivesse em praça pública.

 

Conforme consta do sítio eletrônico do whatsapp[9], um grupo pode conter 256 pessoas: “Com as conversas em grupo, pode partilhar mensagens, fotos e vídeos com até 256 pessoas em simultâneo. Também pode atribuir um nome ao grupo, desativar ou personalizar notificações e muito mais.”.

 

Não há como se desconsiderar esse dado relevante de apenas uma das plataformas existentes de troca de mensagens. Não há ausência de legislação expressa que possa manter impune aquele que ultrapassa os limites e atinge a esfera individual de outrem.

 

Assim, o dano moral por ato ilícito cometido em grupos de aplicativo de mensagens é passível de reparo, seja pelo que dispõe a Constituição Federal, seja por todo o arcabouço infraconstitucional no que tange a responsabilidade civil do ofensor.

 

  1. Entendimento jurisprudencial do dever de indenizar por mensagens ofensivas em aplicativos

 

O Código Civil em seu artigo 21 definiu que: “A vida privada da pessoa natural é inviolável, e o juiz, a requerimento do interessado, adotará as providências necessárias para impedir ou fazer cessar ato contrário a esta norma”. Neste espeque, o que se observa é que o Poder Judiciário tem condenado a prática criminosa em razão das ofensas à dignidade humana ocorridas em grupos de aplicativos de mensagens.

 

Em sentença proferida pelo 3º Juizado Especial Cível de Brasília[10], foi decidido que o envio de mensagens com o intuito de expor e desonrar alguém, quando enviadas em grupos de aplicativo, ferem a honra subjetiva e ensejam no dever de indenizar. No caso analisado pela Corte brasiliense, um colega de trabalho teria enviado mensagens de xingamentos com o intuito de difamar e humilhar outro colega em grupo de WhatsApp do qual participavam outros funcionários da empresa.

 

Segundo a Magistrada restou clara a intenção do réu em expor, no grupo em questão, a existência de processo de remoção do autor e, assim, colocá-lo em situação constrangedora diante dos colegas de trabalho: “Apesar de ser público, nem todas as pessoas teriam conhecimento ou interesse de pesquisar o fato se não fosse a intervenção do requerido (…).O instituto dos danos morais se mostra aplicável aos casos em que ocorram lesões aos direitos da personalidade por meio de ofensas morais, já que tais fatos são potencialmente aptos a causarem prejuízos psicológicos ao indivíduo“.

 

Mas essa não foi a primeira vez que o Tribunal de Justiça de Distrito Federal e Territórios se manifestou neste sentido. A Segunda Turma recursal[11] ao analisar caso em que ocorreram xingamentos em grupo de aplicativo WhatsApp de torcedores de determinado time de futebol, entendeu que os termos proferidos “superam a liberdade de expressão e configuram efetivas ofensas à seara moral, principalmente porque proferidos em um ambiente coletivo (grupo de aplicativo contendo mais de 200 integrantes)”.

 

Nota-se que o Judiciário tem levado em conta o volume de participantes dos grupos e que tem acesso imediato às ofensas. Esse fator foi levado em consideração pelo Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[12] que ressaltou que: “E no caso, restou incontroverso que o referido grupo de whatsapp criado pelos réus, em que foram proferidas as ofensas era formado por aproximadamente cem vizinhos, colegas e amigos dos apelados e houve ampla repercussão das acusações, alcançando inclusive familiares, causando constrangimento e desavenças dentro do condomínio.”.

 

Esse foi o mesmo entendimento proferido pela Turma Recursal Única do Tribunal de Justiça do Estado do Mato Grosso[13] que entendeu que em caso análogo as ofensas proferidas por meio de aplicativo de conversa “causaram danos à imagem e integridade psicológica da Reclamante e, via de consequência, resta configurado o ato ilícito, passível de indenização por dano moral”.

 

Seguindo essa linha, as Turmas Recursais do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul[14] têm aplicado o entendimento que mensagens depreciativas proferidas em grupos de WhatsApp em detrimento de alguém, configuram o ato ilícito, o nexo de causalidade e dano à honra, portanto, o dever de indenizar.

 

E no tocante a liberdade de expressão, utilizada por alguns ofensores como linha de defesa, em um acordão proferido pelo Desembargador Pedro de Alcantara, da 8ª Câmara de Direito Privado de do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[15], destacou os limites da liberdade de manifestação de pensamento: “Liberdade de manifestação de pensamento não se confunde com ataque gratuito à honra alheia. É justamente por esse motivo que a Constituição Federal nega o anonimato, justamente para que o lesado possa pleitear reparação do ofensor caso se sinta prejudicado.”.

 

No entanto, como contraponto, vale trazer para consideração, o entendimento da 35ª Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo[16], em ação movida por uma síndica quanto as reclamações veiculadas por condômino a respeito de sua atuação como síndica em determinado grupo de aplicativo WhatsApp, que entendeu que os termos proferidos caracterizaram críticas ao desempenho do trabalho da função de síndica, o que seria “um mero dissabor que todos estão sujeitos no cotidiano das relações sociais (…). Os transtornos existentes entre as partes se restringem acontecimentos típicos da vida em condomínio, sendo insuficientes para embasar uma condenação por dano moral”.

 

Devemos considerar que o dano moral não se caracteriza com ínfimos aborrecimentos do dia a dia, portanto, para ocorrer sua configuração temos que partir da premissa do comportamento do homem médio, parâmetro esse, que permite uma previsibilidade da maioria dos indivíduos que compõe essa sociedade, ou seja, um meio termo entre a pessoa extremamente sensível que se aborrece com qualquer contratempo, e a pessoa completamente fria que não altera seu humor ou comportamento com os aborrecimentos corriqueiros.

 

Nota-se assim, que como em qualquer outro ato ilícito, o Poder Judiciário tem feito a devida ponderação entre as alegações das vítimas e os requisitos para se aplicar a responsabilidade subjetiva para reparação. Em que pese ser um grupo de mensagens virtual, os ditames constitucionais, doutrinários e legais tem sido balizadores do Judiciário para aferição dos danos morais no espaço cibernético podendo, assim, alcançar-se o dever de indenizar por mensagens ofensivas trocadas em grupos de aplicativo.

 

Conclusão:

 

Em face do exposto, verifica-se que fomos inseridos em uma variedade muito grande de redes sociais com milhões de pessoas, com aplicativos de entretenimento dos mais diversificados estilos e gostos, compartilhamos nossas vidas e complementados a troca de mensagens instantâneas de forma privada (A para B) ou de forma pública: seja em grupos, seja em uma fotografia de determinado usuário.

 

Apesar do ambiente virtual ser aparentemente propício para condutas criminosas, sua utilização deve estar em conformidade com as políticas e diretrizes dos aplicativos, evitando o constrangimento da esfera íntima de outra pessoa ou usuário quando, especialmente (mas não afastando o compartilhamento de conteúdo indevido de forma individual), as partes estiverem dividindo o mesmo espaço virtual/grupos de aplicativos. Há de se utilizar o bom senso de modo a não se ultrapassar os limites do direito de informar e de criticar, consagrados dos art. 5º, IV, IX e XIV, e 220 da Constituição Federal.

 

Vivemos tempos difíceis, e tempos em que não existem palavras “soltas ao vento”, mas palavras que estão há um segundo do compartilhamento para dezenas de outros usuários pelo mundo e há um segundo do print screen.

 

O compartilhamento de informação depreciativa pelo aplicativo WhatsApp configura ato ilícito passível de reparação civil que deve ser fixada em valor razoável e proporcional para compensar os transtornos causados.

 

Referências:

 

BITTAR, Carlos Alberto. Os direitos da personalidade. 6ª. Ed., atualizado por Eduardo Carlos Bianca Bittar. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2003, p. 2.

BRAGA, Diogo de Melo; BRAGA, Marcus de Melo; ROVER, Aires José. Responsabilidade Civil das Redes Sociais no Direito Brasileiro. Disponível em:

<http://www.egov.ufsc.br/portal/sites/default/files/aires_braga.pdf>. Acesso em: 01/05/2022.

 

BRASIL. Código Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10406.htm> Acesso em: 01/05/2022.

 

BRASIL. Constituição Federal – < www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao > acesso 02/05/2022

BRASIL. Site WHATSAPP. Disponível em: < https://www.whatsapp.com/features/?lang=pt_pt#:~:text=Use%20os%20grupos%20para%20se%20manter%20em%20contacto&text=Com%20as%20conversas%20em%20grupo,personalizar%20notifica%C3%A7%C3%B5es%20e%20muito%20mais.> Acesso em 01/05/2022.

 

BRASIL. Tribunal de Justiça do Distrito Federal. Recurso Inominado. Acórdão 1324732, 07570635820198070016, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Primeira Turma Recursal, data de julgamento: 5/3/2021, publicado no DJE: 12/4/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.

 

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BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. 8ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n.º 0002885-77.2015.8.26.0481. Rel. Des. PEDRO DE ALCANTARA DA SILVA LEME FILHO. J. 17-02-2016

 

BRASIL. TRIBUNAL DE JUSTIÇA DE SÃO PAULO. Apelação Cível 1016090-36.2018.8.26.0002; Relator (a): Gilberto Leme; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV – Butantã – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/01/2020; Data de Registro: 24/01/2020.

 

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TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 48.

 

[1] MENDES, Gilmar; BRANCO, Gonet Gustavo Paulo. Curso de Direito Constitucional. São Paulo: Saraiva, 2014.

 

[2] Schiavi, Mauro, Ações de Reparação por danos decorrentes da relação de trabalho. 4ª Ed. Rev. e Atual. São Paulo, LTr, 2011. 1996 apud SCHIAVI, 2011, p. 64.

[3] TEPEDINO, Gustavo. A tutela da personalidade no ordenamento civil-constitucional brasileiro. 2. ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2004, p. 48.

[4] STOCO. Rui. Tratado de Responsabilidade Civil. São Paulo: RT. Ga ed. 2004. p. 896.

[5] Programa de Responsabilidade Civil, de Cavalieri Filho, 6ª edição, Editora Malheiros, 2005, fl. 41

[6] BITTAR, Carlos Alberto. Reparação civil por danos morais. 4ª ed., São Paulo: Saraiva, 2015, p. 45

[7] STJ – Resp 1.650.725/MG (2017/00189000-9) – Relatora: Min. Nancy Andrighi, julgado em 18/05/2017

[8] DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil: responsabilidade civil. 18. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v. 7. p. 7

[9] Acessado em 01/05/2022.

[10] Acórdão 1324732, 07570635820198070016, Relator: AISTON HENRIQUE DE SOUSA, Primeira Turma Recursal, data de julgamento: 5/3/2021, publicado no DJE: 12/4/2021. Pág.: Sem Página Cadastrada.

[11] Acórdão 1235330, 07106302620198070006, Relator: GABRIELA JARDON GUIMARAES DE FARIA, Segunda Turma Recursal, data de julgamento: 11/3/2020, publicado no DJE: 17/3/2020. Pág.: Sem Página Cadastrada.

[12] TJSP; Apelação Cível 1016090-36.2018.8.26.0002; Relator (a): Gilberto Leme; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV – Butantã – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/01/2020; Data de Registro: 24/01/2020

[13] TJ-MT-RI: 80102417720168110025 MT, Relator VALMIR ALAERCIO DOS SANTOS, Data de Julgamento 15/11/20\17, Turma Recursal Única, Data de Publicação: 17/11/2017.

[14] TJRS: Recurso Cível, Nº 71009205717, Quarta Turma Recursal Cível, Turmas Recursais, Relator: Jerson Moacir Gubert, Julgado em: 20/10/2020

[15] TJ/SP, 8ª Câmara de Direito Privado, Apelação Cível n.º 0002885-77.2015.8.26.0481. Rel. Des. PEDRO DE ALCANTARA DA SILVA LEME FILHO. J. 17-02-2016

[16] TJSP; Apelação Cível 1016090-36.2018.8.26.0002; Relator (a): Gilberto Leme; Órgão Julgador: 35ª Câmara de Direito Privado; Foro Regional XV – Butantã – 1ª Vara Cível; Data do Julgamento: 24/01/2020; Data de Registro: 24/01/2020

 

Sobre os Autores:

Marina de Araujo Lopes, Advogada OAB/DF 43.327, Sócia da Siqueira Castro Advogados, possui L.L.LM em Direito Empresarial no IBMEC e Pós Graduada em Processo Civil pela EBRADI.

 

Rayana Castro de Oliveira e Silva, Advogada OAB/DF 49.183, Advogada da Siqueira Castro Advogados, Pós-graduanda em Processo Civil pela EBRADI e em Processo Penal pela Atame.

 

Área do Direito: Direito Civil